Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | INJUNÇÃO ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO | ||
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Data do Acordão: | 11/17/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADO O JULGAMENTO | ||
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Sumário: | O convite ao aperfeiçoamento, previsto no art.º 17º nº 3 do DL 269/98, é um poder vinculado do juiz, mormente quando, não tendo sido feito, se segue uma decisão absolutória com fundamento na insuficiência da causa de pedir ou na falta de alegações de alguns factos, cuja falta pode fazer naufragar a acção ou a oposição | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 443786/08.3YIPRT.E1 Apelação 1ª Secção Recorrente: Carlos ............ ............. Recorrido: António ............ ............. * Relatório[1] «Carlos ............ ............, residente na Rua……………, em Évora, requereu a presente injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ao abrigo do disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, na redacção actual, contra António ............ ............, residente na ………….., em Massamá, pedindo que seja o mesmo condenado a pagar-lhe a quantia total de €14.787,30 (catorze mil, setecentos e oitenta e sete euros e trinta cêntimos), sendo €13.905 (treze mil, novecentos e cinco euros) a título de capital, €834,30 (oitocentos e trinta e quatro euros e trinta cêntimos) a título de juros de mora vencidos desde 12.03.2007 até 23.12.2008, à taxa de 4%, e €48 (quarenta e oito euros) a título de taxa de justiça. Para tanto, alegou o requerente que tal quantia lhe é devida pela prestação de serviços ao requerido, no exercício da sua actividade profissional, e pelo mesmo não pagos (cfr. Fls. 2 dos autos). Regularmente citado, o requerido deduziu oposição, alegando nada dever ao requerente porquanto a quantia já entregue é suficiente para pagamento dos respectivos honorários (cfr. Fls. 6 e seguintes dos autos).» Procedeu-se a julgamento e de seguida foi proferida sentença julgando a acção improcedente por não provada. * Inconformado veio o A. interpor recurso de agravo, admitido e bem como de apelação, por ser o próprio. Rematou as suas alegações com as seguintes Conclusões: « a) O presente recurso vem interposto da mui douta sentença de fls. , dos autos; a qual, aliás, julgou a acção improcedente, tendo, consequentemente, absolvida o R. do pedido; b) E, circunscreve-se à matéria de facto e de direito; c) A presente acção destina-se à condenação do Requerido no pagamento de honorários devidos ao Requerente/Recorrente; d) A sentença recorrida julgou a presente acção improcedente, por não provada; e) Louvando-se no facto de o ora Recorrente, no requerimento inicial, não ter alegado as diligências realizadas e o tempo dispendido nas mesmas; f) Ora, segundo aquela sentença ficou provado que: "o processo em que o requerente patrocinou o requerido correu termos por mais de dez anos, com recursos interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça e que no termo do processo o requerido recebeu todas as quantias que lhe eram, devidas "; g) Todavia, segundo a mesma sentença, o Tribunal ad quo deu como não provado, com relevância para a decisão da causa, "qual o montante da quantia (recebida pelo Requerido)? "; h) Porém, o certo é que, o processo de laudo refere expressamente, que o Requerido recebeu "o valor líquido de € 146.317,91"; i) Sendo certo que, na sua oposição (à injunção), o Requerido, apenas, refere haver recebido "no mencionado processo cerca de € 120.000,00"; j) Pelo que, sempre deveria ter sido dado como provado que o Requerido recebeu aquele valor constante do referido laudo; k) Nos termos do disposto no art.100° do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 15/2005 de 26/0 I), os honorários do Advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados "; I) E, "na fixação dos honorários deve o Advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto ... ao resultado obtido. ao tempo dispendido" (citado art. 100°, n°.3); m) Ora, como consta, aliás, dos presentes autos ficou provado, para além do mais, o seguinte: 1. O requerente é Advogado tendo escritório em Évora: II No exercício da sua actividade o Requerente patrocinou o requerido no proc.408/94-CIT, que correu termos na 3° Secção do 5º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa; 111. O qual correu termos por mais de dez anos; IV. Com recursos interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça; V -No termo do processo o Requerido todas as quantias que lhe eram devidas; ou seja: - repete-se - € 146.317,91; n) Mais ficou, ainda, provado que: I - O Requerente apresentou, para pagamento, ao Requerido, a nota de honorários (resposta 12); II - A qual apresentava um saldo a favor do Requerente no montante de €13.905,OO (treze mil novecentos e cinco euros) - (resposta 13); III - Quantia que o Requerido não entregou ao Requerente; o) Ora, com o devido respeito - que é muito - afigura-se-nos pois que a matéria de facto, dada como provada, é manifestamente suficiente para o Tribunal ad quo proferir, em conformidade, uma sentença favorável ao ora Recorrente; p) Sendo certo que - na nossa modesta opinião - aqueles factos, dados como provados, preenchem, a nosso ver, os requisitos necessários à procedência da presente acção de honorários; q) Decidindo, como decidiu, a Ma Juiz ad quo fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados; r) Todavia e, a entende-se de outro modo - hipótese que se formula sem conceder -, o certo é que nos termos do disposto no art.508°, n°. I , alínea b)-, n°.2 (parte final) e n°.3 do Cód.Proc.Civil, findos os articulados, a Ma Juiz sempre deveria ter proferido despacho destinado a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados; s) Sendo que, neste caso, tal omissão, sempre constituirá violação do disposto naquele preceito legal; t) Ora, no caso de se conhecer desta omissão, sempre caberá a este Venerando Tribunal da Relação o poder oficioso de anular a sentença recorrida; u) Tendo em vista a que seja ordenado o aperfeiçoamento do requerimento inicial; v) Por forma a que tais factos integradores da causa de pedir, possam vir a ser alegados, nos termos do disposto no artA07°, nO. I , alínea d)- do Cód.Proc.Civil; w) Seguindo-se, assim, até final as demais fases do processo; x) Na verdade, tal insuficiência - a existir - só pode - e deve - ser suprida por este Venerando Tribunal; y) Decidindo, como decidiu, o Tribunal a quo fez errada interpretação da matéria de facto, dada como provada e, incorrecta aplicação das supra citadas disposições legais; z) Pelo que, sem mais considerações, sempre deverá a presente acção ser julgada procedente; revogando-se, assim, e, em consequência, a douta sentença recorrida; ou, aa) No caso de se vir a entender-se de outro modo, sempre deverá decidir-se no sentido de ser ordenado o aperfeiçoamento do requerimento inicial, com todas as consequências legais». * Não houve contra-alegações.* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 685-A e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). Das conclusões decorre que as questões a decidir consistem em saber: - se deve ser alterada a decisão de facto e revogada a sentença, julgando procedente o pedido, - ou se ocorre nulidade processual, consubstanciada na falta de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, determinante da anulação do processado posterior, em virtude do tribunal ter considerado que não foram alegados factos concretos no articulado suficientes para, uma vez provados, proceder o pedido. * Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.Quanto á pretendida alteração da decisão de facto designadamente quanto ao montante recebido pelo R. na acção patrocinada pelo A., no sentido de se consignar que foi de €146.317,91, não assiste qualquer razão ao recorrente. Com efeito o A. não alegou no requerimento inicial que o proveito obtido pelo R. fosse aquele e consequentemente não poderia pretender provar o que não alegara. Por outro lado mesmo que o tivesse alegado, não seria com base no laudo da ordem que poderia provar tal facto, porquanto o laudo é apenas uma opinião técnica qualificada emitida por peritos e não elemento de prova de facto concretos. O tribunal desconhece com base em que provas ou elementos probatórios os peritos concluíram que o valor percebido pelo recorrido na referida acção fora o que indica o A. e consequentemente nunca poderia dar tal facto como provado apenas com base no laudo dos peritos, que não tem, nesse particular, qualquer valor probatório. Quanto à pretendida revogação da sentença por existirem factos suficiente para a sua procedência também não assiste razão ao recorrente. Na verdade os factos dados como provados não permitem a formulação de um juízo seguro sobre a adequação e justeza dos valores peticionados pelo A. e não pode o tribunal limitar-se a acolher e seguir acriticamente o laudo da Ordem, que é apenas um dos elementos a ponderar na decisão. Os autores do laudo apontam deficiências várias à nota de honorários apresentada pelo recorrente, designadamente a falta de indicação do tempo gasto e bem assim do preço da unidade de tempo (hora), sendo certo que tais elementos são importantes para aquilatar se os valores pedidos são a «compensação económica adequada,» à luz dos parâmetros definidos no nº 3 do art.º 100 do EOA, pelos serviços efectivamente prestados» (art.º 100 n.º 1 do EOA). Mas daqui não decorre que o Tribunal pudesse decidir como decidiu, e aqui entramos na análise da segunda questão. * Na sentença concluiu-se que não existe óbice legal à utilização do processo de injunção para a cobrança de honorários e na verdade não existe uma proibição legal expressa. Mas ninguém de bom senso duvidará de que tal tipo de processo não foi pensado nem gizado para este género de créditos cuja liquidação depende de imensos factores, todos eles discutíveis e quase sempre sem acordo prévio das partes quanto aos elementos determinantes do valor mesmo, no que respeita aos elementos objectivos, como seja o tempo gasto e valor da unidade de tempo[4]. Mas se a parte optou por usar esta via sabe os riscos que corre, havendo oposição. Designadamente sabe que a descrição sumária da causa de pedir que é exigida no requerimento de injunção, dificilmente pode ser aproveitada com sucesso para fundamentar a procedência da acção, dada a magreza de factos que aquela comporta e só o recurso inevitável ao convite ao aperfeiçoamento da petição pode salvar a acção do insucesso. A pretexto do princípio da cooperação o legislador tem multiplicado as situações em que impõe ao juiz, uma vezes explicitamente outras implicitamente, a obrigação de convidar as partes a fazer correcções nos articulados, alegações e conclusões e outras peças processuais ou de as alertar para certos procedimentos legais. Esta atitude do legislador é incompreensível desde logo quando se está perante situações de patrocínio obrigatório por advogado. Este sendo um técnico especialmente reconhecido pelo Estado para o exercício da actividade forense que tem, tal como o juiz, obrigação de conhecer a lei, de a cumprir e de avaliar os riscos que corre ao agir em desconformidade com os seus ditames, pelo que mal se compreende esta preocupação do legislador de fazer do juiz uma tábua de salvação para os erros dos advogados, com o risco de se poder questionar se tais procedimentos não beliscam a imparcialidade e a isenção que é apanágio do exercício da função judicial. Por outro lado o que se verifica é que o princípio da cooperação é quase sempre de sentido unívoco, do tribunal para as partes e nunca destas para com o Tribunal!!! Compreende-se que assim seja. É da natureza das coisas. Numa lide à sempre posições antagónicas e, em regra, o que interessa e satisfaz uma parte desagrada à outra e vice-versa. O juiz pode discordar das opções do legislador, mas não pode deixar de cumprir e fazer cumprir a lei, pois só a ela e às decisões dos tribunais superiores deve obediência! Assim e voltando a questão concreta do recurso não podemos deixar de dar razão ao recorrente quando afirma que se o Juiz entendia que os factos descritos no requerimento de injunção eram insuficientes para o êxito da acção, tinha o dever de convidar o A. a corrigir a petição inicial, apresentando novo articulado, nos termos do disposto no nº 3 art.º 17º do DL 269/98. Ao não agir desse modo e fazendo prosseguir os autos para julgamento, terá cometido uma nulidade processual, com influência decisiva no exame e decisão da causa, (art.º 201 do CPC) nulidade essa que se materializa com a prolação da sentença absolutória exactamente com fundamento na insuficiência de factos alegados na petição inicial. É abundante a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento é um poder vinculado do juiz, mormente quando, não tendo sido feito, se segue uma decisão absolutória com fundamento na insuficiência da causa de pedir ou na falta de alegações de alguns factos, cuja falta pode fazer naufragar a acção ou a oposição[5]. Em Síntese: O convite ao aperfeiçoamento, previsto no art.º 17º nº 3 do DL 269/98, é um poder vinculado do juiz, mormente quando, não tendo sido feito, se segue uma decisão absolutória com fundamento na insuficiência da causa de pedir ou na falta de alegações de alguns factos, cuja falta pode fazer naufragar a acção ou a oposição Concluindo Assim verificada aquela falta impõe-se a anulação do julgamento e da sentença, devendo o tribunal proferir despacho a convidar o A. a apresentar nova petição onde concretize todos os facto relevantes à boa decisão da causa. Custas pela parte vencida a final. Registe e notifique. Évora, em 17 de Novembro de 2011. -------------------------------------------------- (Bernardo Domingos – Relator) --------------------------------------------------- (Silva Rato – 1º Adjunto) --------------------------------------------------- (Luís Mata Ribeiro – 2º Adjunto) __________________________________________________ [1] Transcrito da sentença. [2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [4] Ao mesmo tempo contende com a regra específica de competência territorial, que impõe que as acções para cobrança de honorários corram por apenso ao processo onde foram prestados os serviços, desde que, tal tribunal seja materialmente competente para tal. [5] Cfr. Entre outros, os seguintes acórdãos: Relação de Lisboa de: 3-11-2005, 6374/2005-6; 13-9-2007, 5203/2007-2; 5-6-2008, 539/2008-1; 3-2-2009, 10740/2008-7, www.dgsi.pt/jtrl ; e da Relação do Porto de: 17-3-2005, 0531143; 11-10-2005, 0425494; 30-5-2006, 0622845; 30-3-2006, 0631115; 23-10-2006, 0654607; 30-10-2007, 0724904, www.dgsi.pt/jtrp; Relação de Coimbra 236/08.6TBLSA de 1704/09 e 2100/04 de 19/09/06. |