Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1809/06-2
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – Invocada a ofensa à posse por parte do requerente, encontra-se verificado o pressuposto exigido pelo artº 412º do Cód. Proc. Civil para instauração da providência, uma vez que a lei atribui a faculdade de instauração do procedimento cautelar de embargo de obra nova a todo aquele que se julgue ameaçado na sua posse, aqui se abarcando todos os direitos em que esta esteja inerente, bem como todas as situações em que se pretenda defender a mera posse.
II – Tendo os requerentes na sua petição inicial invocaram que a audição prévia da requerida “porá em sério risco o fim e a eficácia da providência” por entenderem que a obra cuja não edificação se pretende acautelar “pode ser definitivamente concluída em poucos dias” e tendo o Juiz reconhecido a existência desse risco, mostra-se suficientemente fundamentada a dispensa do contraditório prévio ao decretamento da providência.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



Maria Teresa........... e António ………., residentes em Foros do Corujo, Vale D’Água, Santiago do vieram intentar, no Tribunal Judicial da Comarca de Odemira, providência cautelar de embargo de obra nova contra Maria ..........., residente em Lisboa, pedindo a suspensão da construção de um muro de vedação, alegando que tal construção impossibilita a passagem daqueles para uma propriedade de que detêm a posse e que cultivam há mais de 20 anos.
Não se procedeu à audição da requerida, por se ter entendido existir “risco sério de retirar o efeito prático á providência a audição da requerida, uma vez que esta poderá até apressar a construção em causa”.
Tramitada e julgada a acção, em 1ª instância, foi proferida decisão que no âmbito do seu dispositivo reza:
Pelo exposto, e ponderando o estatuído nos preceitos legais invocados, julgo o presente procedimento cautelar procedente, e consequentemente:
- Decreto o embargo de obra nova efectuada pela requerida.
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Não se conformando com esta decisão, veio a requerida interpor o presente recurso de agravo e apresentar as respectivas alegações, terminando, por peticionar o provimento do mesmo e, em consequência, a revogação da decisão recorrida e o levantamento da providência, formulando as seguintes conclusões:
1 — Os Rtes não alegam, na petição de embargo, que lhes pertence qualquer direito (quer a titulo de possuidores quer de proprietários) sobre as parcelas inscritas na matriz sob os art°s 5 e 24, ambas da secção A, da freguesia de Vale de Santiago, nem qualquer relação com essas parcelas, não sendo licito, ao julgador, servir-se ou ocupar-se de matéria não suscitada pelas partes, só podendo servir-se dos factos alegados , nos quais fundará a decisão.
2 — Os requerentes não fazem prova, ainda que sumária, de lhes pertencer qualquer direito sobre as parcelas referidas.
3 — Falta um dos pressupostos essenciais para o decretamento da providência.
4 - Aprova testemunhal não pode incidir sobre matéria não alegada e as testemunhas foram induzidas a responder sobre um facto não alegado — a relação dos requerentes com as parcelas — testemunha Diamantino e Joaquim Martins Guerreiro.
5 - A Meritíssima Juíza a quo considerou provado um facto que não tem assentamento em qualquer prova — escrita ou verbal - ponto 10 dos Factos sumariamente provados.
6 - A audiência da R. era fundamental para uma decisão justa.
7 - A matéria alegada na acção principal é irrelevante para a providência requerida e para o seu decretamento, não tendo que reportar-se à providência, pois, nesta, terá de atender-se ao que nela se alega e prova do que se alega, ainda que de forma sumária.
8 - Verifica-se falta de mandato judicial, pelo que, o requerido por António Francisco deveria ser rejeitado liminarmente.
Foram violados os art°s 412°, 384°, 387°, 385°-1, 660º-2 ( 2 parte) e 659° -3 , 264°-1 , 494 al.h) (2 parte) e 493º - todos do CPC
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Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
O Juiz a quo proferiu decisão tabular de sustentação.
Corridos estão os legais vistos.

Apreciando e decidindo

Como se sabe o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar:
1º - Se, se verifica a falta de pressupostos essenciais para o decretamento da providência;
2º - Se existiu violação do disposto no artº 385º do Cód. Proc. Civil ao admitir-se a produção de prova sem audiência prévia da requerida;
3º - Se, se verifica a falta de mandato judicial relativamente ao requerente António Francisco, o que conduzia a que a sua pretensão tivesse de ser rejeitada liminarmente.
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A matéria factual dada como provada é a seguinte:
1. Em 30/01/2006 os ora requerentes intentaram contra a requerida a acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário com o número de processo 79/06.1 TBODM.
2. Acção essa cujo respectivo registo deu entrada na Conservatória do Registo Predial de Odemira em 02/03/2006, apresentação n° 15 desse dia.
3. Nessa acção, os requerentes articularam todos os factos que os levaram a formular os seguintes pedidos:
a) - que se constitua a favor do A. António ………., por usucapião do seu domínio útil, a enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense e oliveiras com a área de 0,8 750 ha, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o art. 24° da secção A, confrontando a norte com “Caiada “, a nascente com “Fonte do Corcho “, a sul com “Escondido” e a poente com “Chaparral “, a desanexar do prédio rústico denominado “Caiada “, sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o n°16.204, a fls. 43 v° do Livro B-46 e actualmente sob a ficha n° 00341/210295, na Conservatória do Registo Predial de Odemira;
b) - que se constitua a favor dos AA. António…… e Maria Teresa..........., em comum e sem determinação de partes ou de direitos, por usucapião do seu domínio útil, a enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense, com a área de 0,7500 ha, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o art. 50 da secção A, confrontando a norte com “Caiada “, a nascente com “Fonte do Corcho”, a sul com “Escondido” e a poente com “Chaparral”, a desanexar do prédio rústico denominado “Caiada “, sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o n°16.204, afis. 43 v° do Livro B-46 e actualmente sob a ficha n° 00341/210295, na Conservatória do Registo Predial de Odemira;
c) - que se reconheça que os AA. são proprietários daquelas parcelas por força da entrada em vigor do D.L. n° 195-A/76, de 16 de Março, condenando-se a Ré a reconhecer aquelas aquisições.”
4. Para a acção declarativa foi a requerida citada por carta datada de 03/02/2006.
5. Sucede que no dia 13/03/2006, a pedido da requerida, foram descarregados alguns materiais de construção no prédio inscrito na matriz sob o art. 5°, da secção A, da freguesia de Vale de Santiago.
6. Tais materiais consistiram em blocos de cimento e areão.
7. Para além disso, no mesmo dia foram colocados quadros de obras (de luz) nas parcelas inscritas na matriz sob os n°s 5, secção A e 24°, secção A — da freguesia de Vale de Santiago.
8. Uns dias depois - nos dias 17 e 18 de Março de 2006 -, a requerida mandou colocar nos prédios, tijolos e ferro e começaram a iniciar-se obras nos terrenos atrás mencionados, pretendendo a requerida erigir um muro de vedação.
9. E os trabalhadores que lá se encontravam no local começaram a fazer os caboucos da obra.
10. Se a requerida vedar os terrenos, os requerentes deixam de poder aceder ao prédio que utilizam há mais de 20 anos e de o poder utilizar da forma como têm vindo a fazer até ao momento.
11. Deixam de poder cuidar das culturas que lá fizeram, deixam de poder plantar e cultivar e deixam de conseguir aceder às benfeitorias que lhes pertencem.
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Conhecendo da 1ª questão
Insurge-se a recorrente pelo facto de ter sido aceite a pretensão dos requerentes, quando, em sua opinião, não foram articulados nem provados factos donde se possa retirar a conclusão que os mesmos detêm qualquer direito sobre as duas parcelas em questão.
Lendo a petição respeitante à presente providência, podemos constatar que ela não é “um mimo”, no que respeita à descrição dos factos, tendo-se enveredado por chamar à colação o que consta articulado na acção principal (processo distinto) a que este procedimento se encontra apenso. No entanto, e não obstante termos de reconhecer que não foram articulados, nesta providência cautelar, factos tendentes a poder-se deduzir que os requerentes são titulares do direito de propriedade dos prédios a que se alude no artº 3º da petição, o certo é que nos artºs 11º e 12º alegam factos donde se retira deterem a posse de tais prédios. [1]
Assim, invocada a ofensa à posse encontra-se verificado o pressuposto exigido pelo artº 412º do Cód. Proc. Civil para instauração da providência, uma vez que a lei atribui a faculdade de instauração do procedimento cautelar de embargo de obra nova a todo aquele que se julgue ameaçado na sua posse, aqui se abarcando todos os direitos em que esta esteja inerente, bem como todas as situações em que se pretenda defender a mera posse. [2]
Mas terão os requerentes feito prova, no âmbito desta providência, que detêm qualquer direito sobre as aludidas parcelas designadamente a mera posse?
Em nosso entendimento a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
Estamos em sede de direitos disponíveis, competido às partes articular os factos que julguem com interesse para fazerem valer os seus direitos, exigindo-se por seu turno, ao julgador, que tendo por base esses factos, fixe a matéria assente de acordo com as provas carreadas e produzidas e com base nela profira decisão.
A recorrente insurge-se pelo facto do Mmo. Juiz a quo ter dado como assente a matéria factual constante no ponto 10º dos factos assentes, referindo que ele “não tem assentamento em qualquer prova – escrita ou verbal”. Efectivamente, não podemos deixar de reconhecer que lendo a motivação relativa à matéria de facto (fls. 15 e 16), não existe qualquer referência ao ponto 10º, ao contrário do que acontece com todos os outros, tudo levando a crer que existiu omissão de fundamentação relativamente a tal ponto da matéria.
No entanto, após audição dos depoimentos testemunhais insertos no suporte magnético, constatamos que as testemunhas Joaquim Guerreiro e Silvéria Brás, foram unânimes em reconhecer que os requerentes vêm, há anos, agricultando as parcelas n.º 5 e 24 (referenciadas no ponto 3º da matéria assente), tendo até, construído, nesta última, uma casa de habitação e um poço, bem como, plantado eucaliptos, oliveiras e figueiras, pelo que para além, do reparo relativamente à falta de motivação (que não foi alegada), nada mais haverá a objectar, pois, o período temporal, durante o qual ocorre utilização dos prédios, é irrelevante para a decisão no âmbito da presente providência uma vez que não se pede, nem se pretende, o reconhecimento de qualquer direito de propriedade, alicerçado no decurso do tempo, mas tão só o embargo de uma obra, com invocação de ofensa à mera posse, não obstante na sentença sob recurso se fazer referência ao direito de propriedade dos requerentes sobre as parcelas em causa, mas com reservas, mesmo em termos indiciários. [3]
Nestes termos, por não se mostrarem violados os comandos legais insertos nos artºs 412º, 384º e 387º todos do Cód. Proc. Civil haverá, nesta parte, que negar-se provimento ao agravo.

Conhecendo da 2º questão
A recorrente sustenta que foi violado o artº 385º do Cód. Proc. Civil, por não lhe ter sido dada a possibilidade de se opôr antes do decretamento da providência, não tendo sido fundamentada pelo julgador a quo a razão da sua não audição prévia.
Os requerentes na sua petição inicial invocaram que a audição prévia da requerida “porá em sério risco o fim e a eficácia da providência” por entenderem que a obra cuja não edificação se pretende acautelar “pode ser definitivamente concluída em poucos dias”.
O Mmo. Juiz a quo mostrou-se solícito a tal pretensão e, socorrendo-se da excepção à regra prevista no artº 385º do Cód. Proc. Civil, determinou a realização da produção de prova, sem a citação prévia da ora recorrente, por entender que a confirmar-se a situação invocada pelos requerentes “existe efectivamente risco sério de retirar o efeito prático á providência a audição da requerida, uma vez que esta poderá até apressar a construção em causa”.
Ora, sendo legal a não audição prévia do requerido quando possa existir risco sério para o fim ou para a eficácia da providência, não vislumbramos a razão de ser da conclusão 6ª, até porque, o Mmo. Juiz a quo, ao contrário do que refere a recorrente nas suas alegações, fundamentou a razão da não audição prévia, muito embora em temos sintéticos, mas esclarecedores, perante a situação concreta.
Dir-se-á, também, por outro lado, a defender a posição da recorrente, de inexistência de fundamentação, tal pressupunha o cometimento de uma nulidade que deveria ter sido arguida autonomamente, perante o tribunal a quo, que a teria praticado (artºs 153º, 203º e 205º do CPC) e não no âmbito do presente recurso, o que levou a que tal nulidade, a existir, (o que em nossa opinião não é o caso) tivesse ficado sanada.
Nestes termos, há que negar, também, nesta parte, provimento ao recurso.

Conhecendo da 3ª questão
No que concerne a esta questão de alegada falta de mandato judicial relativamente ao requerente António Francisco, diremos, tal como o referimos relativamente à apreciação da 2º questão que, estando quer este processo (apenso), quer o processo principal a correr os seus termos no Tribunal Judicial de Odemira e tendo sido apresentadas as respectivas procurações, em ambos os processos, segundo o que nos é dado perceber, de idêntico teor, será perante o Juiz desse tribunal que a questão devia (ou deve) ser colocada, sob pena deste Tribunal da Relação que deve conhecer e julgar as questões com 2ª instância o estar a fazer como 1ª instância e sem possibilidade de concessão à parte do direito de interpor recurso de decisão eventualmente desfavorável.
Põe seu turno, também, como o presente recurso subiu em separado não temos conhecimento o teor da totalidade do processado das acções que correm no Tribunal a quo, desconhecendo-se, até, se tal questão já teria sido levantada perante o juiz do processo e se já teria sido alvo de decisão, pelo que não será curial da nossa parte, uma vez que a Relação é um Tribunal ao qual cabe apreciar decisões proferidas pelos Juízes de 1ª instância, ir apreciar e decidir uma questão que se desconhece se sobre ela recaiu ou não, ainda, alguma decisão (tudo levando a crer que não). Aliado, também, ao facto de a falta, a insuficiência e a irregularidade de mandato poder ser suprida (artº 40º do Cód. Proc. Civil), havendo, caso se reconheça tal verificação em sede de 1ª instância, que conceder-se tal faculdade de sanação do vício.
Nestes termos, existindo documentos nos autos a mandatar a ilustre advogada Ana Aleixo para patrocinar os requerentes que foram aceites como bons, até não serem os mesmos considerados irregulares não haverá (e por maioria de razão não haveria) fundamento para se ter rejeitado liminarmente a pretensão de António Francisco.
Assim, também, nesta parte, o recurso não merece provimento.
Nestes termos entendemos não se encontrarem violados, pela decisão sob censura, todos comandos legais invocados pela recorrente, havendo, por tal, que negar-se provimento ao agravo.
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DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante – art.º 446º n. 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.

Évora, 08/02/2007


Mata Ribeiro

Sílvio Teixeira de Sousa

Mário Serrano




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[1] - “ …se a requerida levar por diante os seus intentos e construir realmente um muro de vedação (como parece ser sua intenção) os requerentes deixam de poder aceder ao prédio que utilizam há mais de 20 anos e de o poder utilizar da forma como têm vindo a fazer até ao momento. Deixam de poder cuidar das culturas que lá fizeram, deixam de poder plantar e cultivar e deixam de conseguir aceder às benfeitorias que lhe pertencem.”
[2] - V. Alberto dos Reis in Código Processo civil anotado, vol. II, 59.
[3] - “… ora, no caso dos autos, resulta indiciariamente provado, senão o direito de propriedade dos requerentes, pelo menos a posse dos mesmos …”