Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BACELAR CRUZ | ||
Descritores: | FURTO QUALIFICADO PENA DE MULTA SUBSTITUIÇÃO POR TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 12/10/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. A pena de trabalho a favor da comunidade não se confunde com a substituição da multa por trabalho, a que se refere o artigo 48.º do Código Penal, que constitui simples sucedâneo de uma multa não paga – voluntária ou coercivamente, surgindo como forma de evitar pena privativa de liberdade. 2. Após a revisão do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, ficou resolvida a correspondência que deve existir entre os dias de multa e os dias de trabalho em substituição da pena de multa, correspondendo a cada dia desta uma hora de trabalho | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO No processo comum nº …, do 1.º Juízo Criminal Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o Arguido R., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento e condenado, por decisão datada de 10 de Abril de 2008 e transitada em julgado a 14 de Julho de 2008, pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros), perfazendo a pena de multa de € 900,00 (novecentos euros), com a alternativa de 200 (duzentos) dias de prisão. Entretanto, requereu o Arguido a prestação de trabalho a favor da comunidade, em substituição da mencionada multa. Realizadas no processo as diligências que se entenderam necessárias, por decisão datada de 20 de Abril de 2009, a pena de multa imposta ao Arguido foi substituída por 132 (cento e trinta e dois) dias de trabalho a favor da comunidade, com a duração de 1 (uma) hora cada, a prestar na Caritas Diocesana de Évora. Inconformado com esta última decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1 – O arguido foi condenado na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 3 euros, o que perfaz a multa global de 900 euros. 2 – Requereu a substituição desta pena pela prestação de dias de trabalho. 3 – Pretensão que foi deferida por despacho exarado a fls.,. 131 a 134, determinando a M.ma Juíza “a quo” a prestação pelo arguido de 132 horas de trabalho. 4 – Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 48º nºs 1 e 2 e 58º nº 3 do CP, a cada dia de multa corresponde a prestação de uma hora de trabalho. 5 – Neste quadro normativo, o legislador consagrou objectivamente um critério de correspondência aritmética entre um dia de multa e uma hora de trabalho, não podendo como é óbvio o julgador escolher e aplicar qualquer outro. 6 – Consequentemente, deveria ter sido fixado o cumprimento de 300 horas de trabalho. 7 – Pelo que a M.ma Juíza ao decidir de forma diferente violou os mencionados preceitos legais.» Conclui pela revogação da decisão recorrida, devendo ordenar-se o cumprimento pelo Arguido de 300 horas de trabalho em substituição da pena de multa que lhe foi imposta. Respondeu o Arguido, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, para o que formula as seguintes conclusões [transcrição]: «1 – A Douta Sentença recorrida não merece censura e deve manter-se porque interpretou os factos e aplicou o Direito de forma adequada. 2 – Na perspectiva criminal, o comportamento do Arguido, censurável penalmente, mas, por força do nº 1 do Art. 72 do Código Penal, atenua especialmente a pena.» Admitido o recurso e enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso. Observou-se o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. Não foi apresentada resposta. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – nos termos do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A. Nos presentes autos, o objecto do recurso limita-se à questão de saber como opera a substituição de pena de multa por prestação de trabalho. Dispõe o artigo 48º do Código Penal, reportando-se à substituição da multa por trabalho: «1 – A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 – É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 58º e no nº 1 do art. 59º.» Do disposto no mencionado artigo 58º do Código Penal resulta, na parte que interessa, que: «(...) 3 – Para efeitos do disposto no nº 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas. 4 – O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável. (...).» E do disposto no artigo 59º do Código Penal, decorre, na parte que interessa, que: «1 – A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses. (...).» A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, consagrada no artigo 58º do Código Penal, é uma pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes é ela, em si e por si mesmo, uma pena. Doutro lado, constitui uma verdadeira pena de substituição, de carácter não detentivo, destinada, ainda ela, a evitar a execução de penas de prisão de curta duração. Esta pena não se confunde com a substituição da multa por trabalho, a que se refere o artigo 48º do Código Penal, que constitui simples sucedâneo de uma multa não paga – voluntária ou coercivamente, surgindo como forma de evitar pena privativa de liberdade. Após a revisão do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, ficou resolvida a correspondência que deve existir entre os dias de multa e os dias de trabalho em substituição da pena de multa. E afigura-se-nos ter sido escolhida a via da correspondência aritmética, face ao disposto no nº 3 do artigo 58º do Código Penal – a cada dia de sanção corresponde uma hora de trabalho. Senão vejamos. «(...) flui do disposto no art. 49º do CP, que a ponderação da prisão subsidiária de multa apenas acontece depois de esgotado o recurso ao cumprimento voluntário, coercivo ou através da prestação de trabalho, seja porque não é deferida a substituição requerida, seja por revogação desse sucedâneo da multa. Acresce que o art. 59º, nº 4, do CP, estabelece que o desconto do trabalho prestado na pena de prisão a cumprir respeita a mesma regra de uma hora de trabalho por dia de prisão, ou seja, tomando a aplicação correspondente ao trabalho prestado em cumprimento da multa estabelecida pelo art. 48º, nº 2, do CP, cada hora de trabalho desconta – paga/cumpre – um dia de multa. Então, face ao disposto no art. 49º, nº 1, do CP, na operação de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, o cálculo desta tem como ponto de partida o número remanescente de dias de multa ainda por pagar, descontados aqueles pagos voluntária e coercivamente ou ainda através da prestação de trabalho, sendo cumprida prisão subsidiária correspondente a dois terços desse remanescente. Feito este percurso, (...) nada obsta à aplicação do nº 3 do art. 58º do CP, ou seja, que para o efeito da determinação de trabalho prestado em cumprimento de multa, a cada dia de sanção corresponde uma hora de trabalho [1] » Sendo este o critério fornecido pela lei, não pode, quem a aplica, dele divergir, escolhendo qualquer outro. A decisão recorrida não o respeitou. Efectivamente, depois de nela se referir o disposto no nº 1 do artigo 48º do Código Penal e de se concluir que a substituição da pena de multa por dias de trabalho, conforme pretendido pelo condenado, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, afirma-se não ter determinado «a Lei qualquer critério automático ou indiciário, para transformar os dias de multa em trabalho, ao contrário do que fez, no art. 58º, nº 1, 3 e 4 do C.P. para a substituição directa da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.» Ora, não é assim, como decorre do estatuído no nº 2 do artigo 48º do Código Penal e que remete para o disposto nos nºs 3 e 4 do mencionado artigo 58º. Posto isto, e sem necessidade de outras considerações, importa afirmar a razão do Recorrente. Aplicando o critério que a lei fornece para a substituição da pena de multa por prestação de trabalho, na situação em análise deveria ter sido fixado o cumprimento de 300 (trezentas) horas de trabalho. Procede, pois, o recurso. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão recorrida, fixar em 300 (trezentas) horas o período de trabalho a prestar pelo Arguido R., em substituição da pena de multa em que foi condenado. Não são devidas custas pelo Arguido – artigo 75º, alínea b), do Código das Custas Judiciais. Évora, 10 de Dezembro de 2009 (processado em computador e revisto pela primeira signatária) _____________________________________ (Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz) _____________________________________ (Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto) _____________________________ [1] Acórdão da Relação de Coimbra, de 28 de Maio de 2008 [processo nº 49/07.2PTCBR-A.C1], acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 9 de Abril de 2008 [processo nº 2546/04.2PCCBR-A.C1], de 16 de Abril de 2008 [processo nº 1429/07.9PBCBR], de 30 de Abril de 2008 [processo nº 35/07.2PTCBR-A.C1], acessíveis em www.dgsi.pt. |