Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TAVARES DE PAIVA | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA CONTINUAÇÃO DA OBRA | ||
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Data do Acordão: | 09/10/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO CÍVEL | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | É ilícita a continuação da obra, após o embargo extra-judicial, pelo que deve ser ordenada a sua destruição. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I - Relatório: “A” veio requerer contra a “B” ratificação judicial de uma obra que a requerida levava a cabo num prédio contíguo ao seu e que de acordo com o respectivo projecto seria colado às paredes deste, tapando-lhe cinco janelas que deitam para o prédio onde se desenrolava a construção, violando-lhe a servidão de vistas constituída por usucapião. Tal ratificação veio a ser indeferida por sentença proferida no dia 21 de Janeiro de 2008, sentença essa notificada às partes a 22 de Janeiro de 2008. O requerente não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para este Tribunal O Tribunal desta Relação por Acórdão datado de 18 de Setembro de 2008, revogou a decisão da 1ª instância e ratificou o embargo extrajudicial da obra nova - não quanto à totalidade da obra - mas apenas e tão só quanto à parte desta contígua ao prédio do requerente, enquanto não for respeitada a distância mínima de 1,5 metros. O referido Acórdão transitou em julgado em 6 de Outubro de 2008 ( cfr. certidão a fls. 813). Na sequência deste Acórdão o requerente veio ao abrigo do art. 420 do CPC requerer a demolição das inovações construídas ilicitamente em desrespeito pelo embargo da obra alegando no seu requerimento de fls. 809 a 812 entre outros fundamentos os seguintes: Nos dias 23 e 24 de Janeiro de 2008 a requerida construiu um muro em tijolo e cimento e tapou as janelas da habitação do requerente; Isto é, a requerida foi notificada da sentença que indeferiu o pedido de embargo de obra nova no dia 22 de Janeiro e nos dois dias seguintes tapou ilegalmente, ilicitamente as janelas da habitação da requerente; A sentença que tinha indeferido o embargo não tinha transitado em julgado. A requerida construiu o muro em tijolos que tapam as janelas da casa do requerente sem que tivesse definitivamente decidida a lide; Ainda na pendência da instância de recurso, a requerida construiu as edificações que tapam permanentemente as janelas da habitação do requerente violando o seu direito de vistas e tornando esta dia a dia inabitável por insalubre; Em suma, a construção de um muro de tijolo e cimento e posteriores construções da requerida “B” foram efectuadas ilicitamente em violação frontal e directa dos direitos do requerente sem decisão definitiva transitada em julgado ( a qual só foi proferida em Acórdão transitado em julgado no dia 6 de Outubro de 2008 que manteve o embargo da obra). Tal requerimento formulado ao abrigo do art. 420 do CPC veio a ser indeferido nos termos do despacho inserido a fls. 1044 a 1048. O requerente não se conformou com esta despacho e interpôs recurso para este Tribunal. Nas suas alegações de recurso o requerente formula as seguintes conclusões: 1- O ora recorrente procedeu ao embargo extrajudicial da obra nova da ora recorrida no dia 27.3.2007 tendo requerido a ratificação judicial em 29.3.2007. 2- Nas datas indicadas ainda a recorrida não tinha iniciado qualquer construção junto à habitação do recorrente. 3- O pedido de ratificação foi indeferido pelo Tribunal Judicial de … por sentença datada de 21.1.08. 4- Nos dias 22 e 23 de Janeiro de 2008 a recorrente tapa as janelas com a construção de um muro em tijolo e cimento. 5- Foi interposto recurso de agravo com efeito suspensivo para o Tribunal da Relação de Évora, 6- A recorrida nos meses seguintes levanta a construção tapando com carácter permanente as janelas da habitação do recorrente. 7- O acórdão do Tribunal da Relação datado de 18.9.2008 ( transitado em julgado a 6.10.2008) veio a ratificar o embargo extrajudicial. 8- A recorrida sabia, no momento em que tapou as janelas, que a decisão do tribunal de … não era definitiva pois havia sido interposto recurso dessa decisão com efeito suspensivo. 9- Mesmo assim, a recorrida correndo por sua exclusiva conta e risco decidiu tapar as janelas violando os direitos do recorrente, conduta oposta àquela a que o bom senso e a lei determinam, aguardando uma decisão definitiva que declarasse os direitos em confronto. 10- Entende o Tribunal " a quo" que a recorrida só estaria obrigada a não continuar a obra após a notificação da decisão do Tribunal da Relação de Évora que ratificou o embargo. Como nessa data a obra já estava concluída e as janelas tapadas (a obra não foi continuada) por maioria de razão não fora embargada , não existindo inovações abusivas o que leva á extinção da instância por inutilidade superveniente. 11- Julgando assim, que a notificação a que se refere o n° 1 do art. 420 do CPC é a notificação de ratificação do embargo e não a notificação do embargo 12- Com o devido respeito, a decisão recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do nº 1 do art. 420 do CPC 13- A doutrina e jurisprudência - conforme acórdão acima referidos - são pacíficos no entendimento de que a notificação a que se refere o art. 420 é a do acto de embargo judicial ou extrajudicial 14- "A efectivação do embargo, tanto judicial como extrajudicial, uma vez notificado à parte, tem consequência a imediata suspensão da obra, trabalho ou serviço novo, independentemente da oposição que lhe venha a ser deduzida, apenas podendo a obra embargada continuar legalmente no condicionalismo previsto no art. 419 do CPC". E por outro lado, a ser admissível tal autorização, a inovação abusiva, constituindo um manifesto desrespeito para com o embargo realizado, ficaria sem sanção adequada, podendo, no imediato retirar até ao embargo qualquer efeito prático, o que o legislador também não quis". 15- "Note-se que a circunstância de o prosseguimento da obra se referir aqui à notificação extrajudicial e não à ratificação judicial desta, não coloca a questão desse prosseguimento em termos distintos dos que resultariam se a inobservância se referisse a um embargo judicial, ocorresse este por determinação judicial directa (artigo 412 nº 1 do CPC) ou por ratificação (artigo 412 n° 3 do CPC) . De facto a fixação do status quo da obra no momento do embargo, enquanto elemento impeditivo da sua continuação, ou seja, enquanto circunstâncias que toma ilícita essa continuação e que desencadeia a previsão do art. 420 do CPC, coloca-se logo face à notificação extrajudicial". 16- "Em acórdão recente, este STJ perfilhou entendimento de que "a notificação a que alude o art. 420 nº 1 do CPC, como referência à posterior continuação da obra embargada, é tanto a ordenada nos termos do art. 418 n° 1 (no caso de embargo judicial) como a verbal, mencionada no art. 412 nº 2 (se o embargo for extrajudicial)". 17- São assim relevantes para efeitos do art. 420, as obras efectuadas após a notificação do embargo extrajudicial efectuada a 27.3.2007 e contrariamente decidido no despacho recorrido, todas as obras realizadas pela ora recorrida posteriores aquela data devem ser consideradas inovações . 18- Sendo que inexiste inutilidade superveniente da lide pois a obra, que tapa as janelas da habitação do recorrente, à data do embargo extrajudicial ainda não tinha sido iniciada. 19- Entende o recorrente que o despacho recorrido viola o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e as normas legais em apreço - artigos 420 e 287 al. e) e 412 e 419 todos do CPC, viola os direitos materiais e imateriais do recorrente e viola também anteriores despachos proferidos pelo Tribunal "a quo" transitados em julgado 20- Deve assim, revogar-se o despacho recorrido, proferindo-se Acórdão que ordena a demolição das inovações - nos termos anteriormente requeridos e deferidos pelo Tribunal "a quo" declarando o direito, do ora agravante de, em caso de incumprimento pela ora agravada promover a execução para prestação de facto e atendendo à notória viabilidade em termos de moderna técnica de engenharia civil para dar cumprimento e execução aos direitos declarados pelo douto Acórdão do tribunal da Relação de Évora. A requerida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre apreciar II- Fundamentação: Para a resolução do objecto do presente recurso, importa, antes de mais descrever o circunstancialismo fáctico relevante para o efeito e que destacamos: - O requerente veio requerer a 29 de Março de 2007 a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova efectuado no dia 27 de Março de 2007. - E para o efeito, o requerente, “A” dirigiu-se à obra que a requerida estava a levar a cabo no dia 27 de Março de 200, pelas 16 horas; - Ali e perante três testemunhas, o requerente, “A”, notificou verbalmente o gerente da requerida, “C”, para suspender imediatamente, o início dos trabalhos da obra; - Após a notificação verbal, o requerente, “A”, entregou ao gerente da requerida um exemplar do auto do embargo de obra nova, tendo o mesmo recusado assinar uma cópia do mesmo; O requerente, “A”, dirigiu-se seguidamente ao encarregado da obra, “D” na presença de três testemunhas; - Informou-o de que a obra deveria ser suspensa de imediato, não a podendo continuar - O requerente, “A”, entregou ao encarregado da obra uma cópia do auto de embargo ; - O encarregado da obra assinou, então, uma cópia do auto de embargo. - A construção da edificação nova colada à casa do requerente, “A”, impede-o e os demais membros da família de continuarem a desfrutar de vistas para o prédio vizinho e impedirá, ainda, a entrada de ar e luz; - A 29 de Março de 2007 (data da entrada em juízo da requerida providência cautelar), a requerida “B” não havia iniciado a construção de qualquer edifício junto do prédio do requerente, encontrando-se a obra em fase de movimentação de terras e demais trabalhos preparatórios, ao que se seguirá a estrutura de sapatas e de pilares; - Ali, o terreno encontrava-se, tão somente, limpo e preparado para o início desses trabalhos relativos à instalação de sapatas ou fundações - A requerida já havia iniciado os trabalhos de realização das sapatas relativo ao módulo a construir junto da Rua … - No dia 24 de Janeiro de 2008 a requerida tapou as janelas do prédio do requerente Apreciando: Conforme se constata das precedentes conclusões de recurso, que como se sabe delimitam o objecto do recurso, ( art. 684 n° 3 e 690 n° 4 do CPC) o que está em causa no presente recurso consiste essencialmente em saber se para se ordenar a destruição da parte inovada ( o que obviamente pressupõe que há parte inovada) é preciso que a « inovação abusiva» tenha ocorrido após a notificação do despacho de ratificação judicial, ou se basta que o tenha sido após notificação extrajudicial para não continuar a obra. O despacho recorrido entende que a "inovação" só releva se tiver ocorrido após a notificação do despacho de ratificação judicial e daí o ter considerado possível a continuação da obra por parte da requerida após a decisão que não ratificou o embargo, ainda que tal decisão não tivesse transitado em julgado. Cremos que esta posição não merece acolhimento. Vejamos: O nosso STJ sobre esta matéria tem sufragado o entendimento de que a "notificação a que alude o art. 420 n° 1 do CPC com referência a posterior continuação da obra embargada, é tanto a ordenada nos termos do art. 418 nº 1, como a verbal mencionada no art. 412 n° 2 ambos do CPC. (cfr. Ac. STJ de 8/2/2000 e de 30/1/1997 - Proc. 783/96 - 2a secção, acessíveis in www.dgsi.pt) O art. 420 do CPC ao permitir a destruição da "parte inovada" tem o sentido de "anulação da inovação" ou de "reposição da situação anterior ao embargo" Ainda a respeito da notificação também o Prof. A. Reis in CPC Anotado vol. II 3a ed. Reimpressão pag. 96 e segs. refere que a "notificação em causa era do embargo ( actualmente o referido no art. 412 nº 2 (1ª parte). Logo a continuação da obra depois desta acto era considerada ilícita". Note-se que só se justifica o embargo de obra nova quando se trate de evitar a continuação desta, com vista a salvaguardar os direitos referenciados no art. 412 nº 1 do CPC Postas estas considerações e confrontando-as com os factos provados resulta inequivocamente que a requerida continuou com a obra depois do embargo que lhe foi notificado em 27 de Março de 2007 ( cfr. elenco dos factos provados) nomeadamente quando tapou as janelas do prédio do requerente desrespeitando a distância mínima de 1, 5 metros ente os prédios. Essa continuação de obra após notificação do embargo ocorrida em 27 de Março de 2007 é manifestamente ilícita e a requerida tem de assumir as responsabilidades pela sua imprudência. E sendo assim, não existem dúvidas que, no caso em apreço, se mostram preenchidos os pressupostos fácticos exigidos e referenciados no citado art. 420 nº 1 do CPC. E, por isso, o requerente tem direito a requerer a destruição da parte inovada da obra, que conforme tudo indica consistiu fundamentalmente na tapagem das janelas do prédio do requerente por inobservância da distância mínima de 1, 5 metros por parte da construção da requerida. Acontece, no entanto, que essa destruição compreenderá fundamentalmente na destapagem das janelas do prédio do requerente, de forma a permitir a entrada de ar e luz, salvaguardando-se, assim, a distância mínima de 1, 5 metros entre os prédios obra esta que, no entanto, terá em qualquer situação sempre de observar as normas e especificações técnicas de segurança adequadas e ser precedida de uma perícia de engenharia, com vista a salvaguardar a segurança de toda a construção envolvente, perícia esta e respectivos custos de demolição a suportar pela requerida. III- Decisão: Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto e, revogando a decisão recorrida, ordenam a destruição da parte inovada, nos termos acima descritos, que compreenderá fundamentalmente a destapagem das janelas do prédio da requerente, de forma a permitir a entrada de ar e luz, salvaguardando-se a distância mínima de 1, 5 metros entre os prédios em questão, obra esta que, no entanto, terá de observar em qualquer situação as normas e especificações técnicas de segurança adequadas e ser precedida de uma perícia de engenharia, com vista a salvaguardar a segurança de toda a construção envolvente, perícia esta e respectivos custos de demolição a suportar pela requerida. Custas pela requerida. Évora, 10.09.09 |