Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
830/10.5TTSTB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: COMUNICAÇÃO DA INTENÇÃO DE NÃO RENOVAR O CONTRATO A TERMO CERTO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÉVORA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- A declaração de não renovação do contrato a termo é receptícia e só produz efeitos depois de chegar ao poder do destinatário, nos termos do art.º 224.º, n.º 1, Cód. Civil.
II- Não tendo a trabalhadora, sem culpa sua, recebida a referida declaração, o contrato renovou-se.
III- Não é despedimento a justificação verbal que a entidade empregadora dá à trabalhadora das razões que levaram a não renovar o contrato, pensando que esta havia recebido a respectiva comunicação.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
F… demanda Conservatório Regional…, pedindo que se reconheça a renovação do seu contrato de trabalho, por ineficácia da comunicação da Ré, que a recusa de aceitação da prestação da A. constitui despedimento ilícito, pelo que a Ré deve ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.973,12, correspondente às quantias que lhe deveriam ser pagas se o contrato se mantivesse em vigor até 31.08.2011, alegando para o efeito ter sido despedida pela Ré, sem que para o efeito tenha sido adoptado o correspondente procedimento legal.
A R. contestou alegando não ter procedido ao despedimento da A., tanto mais que a carta que lhe enviou a comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo veio devolvida, por erro dos serviços administrativos da Ré, que cometeram um erro ao endereçar a carta, e que ao verificar que o contrato não podia considerar-se caducado, elaborou horário para a A. e tentou entrar em contacto com esta, sempre sem sucesso, não justificando esta as suas faltas, pelo que lhe remeteu carta a considerar o seu comportamento como abandono do posto de trabalho.
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Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a R. dos pedidos.
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A A. recorre, defendendo a revogação da sentença.
Alega, para tanto, que, em 31 de Agosto de 2010 (data do termo do contrato), foi contactada telefonicamente pela R. para a esclarecer as razões por que o contrato não era renovado, uma vez que a A. não tinha recebido a comunicação de não renovação; assim, este telefonema configura uma declaração de despedimento que é ilícito porque não observou o disposto na al. c) do art.º 381.º do Cód. do Trabalho de 2009.
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A R. contra-alegou defendendo a manutenção da decisão.
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O Digno Magistrado do M.º P.º emitiu parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso.
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A A. pronunciou-se sobre este parecer.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A Ré é uma pessoa colectiva de utilidade pública, dedicando-se à actividade de ensino da música, o que faz de modo habitual e sem fins lucrativos;
2. Através do escrito de fs. 9 a 12 dos autos e que aqui se considera integralmente reproduzido, a A. foi admitida ao serviço da Ré em 01.09.2009, com a categoria profissional de docente de música na área da percussão;
3. Para além do mais que consta desse escrito, o contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 01.09.2009 e termo em 31.08.2010, sendo este termo justificado pelo modo seguinte: «esta contratação a termo é justificada pelo facto de se verificar para o ano escolar em curso um número de alunos inscritos que a torna necessária, desconhecendo os contratantes se, no próximo ano escolar, tal número de inscrições se manterá ou não»;
4. No contrato constava que a A. teria um horário semanal de 17 horas, de segunda a sexta-feira, mas a partir de meados de Novembro de 2009, mercê da desistência de um aluno, tal horário ficou reduzido a 16 horas semanais;
5. O vencimento mensal da A., com base nesse horário, fixou-se em € 831,84, acrescendo subsídio de alimentação, que entre os meses de Setembro de 2009 a Julho de 2010 atingiu um total de € 398,36 (média mensal de € 36,21);
6. A A. executava, entre outras, tarefas de ensino de música para a área de percussão, assistência pedagógica aos alunos, aulas de recuperação e outras tarefas complementares como seja a participação em reuniões;
7. A A. exercia as funções supra referidas por conta e sob a autoridade e direcção da Ré e nas instalações desta;
8. Em meados do mês de Julho de 2010, a prever a eventualidade da A. voltar a leccionar no ano lectivo de 2010/2011, a Presidente da Direcção Pedagógica da Ré, Prof. S…, indagou a A. sobre a sua disponibilidade para esse ano lectivo, tendo esta respondido que não poderia ter um horário completo em Évora e que apenas aceitaria leccionar ali cerca de 10 horas semanais, pois no ano lectivo seguinte também iria leccionar no Conservatório de Palmela;
9. Nessa altura, foi a A. informada que teria de ser contratado mais outro professor de percussão para o Conservatório Regional de Évora, pois havia nessa altura a expectativa da disciplina necessitar da leccionação de 32 horas semanais;
10. Em 30.07.2010, a Ré remeteu carta registada com A/R à A., pretendendo comunicar-lhe a caducidade do seu contrato de trabalho, com efeitos ao dia 31.08.2010;
11. Porém, como a referida carta e o respectivo envelope não mencionavam o lado do andar do domicílio pessoal da A. (2.º D), veio a mesma devolvida com a menção de “endereço insuficiente”;
12. A devolução da carta à Ré ocorreu em 10.08.2010, numa altura em que a respectiva direcção e docentes se encontravam de férias, estando ao serviço apenas uma funcionária administrativa, que não deu conta desse facto à direcção da Ré, por tal devolução ter ocorrido juntamente com devoluções de outras cartas relativas a outras actividades do Conservatório;
13. Na sequência da publicação do Despacho n.º 12522/2010, da Sra. Ministra da Educação, no DR, 2.ª Série, de 03.08.2010, a Direcção Regional de Educação do Alentejo remeteu à Ré um fax, em 30.08.2010, a fs. 65/66 dos autos, contendo as orientações do ME para elaboração de horários, o que implicava a redução em cerca de um terço do número de horas disponíveis para todos os professores de música;
14. Em 31.08.2010, a Dra. M…, Presidente da Direcção da Ré, convencida que a A. havia recebido a carta de 30.07.2010, em que se pretendia comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho, precisamente para esse dia 31.08.2010, telefonou à A., pretendendo explicar-lhe as razões da não renovação do contrato;
15. Nesse telefonema, a Dra. M… afirmou à A. que as razões pelas quais havia sido comunicada a caducidade do contrato de trabalho ligavam-se à circunstância de, no mês de Julho de 2010, não se saber qual o número de alunos que se iriam inscrever para o ano lectivo seguinte, pretendendo-se precaver o eventual decréscimo de alunos;
16. Referiu, ainda, a Dra. M… que a publicação do supra referido Despacho do ME implicava a redução do número de horas disponíveis para os professores de música;
17. Ao longo deste telefonema, a A. não mencionou à Dra. M… que não havia recebido carta alguma comunicando a caducidade do contrato de trabalho;
18. No dia 06.09.2010, a A. apresentou-se nas instalações da Ré, para iniciar a prestação da sua actividade no ano lectivo de 2010/2011, prevendo-se o início das aulas na segunda-feira seguinte, dia 13.09.2010;
19. Nessa altura, a A. reuniu com a Dra. M…, tendo referido que, para o contrato dela cessar, teria a Ré de lhe ter enviado uma carta com 15 dias de antecedência em relação ao termo estipulado;
20. Respondeu-lhe a Dra. M… que havia sido efectivamente enviada uma carta em Julho, tendo a A. referido que não tinha recebido carta alguma;
21. Perante esta afirmação da A., a Dra. M… disse que iria investigar o que se tinha passado com a dita carta e que se mantivesse em contacto, porque depois lhe diria qualquer coisa;
22. Na sequência desta reunião, a Dra. M… veio a apurar que, efectivamente, em 10.08.2010, havia ali sido devolvida a supra referida carta de 30.07.2010;
23. A funcionária da Ré, I…, foi então encarregada pela Direcção para telefonar à A. dizendo-lhe o que se tinha passado com a carta, o que esta fez;
24. Em 09.09.2010, a Ré reenviou à A. a carta de 30.07.2010, desta vez com a morada correcta, mas a carta veio de novo devolvida, agora com a menção de “não reclamada”;
25. Em data não apurada da semana de 6 a 10 de Setembro de 2010, a Dra. M… voltar a falar ao telefone com a A. dando-lhe nota da preocupação com a situação ocorrida, referindo que iria tentar obter uma solução;
26. Assumindo que o contrato de trabalho da A. se renovara, dado que a comunicação da não renovação não tinha chegado à sua destinatária, em 13.09.2010 a Ré elaborou para a A. um horário da disciplina de percussão, com 16 horas lectivas semanais, tendo esse horário sido alterado em 14.09.2010 e em 18.10.2010, mercê de adaptações à disponibilidade horária dos alunos;
27. Tais horários são os que constam de fs. 73, 74 e 75 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
28. Após a elaboração em 13.09.2010 do horário acima referido, a Ré tentou entrar em contacto com a A., a fim de a informar da elaboração desse horário e retomar a leccionação;
29. Tais contactos foram tentados através de telefonemas e envio de mensagens de correio electrónico, mas a A. passou deliberadamente a não atender quaisquer telefonemas provenientes de responsáveis da Ré, e não respondeu às mensagens de correio electrónico que lhe foram enviadas;
30. Ainda no mês de Outubro de 2010, a Ré enviou para a Direcção Regional de Educação do Alentejo o mapa do pessoal docente, onde consta o nome da A. como professora de percussão, com um horário de 16 horas lectivas semanais;
31. Não tendo a A. comparecido nas instalações da Ré a partir do dia 06.09.2010, a Ré remeteu-lhe em 18.10.2010, sob registo com aviso de recepção, uma carta considerando existir abandono do posto de trabalho, nos termos que melhor constam de fs. 78 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo esta carta sido recepcionada pela A. no dia 20.10.2010;
32. A A. não respondeu a esta carta;
33. O professor R… foi admitido pela Ré para leccionar a disciplina de percussão a alunos diversos dos constantes do horário atribuído em 13.09.2010 à A., mas, face à sua não comparência, passou igualmente a leccionar aos alunos que estavam atribuídos a esta;
34. A Ré mantém, na página de Educação/Ensino do seu endereço na Internet, a percussão entre os instrumentos leccionados no ano lectivo de 2010/2011, incluindo no seu horário de terça-feira aula de iniciação em percussão, na sala 10 das 17.00 às 17.55 horas, com o referido professor R…;
35. A A. passou a leccionar a disciplina de percussão no Conservatório de Palmela, a partir de Setembro de 2010;
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O contrato de trabalho celebrado entre as partes tinha um termo de 1 ano, ocorrendo a sua caducidade a 31 de Agosto de 2010, caso a R. comunicasse a vontade de o não renovar até 15 dias antes desta data (art.º 344.º, n.º 1, Cód. do Trabalho).
É verdade que a R., um mês antes do termo, enviou uma carta à A. comunicando-lhe a não renovação mas tal carta, por erro dos serviços da R., não chegou ao conhecimento da A.. O contrato renovou-se (art.º 149.º, n.º 2) porque a declaração de não renovação não chegou ao poder do destinatário (cfr. 224.º, Cód. Civil). Esta declaração foi ineficaz, ou seja, não produziu os efeitos típicos que lhe estão associados.
Por isso, o contrato manteve-se, o que significa, naturalmente, que o contrato vigoraria por mais 1 ano, ou seja, que terminaria a 31 de Agosto de 2011.
Parece-nos ser este, para já, o enquadramento jurídico mais correcto.
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A alegação da A. é que o telefonema de 31 de Agosto de 2010 é a declaração de despedimento.
Manifestamente, não é.
Uma coisa é uma decisão e outra é uma sua explicação posterior e sem estar integrada no contexto da decisão. Nunca foi, tanto quanto os factos revelam, intenção da Presidente da Direcção da R. dizer à A. que o seu contrato não seria renovado. O que se passou foi explicar-lhe as razões por que o contrato não tinha sido renovado, uma vez que era entendimento da R., embora errado, que a A. já tinha conhecimento da carta enviada no final e Julho. Não de trata, na conversa telefónica, de uma decisão nova nem da confirmação de uma decisão velha. Deve-se notar, frisando que não foi esta conversa que pôs fim ao contrato, que a A. nunca mencionou o facto de não ter recebido a carta enviada no final de Julho. Por outro lado, como se chama a atenção na sentença recorrida, «é a própria A. quem revela que considerou tal telefonema como não constituindo efectivamente uma declaração inequívoca de cessação do seu contrato de trabalho». Apresentou-se na R. em 6 de Setembro, pronta para recomeçar o trabalho.
E tinha razão em agir desta forma pois o contrato tinha sido renovado.
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Como se disse acima, o núcleo fundamental do recurso da A. era a identificação da conversa telefónica com o despedimento. A sua causa de pedir no presente recurso era apenas esta.
Mas, em conclusão, a A. não foi despedida em 31 de Agosto de 2010; o contrato cessou por outros motivos que não estão sujeitos à cognição deste tribunal.
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Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
Évora, 13 de Dezembro de 2011
Paulo Amaral
João Luís Nunes
Joaquim Correia Pinto