Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALMEIDA SIMÕES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO FALTA DE SEGURO OBRIGATÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 11/11/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Havendo seguro, a acção é proposta apenas contra a seguradora, quando o pedido se contiver dentro do capital mínimo obrigatório, mas a seguradora pode, se assim o entender, fazer intervir o tomador do seguro. II - Quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, a acção deve, obrigatoriamente, ser interposta contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade. Mas, quem é este responsável civil a que a lei se refere? Desde logo, é aquele sobre quem impendia a obrigação de segurar: o proprietário do veículo. Mas também serão responsáveis, o detentor e o condutor. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA “A” demandou, em 28 de Dezembro de 2007, no Tribunal da comarca de …, “B”, pedindo a condenação deste no pagamento de uma determinada indemnização, correspondente ao valor da assistência hospitalar prestada a “C”. Alegou, em súmula, que “D” conduzia o veículo de matrícula BO, tendo dado causa a acidente de viação do qual resultaram lesões no referido “C”, que seguia no mesmo veículo. O veículo não possuía seguro e o condutor não estava habilitado com carta de condução. Na contestação, o réu “B”, no que agora importa, excepcionou a sua própria legitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do artigo 29° n° 6 do Dec. Lei 522/85, de 31 de Dezembro, uma vez que deveriam, também, terem sido demandados o condutor do veículo causador do sinistro e o proprietário a quem incumpriu o dever de segurar o veículo. Em seguida, o autor, para obstar à aduzida ilegitimidade, requereu a intervenção principal provocada, ao lado do réu “B”, de “E”, “F”, “G” e “H”, como presumíveis proprietários do veículo, e “D”, na qualidade de comproprietário e condutor do veículo acidentado. O senhor juiz proferiu, depois, despacho a admitir o incidente, mas apenas em relação a “D”, condutor do veículo. Para fundamentar o indeferimento relativamente aos demais chamados, escreveu: A circunstância do(s) proprietáriots) não ter(em) celebrado o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, para além de não ser causal aos danos que alegadamente possam ter resultado do sinistro, em si, não constitui qualquer título de responsabilidade objectiva (como sucederia com uma relação de comissão), sendo que para a mesma se verificar tem de existir norma expressa, cf. art. 483º n° 2 do Cód. Civil, o que não sucedeu. Inconformado, o réu agravou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem [1]: I - Vem o presente recurso de agravo do douto despacho de fls., que indeferiu o requerimento de intervenção principal provocada de “E”, “F”, “G” e “H”, julgando parte legítima na presente acção o “B”, não podendo o “B” conformar-se com tal decisão, II - Estabelece o art. 290 nº 6 do D. L. 522/85 de 31/12 que "As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o “B” e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade." E, por responsável civil entende-se não só condutor, mas também o proprietário do veículo alegadamente causador do sinistro. III - Assim, o “B” é mero garante da obrigação dos responsáveis civis, como resulta do disposto no art. 21 ° nº 2 do DL 522/85, de 31-12, com a redacção do DL 122-A/86, de 30-5 e do DL 130/94, de 19-5. IV - Como garante que é, o “B” deve estar acompanhado do causador directo dos danos peticionados, bem como pelo proprietário que incumpriu o dever de segurar o veículo. V - No plano do direito adjectivo a demanda do “B” deve respeitar o litisconsórcio necessário legal (arts. 28° nºs 1 e 2 do CPC). VI - O Prof. Miguel Teixeira de Sousa (in "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", LEX, Lisboa, 1997, págs. 156 e segs.), exemplifica, entre outros, como casos de litisconsórcio necessário legal, a acção de responsabilidade contra o comitente e o comissário fundada no art. 500° nº 1 do C. Civil, bem como o previsto no art. 290 nº 6, do DL 522/85, de 31 de Dezembro. O Ilustre Professor, a págs. 157 da obra citada, alude a dois arestos esclarecedores sobre a matéria que nos ocupa: • "Por civilmente responsável, nos termos do art. 29° n° 6 do DL 522/85, de 31-12, deve considerar-se não só o condutor do veículo, mas também o dono deste que não prove a sua utilização abusiva" - RP - 8/5/1996, CJ 96/3, 225; • "Se for conhecida a identidade do causador do acidente e a do seu proprietário e se este não tiver seguro válido e eficaz, o lesado deve demandá-los conjuntamente com o Fundo de Garantia Automóvel" RP 10/1/1995, BMJ 443,439; VII - Porque mais recente, provavelmente ainda inédito, veja-se o acórdão do STJ tirado no processo 420/05-7, da 7ª Secção, relatado pelo Colendo Conselheiro Pires da Rosa, onde estas questões foram tratadas, e que supra se reproduziu na parte que se reporta ao objecto deste requerimento. VIII - É que, a questão não se coloca ao nível da "direcção efectiva" do veículo; o proprietário sempre responderá enquanto sujeito da obrigação de segurar, que incumpriu o seu dever de haver efectuado um seguro de responsabilidade civil obrigatório para o veículo de sua propriedade. Sendo certo que não será imputável nenhuma violação de regra estradal aos proprietários, nem será estabelecido o nexo de causalidade com os danos, salvo o devido respeito, que é muito, não é esse o caminho ... IX O proprietário responde, independentemente da responsabilidade pelo risco ou pela culpa; responde enquanto violado da obrigação de segurar e é nessa medida que é integrado no conceito de responsável civil a que alude o art. 29° n° 6 do D.L. 522/85. X - Aliás, o D.L. 291/2007 de 21 de Agosto, diploma que veio substituir o D.L. 522/85 de 31/12 vai ainda mais longe ao estabelecer no seu art. 54° nº 3: "São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do nº 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.", estendendo ainda a estas entidades, a legitimidade, que, por aplicação do art. 62° do mesmo diploma integram o conceito de responsável civil, tratando-se, também aqui, de litisconsórcio necessário passivo. XI - Bem andou o autor, ao requerer a intervenção principal provocada dos proprietários do veículo, pois só assim se encontraria assegurada a legitimidade do “B”. XII - E tanto assim é que, em processo decorrente do mesmo acidente de viação que corre termos no Tribunal Judicial de …, sob o n° …, em que foi efectuada transacção, os proprietários do veículo não só foram demandados, como também intervieram na transacção, conforme cópia da acta de audiência de julgamento que se junta e se dá por reproduzida para todos os legais efeitos. XIII - Ao “B” não cabe esgrimir argumentos quanto ao indeferimento do pedido de intervenção principal provocada dos proprietários, cabe apenas, após a decisão que não admite a intervenção, dizer que, assim, sem o proprietário do veículo em juízo, o “B” é parte ilegítima, o que deve ser reconhecido. XIV - Termos em que, e nos mais de Direito, deve ser o “B” julgado parte ilegítima na presente acção, por preterição do litisconsórcio necessário passivo a que obriga o art. 29° n° 6 do D.L. 522/85 de 31/12. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi entregue aos Exmºs Desembargadores Adjuntos cópia integral do processado. * * *, A questão central que se coloca, no presente recurso, consiste em saber se deve ser admitida a intervenção principal provocada daqueles que são indicados como proprietários do veículo automóvel. Como se sabe, vigora, entre nós, o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil dos veículos motorizados, recaindo a obrigação de segurar, em regra, sobre o respectivo proprietário. Assim dispunha o art. 2° n° 1 do Dec. Lei 522/85, de 31 de Dezembro, vigente ao tempo da ocorrência do acidente. Os artigos 4° n° 1 e 6° n° 1 do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto, que revogou o Dec. Lei 522/85, de 31 de Dezembro, mantêm idêntica disposição. Este último diploma, que entrou em vigor a 20 de Outubro de 2007 (art.95°), é o aplicável, uma vez que a acção foi interposta a 28 de Dezembro de 2007. Assim, havendo seguro, a acção é proposta apenas contra a seguradora, quando o pedido se contiver dentro do capital mínimo obrigatório, mas a seguradora pode, se assim o entender, fazer intervir o tomador do seguro - art. 64° nºs 1 al. a) e 2° do Dec. Lei 291/2007. Quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, a acção deve, obrigatoriamente, ser interposta contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade - art. 62° n° 1 do Dec. Lei 291/2007. Mas, quem é este responsável civil a que a lei se refere? Desde logo, é aquele sobre quem impendia a obrigação de segurar. Na verdade, a responsabilidade do Fundo resulta, prima facie, do incumprimento da obrigação de segurar, pelo que o proprietário do veículo deve ser também chamado à demanda. Estamos perante um caso de solidariedade imprópria ou imperfeita, na medida em que, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária (obtida sentença favorável, o lesado pode exigir de qualquer deles a satisfação total do seu crédito). No entanto, satisfeita a indemnização pelo Fundo de Garantia Automóvel, este fica sub-rogado nos direitos do lesado, sendo solidariamente responsáveis, pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro - art. 54° nºs 1 e 3 do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto. O artigo 25° nºs 1 e 3 do Dec. Lei 522/85, de 31 de Dezembro, continha dispositivo semelhante. Deste modo, o litisconsórcio necessário passivo legal impõe que seja demandado, de igual modo, o proprietário do veículo que não tinha seguro, vinculando-o ao dispositivo da sentença que vier a ser prolatada. No caso em apreço, a acção foi proposta apenas contra o “B”, mas o autor veio requerer, posteriormente, a intervenção principal do condutor e das pessoas que identificou como proprietárias da viatura, incidente que foi aceite, tão-só, quanto ao condutor. No entanto, em face do que ficou dito, o chamamento deve ser admitido, de igual modo, em relação aos proprietários do veículo, que o autor identificou, de modo a assegurar a legitimidade processual passiva. Pelo exposto, dando provimento ao agravo, acorda-se em revogar o despacho impugnado, devendo o senhor juiz admitir a intervenção principal provocada das pessoas indicadas pelo autor como sendo os proprietário do veículo de matrícula BO. Sem custas. Évora, 11.11.09 _____________________________ [1] A legitimidade para o recurso, conforme despacho do relator, resulta do disposto no nº 2 do artigo 680º do Código de Processo Civil. |