Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CORREIA PINTO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/31/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
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Sumário: | I - O início do prazo de reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação, isto é, ao momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. II - O prazo de prescrição interrompe-se com a notificação para exercício do direito de audição e com a notificação da decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I) 1. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), através da Direcção Regional do Algarve/Centro Local de Portimão, autuou (auto de notícia n.º CO3108001374) a arguida S…, L.da, com sede…, e outras duas empresas, imputando a cada uma delas a prática de infracção ao disposto nos artigos 40.º e 41.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, 8.º do Decreto-lei n.º 441/91, de 14 de Novembro e 273.º, n.º 1, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a qual configura uma contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, sendo a arguida supra identificada na qualidade de entidade empregadora e subempreiteira. O processo de contra-ordenação correu os seus termos, na fase administrativa, na aludida Autoridade para as Condições do Trabalho, culminando na prolação de decisão pela Sr.ª Sub Directora do aludido centro local, a qual, relativamente à mesma arguida e julgando verificado o aludido ilícito, na forma negligente, aplicou pela sua prática uma coima no valor de 3.800,00 euros. Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial onde, além do mais, suscita a nulidade insanável do auto de notícia, da decisão da autoridade administrativa e da coima aplicada, bem como a prescrição do procedimento contra-ordenacional. Remetido o processo a tribunal, pelo Sr. Juiz foi proferido despacho que determinou a notificação do Ministério Público e da recorrente, nos termos do artigo 64.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro; concretizadas as notificações, não foi deduzida oposição à decisão por despacho, tendo sido então proferida a seguinte decisão: “A arguida S…, L.da, foi condenada pela Autoridade Para As Condições Do Trabalho (ACT), por factos verificados em 16/4/008, na coima única de 3.800,00 euros pela prática dos ilícitos contraordenacionais especificados na proposta de fls. 133-141 que a decisão impugnada de fls. 142 considerou reproduzida. De harmonia com o disposto na al. b) do artº 27º do DL 433/82 de 27-10, considerando os montantes máximos aplicáveis aos aludidos ilícitos contra-ordenacionais, é de 3 anos o prazo normal de prescrição do correspondente procedimento (da interpretação sistemática do artº 17º do referido diploma legal resulta que os montantes das coimas a atender para o efeito são de 3.740,98 euros para as pessoas singulares e de 44.891,81 euros para as pessoas colectivas). No caso presente, decorreram já mais de 3 anos desde a referida data em que foram verificados os ilícitos contra-ordenacionais imputados à arguida, sem que dos autos resulte alguma causa de suspensão do aludido prazo prescricional. Pelo exposto, e sem mais alongadas considerações, declaro prescrito o procedimento contra-ordenacional nestes autos instaurado contra a arguida S…, L.da, e ordeno, em consequência, o seu oportuno arquivamento. (…)” 2. Não se conformando, o Ministério Público veio interpor recurso desta decisão. Na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões: 1- Os factos constitutivos do presente procedimento contra-ordenacional, ocorreram no dia 16 de Abril de 2008, sendo estes punidos com uma coima entre 3.072€ e 18.240€. 2- Nos termos do artigo 27.º alínea b) do Decreto-lei n.º 433/82 de 27.10, o procedimento prescricional prescreve quando hajam decorrido três anos sobre a prática da infracção, salvo se se tiver verificado alguma interrupção, caso em que o procedimento prescreverá decorrido aquele prazo de prescrição acrescido de metade. 3- O prazo prescricional interrompeu-se, atento o último facto interruptivo, em 09 de Março de 2011, com a decisão da autoridade administrativa. 4- Pelo que a prescrição apenas terá lugar decorridos quatro anos e meio contados da data referida em 1.º. 5- Nos presentes autos não se verifica qualquer causa de suspensão da prescrição. 6- O procedimento contra-ordenacional apenas prescreverá em 6 de Outubro de 2012. 7- Foram violados os artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do Decreto-lei n.º 433/82 de 27.10. 8- Os mencionados artigos deveriam ser interpretados no sentido de considerar que o prazo prescricional no presente caso era de quatro anos e meio, pelo que apenas terminaria em 06 de Outubro de 2012. 9- Nestes termos a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, acolhendo o entendimento expresso neste recurso, considere que não se encontra ainda prescrito o presente procedimento contra-ordenacional. 3.1 A arguida não apresentou resposta. 3.2 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos e acolhendo a argumentação da motivação de recurso, emitiu parecer no sentido de ser revogada a decisão recorrida e julgado procedente o recurso. 3.3 Aqui, a arguida veio responder, sustentando que não assiste razão ao recorrente – que efectuou incorrectamente a contagem dos prazos; em contrapartida, a decisão recorrida está correcta, pelo que deve manter-se. 4. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Face às conclusões da motivação do recurso (artigo 412.º do Código de Processo Penal, aplicável quer nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral de Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e alterações subsequentes, quer face ao disposto no artigo 50.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro), importa apreciar, essencialmente, a seguinte questão: § A alegada prescrição do procedimento por contra-ordenação. II) Fundamentação 1. Para a apreciação da matéria sob recurso importa considerar os seguintes factos, documentados nos autos: No dia 6 de Agosto de 2008 foi lavrado auto de notícia (fls. 2 a 4) contra a arguida S…, L.da (relativamente à qual se considerou um volume de negócios de € 537.339,99) e também contra R…, L.da e B…, S.A., aí se consignando os seguintes factos, que se dizem presencialmente verificados pelo inspector autuante: “1. No dia 16 de Abril de 2008, pelas 16.30 horas, numa obra (estaleiro temporário) de construção civil, sita (…) em Portimão, decorriam trabalhos relacionados com a remodelação e ampliação de um estabelecimento comercial. 2. Nessa obra, assumem as (…) arguidas as qualidades de subempreiteiras e entidades empregadoras. 3. Entre outros, estavam em curso trabalhos ao nível da cobertura (desmontagem de asnas e madres). 4. Estes trabalhos estavam a ser realizados em altura (acima do nível do solo). 5. Envolvidos em tais trabalhos, encontravam-se vários trabalhadores ao serviço das agora arguidas (…).” 6. Na execução dos trabalhos em referência, que se desenvolviam em especiais condições de risco para a segurança e saúde dos trabalhadores, estavam estes sujeitos ao risco de queda em altura para o interior a partir das vigas e muretes/platibandas da cobertura da edificação, uma vez que não dispunham, em toda a sua extensão, de guarda corpos, corrimão e guarda cabeças (…).” Com fundamento nos factos que se deixam parcialmente transcritos, foi imputada à arguida a infracção antes mencionada, com referência aos artigos 40.º e 41.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, 8.º do Decreto-lei n.º 441/91, de 14 de Novembro e 273.º, n.º 1, e 620.º, n.º 4, alínea b), do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. A arguida foi notificada, em 22 de Agosto de 2008, “nos termos dos artigos 635.º e 636.º do Código do Trabalho”, para apresentar, no prazo de quinze dias, resposta escrita, ou para comparecer, para ser ouvido, em data aí designada, podendo no mesmo prazo proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu montante mínimo – fls. 21 a 24. Com data de 9 de Março de 2011, foi proferida decisão que, nos termos antes referidos, julgando verificada a prática do aludido ilícito, na forma negligente, aplicou pela sua prática uma coima no valor de 3.800,00 euros – fls. 133 a 145. Esta decisão foi notificada à arguida em 14 de Março de 2011, conforme teor de fls. 147 a 150. Interposto recurso de impugnação judicial e remetidos os autos ao Tribunal do Trabalho de Portimão, veio a ser proferida a decisão sob recurso em 8 de Junho de 2011. 2. A alegada prescrição do procedimento por contra-ordenação. 2.1 Releva aqui o Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção entretanto introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. A prescrição, sancionando a falta de exercício do procedimento de contra-ordenação em tempo considerado útil, determina a extinção do mesmo e, nos termos do artigo 27.º do aludido Regime Geral das Contra-Ordenações, ocorre logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido cinco anos, quando se trate de uma contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79 [alínea a)], três anos, quando se trate de uma contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79 [alínea b)] e um ano, nos restantes casos [alínea c)]. É pacífico que os valores em causa correspondem à moldura abstracta da coima aplicável e não à coima concretamente aplicada. Os artigos 27.º-A e 28.º do Regime Geral das Contra-Ordenações explicitam causas de suspensão e de interrupção da prescrição; assim, a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso, mas sem que a suspensão possa ultrapassar seis meses [artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c) e n.º 2]; e interrompe-se com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação, com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima [artigo 28.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d)]. A interrupção da prescrição determina que se reinicie o respectivo prazo. Em qualquer caso, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade [artigo 28.º, n.º 3] – o que, no caso das contra-ordenações em que o prazo de prescrição é de três anos, se traduz num prazo máximo de cinco anos (o prazo de prescrição de três anos, acrescido de metade e o máximo de seis meses de suspensão), caso se verifiquem os pressupostos da suspensão e da interrupção da prescrição e num prazo máximo de quatro anos e meio (o prazo de prescrição de três anos, acrescido de metade – um ano e seis meses), caso apenas se verifiquem os pressupostos da interrupção da prescrição. O início do prazo reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação, isto é, ao momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido – artigos 27.º e 5.º do Regime Geral das Contra-Ordenações. 2.2 No âmbito dos presentes autos é imputada à arguida a prática de uma contra-ordenação que, com referência às normas anteriormente enunciadas, é qualificada como muito grave – disposições conjugadas dos artigos 40.º e 41.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958 e 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro. Nos termos do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, vigente em 2008, os limites das coimas correspondentes às infracções muito graves, se praticadas por empresa com volume de negócios igual ou superior a € 500.000 e inferior € 2.500.000, têm os valores de 32 UC a 80 UC em caso de negligência e de 85 UC a 190 UC em caso de dolo, o que, atendendo ao valor da unidade de conta em Abril de 2008 (€ 96,00), se traduz nos valores de € 3.072,00 a € 7.680,00 em caso de negligência e de € 8.160,00 a € 18.240,00 em caso de dolo – artigo 620.º, n.º 4, alínea b). Neste enquadramento, atendendo ao volume de negócios da arguida (€ 537.339,99) e ao quadro legal que se deixou enunciado no ponto anterior, opera o prazo de prescrição de três anos em qualquer dos casos, isto é, quer a infracção decorra de comportamento doloso da arguida, quer de comportamento negligente. 2.3 Os factos que configuram a prática da contra-ordenação ocorreram em 16 de Abril de 2008, tendo-se iniciado então o prazo de prescrição de três anos. Na ausência de causas de interrupção ou de suspensão da prescrição, esta teria operado em 16 de Abril de 2011. Contudo, como antes se deixou enunciado, a arguida foi notificada, quer para exercício do direito de audição, em 22 de Agosto de 2008, quer quanto à decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima, em 14 de Março de 2011, em ambos os casos, antes de decorridos três anos sobre a data em que ocorreram os factos que configuram a prática da contra-ordenação (16 de Abril de 2008), com a consequente interrupção do prazo de três anos e reinício de contagem do mesmo. Também não decorreram três anos entre as aludidas datas de interrupção, tal como não decorreram entre a última destas datas e a da prolação da decisão sob recurso. Relativamente à presente data – e também em relação à da prolação da decisão sob recurso (8 de Junho de 2011) – não decorreram quatro anos e meio sobre a data da prática da contra-ordenação (o que ocorrerá apenas em Outubro de 2012), pelo que não opera a prescrição. A análise da decisão sob recurso evidencia que, afirmando-se aí o decurso do prazo de prescrição de três anos e a inexistência de causas de suspensão do mesmo, ignora-se a efectiva existência de causas de interrupção e os respectivos efeitos, em clara violação do disposto no artigo 28.º do Regime Geral das Contra-Ordenações. Impõe-se por isso a procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, a qual implica a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos para a apreciação do recurso de impugnação judicial interposto pela arguida em relação à decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou uma coima, na parte que não se mostra prejudicada pela presente decisão, referente à prescrição. 3. Sem custas, face ao disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal. III) Decisão Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora nos seguintes termos: Concedendo provimento ao recurso, revogam a decisão recorrida, por não estar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional dos autos, e determinam o prosseguimento destes para a apreciação do recurso de impugnação judicial deduzido pela arguida aqui recorrida, S…, L.da, na parte que não se mostra prejudicada pela presente decisão, referente à prescrição. Sem custas. Évora, 31 de Janeiro de 2012. (Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto) (João Luís Nunes) |