| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
| Descritores: | COACÇÃO CONTRA MEMBRO DE ÓRGÃO CONSTITUCIONAL CONTRADIÇÃO INSANÁVEL | ||
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| Data do Acordão: | 12/06/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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| Sumário: | 1. Inexiste contradição entre considerar-se “provado que o arguido agiu voluntária e conscientemente” e, simultaneamente, “não provado que agiu ciente de que a sua conduta era punida por lei” 2. Exigindo-se um tratamento factual do dolo, e embora o crime do art. 10º da Lei n.º 34/87 (crime de coacção contra membro de órgão constitucional) se baste com um dolo genérico, da base factual provada teria que constar que o arguido conhecia e queria impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de autarquia local, para se poder concluir pela tipicidade penal do seu comportamento. 3. A conduta apurada consubstancia um comportamento atípico, desde logo porque ainda socialmente adequado, uma vez que ao arguido competia também assegurar o normal funcionamento dos trabalhos da Assembleia Municipal, tendo praticado os factos como forma de garantir o normal funcionamento desta, como também se provou. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No processo nº 727/06.3TAELV do 1º juízo do Tribunal Judicial de Elvas foi proferida sentença que absolveu o arguido JM da prática de um crime de coacção contra membro de órgão constitucional do art. 10º, n.º 1, 3 e 4, da Lei n.º 34/87, de 16.07, por referência ao art. 3º, n.º, alínea i) do mesmo diploma. Inconformado com o assim decidido, recorreu o assistente, concluindo da forma seguinte: “A – O queixoso não se conforma coma sentença proferida, entendendo que a mesma enferma de vícios de contradição insanável entre factos provados e não provados, bem como entre estes e a prova realizada, para além de erro notório na apreciação da prova e na errada aplicação dos factos ao direito; B - Ficou provado que o recorrente é deputado da Assembleia Municipal de .... desde 25-10-2005 da qual o arguido é Presidente da Mesa; que no dia 23-02-2006, pelas 21.00h, no decurso de uma reunião da Assembleia Municipal, no período da ordem do dia em que se discutia a aprovação da acta da reunião anterior, assistente pediu a palavra dizendo que não tinha lido a acta porque esta não lhe tinha sido entregue a tempo, respondendo o arguido que o argumento não colhia porque ele não a tinha lido, acrescentando que, se calhar será porque o Sr. Deputado tem deficiências ao nível da leitura; o assistente retorquiu que se tinha deficiências ao nível da leitura era por causa dele que tinha sido professor de português: C – Ficou provado que de seguida assistente e arguido começaram a falar em simultâneo, enquanto o primeiro pedia a palavra para defesa da honra e o segundo lha negava e se não acatasse as ordens da mesa teria de o convidar a abandonar os trabalhos e se continuasse a intervir chamava as forças policiais. D – Ficou provado que o assistente não acatou as ordens da mesa pelo que o arguido retorquiu que o expulsava da sala e que a partir daquele momento não iria ter outra intervenção naquela assembleia. E – Ficou provado que o arguido não contou o voto do assistente na aprovação da acta da reunião anterior, nem na votação dos pontos 4, 6, 7 e 8 da ordem de trabalhos, nem aceitou o pedido do assistente para usar da palavra, dizendo que já não fazia parte daquela assembleia. F – Ficou provado que o arguido agiu firme, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o queixoso era membro da Assembleia Municipal de ... e que com a sua conduta o impedia de participar nos trabalhos. G – Foi dado como não provado que: a) Estava o arguido ciente que a sua conduta é proibida e punida por lei. b) O arguido foi impedido de exercer o seu direito de defesa da honra. c) Com a sua conduta o Demandado Civil impediu que um partido o CDS-PP tomasse posição sobre as questões discutidas na ordem de trabalhos. d) O arguido/Demandado Civil pretendeu adulterar a votação real da sessão da Assembleia Municipal. H - Para além da contradição insanável entre factos provados e não provados e entre estes e a fundamentação, verifica-se um erro notório na apreciação da prova que permitiu à Mta. Juiz a quo decidir como decidiu, pelo que entendemos que a sentença padece de vícios geradores da sua nulidade, por se verificarem os vícios constantes das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP. I – Há contradição insanável entre os factos provados e constantes dos pontos 1 a 17, principalmente do ponto 15 e o dar-se como não provado o facto constante da alínea a) dos factos não provados, pois quem sabe e tem conhecimento da lei por que se rege e que lhe atribui competência, sabe que não tinha competência para expulsar e não considerar as votações do queixoso, pelo que ao agir como agiu e que consta dos pontos 1 a 17 dos factos provados, o arguido estava ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei. J – Quem age firme, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o queixoso era membro da assembleia municipal de ... e que com a sua conduta o impedia de participar nos trabalhos da assembleia, só pode estar ciente de que a sua conduta é punida e proibida por lei. L – A contradição é bem patente no raciocínio que a Mta. Juiz a quo faz ao afirmar que o facto constante da alínea a) dos factos não provados, terá que ser considerado como tal uma vez que foi dado como provado o facto constante do ponto 15, quando quem age como consta do ponto 15, necessariamente tem que estar ciente de que a sua conduta é proibida e punida por lei. M – Deve pois, suprimir-se o facto constante da alínea a) dos factos não provados e aditar-se o mesmo aos factos provados, alterando-se a sentença nesta parte. N – Também o facto constante da alínea d) dos factos não provados se encontra em contradição com os provados e constantes dos pontos 12, 13 e 14, uma que tendo sido o arguido impedido de falar e de votar, foi impedido de tomar posições sobre os assuntos da ordem de trabalhos e através dele o CDS-PP, partido que representa e não colhe o argumento da Mta. Juiz a quo em sede de fundamentação, uma vez que, mesmo em minoria, a sua posição ficava lavrada em acta, tal como o seu sentido de voto, e não é pelo facto de haver uma maioria contrária que não tem qualquer interesse a sua posição, nem esta tese pode justificar que o facto seja dado como não provado. Não é só quando se ganha as votações que se expressa a sua posição sobre determinado assunto. O – Deve, pois, suprimir-se o facto constante da alínea d) dos factos não provados e aditar-se o mesmo aos factos provados, alterando-se a sentença nesta parte. P – Há também uma contradição insanável entre os factos provados e constantes do pontos 12, 13 e 14 e o facto não provado constante da alínea f) dos factos não provados, pois a conduta do arguido causou prejuízos à imagem do queixoso e do partido que representa, na medida em que a actividade política passa pela mensagem política que se transmite e pelas posições que se toam em sede de votação de assuntos, no caso na assembleia municipal de ...; tendo o queixoso sido impedido de fazer passar livre e democraticamente a sua mensagem, a sua imagem e a do partido que represente sofreu prejuízos com a conduta do arguido, pois o silenciamento causa sempre prejuízos, razão porque a censura é criticada e atacada. Q – Deve, pois, suprimir-se a alínea f) dos factos não provados e aditar tal facto aos factos provados, alterando-se nesta parte a sentença recorrenda. R – Quanto ao erro notório na apreciação da prova, a Mta. Juiz a quo, aquando da fundamentação do facto não provado sob a alínea a) expande um raciocínio viciado e completamente desconforme com a prova produzida, a fls 15 da sentença recorrenda, começando por se contradizer quando afirma que o arguido agiu conscientemente e depois conclui que agiu sem a consciência, assentando a sua argumentação no facto de, porque os factos constantes dos pontos 15, 16 e 17 terem sido dados como provados o constante da alínea a) dos factos não provados só podia ser considerado como tal. T – Quem age firme, livre e conscientemente, bem sabendo das qualidades do queixoso e que o impedia de participar nos trabalhos da assembleia, tem que estar ciente e ter consciência de que a sua conduta é proibida e punida por lei, sabendo como sabia que não tinha competência para tomar tal decisão e que a lei 34/87 proibia e punia tais condutas. U – A Mta. Juiz a quo, acentua a convicção do seu raciocínio com facto de o arguido ter agido de acordo com os poderes que lhe foram atribuídos e nos termos dados como provados. Ora, o que ficou provado é que o arguido não tinha competência e muito menos poderes para tomar a decisão de expulsão e de não contagem do voto do queixoso, tal como consta do Regimento da Assembleia Municipal, a que acresce um vício de raciocínio da Mta. Juiz a quo, porque o arguido não tem um direito de acautelar a boa ordem dos trabalhos, tem antes um dever funcional que lhe advém da competência que lhe é atribuída pelo Regimento e que é exercida de modo vinculativo e não como um direito potestativo, pelo que estava o arguido obrigado a não violar a competência que lhe é atribuída. V – O arguido sabia as competências que detinha pelo Regimento e da proibição e punição constante da Lei 34/87, atento o lugar que ocupava, pelo que tinha que ter consciência da ilicitude da sua conduta; segundo a tese expandida pela Mta. Juiz a quo, quem viole o limite de velocidade porque está atrasado para uma reunião e porque só quer chegar a horas, não viola a lei porque não tinha consciência da proibição porque só quer chegar a horas, pelo que não poderá ser punido. Não é isso que decorre da experiência da vida, nem é isso que decorre da lei. X – No que respeita aos prejuízos causados à imagem do partido e do queixoso, também se verifica um erro clamoroso e notório na apreciação da prova pela Mta. Juiz a quo, pois como decorre da experiência da vida, quando um partido político ou um seu representante são impedidos de tomar posição sobre determinados assuntos em discussão, neles não podendo votar, nem declarar o que se lhes oferecer, obviamente que fica prejudicada a sua imagem perante os eleitores, posto que a sua mensagem não lhes é transmitida nem deles é conhecida. A sufragar-se a tese da Mta. Juiz a quo, tal significa que a censura nunca teria causado prejuízos à actividade política de um partido, o que não é concebível. Y – Acresce que, ao contrário do que a Mta. Juiz a quo afirma a fls 16 da sentença recorrenda, não resulta dos factos dados como provados que existiam outros membros da assembleia municipal de tal vertente política que mantivessem a defesa da posição do partido. Apesar de o queixoso fazer parte de uma coligação, representa um partido político e os outros membros representam outro partido político, pelo que não têm a obrigação de assumir as posições defendidas pelo partido do ora queixoso, sendo certo que, mesmo em coligação, quando um dos partidos obtém um ganho político, esse ganho político é do partido. Z – Verifica-se, pois um clamoroso erro notório na apreciação da prova pela Mta. Juiz a quo, feito através de um vício de raciocínio, totalmente desconforme com a realidade da vida e com a prova produzida em julgamento e com os factos dados como provados, pelo que deverá a sentença ser alterada nesta parte, em conformidade com a prova produzida e com os factos dados como provados e com a alteração ora requerida. AA – Quanto à errada aplicação dos factos ao direito, a Mta. Juiz a quo entende que estão preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime por que vinha acusado o arguido, no entanto, não se encontravam preenchidos os elementos subjectivos do tipo de crime, por entender que cabe dentro dos poderes do arguido a expulsão de deputados, por tal se incluir na cláusula geral do Regimento da Assembleia Municipal que prevê o assegurar o seu regular funcionamento e presidir aos trabalhos, quer porque a intenção do arguido era restabelecer a ordem na sala. BB – Salvo o devido respeito não concordamos com a posição tomada pela Mta. Juiz a quo na aplicação dos factos provados ao direito, mais concretamente, na análise que faz do enquadramento dos elementos subjectivos do tipo de crime e dos poderes do arguido. CC – Os poderes do arguido são aqueles que lhe advêm da lei de competência do órgão a que preside, não podendo ser feita uma análise dos mesmos na óptica do direito privado para efeitos de encontrar uma solução dentro e uma cláusula geral, pois estamos perante direito público, mais concretamente, direito administrativo. DD – Os órgãos só têm a competência que a lei lhes confere e não outra, só podem exercer os seus poderes dentro das competências prescritas na lei, não podendo praticar actos que não lhe são concedidos por lei. EE – Dispõe o artigo 17 nº 1 alíneas a) e d) que incumbe ao Presidente da Mesa assegurar o regular funcionamento e presidir aos trabalhos e dirigi-los e manter a disciplina das reuniões e que, nos termos do artigo 29º do referido Regimento as reuniões podem ser interrompidas para o restabelecimento da ordem na sala, defendendo a Mta. Juiz a quo que estas disposições conferem ao arguido o poder de este expulsar o assistente e de o impedir de votar. FF – Ora, em direito administrativo os órgãos só podem praticar os actos de acordo com as competências que lhe são dadas por lei e do Regimento da Assembleia Municipal não constava que o arguido pudesse expulsar o assistente da sala e de não contar o seu voto, pelo que o arguido estava vinculado ao disposto no Regimento. GG – A conclusão a retirar dos factos dados como provados é que o arguido violou os limites das suas competências, tendo praticado actos para os quais a lei não lhe dava competência para tal, quando expulsou o assistente da sala e não contou o seu voto nas votações que ocorreram. Portanto o arguido praticou um acto ilegal, sabendo que não tinha competência para o mesmo, uma vez o arguido apenas podia suspender os trabalhos. HH – Ao expulsar o assistente da sessão da Assembleia Municipal e ao não contar o seu voto o arguido sabia e tinha perfeito conhecimento e consciência que estava a praticas actos que violavam frontalmente o Regimento da Assembleia Municipal. II – A estes factos acresce o de ter sido o arguido que deu causa à confusão gerada na sessão da Assembleia Municipal, ao afirmar que o assistente tinha dificuldades ao nível de leitura, pois foi esta expressão que originou toda a confusão gerada e depois não soube lidar com a situação que ele próprio criou. JJ – Perante esta factualidade encontram-se preenchidos os elementos subjectivos do tipo de crime por que vem acusado o arguido, ao contrário do que a Mta. Juiz a quo afirma quando declara que não houve intencionalidade do acto e que o arguido apenas queria restabelecer a ordem na sala. LL – Como ensina o Professor Germano Marques da Silva: No dolo necessário o facto tipicamente ilícito não constitui o fim que o agente se propõe. Agora o agente para a realização do fim que se propõe, que pode ser um facto lítico, representa como consequência necessária da sua conduta a perpetração de um facto tipicamente ilícito, mas essa representação não o impede de agir. O fim subjectivo do agente não coincide com o fim objectivo da acção, mas esta é meio necessário para a realização daquele (…) querendo o agente o fim que se propõe, quer também o facto típico (…). MM – O arguido pretendeu restabelecer a ordem na sala, fim que é em si licito, só que para a sua realização foi consequência necessária a realização de um facto ilícito, porquanto o assistente foi impedido de participar nos trabalhos dessa assembleia. Querendo o arguido o fim a que se propôs, quis também a prática do crime de coacção sobre membros de órgãos constitucionais. NN – Esta consequência decorre de o arguido, por um lado ter violado as disposições do Regimento da Assembleia Municipal de .... que não lhe davam competência para expulsar e não considerar o voto do assistente e por outro, ter agido firme, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o assistente era membro da Assembleia Municipal de ....e que com a sua conduta o impedia de participar nos trabalhos. OO – Fica evidenciado a existência do dolo necessário na conduta do arguido e do seu conhecimento da violação, veja-se neste sentido o Ac. do STJ, de 26-03-1992, segundo o qual: “E a verificação do dolo necessário resulta bem evidenciado se se mostra provado que o arguido agiu livre e conscientemente, admitindo que a sua conduta resultava a finação da vida do ofendido e bem sabendo que o seu comportamento era contrário à lei.” PP – Outra conclusão não se pode retirar senão a de que o arguido agiu com dolo necessário, preenchendo os elementos subjectivos do tipo de crime por que vem acusado, pelo que deveria ter sido condenado pela prática do respectivo crime. QQ – Deverá a sentença recorrenda ser revogada nesta parte e substituída por outra que declare o preenchimento dos elementos subjectivos do tipo de crime, condenando-o pela sua prática. RR - Na parte cível a Mta Juiz a quo absteve-se de se pronunciar atento o facto de o arguido ser absolvido, pelo que deverá, também a sentença ser revogada na parte cível e ser substituída por outra que, atenta a condenação do arguido, fixe uma indemnização a pagar pelo arguido ao assistente. SS – Ao decidir como decidiu, a Mta. Juiz a quo violou as disposições dos artigos 14º nº 2 do Código Penal e as disposições do artigo 10º, nºs 1, 3 e 4 da Lei nº 34/87 de 16/07. TT - Deve revogar-se a sentença recorrenda procedendo-se à aplicação do direito aos factos dados como provados, declarando-se que se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime, condenando-se o arguido pela prática do crime por que vem acusado, bem como conhecer-se do pedido de indemnização civil decorrente da prática do crime, condenando-se o arguido ao pagamento de uma indemnização que for fixada pelo Tribunal. ” O M.P. respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo por seu turno: “1. Em síntese, o recurso do assistente visa que se dê como provado o facto descrito na al. a), da Matéria de Facto Não Provada, ou seja, que «Estava o arguido ciente que a sua conduta é proibida e punida por lei», assim se preenchendo todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime do artº 10º, nºs. 1 e 4, da Lei nº 34/87, de 16.07. 2. Estando provado sob o nº “11” da matéria de facto provada que o arguido disse para o assistente «Abandone! Não tem o direito. A Mesa também tem o direito de o expulsar quando não tem um comportamento correcto. (…) Abandone a sala se faz favor», sob o nº 17, que «Com a actuação vertida de 7) a 14), o arguido pretendia que os trabalhos da Assembleia decorressem com normalidade, e sob o nº 18 que «nenhum dos deputados presentes reclamou para o plenário da decisão de expulsão proferida pelo arguido relativamente ao assistente» 3. É legítima a conclusão de que o arguido agiu convicto que, enquanto presidente da Mesa da Assembleia Municipal de ..., tinha efectivamente poderes para determinar a expulsão do Assistente da reunião daquele órgão no quadro que se verificava. 4. Circunstância que excluiu a consciência da ilicitude do facto, nos termos do disposto no artº 17º, nº 1, do Cód. Penal, desde que o erro não seja censurável. 5. O que se afigura ocorrer no caso dos autos uma vez que a decisão de não deixar o assistente participar na sessão em causa foi tomada no decurso de uma discussão entre o assistente e o arguido, em que gritavam um com o outro, sem a necessária e devida ponderação, com o propósito de lograr o prosseguimento dos trabalhos.” O arguido respondeu também, concluindo: “1º Contra o que pretende o recorrente não existe qualquer contradição entre o facto provado sob nº. 15 da sentença e o facto não provado da alínea a) pois 2º O referido nº. 15 apenas considera provada a voluntariedade consciente do comportamento do arguido, não qualificando como licito ou ilícito tal comportamento, o qual 3º Porque assumido pelo arguido por imposição duma cláusula legal geral que lhe impunha a obrigação de manter a ordem nas reuniões, era para ele não apenas licito mas até obrigatório. De facto 4º O assistente recusava continuada e assumidamente acatar as ordens da mesa, impedindo assim o prosseguimento ordeiro da assembleia, pelo que 5º Ao expulsá-lo, o arguido agiu no cumprimento duma lei e como tal o seu comportamento não foi ilícito, como dispõe o artigo 31 nº. 2 alinea c) do Código Penal. 6º Nem a isso obsta o conflito de interesses entre o direito do assistente participar na assembleia e a necessidade de prosseguir esta, pois 7º Sendo ambos conferidos para defesa do interesse geral de funcionamento da mesma assembleia, necessariamente terá que dar-se prevalência á continuação da assembleia sem a participação de apenas um dos seus elementos, sobre a pura e simples impossibilidade de realizá-la. 8º Igualmente não existe contradição entre os ns. 12, 13 e 14 dos factos provados e o facto não provado constante da alínea d), já que 9º Existindo mais deputados do partido do assistente na assembleia, como referiu a testemunha LP, o facto de o assistente não poder intervir não inibia os outros deputados do mesmo partido de faze-lo, veiculando as posições deste.” Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, opinando também pela improcedência do recurso. Colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência. 2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados: “1.O queixoso TA, é desde 25 de Outubro de 2005 deputado na Assembleia Municipal de---, da qual é Presidente da Mesa o arguido JM. 2. No dia 23 de Fevereiro de 2006, cerca das 21.00 horas, no decurso de uma reunião da Assembleia Municipal de ----, no período referente à Ordem do Dia, em que se discutia a aprovação da acta da reunião anterior, o queixoso pediu a palavra ao arguido, que presidiu à reunião e, após ter-lhe sido concedida, disse que não leu a acta da dessa reunião porque não lhe foi entregue atempadamente, por isso nem abriu o envelope e, continuando afirmou «...há pessoas que, como eu, gostam de ler e ninguém consegue ler e assimilar sessenta ou setenta páginas de acta, que isto agora é tudo transcrito e acho muito bem. Agora dêem-nos é tempo para analisar a acta, não é querer que tenhamos a acta ontem à tarde e hoje estejamos aqui a votar setenta páginas de acta, é um atentado à democracia, porque ninguém em consciência pode votar e saber o que está a votar, tendo recebido a acta com tão pouco tempo.» 3. De seguida o arguido tomou a palavra e referiu que discordava do argumento utilizado pelo Senhor TA para não votar a acta, pois tinha afirmado que nem sequer tinha aberto o envelope que a continha. 4. E prosseguiu dizendo «a Mesa reconhece que o documento deveria ter sido entregue com maior antecedência contudo, será, se calhar, o Sr. Deputado que terá dificuldades ao nível da leitura porque é um documento que se lê facilmente numa hora». 5. De imediato o queixoso disse para o arguido que se tinha dificuldades ao nível da leitura tal devia-se ao Sr. Presidente da Mesa, porque foi ele o seu professor de português. 6. De seguida o queixoso e o arguido começaram a falar em simultâneo, enquanto o primeiro afirmava que pretendia usar da palavra para defesa da honra, o segundo afirmava que não lhe dava a palavra e que se não acatasse as ordens da mesa teria de o convidar a abandonar a assembleia e modo a que os trabalhos pudessem prosseguir e que se o queixoso continuasse a intervir nesse caso necessitaria de solicitar a intervenção das forças de segurança. 7. De seguida o queixoso e o arguido começaram a falar em simultâneo, enquanto o primeiro afirmava que pretendia usar da palavra para defesa da honra o segundo afirmava que não lhe dava a palavra e que se não acatasse as ordens da mesa teria de o convidar a abandonar a assembleia e modo a que os trabalhos pudessem prosseguir e que se o queixoso continuasse a intervir nesse caso necessitaria de solicitar a intervenção das forças de segurança. 8. De seguida, o arguido disse várias vezes para o queixoso: «Se não acata as ordens da mesa expulso-o desta assembleia”, “Acata as ordens da Mesa?» 9. Ao que o queixoso respondeu por diversas vezes: «Não acato!» 10. O arguido retorquido, de imediato: «Não acata? Então se faz favor saia desta assembleia», após o que o queixoso afirmou que não abandonava a sala. 11. O arguido prosseguiu, afirmando «Abandone! Não tem o direito. A Mesa também tem o direito de o expulsar quando não tem um comportamento correcto. ( ... ) Abandone a sala se faz favor” 12. Uma vez que o queixoso não saiu da sala o arguido disse-lhe que a partir daquele momento poderia ficar na assembleia como público mas não iria ter outra intervenção durante toda a assembleia. 13. Pouco depois, no decurso da votação da acta da reunião anterior, o arguido não contou o voto do queixoso, pelo que este voltou a querer usar da palavra, o que o arguido não permitiu dizendo ao queixoso já não fazia parte daquela assembleia. 14. De igual forma o arguido não considerou o voto do queixoso referente aos pontos n.º 4, 6, 7 e 8 da ordem de trabalhos pelo que, após essa votação o queixoso saiu do lugar que lhe estava destinado como deputado municipal e foi sentar-se no espaço destinado ao público. 15. Agiu o arguido firme, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o queixoso era membro da Assembleia Municipal de …. e que com a sua conduta o impedia de participar nos trabalhos dessa assembleia. Mais se provou que: 16. O arguido ao agir como referido em 7) a 14), supra fê-lo mediante deliberação ou decisão unânime com os demais membros da Mesa da Assembleia Municipal. 17. Com a actuação vertida de 7) a 14), o arguido pretendia que os trabalhos da Assembleia decorressem com normalidade. 18. Nenhum dos deputados presentes reclamou para o plenário da decisão de expulsão proferida pelo arguido relativamente ao Assistente. 19. Os factos vertidos supra foram objecto de publicação no jornal “****”. 20. O assistente convocou, após os factos vertidos supra, uma conferência de imprensa a fim de falar sobre tais factos. 21. O arguido não tem antecedentes criminais registados no seu CRC. 22. O arguido aufere por mês a quantia de € 2100,00 acrescida de € 248,00. 23. Vive com a esposa e um filho maior, estudante universitário, o qual vive a expensas dos progenitores. 24. A esposa é funcionária administrativa da Segurança Social, e aufere por mês cerca de € 900,00. 25. Paga de empréstimo ao banco para aquisição de casa própria a quantia mensal de € 200,00. E consideraram-se como não provados os factos seguintes: “a) Estava o arguido ciente que a sua conduta é proibida e punida por lei. b) O Demandante não logrou responder ao facto vertido em 4) dos factos provados. c) O arguido foi impedido de exercer o seu direito de defesa da honra. d) Com a sua conduta o Demandado Cível impediu que um partido o CDS-PP tomasse posição sobre as questões discutidas na ordem de trabalhos. e) O arguido/Demandado Cível pretendeu adulterar a votação real da sessão da Assembleia Municipal, por interesse próprio. f) A ocorrência dos factos supra vertidos causaram prejuízos à imagem politica do Demandante Cível e do partido que representa.” E o juízo sobre a factualidade encontra-se justificado da forma seguinte: “A convicção do Tribunal assentou no conjunto da prova produzida e apreciada em audiência de discussão e julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade. O arguido confirmou quase na sua totalidade os factos. Admitiu que a acta não fora entregue com a antecedência de 48 horas, mas que antes do início dos trabalhos falou com os líderes das forças politicas e todos concordaram que existiam condições para a aprovação da acta. Confirmou a sua afirmação contida nos factos dados como provados em 4), e bem assim que o arguido respondeu a tal afirmação, como consta do ponto 5) dos factos provados. Mais disse que daí iniciou uma confusão, na medida em que o assistente pretendia usar da palavra para defesa da honra e o arguido, juntamente com os demais membros da mesa consideravam que não tinha o arguido essa faculdade, o que causou alguma agitação na assembleia. Que devido à insistência do assistente que continuava a falar por cima de si, na qualidade de presidente da mesa, foi determinado, com o acordo dos dois secretários que o mesmo deveria acatar as ordens da assembleia e perguntado por conseguinte se aquele pretendia acatar a ordem de se silenciar, para que os trabalhos continuassem, ao que o mesmo reiteradamente disse que não acatava. Perante tal atitude, a mesa decidiu que o mesmo ficaria impedido de participar na assembleia, pelo que, por esse motivo, o mesmo não participou na discussão dos pontos da ordem de trabalhos nem foi contado o seu voto. Referiu que a mesa da assembleia tinha legitimidade para tal tomada de decisão, pois ao presidente e mesa incumbe manter a ordem e dirigir os trabalhos, e perante a atitude do Sr. Deputado tal não se afigurava viável, por ter expressamente dito que não acatava as ordens desse órgão. Referiu ainda que nenhum deputado colocou em causa essa decisão, ou sequer reclamou para o plenário. Referiu ainda que o Deputado ora Assistente por várias vezes tinha atitudes desrespeitadoras da ordem, mas que nunca com a gravidade dos factos em causa, mais confirmando que efectivamente o regimento da AM em vigor à data dos factos não previa o direito da mesa proceder à expulsão de um deputado, mas que na sua óptica estará integrado na parte em que se refere que deverá este manter a ordem a disciplina. O Assistente e Demandante, em declarações confirmou toda a factualidade vertida na acusação e supra dada como provada. Referiu que se inscreveu para falar e quando lhe foi concedida referiu a questão da acta ter sido entregue para análise fora do tempo e que era muita extensa. Confirmou que respondeu ao facto vertido em 4) sem que tivesse pedido a palavra, mas que perante o que foi proferido pelo arguido, se sentiu ofendido na sua honra pelo que pedia a palavra, o que lhe foi vedado. Confirmou ainda que declarou não pretender acatar a ordem da mesa no sentido de que se silenciava, e que decidiu não sair da sala e do seu lugar pois nessa assembleia iriam ser discutidos pontos pertinentes, e pretendia votar tais pontos da ordem de trabalhos. Referiu que tentou inscrever-se para falar, o que não foi admitido e o seu voto não foi contabilizado em diversos pontos da ordem de trabalhos. Mais referiu que nessa altura, o regimento da AM não permitia a expulsão de deputados, mas tal veio a ser posteriormente alterado. Referiu que o arguido decidiu expulsa-lo sem consultar os restantes membros da mesa da assembleia nem o plenário, pelo que a sua atitude foi ilegal, ao impedi-lo de falar e votar. Confirmou que a noticia da expulsão saiu no jornal “***”, que por isso o assunto foi comentado, e teve alguns “dissabores políticos”, e que teve problemas quanto à sua inclusão nas listas das próximas eleições autárquicas no que se refere à eventual coligação entre o CDS-PP e o PSD e na altura foi questionado por colegas do partido sobre o sucedido. Sentiu-se publicamente exposto. Relativamente à prova testemunhal, por uma questão de economia processual, proceder-se-á a uma análise critica dos diversos depoimentos, sua credibilidade. A testemunha JM, testemunha comum da acusação e do pedido cível deduzido, esclareceu ser deputado a AM pelo PSD, e que existia já anteriormente alguma tensão, apenas pelas funções desempenhadas por ambos na AM. Confirmou os factos vertidos na acusação, contextualizando de forma completa e objectiva os factos que acarretaram a ordem de expulsão do assistente, referindo que foi a primeira vez que o arguido teve uma atitude mais irónica. Confirmou que se abriu uma discussão entre ambos, e que já toda a AM se manifestava, levantando-se um certo mau estar. Referiu que o arguido por diversas vezes falou e consultou os demais membros da mesa, embora não ouvisse o que era conversado. Considera que a decisão de expulsão o foi com base na consulta dos demais membros. Esclareceu ainda que perante a atitude do assistente pouco havia a fazer, pois que era perguntado se acatava as ordens a mesa e este repetia que não, não se calando. Que não se conseguia retomar em tais circunstâncias a ordem dos trabalhos e prosseguir a AM. Referiu que efectivamente perante tais factos, foi o arguido que referiu que o assistente estava expulso daquela assembleia e não foi considerado o seu voto. Confirmou que nem os membros da mesa nem a Assembleia se insurgiu ou reclamou de tal decisão. Referiu quanto ao PIC que o assunto veio a ser comentado e que o assistente terá passado uma imagem de irrequietude, mas que ao nível da coligação CDS-PSD não verificou ou tomou conhecimento que o arguido fosse colocado em causa ou a sua imagem se alterasse. Declarou que imagem politica do assistente, no geral, não saiu beliscada, mais referindo que o assistente tem uma atitude mais interventiva e uma postura por vezes algo controversa nas AM. Devemos realçar que esta testemunha depôs de forma clara, precisa e que por isso, foi isento, merecendo credibilidade. A testemunha JC, testemunha de acusação e do PIC, confirmou estar na AM como público e ter funções no PSD local. Referiu que o assistente será oposição pois que o presidente da mesa é do PS, e que não verificava que existisse algum problema anterior à data dos factos. Referiu que a observação proferida pelo arguido foi uma excepção pois que o seu comportamento e postura não seriam compagináveis anteriormente com esse tipo de postura. Confirmou a troca de palavras entre ambos, arguido e assistente, e que enquanto um pedia a palavra o outro negava conceder a mesma, e que ao ser perguntado se o assistente acatava a ordem da mesa, este respondeu que não acataria, o que determinou a decisão do arguido de o expulsar. Verificou que o ao assistente não mais foi concedida a palavra nem se contabilizou o seu voto nos pontos da ordem de trabalhos. Mais confirmou que a Assembleia demonstrou alguma discordância perante o sucedido – a troca de palavras. Referiu que na sua óptica a posição do assistente saiu “fragilizada”, pois existiram comentários públicos e no partido. Referiu que dentro da coligação PSD e CDS algumas pessoas levantaram problemas em o incluir na lista e que ele poderia ter sido apontado como efectivo para vereador o que não sucedeu. Afirmou todavia que as listas não foram publicadas. Referiu ainda que ninguém perante a expulsão terá reclamado para o plenário, e não se lembrava se o arguido terá convocado uma conferência de imprensa. Esta testemunha estando presente no dia, hora e local dos factos esclareceu os factos ocorridos, embora devamos realçar que em particular quanto à matéria do PIC, prestou já um depoimento mais evasivo e titubeante, realçando alguma parcialidade, pelo que quanto a tal segmento não mereceu a mesma credibilidade. A testemunha EC, testemunha de acusação e da contestação do arguido, confirmou ser vereador da CM de ****, e por isso, estar na Assembleia Municipal. Referiu que em regra o arguido tem uma postura correcta, elegante e cívica, mas que anteriormente devido a outras atitudes mais aguerridas do assistente já haveria alguma crispação em termos do funcionamento da AM. Referiu que o assistente usa muitas vezes da possibilidade de falar em defesa da honra de forma desadequada. Confirmou e contextualizou de que forma veio a ser efectuada a “expulsão” do assistente, e que por diversas vezes foi lhe perguntado se acatava as ordens da mesa e este continuava a falar e dizia q não acatava. Referiu que o arguido diversas vezes falou com os demais membros da mesa, e que foi após uma dessas conversas que o arguido transmitiu a decisão da mesa se o expulsar. Referiu ainda que ninguém recorreu ou reclamou para o plenário e que do modo como a situação se desenrolou, não era possível manter a AM, e decidir a ordem dos trabalhos. A testemunha JM, comum, deputado municipal pelo PSD, referiu que apenas poderiam existir divergências politicas tendo em conta os cargos desempenhados. Referiu que o assistente por vezes fazia interpelações ou pedidos para falar, o que era por vezes atendido ou não. Que o assistente é mais irreverente nas suas tomadas de posição e intervenção, tendo sido já anteriormente chamado à atenção. Esclareceu que não existia no regimento à data qualquer norma que permitisse a expulsão de um deputado e esclareceu que efectivamente após a ordem de expulsão o assistente pretendia votar e o seu voto não era contabilizado. Quanto ao PIC deduzido, referiu que entre o PSD e o CDS não houve qualquer fricção, e que a situação terá sido comentada por poucos dias, tendo saído uma notícia no jornal “****”. Referiu ainda que embora não seja abonatório para a pessoa ser expulso, não considera que a sua projecção politica tenha sido beliscada, continuando a ser pelo menos dirigente local do CDS-PP. Referiu que apenas após ter sido expressamente questionado se não acatava as ordens, foi decidida a sua expulsão, sendo que do que visionou foi uma decisão colectiva, ou seja, juntamente com os demais membros da mesa. E esclareceu ainda que ninguém manifestou discordância com tal decisão. A testemunha JR, presidente da CM de ****, testemunha de acusação, referiu estar presente na dita sessão da AM. Referiu que ainda existe e antes da data em causa, alguma dificuldade na condução da AM devido à postura por vezes assumida pelo assistente, que pede muitas vezes a palavra alem do limite estabelecido e pede a palavra para defesa da honra em situações que não permitem o seu uso. Referiu e confirmou o contexto das afirmações de cada um, arguido e assistente. Referiu ainda que do que visionou, o arguido consultava a mesa, pelo que as suas decisões o foram mediante consulta dos demais membros. Referiu que o assistente apenas da primeira vez, para falar da acta pediu a palavra, mas depois disso falou sempre sem que a mesma fosse pedida e deferida. Confirmou ainda que devido ao sucedido era impossível manter ordem, e a AM já se insurgia ou manifestava discordância perante tal situação. Referiu também que tendo em conta a maioria de um partido a votação do assistente não impedia propriamente a não aprovação de uma deliberação. A testemunha JB, deputado municipal confirmou estar na AM, e confirmou que devido á troca de conversa entre o assistente e o arguido existia já na sala alguma agitação. Considerou possível que caso se tivessem suspendido os trabalhos, poderia eventualmente ter sido suficiente para que os ânimos se acalmassem e se retomasse os trabalhos com normalidade. Relativamente ao PIC referiu que tem ideia de não estar totalmente definido quem fará parte da lista do CDS –PSD, mas que a existência deste processo e da expulsão do assistente não foi sequer abordada. Mais referiu que durante alguns dias se falou no assunto, e que saiu uma notícia num jornal. A testemunha PC, arrolada pelo arguido, deputado municipal pelo PS, embora como independente, referiu que na sua óptica a assembleia ficou sem condições de funcionar, pois não havia calma para que os trabalhos continuassem, referindo que foi o assistente que se recusou a acatar as ordens da mesa da Assembleia. Referiu que do que viu, o arguido falou com os dois secretários, e que a decisão de expulsão foi falada. Referiu ainda que atento o número de deputados do PS a ausência de voto do assistente não poderia alterar o sentido de voto da maioria. Esclareceu ainda que a decisão de expulsar o assistente ocorreu porque reiteradamente o assistente não se calava apesar de interpelado pelo ora arguido, sendo que do que visionou tal decisão ocorreu em ultima instancia, tendo em conta que o deputado em causa não se calava e não deixava prosseguir a ordem dos trabalhos, pelo que a vontade da mesa foi apenas de permitir a continuidade dos trabalhos e não impedir o voto. Referiu ter conhecimento que o assistente além de dirigente local passou a dirigente regional ou distrital, de ****. A testemunha AE, deputado da AM pelo PS, esclareceu que o voto em si não alteraria o resultado tendo em conta que o PS tem maioria absoluta. Referiu ainda que o arguido tem um comportamento democrático, e não tira em regra a palavra aos deputados. Referiu ainda que após a comunicação da decisão de expulsão não ocorreu qualquer recurso ou reclamação para o plenário. Disse ainda que tendo em conta a negação de se calar e de acatar a ordem da mesa, a expulsão era necessária sob pena de não se lograr continuar a ordem dos trabalhos. A testemunha LP, deputado municipal pelo BE, referiu que poderia existir alguma animosidade mas apenas pela postura politica. Referiu que o assistente não era o único deputado pelo CDS-PP, existindo 2 ou 3 deputados de tal partido. Referiu ainda que após a expulsão, nenhum deputado reclamou ou recorreu para o plenário sendo que desde então, os trabalhos prosseguiram com normalidade. Caracterizou o comportamento do assistente como sendo de rebeldia e com interpelações desnecessárias á mesa. Referiu que o que o arguido pretendeu foi apenas permitir a continuidade dos trabalhos e não expulsar para impedir que o assistente demarcasse a sua posição, impedindo-o de exercer o seu mandato. De referir que esta testemunha em termos politicas era totalmente imparcial pois não pertence a qualquer dos partidos ou coligações representadas – no caso do arguido e do assistente, e pela forma como depôs foi credível e isento. A testemunha MT, secretária da mesa da AM designadamente á data dos factos, confirmou que a expulsão foi uma decisão de todos os membros da mesa, tendo sido trocadas impressões previamente. Referiu ainda que o plenário nada disse, e que tal decisão foi tomada no limite, atendendo ao comportamento do assistente e teve como finalidade apenas permitir a continuidade da assembleia, pois era impossível continuar, estando já os ânimos exaltados e pouca calma da AM. Referiu que foi entendido que estaria tal decisão no âmbito da norma que determina como função da mesa e seu presidente manter a disciplina e a ordem nos trabalhos. A testemunha JG, secretário da mesa á data dos factos, confirmou o referido pela anterior testemunha, pois que o arguido na qualidade de presidente da mesa deu a conhecer a decisão colectiva. Referiu que não ocorreu qualquer oposição a tal tomada de decisão e após os trabalhos decorreram com normalidade. Referiu ainda que a decisão foi tomada porque o assistente não se calava, impedindo o decurso dos trabalhos e disse não acatar as ordens. Estas duas testemunhas pareceram objectivos e calmos, merecendo credibilidade, A testemunha CF, jurista da CM de ---, presente no dia em causa nos autos referiu e confirmou que a troca de palavras gerou perturbação e já vários falavam. Considerou que se gerou um burburinho e que atenta a posição do assistente de continuar a pedir a palavra e a não se calar, impedia o normal prosseguimento dos trabalhos. Referiu que tudo foi motivado pelo posterior comportamento do assistente, após a troca de palavras entre este e o arguido. Que após o ordem de expulsão os trabalhos prosseguiram calmamente. A testemunha JF, ouvido como testemunha abonatória, referiu o arguido como uma pessoa calma, bem-educada, que exerce diversas actividades desinteressadas na sociedade e do que conhece é uma pessoa com sentido cívico e democrático. A testemunha FS, ouvida como testemunha abonatória, caracterizou o arguido como uma pessoa correcta e cordial, muito disponível, que exerceu cargos no conselho executivo da escola e foi sempre pessoa aberta a diferentes opiniões. A testemunha ML, referiu que o arguido foi membro da CPCJ de *****, sendo uma pessoa correcta, urbana e aberta a diferentes opiniões. Assim os factos vertidos nos pontos 1 a 14, desde logo quer o arguido quer o assistente assumiram os actos aí referenciados, apenas tendo “teorias” ou “posições” diversas sobre as consequências dessa decisão de expulsão ou de ofensa do nome do assistente. Mais as testemunhas arroladas, como se referiu supra, de forma algo consentânea, e apenas em termos objectivos, despidos, desta forma, as opiniões subjectivas, confirmaram o sucedido. -quanto ao ponto 15, resultou do computo da prova produzida, sendo certo que o próprio arguido admitiu que sabia que o queixoso era deputado, teria direito de voto, e que dessa forma o seu voto não foi tido em consideração. Todavia, resultou ainda que o arguido assim agiu, conjuntamente com os membros da mesa – e aqui devemos atentar nos depoimentos desses dois elementos, que de forma clara, objectiva depuseram no sentido afirmativo, ou sejam de que foi uma decisão conjunta. Resultou ainda que os ânimos estavam exaltados, o assistente recusava aceder a calar-se e conformar-se com as decisões da mesa, e, por esse motivo, atenta a impossibilidade de continuar a ordem dos trabalhos, foi decidido que o mesmo não teria mais participação nesse concreta assembleia. Resultou pois, inequívoco que o arguido e demais membros tinham como objectivo manter a ordem dos trabalhos e exercer a disciplina na discussão da ordem de trabalhos, ou seja, pretendia-se continuar a discussão da AM – ponto 16 dos factos dados como provados supra. E aqui atentou-se ainda na generalidade dos depoimentos, os quais todos, e em geral afirmavam a dificuldade em manter a ordem e que era impossível continuar os trabalhos nessas circunstancias. Quanto ao facto vertido em 18, resultou do depoimento de todas as testemunhas presenciais dos factos, os quais relataram que ninguém exerceu qualquer contradição quanto a tal decisão e os trabalhos prosseguiram. O ponto 19 resultou ainda da prova testemunhas e da cópia constante dos autos, sendo que o ponto 20 se aferiu pela apresentação do documento por parte do arguido na ultima audiência de julgamento e de onde se retira tal convocatória. Mais se atentou nas certidões de fls 9, 17 a 256 e 270 a 398 dos autos. Teve-se em consideração as declarações do arguido quanto às suas condições sociais e económicas e ainda no seu CRC constante dos autos. Quanto ao facto mencionado em i), dado como não provado e constante da douta acusação pública, o assim resultou, porquanto se deu como provado os pontos 15), 16) e 17), ou seja, o arguido embora tivesse agido conscientemente, ao impedir o voto e não usar da palavra, sabendo que o mesmo era membro da Assembleia Municipal, o fez, não só com a concordância da Mesa da assembleia, mas ainda com o propósito de pretender que os trabalhos da Assembleia Municipal decorressem com normalidade. Na verdade, verificando-se que o arguido pretendia acautelar o normal funcionamento de um órgão colectivo, o qual não estava a suceder atendendo à intervenção do aqui Assistente, o mesmo não agiu ciente da proibição da sua conduta, pois que pretendeu usar do seu direito a acautelar a boa ordem dos trabalhos, de acordo com os poderes que lhe foram atribuídos nos termos dados como provados. Daí que o arguido, embora soubesse do cargo ou função do Assistente, ao agir como o fez, não tivesse agido sabendo ou considerando ser tal conduta proibida ou punida por lei, ou seja, que agisse consciente da proibição da sua conduta. No que se refere aos pontos não provados, e no que tange, agora o pedido de indemnização civil, resultou que o demandante cível após o proferimento da expressão do arguido sobre a dificuldade de português logrou responder, mesmo não tendo pedido a palavra para o efeito, o que alias o próprio admitiu. Daí se considerar que o mesmo, por ter respondido a tal situação ou comentário pode responder ao mesmo e por conseguinte não lhe foi coarctado tal direito. De referir que tendo em conta o cargo exercido, os membros de cargos ou órgãos políticos deverão ter um poder de encaixe ou de aceitação de certas expressões, tendo em conta, aliás, as diversas posições politicas e as altercações que são do conhecimento comum existirem em tais órgãos. Não logrou o demandante provar que a sua posição ou imagem politica ficou particularmente prejudicada, tanto mais que até testemunhas por si arroladas, como se referiu supra, admitiram que se comentou em poucos dias, mas que não foi o assistente prejudicado. E resultou que este posteriormente a tais factos alem de ser dirigente local passou a dirigente distrital o que demonstra cabalmente que a sua visibilidade politica não foi beliscada de forma substancial ou duradoura. Nem resultou provado o ponto vertido em d), pois que efectivamente tendo em conta os deputados presentes e sentido de voto, o voto do assistente não impediria qualquer aprovação nem logrou provar o concreto interesse próprio ou especial do arguido, sendo seu o ónus da prova. E do ponto c) resultou contraprova que existiam outros deputados de tal vertente politica podendo manter-se a defesa da posição de tal partido.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes: - Contradição entre factos provados e não provados e entre estes e a prova; - Erro notório na apreciação da prova; - Erro de (subsunção dos factos ao) direito. Começamos por adiantar que a sentença recorrida não merece reparo. Mostra-se integralmente correcta, na decisão de facto e na decisão de direito, justificando-se consequentemente a absolvição do arguido. A esta posição e com estes fundamentos adere o tribunal ad quem, pelo que aqui os subscreve nos termos e para os efeitos dos artigos 425.º n.º 5 e 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal. No entanto, e apesar de legalmente admissível, não nos dispensamos de tratar, pelo menos sumariamente, as questões suscitadas em recurso. Da contradição entre factos provados e não provados e entre estes e a prova: O vício da contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão – ocorre quando a fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. Consiste numa “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a decisão probatória e a decisão. Ou seja, há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente” (Simas Santos, Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 71). Comecemos então pelas apontadas contradições entre factos provados e factos não provados. Defende o recorrente que os factos não provados - a) Estava o arguido ciente que a sua conduta é proibida e punida por lei, b) O arguido foi impedido de exercer o seu direito de defesa da honra, c) Com a sua conduta o Demandado Civil impediu que um partido o CDS-PP tomasse posição sobre as questões discutidas na ordem de trabalhos e d) O arguido/Demandado Civil pretendeu adulterar a votação real da sessão da Assembleia Municipal – estão em contradição com os factos provados na sua globalidade e concretamente com os seguintes: O arguido prosseguiu, afirmando «Abandone! Não tem o direito. A Mesa também tem o direito de o expulsar quando não tem um comportamento correcto. ( ... ) Abandone a sala se faz favor”; Uma vez que o queixoso não saiu da sala o arguido disse-lhe que a partir daquele momento poderia ficar na assembleia como público mas não iria ter outra intervenção durante toda a assembleia; No decurso da votação da acta da reunião anterior, o arguido não contou o voto do queixoso, pelo que este voltou a querer usar da palavra, o que o arguido não permitiu dizendo ao queixoso já não fazia parte daquela assembleia; o arguido não considerou o voto do queixoso referente aos pontos n.º 4, 6, 7 e 8 da ordem de trabalhos pelo que, após essa votação o queixoso saiu do lugar que lhe estava destinado como deputado municipal e foi sentar-se no espaço destinado ao público; o arguido agiu firme, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o queixoso era membro da Assembleia Municipal de **** e que com a sua conduta o impedia de participar nos trabalhos dessa assembleia». Numa visão apressada, poder-se-ia ser tentado a detectar uma aparente contradição. Há que atentar, porém, ainda nos seguintes factos, igualmente considerados como provados: com a actuação descrita, o arguido pretendia que os trabalhos da Assembleia decorressem com normalidade; e, embora não tão relevante para o que ora interessa: o arguido ao agir como referido fê-lo mediante deliberação ou decisão unânime com os demais membros da Mesa da Assembleia Municipal e nenhum dos deputados presentes reclamou para o plenário da decisão de expulsão proferida pelo arguido relativamente ao Assistente. Assim, em momento nenhum se afirma um facto e, simultaneamente, o seu oposto; em nenhum ponto se encontra a mesma realidade considerada como provada e como não provada ou duas realidades incompatíveis entre si. Ficou assente que o assistente tentou expulsar o arguido e lhe retirou a palavra, o que o impediu de participar nas votações em assembleia municipal. Estes factos não são incompatíveis com o não se provar que o arguido tenha sido impedido de “exercer o seu direito de defesa da honra”.Desde logo porque as votações em causa não se destinavam à defesa da honra do assistente. Nem se percebe muito bem qual a sua relevância para o crime em causa, já que não se trate de crime que proteja a honra, mas sim “o livre exercício de funções dos órgãos nele identificados e dos seus membros, o que se prende com a realização do Estado de direito constitucionalmente estabelecido” (Maria do Carmo Dias, Leis Penais Extravagantes, Org. P. Pinto de Albuquerque, José Branco, I, p. 743). Também não são contraditórios com o seguinte facto “com a sua conduta o Demandado Civil impediu que um partido o CDS-PP tomasse posição sobre as questões discutidas na ordem de trabalhos”, já que o que resulta da totalidade dos factos é que o assistente também foi co-responsável da situação em que se auto-colocou. Devia ter-se lembrado então de que estava a representar um partido político. De todo o modo o que se diz é que não foi por causa da conduta do arguido que um partido político foi impedido de ter expressão. Quanto ao facto não provado “o arguido/Demandado Civil pretendeu adulterar a votação real da sessão da Assembleia Municipal” ele é precisamente o contrário daquilo que se considerou provado, ou seja, a intenção do arguido foi a de “assegurar que os trabalhos decorressem com normalidade”. Por último, o facto não provado – conhecimento de que a conduta era punida por lei – também não é factualmente incompatível com o agir-se voluntaria e conscientemente, ou seja, com o ter-se sabido e querido todos os actos objectivamente considerados praticados pelo arguido. A isto voltaremos, na decisão da questão de direito. Inexiste a pretendida contradição do (ou no) texto da sentença, contradição que teria de consistir em dar-se como provado e não provado, simultaneamente, o mesmo facto, ou seja, a mesma realidade. Do erro notório na apreciação da prova: Este vício do texto da decisão materializa-se num erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Consistiria em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. É uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74). Relendo a fundamentação da decisão de facto, bem como os factos (provados e não provados) já transcritos supra (em 2.), conclui-se, o que se adianta, inexistir o arguido vício, que o recorrente situa no ponto já supra sindicado a propósito da contradição de factos. Referimo-nos, de novo, ao facto não provado “agiu sabendo que a conduta era punível”. Este facto não provado, como vimos, é factualmente compatível com todos os factos provados, tanto com os factos externos como internos. Mas sabendo-se, com Castanheira Neves, que uma quaestio facti é sempre a quaestio facti de uma certa quaestio júri e que uma quaestio juris é sempre uma quaestio júris de uma certa quaestio facti, voltaremos aqui no ponto seguinte. Tanto mais que, se é certo que o facto precede o direito, não pode ser equacionado fora do direito ou independentemente do seu conteúdo normativo. Em suma, da leitura da sentença recorrida ressalta a clareza do texto e do sentido da decisão. Clareza que resulta desde logo da exaustiva e criteriosa análise da prova produzida em audiência, reveladora de preocupação e rigor crítico, não existindo obscuridade no que à fundamentação (da convicção) se refere. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado. Nada na fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. O que resulta da motivação é a discordância do recorrente relativamente àquilo que o tribunal deu como provado; ou seja, discordância entre aquilo que o tribunal considerou provado e aquilo que o recorrente entende ter (ou não ter) resultado da prova produzida. O que não tem a ver com o erro notório na apreciação da prova, que consistiria em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum, como dissemos. Do erro de (subsunção dos factos ao) direito. É altura de retomar aos factos alegadamente contraditórios – provado que agiu voluntaria e conscientemente / não provado que agiu ciente de que a sua conduta era punida por lei – e de dizer que não só se considerou que o arguido o não sabia, como a conduta apurada não é punida por lei penal. O considerar-se apenas que o arguido não sabia que a sua conduta era punida por lei, parece apontar para uma falta de consciência da ilicitude, o que não é o caso. Previamente à aproximação ao tipo, convém relembrar que todo o crime trata de uma inadequação social e comporta já um desvalor. E a conduta apurada consubstancia um comportamento atípico, desde logo porque ainda socialmente adequado. Ao arguido competia também assegurar o normal funcionamento dos trabalhos da Assembleia Municipal, já que presidia à Assembleia Municipal. Praticou os factos para – ou como forma de – garantir o normal funcionamento desta, como também se provou. Independentemente da ausência de expressa previsão normativa da possibilidade do recurso a expulsão para garantia da ordem, e do tipo de dolo do crime imputado (genérico/não específico), a conduta apurada é atípica, como se verá. Voltando aos factos aparentemente contraditórios, por várias vezes temos afirmado que a expressão “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”, toda ela aqui completa, desacompanhada de qualquer outra, é insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto passível de pena. Cremos que a utilização prática desta expressão agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida, comummente utilizada (ao lado de outras que a completam) no tratamento factual do dolo, provem do anterior código penal de 1886. Este código definia crime no seu art. 1º como “o facto voluntário declarado punível pela lei penal”. Não definia dolo, nem continha tal vocábulo. Utilizava a expressão intenção criminosa que, no entanto, também não definia. O código penal actual define o dolo nas três modalidades previstas no art.14º, sendo difícil considerar que a expressão agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida, sem mais, satisfaça as exigências normativas típicas actualmente vigentes. Tal expressão quando desacompanhada de outras que no caso se imponham – consoante o tipo de crime em causa - dificilmente constituirá base factual bastante. É que é factualmente que tem de resultar que o agente quer e sabe que comete o crime que lhe foi imputado, e na ausência delas, falta o facto (precedente) imprescindível para a afirmação/conclusão do direito (consequente). No caso, estamos perante um tipo de crime que se basta com o dolo genérico (neste sentido também, Maria do Carmo Dias, loc. cit., p. 747; contra, exigindo dolo específico quanto ao crime do art. 333º do CP, que neste aspecto é similar ao dos autos, Pedro Caeiro, ob. ali cit.). Da base factual provada teria de constar factualidade susceptível de integrar o dolo genérico, ou seja, que o arguido conhecia e queria impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de autarquia local para se poder concluir pela tipicidade penal do seu comportamento. É o que resulta do art. 10º da Lei n.º 34/87, de 16.07 - “o titular de cargo político que (…) impedir ou constranger o livre exercício das funções de (…) será punido” – e do art. 14º do CP. E é errado pensar que tais factos (subjectivos) possam resultar logicamente dos factos objectivos narrados. É que uma coisa é a base factual que constitui a decisão de facto, prévia e pressuposto da decisão de direito, e outra é a prova desses mesmos factos que, esta sim, pode fazer-se com recurso a presunções e inferências lógicas. “Para além dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito, o tribunal deve de igual modo pronunciar-se sobre os factos integradores do tipo subjectivo de ilícito. É que o tribunal não pode declarar a culpabilidade do arguido sem a prova desses factos. E se estes factos constituem, como constituem, matéria de facto, então têm de ser objecto de alegação e prova e devem ser descritos na matéria de facto em conformidade com a prova produzida. Sejamos claros: a especificidade da prova destes factos não altera a natureza das coisas” (Sérgio Poças, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, Rev. Julgar, nº3, 2007, p. 26-27). Ora, no caso, não só não se provaram estes factos – subjectivos – como se considerou demonstrado um facto com os mesmos incompatível – o de que “com a sua actuação, o arguido pretendia que os trabalhos da Assembleia decorressem com normalidade” – o que, acrescentamos nós, era também seu dever assegurar. Recorde-se, por último, que o direito penal tutela os valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, e que nem tudo o que é pouco ético ou menos correcto ou mesmo civilmente ilícito será necessariamente relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos. O comportamento apurado não preenche o tipo de crime imputado, nem qualquer outro crime público ou semi-publico. Tendo-se como não verificado o facto ilícito típico potencialmente gerador de responsabilidade civil, pressuposto da obrigação de indemnizar, bem andou também a sentença ao declarar a improcedência do pedido cível deduzido. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em: Julgar improcedente o recurso confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC. Évora, 06.12.2011 Ana Barata Brito António João Latas |