Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ÁLVARO RODRIGUES | ||
| Descritores: | ENTREGA JUDICIAL DE MENOR MENOR EXPULSA PELO PAI | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | I - A entrega judicial ocorre nos casos de abandono da casa paterna por parte do menor (ou da casa que os pais lhe destinaram), mas também quando dela for retirado, no sentido amplo e normativo de tal expressão, designadamente por expulsão do próprio dono da casa ou outro adulto, com particular gravidade tratando-se do próprio pai. II –Esta acção é um processo de jurisdição voluntária, nos quais o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, como claramente estatui o artº 1410º do C.P.C., pelo que nada impedia e tudo aconselhava que, entendendo o Tribunal que não havia lugar à entrega judicial, mandasse seguir a forma de processo adequada, designadamente como incidente de incumprimento do regime da patria potestas cujo figurino legal vem gizado no artº 181º da OTM. III - Se até no domínio da jurisdição contenciosa, o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, determinando a lei ao Juiz a prática dos actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei, como comanda o artº 199º do C.P.C., por maioria de razão, na jurisdição graciosa ou voluntária, não há que se fixar em padrões de rigidez formal excessiva, indeferindo liminarmente o requerimento dos progenitores que denunciam determinadas situações em que se encontram os seus filhos menores, pedindo determinada providência ao Tribunal. Na jurisdição voluntária, de índole essencialmente administrativa, o Tribunal deve pautar-se pelo predomínio do critério da equidade sobre a legalidade e do inquisitório sobre o dispositivo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Agravo nº 1969/04-2 (1º Juízo da Comarca de Beja ) Acordam na Secção Cível da Relação de Évora: RELATÓRIO M., devidamente identificada nos autos, requereu a entrega judicial da sua filha menor A., ao Pai desta, J., alegando, para tanto e em síntese, que no dia 18.11.03, depois das 22.00 horas, o requerido expulsou a filha da casa, deixando-a na rua, depois de esta lhe ter sido entregue, pelo avô materno, às 22 horas dessa mesma noite. Que a menor abandonada conseguiu contactar o avô materno, o qual a foi buscar para a sua casa, tentando a menor, várias vezes, depois disso, regressar ao lar, sendo impedida pelo pai, que lhe diz para ir para a sua mãe ou para os avós maternos, sendo certo que nem a mãe, que vive em Lisboa num quarto arrendado, ganhando € 200.00 mensais como operadora de publicidade, em regime de trabalho temporário, nem os avós, têm condições para terem consigo a menor ou para lhe prestar alimentos. O Exmº Juiz da 1º instância, depois de ouvido o digno Curador de Menores e na sequência da promoção do mesmo nesse sentido, determinou o arquivamento do referido processo apenso de entrega judicial da menor, louvando-se, para tal, na promoção referida e num anterior despacho seu, onde, antes de mandar os autos com vista ao Ministério Público, havia considerado que a descrição factual apresentada pela requerente não configurava uma situação justificativa da entrega da menor, pois não foi a menor que abandonou o lar, sendo antes o pai que não se interessa pela filha, votando-a ao abandono, acrescentando ainda que o amor filial não pode ser decretado nem imposto e a menor encontra-se a viver com o avô materno que lhe proporciona os cuidados básicos, desde Novembro de 2003, não se vislumbra situação de risco iminente! Inconformada com tal decisão, veio a mãe da menor agravar do despacho de arquivamento, rematando a alegação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - Face ao requerido, veio o Tribunal a quo, proferir despacho, salvo o devido respeito, com manifesta falta de fundamentação de arquivamento dos autos, não dando portanto qualquer seguimento ao disposto no art. 181° ou 191°, da OTM. 2 – A menor, por tudo o exposto e porque não recebe do progenitor requerido os alimentos, os cuidados, amor e afeição de quem pode prestar-lhos e está obrigado, encontra-se transtornada, com problemas que a afectam no seu desenvolvimento, humano, escolar e psíquico. 3 - É do seu interesse e quer voltar ao lar de onde foi expulsa pelo pai em 18/11/2003. 4 - Da articulação e conjugação dos artigos 491°, 122°, 123°, 1878°, nº 1, e 1881, n° 1, do Código Civil resulta que ao pais compete velar pela segurança e dirigir e assumir a segurança dos filhos menores, pelo que no caso presente é ao pai, porque lhe foi atribuído o poder paternal sobre a filha, que tem um dever legal de vigilância sobre ela, pelo que, por maioria de razão, a lei proíbe que a abandone cfr. art. 138°, n° 1, al. b), do Código Penal. 5- 0 poder paternal não representa um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, mas um conjunto de faculdades altruístas que devem ser exercidas em primazia no interesse da menor e não do pai ou dos pais. 6 - A decisão agora proferida pelo Mm° Juiz, do Tribunal a quo, salvo melhor opinião, no despacho a fls. 19, objecto deste recurso, determinando o arquivamento dos autos viola o disposto no art. 181°, da OTM. Contra - alegou o Digno Curador, sustentando a manutenção do decido, defendendo que a acção judicial que se pretendeu utilizar não se adequa á situação factual apresentada, pois sobre aquele a quem foi entregue o poder paternal. o que se afigura é um incumprimento das obrigações pendentes Que a entrega judicial não pode ser o meio para cumprimento coercivo de convívio e carinho entre progenitores e filhos, já que o amor filial e paternal não se impõem, e, portanto, tal pressuposto é essencial para impedir o prosseguimento da acção e para demonstrar que carece de fundamento. O progenitor da menor, requerido nos autos de entrega judicial, uma vez que contra ele foi deduzido o pedido, não foi citado nem para os termos do recurso nem para os da causa, o que, todavia, não é impeditivo do conhecimento do recurso, tendo em atenção de que se trata de um processo de jurisdição voluntária (artº 150º da OTM) e dada a urgência do mesmo, pois pode estar em risco a segurança e a estabilidade emocional da menor. Foi mantido o despacho impugnado. FUNDAMENTOS Os factos e o seu enquadramento jurídico Compulsados os autos e designadamente o processo de regulação de poder paternal nº 666/01 a que os presentes autos estão apensos, constata-se que: 1º A menor A. nasceu em Beja, no dia 15 de Junho de 1988, sendo filha de J. e de M., ora recorrente. 2º Em 19 de Dezembro de 2001 foi regulado o exercício do poder paternal relativo à menor A., tendo ficado acordado que a menor ficaria à guarda e cuidados do pai, que sobre a mesma exerceria o pátrio poder. Foi ainda estabelecido um regime de visitas da mãe da menor à filha, assim como o regime das férias de Verão e outras efemérides e a contribuição, alimentícia a prestar à menor pela mãe. 3º Em 24 de Março do corrente ano, a mãe da menor requereu ao Tribunal da comarca de Beja, a entrega judicial coerciva e urgente da menor A. ao pai, alegando que a filha tinha sido expulsa de casa em 18.11.03 pelo pai, depois das 22.00 horas, no próprio dia em que a mãe foi viver para Lisboa. Que a menor abandonada conseguiu contactar o avô materno, o qual a foi buscar para a sua casa, tentando a menor, várias vezes, depois disso, regressar ao lar, sendo impedida pelo pai, que lhe diz para ir para a sua mãe ou para os avós maternos, sendo certo que nem a mãe, que vive em Lisboa num quarto arrendado, ganhando € 200.00 mensais como operadora de publicidade, em regime de trabalho temporário, nem os avós, têm condições para terem consigo a menor ou para lhe prestar alimentos. É em face deste condicionalismo, melhor descrito no requerimento inicial da entrega judicial, que o Tribunal a quo entendeu não se configurar como uma situação carenciada da providência requerida, mas antes como uma situação de incumprimento do regime do exercício do poder paternal, acabando, como acima se disse por mandar arquivar o processo. Não procedeu bem, ressalvado o subido respeito que lhe é devido, o Tribunal da 1ª instância, ao ordenar o arquivamento referido, nem tão pouco se pode concordar com o afirmado nas alegações da Digna Curadora quando refere que a entrega judicial é uma acção que visa a protecção dos interesses do menor que abandone o lar familiar ou aquele que tiver sido escolhido. Em primeiro lugar, só uma leitura apressada do artº191º nº1 da OTM, pode permitir tal afirmação! A entrega judicial ocorre nos casos de abandono da casa paterna por parte do menor (ou da casa que os pais lhe destinaram), mas também quando dela for retirado, no sentido amplo e normativo de tal expressão, designadamente por expulsão do próprio dono da casa ou outro adulto, com particular gravidade tratando-se do próprio pai. Em segundo lugar, tratando-se de processos de jurisdição voluntária, nos quais o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, como claramente estatui o artº 1410º do C.P.C., nada impedia que, entendendo o Tribunal que não havia lugar à entrega judicial, mandasse seguir a forma de processo adequada, designadamente como incidente de incumprimento do regime da patria potestas cujo figurino legal vem gizado no artº 181º da OTM. Se até no domínio da jurisdição contenciosa, o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, determinando a lei ao Juiz a prática dos actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei, como comanda o artº 199º do C.P.C., por maioria de razão, na jurisdição graciosa ou voluntária, não há que se fixar em padrões de rigidez formal excessiva, indeferindo liminarmente o requerimento dos progenitores que denunciam determinadas situações em que se encontram os seus filhos menores, pedindo determinada providência ao Tribunal. Na jurisdição voluntária, de índole essencialmente administrativa, o Tribunal deve pautar-se pelo predomínio do critério da equidade sobre a legalidade e do inquisitório sobre o dispositivo. Finalmente os conceitos normativos, como a designação ou tipificação das formas processuais, constituem, como é sabido, matéria de direito, pelo que não está o Tribunal vinculado à qualificação jurídica da providência requerida, nem ao nomen juris indicado pelas partes, face ao disposto no artº 664º do C.P.C., subsidiariamente aplicável ex vi do artº161º da OTM. No caso em apreço, a Mãe da menor deu conhecimento em juízo, de que a filha, cuja guarda e cuidados tinham sido confiados ao Pai, foi por este posta fora de casa, em determinado dia, depois das 22 horas! Certo que se descortina aqui, uma situação de incumprimento do regime fixado para o exercício do pátrio poder, mas, mais do que isso, de clara violência sobre a menor! Nesta conformidade deverá o Tribunal ordenar a notificação do progenitor da menor, assim como o inquérito a que se refere o nº1 do artº 192º da OTM. Só depois disso, face aos resultados obtidos, se aquilatará das medidas necessárias e, de acordo com elas, mandar-se-á seguir a forma de processo adequada, sem jamais se olvidar que todo o direito adjectivo tutelar tem por escopo a salvaguarda do interesse superior do menor, the best interest of the child, a que se refere a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990, ratificada por Portugal. DECISÃO Sem necessidade de outras considerações, acorda-se em conceder provimento ao Agravo e, revogando a decisão recorrida, ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo a fim de ser proferido despacho que mande proceder à notificação do Pai da menor para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Mãe da mesma, ordenando-se o inquérito a que se refere o artº 192º da OTM, e o mais que se julgar necessário, face aos resultados obtidos. Sem custas. Processado e revisto pelo Relator Évora, 18 de Novembro de 2004 |