Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
605/04-2
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: ACIDENTE IN ITINERE
RISCO GENÉRICO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Sumário:
Abrangendo a apólice de seguro de acidentes de trabalho os acidentes in itinere ocorridos no trajecto normal e no período de tempo habitualmente gasto para efectuar esse trajecto, entre a residência e o respectivo local de trabalho, mesmo que não sejam consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco desse mesmo percurso, o trabalhador vítima de acidente tem de alegar e provar que quando este ocorreu estava a deslocar-se da sua habitação para o seu local de trabalho, pelo percurso habitualmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para efectuar o trajecto, para que o mesmo possa ser qualificado como acidente de trabalho in itinere.

Chambel Mourisco
Decisão Texto Integral:
Processo nº 605/04-2



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

A. ..., , propôs acção com processo especial emergente de acidente de trabalho contra B. ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
- A quantia de Esc. 789.333$00 relativamente aos salários que o Autor deixou de auferir entre Fevereiro e Novembro de 1997;
- Uma pensão mensal e vitalícia pela incapacidade permanente parcial que lhe venha a ser reconhecida, com efeitos a partir de Novembro de 1997;
- Todas as despesas já suportadas pelo Autor que são decorrentes do acidente, no valor de Esc. 148.217$00;
Para o efeito alegou em síntese:
- Trabalhava em Oeiras e residia em Brejos de Azeitão;
- No dia 2 de Fevereiro de 1997, teve um acidente de viação durante o trajecto para o local de trabalho;
- Desse acidente resultaram graves lesões que o deixaram com incapacidade permanente para o trabalho;
- A Ré declinou a sua responsabilidade pelo acidente em questão, não lhe tendo pago qualquer montante destinado a custear as despesas efectuadas com o seu tratamento médico;
- Em exame médico realizado neste tribunal o Ex.mo perito médico considerou-o afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ( IPATH), com o coeficiente de desvalorização de 0,70, com a qual não concorda;
- À data da ocorrência do acidente o A. exercia as funções de empregado de mesa por conta e sob a autoridade de J. ..., no restaurante “C...”, sito em Oeiras, mediante a remuneração base mensal de esc. 80.000$00 x 14 meses, a que corresponde o salário médio mensal de esc. 93.333$00;

A Ré contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, alegando em síntese:
- O acidente verificou-se ao Km 8 da Estrada nacional nº 378, dentro da localidade de Fernão Ferro;
- O acidente teve lugar na madrugada de Domingo, dia 2 de Fevereiro de 1997, tendo sido registado pelas 5.45. horas da manhã;
- O sinistrado ficou preso na viatura e esta ficou escondida na vegetação, pelo que não foi detectada de imediato.
- O acidente verificou-se pois por volta das cinco horas da manhã, hora a que o sinistrado ali chegaria, visto que havia partido de Brejos de Azeitão às 4.30 da manhã;
- Acresce que o percurso normal entre Brejos de Azeitão e Oeiras é outro que não o seguido pelo Autor, o qual é mais demorado e mais sinuoso;
- No dia em que o acidente aconteceu era Domingo e era Inverno, pelo que o tempo normal para chegar de Brejos de Azeitão a Oeiras é de 45 minutos, sendo pois absurdo partir de Brejos de Azeitão cerca de 3 a 4 horas antes do início do trabalho;
- O sinistrado havia saído do restaurante onde laborava, entre as 23 e as 24 horas do sábado, dia 1 de Fevereiro, tendo-se deslocado para Azeitão, onde esteve no Bar ...até por volta das 2 horas e 30 minutos;
- Depois, deslocou-se a casa de seus pais, onde esteve algum tempo a falar com o seu irmão;
- Por volta das 4.30 saiu para Fernão Ferro;
- O Autor limitava-se a deslocar-se com frequência a casa de seus pais, mas dormia habitualmente numa vivenda perto do Restaurante onde trabalhava, sita na Rua Elias Garcia, nº 15;
- Nessa vivenda o Autor tinha um quarto subarrendado;
- A Ré ainda pagou ao sinistrado a quantia de Esc. 153.396$00, quantia de que lhe foi prestado estorno pela entidade patronal do Autor.

O Autor respondeu à contestação da Ré, não alegando qualquer factualidade, limitando-se a qualificar de não verdadeira a versão dos factos trazida aos autos pela Ré.

Foi proferido despacho a convidar o Autor a corrigir a sua petição inicial, para que da mesma constasse o circunstancialismo concreto do acidente de viação, o concreto itinerário por si tido por habitual e o concreto itinerário por si prosseguido no dia do acidente.
O A. corrigiu a sua petição inicial, alegando, em síntese:
- O seu percurso habitual era pela EN 10, entrando na A2 na zona do Casal do Marco – Fogueteiro e, em seguida, após passar a ponte 25 de Abril, percorrendo a Estrada Marginal em direcção a Oeiras;
- O Autor costumava abastecer na Bomba da Mobil que existe na EN 10, mesmo antes de apanhar a A2;
- À hora a que ocorreu o acidente aquele posto de abastecimento só estava aberto no sentido Sul-Norte, pelo que o Autor decidiu virar na Quinta do Conde para a EN 378, tendo em vista entrar na EN 10 no sentido Norte-Sul e entrar directamente na Bomba de Combustível, uma vez que não seria possível inverter a marcha na EN 10;
- Quanto ao acidente, o mesmo constituiu num despiste ocorrido por razões que desconhece.

A Ré contestou a petição corrigida, alegando, em síntese que se não era possível fazer inversão de marcha na EN 10, então o Autor, após abastecer no sentido Norte-Sul, também não poderia fazer inversão de marcha de forma a voltar ao sentido Sul-Norte.

Foi elaborado despacho saneador, especificação e questionário, tendo sido ordenada a organização de apenso de fixação da incapacidade.
A Ré reclamou do questionário, tendo a reclamação sido indeferida, mas foi convidada a corrigir a sua contestação para que da mesma constasse o circunstancialismo fáctico que consubstanciava as conclusões que a Ré pretendia ver quesitadas.

O Centro Regional da Segurança Social veio intervir nos autos, reclamando da omissão da sua citação.
Foi ordenada e realizada a citação do C.R.S.S., o qual veio demandar a Ré seguradora, pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias por si pagas ao Autor a título de subsídio de doença.
Esta pretensão foi contestada pela Ré, a qual invocou os fundamentos já antes aduzidos na sua contestação aos pedidos do Autor.
Foi proferido despacho complementar ao despacho que condensou a causa, integrando as correcções introduzidas pela Ré na sua contestação e as alegações do C.R.S.S..

Veio o I.S.S.S., sucessor legal do C.N.P., peticionar da Ré o pagamento das quantias pagas ao Autor a título de pensão de invalidez e complemento de dependência.
Esta pretensão foi contestada pela Ré, a qual invocou os fundamentos já antes aduzidos na sua contestação aos pedidos do Autor.

Foi produzido despacho complementar ao despacho que condensou a causa, integrando as alegações do I.S.S.S..

Procedeu-se a julgamento tendo o tribunal respondido à matéria de facto tal como consta no despacho de fls. 555 a 560.

Foi proferida sentença que decidiu julgar a acção totalmente improcedente absolvendo-se a Ré Companhia de Seguros ...., S.A. dos pedidos deduzidos pelo A. e pelo interveniente I.S.S.S..

Inconformado com a sentença, o Autor apresentou recurso de apelação tendo, nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões:

1.O Autor efectua um desvio no seu percurso habitual a fim de abastecer o seu veículo de modo a não ficar sem gasolina pelo caminho;
2. A necessidade do desvio do trabalhador deverá sempre ser admitida como válida, atendível e sempre necessária para o trabalhador chegar ao seu objectivo – o local de trabalho;
3. O facto de o Autor configurar como arriscado fazer-se à EN nº 10 com pouco combustível justifica o desvio efectuado para a EN nº 378 para abastecer o seu veículo para se dirigir ao seu local de trabalho;
4. O Autor não tinha a certeza se as bombas de gasolina, da EN nº 10, estavam abertas;
5. Não arriscou fazer-se à EN nº 10 e dirigiu-se para a EN nº 378 onde sabia de certeza estarem abertas 24 horas as bombas de gasolina aí existentes;
6. O Autor vivia em Brejos de Azeitão em casa dos pais;
7. O Autor era frequentemente visto à noite;
8. O suposto senhorio do A. ... afirma peremptoriamente que o Autor não residia lá;
9. O Autor não tinha um quarto subalugado em Oeiras;
10. O desvio ao percurso habitual é feito no interesse da sua entidade patronal;
11. O objectivo do Autor era prestar trabalho.

A Ré contra-alegou tendo concluído:
1. Mesmo para satisfazer a necessidade de se abastecer de gasolina, o A. não tinha necessidade de desviar-se do percurso normal, já que podia fazê-lo na EN nº 10, que é mais perto que aquela em que pretendia abastecer-se;
2. A invocada pretensa convicção do A. não é desculpável, porquanto, na sua versão, passava pela EN nº 10 todos os dias, às cinco da manhã, tendo obrigação de conhecer que a bomba no sentido Lisboa se encontrava aberta 24 horas;
3. Os depoimentos invocados pelo apelante, de nenhum modo, podem levar à alteração de qualquer dos factos dados como assentes na douta sentença recorrida, a qual deve manter-se, assim se fazendo justiça.

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3 do CPT, no sentido da improcedência da apelação.
Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes adjuntos.
Nos termos dos art. 690º nº1 e 684º nº3 do CPC, ex vi art. 1º, nº2 al.a) do CPT as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pois, no entender do recorrente, resulta da prova produzida, que residia habitualmente em Brejos de Azeitão, que se dirigia para o local de trabalho, quando se deu o acidente, e que teve necessidade de se desviar do seu percurso normal para abastecer de combustível o veículo que conduzia;
2. Saber se o acidente que vitimou o Autor se pode qualificar como um acidente de trabalho in itinere.

Na sentença recorrida foram consignados como provados os seguintes factos.
Resultantes de acordo na tentativa de conciliação e nos articulados:
a) O A. trabalhava por conta de J. ..., titular do restaurante «C. ..., localizado na...., Oeiras, onde desempenhava, até 02.02.97, funções de empregado de mesa;
b) Aos 02.02.97, o A. auferia a remuneração mensal base de 80.000$00 durante 14 meses por ano;
c) No dia 02.02.97, na Estrada Nacional n° 378, o A. sofreu um acidente de viação resultante do despiste da viatura automóvel própria que conduzia;
d) Em consequência das lesões sofridas no acidente referido em c), o A. esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 02.02.97 até 28.11.97, data esta que lhe foi dada alta definitiva;
e)O restaurante referido em a) abria às 9h00;
f) J. ... havia transferido para a Ré a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de trabalho de que fosse vítima o A. mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° .... na modalidade de prémio fixo e de «seguro completo com in- itinere», conforme mencionado na referida apólice que consta do documento que constitui fls. 7 dos autos, Clª 1ª das Condições Gerais e Clª 0-15 das Condições Especiais do referido contrato de seguro que consta do documento que constitui fls. 209 a 216, documentos esses cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
g) Aos 14.02.97 J. ... participou à Ré o acidente referido em c);
h) Por cartas datadas de 02.06.97 a Ré informou o A. e J. ... de que declinava a sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente referido em c);
i) O A. em despesas médicas, farmacêuticas e hospitalares que efectuou em consequência do acidente referido em c) gastou a quantia global de 148.217$00;
j) O A. é beneficiário do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e Centro Nacional de Pensões, actualmente Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com o n° 133 046 584;
k) Por virtude do acidente referido na Alínea c), o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo pagou ao A. a quantia de 1.361.815$00 de subsídio de doença correspondente ao período de incapacidade compreendido entre 04.02.97 a 03.02.2000;
l) O Centro Nacional de Pensões pagou ao Autor pensões referentes ao período de 19.06.97 a 30.04.2001, o montante global de 1.258.625$00, sendo, aos 9.04.2001, data da certidão de Fls. 325, de 49.130$00 o valor mensal de tal pensão, conforme a referida certidão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
Do julgamento:
m) O acidente de viação a que alude a alínea c) da especificação deu-se entre as 5 horas e as 5 horas e 45 minutos;
n) Quando o Autor fazia o percurso entre a casa de seus pais, sita em Brejos de Azeitão, e o restaurante de seu tio, sito em Oeiras, o fazia em automóvel próprio;
o) Quando o Autor fazia o percurso entre a casa de seus pais, sita em Brejos de Azeitão, e o restaurante de seu tio, sito em Oeiras, costumava utilizar a EN 10, apanhando a A2 no Casal do Marco – Fogueteiro, Ponte 25 de Abril e estrada marginal;
p) A EN 378 corre paralela à EN 10 e vai depois cruzar-se com ela precisamente no local onde se encontra a outra bomba da Mobil, no sentido inverso ao que o Autor tomava para o restaurante referido em a);
q) No âmbito das funções que desempenhava, o Autor tinha a incumbência de abrir todos os dias o restaurante pelas 9.00 horas da manhã;
r) O horário de trabalho do Autor tinha início às 9.00 horas e prolongava-se até cerca das 23-24 horas, de 3ª feira até Domingo de cada semana;
s) O acidente referido em c) ocorreu ao Km 8 da EN 378;
t) Na margem sul do Tejo, dentro da localidade de Fernão ferro;
u) O acidente foi registado pelas 5 horas e 45 minutos da manhã;
v) O Autor saiu de Brejos de Azeitão às 4 horas e 30 minutos;
x) De Brejos de Azeitão ao nó de entrada na A2 do Fogueteiro distam cerca de 10 Km;
z)Tendo como local de partida Brejos de Azeitão, e como rota a estrada onde ocorreu o acidente referido em c), o Autor teria de percorrer 16 Km para atingir o citado nó de entrada na A2;
aa) Este último trajecto obriga à passagem pela Quinta do Conde, Pinhal do General e Casal do Sapo;
bb) No dia 2 de Fevereiro de 1997 não havia o movimento habitual das pessoas que se deslocam para o trabalho ou no exercício de actividades comerciais ou industriais;
cc) O A. saiu do restaurante referido em a) onde trabalhava, às 23h00/24h00 de sábado;
dd) E dirigiu-se de seguida para Azeitão, onde esteve no Bar “Artecampo” com alguns amigos até por volta das 2h30m;
ee) Depois foi a casa dos seus pais, onde esteve a falar mais algum tempo com o seu irmão;
ff) De onde, por volta das 4h30, saiu para Fernão Ferro;
gg) No dia a dia o A. residia e dormia em Oeiras, perto do restaurante referido em a), numa vivenda sita na R. Elias Garcia, n° 15;
hh) Na qual o A. tinha um quarto subalugado;
ii) Em Brejos de Azeitão situava-se a residência dos pais do A., aonde o A. se limitava a deslocar-se com frequência;
jj) A Ré pagou ao A. a quantia global de 153.396$00 nos termos do documento de fls. 199 e nos termos do qual consta que “107.135$00” se reportam a “indemnizações por I.T.A.” e “46.261$00” a “Diversos”;
kk) Tendo a entidade patronal do A. prestado à Ré o estorno dessa quantia;
ll) O A. sofreu, em consequência do acidente referido em c), traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento de 48 horas;
mm) Bem como fractura da coluna vertebral em cunha com deslocamento posterior em mais do que 50% da D 10 e fractura da D 11, da qual resultou imediata paraplegia;
nn) Em consequência das fracturas referidas, o A. foi submetido em 04.02.97, a uma intervenção cirúrgica no sector de neurocirurgia do Hospital Egas Moniz para fixação das fracturas com barra estabilizadora e abordagem anterior por toractomia esquerda;
oo) Tendo tido, como complicações do pós-operatório, pneumotórax e derrame pleural esquerdo e ainda litíase renal bilateral;
pp) A passagem pelas localidades de Quinta do Conde, Pinhal do General e Casal do Sapo, implica desvios e reduções de velocidade face aos cruzamentos, rotundas e sinais de trânsito existentes em tais povoações;
qq) Caso o A. tivesse pretendido abastecer-se na Bomba da Mobil existente na povoação de Casal do Marco poderia ter utilizado a E.N. n° 10, no sentido de Lisboa;
rr) Em 19.06.97 e 11.07.97, o Autor requereu ao Centro Nacional de Pensões a pensão de invalidez e o complemento de dependência;
ss) Realizada a Comissão de Verificação de Incapacidades Profissionais, em 28 de Abril de 2000, foi o Autor considerado incapaz definitivamente para o exercício da sua profissão;
tt) Razão pela qual foi atribuída ao Autor a pensão de invalidez, com efeitos a partir de 19 de Junho de 1997, bem como o complemento de dependência, a partir de 1.07.1997;
uu) O Centro Nacional de Pensões pagou ao Autor, a título de complemento de dependência, entre 01.07.1997 e 30.09.2003, a quantia de Euros 5.497,80;
vv) O Centro Nacional de Pensões pagou ao Autor, a título de pensão de invalidez e complemento de dependência, entre 01.07.1997 e 31.05.2003, a quantia de Euros 13.743,02;

Decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade:
“Julgo o sinistrado afectado de uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual, com incapacidade permanente parcial de 80% para o exercício de outra profissão compatível, desde 28 de Novembro de 1997, data da alta definitiva.”
***
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.
O Recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois no seu entender, resulta da prova produzida, que residia habitualmente em Brejos de Azeitão, que se dirigia para o local de trabalho, quando se deu o acidente e que teve necessidade de se desviar do seu percurso normal para abastecer de combustível o veículo que conduzia.
Para sustentar a sua posição, o recorrente, invoca o seu próprio depoimento de parte e o depoimento das testemunhas ....

Analisado o depoimento de parte do A. temos de concluir, como na sentença recorrida, que o mesmo, usualmente, não pernoitava na casa dos pais em Brejos de Azeitão, fazendo o trajecto para Oeiras de madrugada.
O próprio Autor refere que pagava todos os meses uma quantia fixa por um quarto em Oeiras, que estava na sua disponibilidade.
Sendo o horário de trabalho do Autor das 9 horas até às 23-24 horas, de terça a domingo de cada semana, e tendo o Autor um quarto na sua disponibilidade em Oeiras, é pouco crível que a utilização desse quarto fosse apenas esporádica.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas indicadas, é bastante vago, no que diz respeito à alegada residência habitual do Autor em Brejos de Azeitão, não se podendo retirar dos mesmos, com a mínima segurança, que o A. tinha a organização da sua vida centrada na residência dos pais naquela localidade.
As mesmas testemunhas também não se pronunciaram positivamente de forma a concluir-se pela necessidade que o Autor teve de se desviar do percurso normal, seguindo pela EN nº 378, para abastecer de combustível o veículo que conduzia.
Assim, da gravação dos depoimentos prestados não nos parece que exista motivo para modificar a decisão proferida, pela primeira instância, sobre a matéria de facto, nos termos do art. 712º nº1 al. a) do CPC, devendo a mesma considerar-se definitivamente fixada.
Finalmente defende o recorrente que o acidente que o vitimou é um verdadeiro acidente de trabalho in itinere.
Tendo o acidente ocorrido em 2/2/1997, o regime aplicável seria a Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 e o seu Decreto Regulamentar nº 360/71, de 21 de agosto de 1971.
A referida Lei na sua Base V nº1 e 2 estatui:
1. É acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
2. Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
    a) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos;
    b) Na ida para o local de trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou quando o acidente seja consequência de particular perigo de percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso;
    c) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade patronal.

Por seu turno o art. 11 do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto de 1971, dispõe:
1. Não deixa de considerar-se percurso normal, incluído no disposto na alínea b) do nº2 da Base V, o que o trabalhador tenha de utilizar:
    a) Entre o local de trabalho e a sua residência habitual ou ocasional;
    b) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e os mencionados no art. 10º.
2. Nos mesmos termos não deixa de considerar-se normal o percurso que tiver sofrido interrupção ou desvios determinados pela satisfação de necessidades imperiosas do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.

No caso dos autos a entidade patronal do Autor e a Ré Seguradora convencionaram um regime mais abrangente do que o previsto na Lei, para os acidentes dos trabalhadores que ocorressem na ida para o local de trabalho ou no regresso deste.
O nº 3 da cláusula 1ª das condições gerais do contrato de seguro dispunha:
“Salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, esta apólice garante ainda a cobertura dos acidentes sofridos no trajecto normal de e para o local de trabalho, qualquer que seja o meio de transporte utilizado, fornecido ou não pela entidade patronal, e a necessária duração da deslocação, independentemente de o acidente ser ou não consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco desse mesmo percurso.”
A cláusula 015 das condições particulares concretizava os conceitos de trajecto normal e necessária duração da deslocação, pela seguinte forma:
“a) Trajecto normal – o percurso habitualmente utilizado pelo trabalhador, desde a porta de acesso da sua habitação para as áreas comuns do edifício da sua residência, ou para a via pública, e até às instalações que constituem o seu local de trabalho;
b) Necessária duração da deslocação – o período de tempo habitualmente gasto para efectuar o trajecto directo entre a residência e o respectivo local de trabalho.”

A qualificação do acidente dos autos como de trabalho estava dependente da alegação e prova pelo Autor de que no dia do acidente se deslocava da sua habitação para o seu local de trabalho, pelo percurso habitualmente por si utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para efectuar o trajecto.
O Autor ao contrário do que alegou, não logrou provar que habitava em casa de seus pais, sita em Brejos de Azeitão, tendo ficado provado que tinha um quarto arrendado em Oeiras, onde habitualmente dormia, e que apenas se deslocava com frequência a casa de seus pais.
Mesmo que o Autor tivesse provado que residia habitualmente em Brejos de Azeitão também não conseguiu provar a razão pela qual se afastou do seu alegado trajecto normal ao longo da EN 10, tendo seguido pela EN nº 378.
Por fim, também a hora a que o Autor iniciou a alegada viagem para Oeiras, 4 horas e 30 minutos denota que o autor não iria directamente para o seu local de trabalho, uma vez que só teria de abrir o restaurante às 9 horas da manhã.
Assim, também não se pode considerar que o acidente teria ocorrido durante o período de tempo habitualmente gasto para efectuar o trajecto directo entre a residência e o local de trabalho.
Tal como se concluiu na sentença recorrida não é possível qualificar o acidente de viação sofrido pelo Autor como um acidente de trabalho in itinere.
Improcedem assim, na íntegra, as conclusões do recorrente.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo do Autor.

( Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas)

Évora, 2004/05/18

Chambel Mourisco
A. Gonçalves Rocha
A. Baptista Coelho