Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CHAMBEL MOURISCO | ||
Descritores: | RESCISÃO PELO TRABALHADOR SALÁRIOS EM ATRASO INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/22/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO SOCIAL | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Em caso de rescisão de iniciativa do trabalhador, ao abrigo do artigo 3º da Lei nº 17/86, de 14/6, este terá direito à indemnização a que se refere o art. 6º do mesmo diploma, calculando-se a respectiva antiguidade até à data da rescisão. Chambel Mourisco | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1283/04 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: A. ..., patrocinada pelo Ministério Público, propôs contra B. ..., a presente acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: 1. A quantia de 319.000$00, a título de indemnização pela rescisão do contrato com justa causa, ao abrigo da Lei nº 17/86, de 3/7; 2. Os valores proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano da cessação; 3. Os juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre as quantias peticionadas. Alegou, em síntese: - Foi admitida pela R. em 15/4/1996, para exercer as funções de cabeleireira; - O contrato foi celebrado por seis meses, constando do mesmo que foi celebrado com esse prazo em virtude do segundo outorgante ( a A.) se encontrar na situação de contratado; - Tal referência não respeita a exigência legal prevista no art. 42º nº 1 al. e) do DL nº 64-A/89, de 27/2, pelo que se deverá considerar nula a cláusula resolutiva e o contrato celebrado sem prazo desde o seu início; - Trabalhou para a R. até 1/9/2000, data em que rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, ao abrigo da Lei nº 17/86, por se encontrarem em dívida os salários dos meses de Junho, Julho, Agosto e o subsídio das férias vencidas a 1/1/2000. Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da R. para contestar a acção. A R. contestou a acção, alegando em síntese que a A. não tinha justa causa para rescindir o contrato e que não respeitou o período de aviso prévio. Deduziu pedido reconvencional pedindo a quantia referente ao período em falta de aviso prévio. A A. respondeu pronunciando-se pela inadmissiblidade do pedido reconvencional. Foi proferido despacho a não admitir o pedido reconvencional. Após ter sido proferido despacho saneador foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção procedente por provada e, em consequência, condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 3.451,04, sendo € 766,89 de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho e € 2684,15 referente a indemnização por antiguidade calculada até à data da sentença ( € 383,45 x7). A R. veio requerer a rectificação de erros materiais da sentença e arguir a nulidade parcial da sentença. A rectificação prende-se com o montante dos proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, que na perspectiva da R. não podem ultrapassar o montante pedido pela A. de € 636,47, e ainda com o montante da retribuição tomada em conta para cálculo da indemnização, que também não deve ultrapassar o montante alegado pela A. e provada de € 318,23. A arguição da nulidade parcial da sentença tem a ver com o cálculo da indemnização por antiguidade, que no entender da R. apenas poderá ser correspondente um mês de retribuição de base por cada ano de antiguidade contada até à data da rescisão do contrato pela A.. Foi proferido despacho que acolheu a pretensão da R., rectificando a sentença relativamente aos proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, sendo a quantia devida € 636,47 e ainda quanto ao montante da retribuição base que corresponde a € 318,23 e não € 383,45 como consta na sentença. A arguida nulidade da sentença foi indeferida, por se considerar que a questão suscitada não configura uma nulidade, mas antes uma posição jurídica diferente sobre a contagem do prazo a relevar no cômputo da indemnização de antiguidade, que só em sede de recurso poderá ser apreciada. Inconformada a R., apresentou recurso de apelação tendo concluído: 1.A rescisão do contrato de trabalho entre recorrente e recorrida operou-se por iniciativa da trabalhadora recorrida, em 23 de Agosto de 2000, nos termos do artigo 6° da Lei 17/86, de 14 de Junho; 2. A antiguidade de um trabalhador apenas pode ser contada até à data da efectiva cessação do respectivo contrato de trabalho; 3. A cessação do contrato de trabalho operada pelo trabalhador é válida ainda que não existam fundamentos factuais ou jurídicos para a mesma, sendo a apreciação judicial desta apenas relevante para determinar da existência de justa causa para a rescisão; 4. A indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 6° da Lei 17/86, de 14 de Junho apenas deve considerar o período no qual o trabalhador esteve ao serviço da entidade empregadora. 5. In casu, o facto que operou a cessação do contrato de trabalho entre recorrente e recorrida foi a declaração receptícia enviada pela recorrida à recorrente em 23 de Agosto de 2000, e não a sentença judicial que declarou a existência de justa causa. 6. A douta sentença recorrida errou ao considerar a antiguidade da recorrida até à data da sentença, pelo que fez uma má interpretação do artigo 6° da Lei 17/86, de 14 de Junho, bem como uma má aplicação do direito aos factos provados. A A. contra-alegou tendo concluído que a acolher-se a tese da recorrente, sempre deverá esta ser condenada a pagar à A. a indemnização pedida e, bem assim, os juros de mora legais devidos desde a data em que se operou a rescisão unilateral do contrato até integral pagamento. Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes adjuntos. *** Nos termos dos art. 690º nº1 e 684º nº3 do CPC, ex vi art. 1º, nº2 al.a) do CPT as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso. A questão que se suscita no presente recurso, consiste apenas em saber se a indemnização por antiguidade devida a trabalhador que rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, deve ter por base a antiguidade contada até à data da sentença ou antes até à data da rescisão do contrato. Na sentença recorrida foram consignados como provados os seguintes factos: 1. A ré explora um estabelecimento de cabeleireiro. 2. Em 15/04/1996, a ré celebrou um acordo escrito com a autora pele prazo de 6 meses para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de cabeleireira com a categoria de aprendiz, no estabelecimento da ré, mediante a remuneração mensal de 61.300$00, auferindo no ano de 2000 a quantia de 63.800$00. 3. Do acordo celebrado consta que o mesmo “ é celebrado pelo prazo de 6 meses, por virtude do segundo outorgante se encontrar na situação de contratado”. 4. A autora trabalhou para a ré até 01/09/2000. 5. A autora remeteu em 23/08/2000 à ré a carta datada de 18/08/2000, na qual declarou que: « ao abrigo e nos termos do disposto no art. 3° da Lei 17/86, pretendia rescindir o contrato de trabalho celebrado, com efeitos a partir de 10 dias após a recepção desta notificação por virtude de não lhe terem sido pontual e integralmente pagas as retribuições vencidas nos meses de Junho, Julho e Agosto, bem como o subsídio de férias do ano de 2000.» 6. A autora comunicou o facto ao IDICT por carta datada de 18/082000 e enviada a 21/08/2000. 7. Desde o início do contrato, a ré pagava à autora o salário durante os três primeiros dias do mês subsequente à prestação do trabalho. 8. A autora recusou receber o cheque referente ao vencimento do mês de .Junho de 2000, porque o mesmo correspondia apenas a metade da importância devida, 16.182$00. 9. Em relação ao vencimento do mês de Julho de 2000, em data não apurada, a ré passou dois cheques à autora, cada um no valor de 28.391$00. 10. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2000, a autora recebeu os salários e subsídio de férias do ano de 2000. 11. A ré remeteu à autora a carta datada de 27/08/2000, na qual refere que: “ A) Quanto ao seu vencimento do mês de Junho de 2000, foi dado em mão por uma empregada da firma a importância de 16.000$00, sendo que quanto ao remanescente em meados do mês de Julho lhe foi paga a importância de 16.182$00 por cheque com o n° 6412469510 - BPA, que V Exa se recusou a receber. B) Quanto ao seu vencimento relativo ao mês de Julho, no valor 56.782$00, foram passados por mim dois cheques, cada um no valor de 28.391$00 com os n°s 2812469514 e 6307556576 - BPA, para a sua liquidação, que de igual modo V.a Ex.a se recusou a receber. C) Quanto ao subsídio de férias também foram passados dois cheques de 28.391$00, com os n.°s 2707556580 e 0907556582 - BPA, a favor de V.ª Ex.a, que também recusou receber. D) Todos os cheques referidos A), B) e C), encontram-se ao seu dispor nos nossos escritórios. Assim sendo, embora me pareça que V.Exª tente com a sua atitude forjar uma justa causa legal para o seu despedimento, o qual é por mim aceite a partir da data por V.Exª indicada, não posso, pelos motivos atrás expostos concordar, a não ser no seu despedimento, com qualquer outro dizer da carta a que ora respondo.” Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, passaremos a apreciar a questão a decidir. Nos termos do art. 3º nº 1 da Lei nº 17/86, de 14/6, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 402/91, de 16/10, pode o trabalhador rescindir o contrato de trabalho com justa causa quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período superior a 30 dias sob a data de vencimento da primeira retribuição não paga. O art. 6º do mesmo diploma legal estatui que os trabalhadores que optarem pela rescisão unilateral com justa causa do seu contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 3º, têm direito a indemnização, de acordo com a respectiva antiguidade, correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, salvo regime mais favorável previsto na regulamentação colectiva aplicável. O cálculo da indemnização nos casos de rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador já foi objecto de reflexão da doutrina e da jurisprudência. Essa reflexão surgiu a propósito da rescisão do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador prevista no art. 35º nº1 do DL nº 64-A/89, de 27/2. A razão da polémica, prende-se com a redacção do art. 36º do mesmo diploma legal, que refere que a rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no nº1 do artigo anterior confere ao trabalhador direito a uma indemnização calculada nos termos do nº3 do artigo 13º; sendo certo que esta disposição legal considera que a indemnização corresponde a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença. Já em 1993, no Prontuário da Legislação do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, Actualização nº 43, em resposta a questão colocada, se defendia que em caso de rescisão com justa causa de iniciativa do trabalhador este terá direito à indemnização a que se refere o art. 13º nº3 do DL nº 64-A/89, de 27/2, por força do disposto no art. 36º, do mesmo diploma, calculando-se a respectiva antiguidade até à data da rescisão. O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 5 de Julho de 2001, CJ, Acs. STJ, Ano IX, Tomo III, Pág. 252, fazendo referência a um outro seu Acórdão, de 20/10/1989, defendeu que em caso de rescisão do contrato pelo trabalhador a antiguidade para efeitos de indemnização é contada até à data da rescisão do contrato. João Leal Amado, comentando este Acórdão na Revista Questões Laborais, nº 20 , Ano IX –2002, pág. 232, refere: “ ... na hipótese de rescisão promovida pelo trabalhador as coisas passam-se de modo bem distinto. Aqui não é de invalidade da rescisão que se poderá tratar, mas sim, quanto muito, de irregularidade da mesma. Se o trabalhador romper o vínculo sem conceder o devido aviso prévio à entidade empregadora e sem que exista uma qualquer justa causa de demissão, a rescisão será ilícita/irregular, mas não ilícita/inválida. Em qualquer caso, trate-se de demissão lícita ou ilícita ( com ou sem aviso prévio, com ou sem justa causa), o contrato de trabalho extingue-se com a, e aquando da, rescisão, pelo que não fará sentido calcular a antiguidade do trabalhador até à data de uma qualquer sentença que posteriormente venha a ser proferida. A remissão efectuada pelo art. 36º da LCCT há-de, pois, ser entendida em termos hábeis ( ou, nas palavras do acórdão sob anotação, « com um sentido restrito»), não abrangendo a parte final do art. 13º/3 daquele diploma. Esta é, de resto, a orientação que tem sido maioritariamente perfilhada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência”. As considerações feitas em relação ao cálculo da indemnização para os efeitos no art. 36º da LCCT, no sentido de que a antiguidade para efeitos de indemnização é contada até à data da rescisão do contrato, são absolutamente pertinentes para a interpretação do art. 6º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, que aliás se limita tão só a utilizara a expressão “ Indemnização, de acordo com a respectiva antiguidade...». Na verdade, a rescisão do contrato trabalho pelo trabalhador determina a cessação imediata do contrato de trabalho a partir da data em que produz efeitos, não se colocando qualquer hipótese, mesma se a mesma for irregular, de manutenção da relação laboral contra a vontade do trabalhador, até ser proferida sentença. Assim, não faz qualquer sentido que para efeito de indemnização de antiguidade fosse contado todo o tempo decorrido até à data da sentença, e não apenas até à data da rescisão do contrato. No caso concreto dos autos a A. foi admitida em 15/4/1996 e trabalhou até 1/9/2000, data em que o contrato de trabalho cessou por rescisão de sua iniciativa. Temos assim, uma antiguidade de quatro anos, quatro meses e dezasseis dias. Face ao disposto no artigo 6º da Lei nº 17/86, de 14/6, que refere que a indemnização é calculada, de acordo com a respectiva antiguidade, correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, a A. tem direito a uma indemnização correspondente à quantia de mil quinhentos noventa e um euros e três cêntimos (retribuição mensal de € 318,26 x 5 anos ). Tal como consta na sentença recorrida, a quantia devida a título de indemnização, agora reduzida para € 1591,3, vence juros de mora desde a data da sentença proferida em 1ª instância, até integral pagamento. Pelo exposto, acordam os Juízes na Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente a Apelação e consequentemente: 1. Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 2.227,61, a título de indemnização; |