Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO PRODUZIDA EM JUÍZO HONRA PROFISSIONAL OU FUNCIONAL | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO DO ARGUIDO. NÃO PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE. | ||
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Sumário: | I - Se o arguido (Advogado), enquanto mandatário judicial de uma parte interveniente num determinado processo de natureza cível, suscitou, perante o Tribunal da Relação, um “incidente de suspeição” do Magistrado Judicial que tramitava tal processo, alegando existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente por entender haver amizade/intimidade/inimizade entre esse Magistrado e uma das partes intervenientes, concretizando as suas alegações - em resumo, o Magistrado Judicial conferia, “quase sempre”, prazos mais alargados para uma das partes (a alegadamente beneficiada) responder aos requerimentos da outra, tinha uma “inimizade grave” em relação a uma das partes, e tinha “grande intimidade” com a outra parte -, a honra do aludido Magistrado, que foi afetada pelas palavras (escritas) do arguido, foi, tão-só, a sua “honra funcional” (não se questionando a pessoa do Magistrado, enquanto tal, mas sim a pessoa do mesmo no exercício da sua função, e, além disso, apenas no exercício da sua função naquele concreto processo). II - A atuação do mandatário judicial, no estrito âmbito assinalado, não merece censura criminal (não preenche os elementos, objetivos e subjetivos, do crime de difamação), estando afastada a ilicitude. III - Ao referido afastamento da ilicitude é, em princípio, indiferente a falta de pertinência da crítica feita pelo Advogado, sobretudo quando essa crítica se traduz, no essencial, na formulação de meros juízos de valor, bem como é indiferente a maior ou menor correção (elegância ou polidez) das expressões utilizadas pelo Advogado. IV - O Advogado, se violar o dever de urbanidade, fica sujeito a perseguição disciplinar, mas não, só por isso, a perseguição criminal (a acidez, a indelicadeza, a falta de polidez, e mesmo a formulação de juízos injustos e impertinentes sobre a atuação, num processo concreto, de um Magistrado Judicial, vindas de mandatário judicial interveniente nesse processo, não são punidas criminalmente). [1] | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº 953/09.3TASTR, da Comarca de Santarém (Santarém - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 2), foi acusado o arguido A. como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a), e 184º - com referência ao artigo 132, nº 2, al. l) -, todos do Código Penal. Constituiu-se assistente B. A assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), a título de ressarcimento por danos não patrimoniais. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “Pelo exposto e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e pela assistente e, consequentemente: a) Condenar o arguido A., como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.ºs 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a) e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2. al. l), todos do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 08,00 (oito euros), o que perfaz a pena de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros); b) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar o demandado A. a pagar à demandante/assistente, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais. c) Condenar o arguido A., em custas criminais, fixando a taxa de justiça em 04 (quatro) UC’s, nos termos do art.º 513º do C. P. Penal e art.º 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. d) Condenar o arguido/demandado A. em custas cíveis, na proporção do respetivo decaimento. e) Determinar o conhecimento público da sentença mediante a afixação do texto da mesma no local aonde são afixados os editais neste tribunal, modo que se tem por adequado a publicitar a mesma, nos termos do disposto no artigo 189º, nºs 1 e 2, do Código Penal”. Inconformados, interpuseram recurso quer a assistente, quer o arguido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: I - Recurso do arguido: “I - Com o presente recurso, matem o recorrente, para que subam à 2ª Instância, todos os recursos intercalares recebidos em diferido. II - Destes recursos destacam-se a crítica, já referida nesta minuta, que o recorrente opõe à teimosia da 1ª Instância em não aceitar o chamamento da Companhia de Seguros A… Lda., contra o que, a seu tempo, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora decidiu, ao anular todo o processado a partir do despacho de indeferimento, agora repetido. III - E o recurso em que o recorrente arguiu preterição do juiz natural, no caso sub judice. IV - Neste, aqui, o Julgamento da matéria de facto deve ser corrigido, em sentido favorável ao arguido, de se não dar como assente e sob a diretiva precisa do favor rei (corolário da constitucional presunção de inocência) que a assistente agiu sempre de acordo com a lei, sob as necessidades racionais da lide. V - Com efeito, depõem contra este facto, pelo contrário, muitas e muitas das vicissitudes processuais do processo nº ---/08.7TBSTR, cuja certidão está apensa, que são da autoria da assistente. VI - Destas vicissitudes de valor negativo destacam-se as que foram referidas nos pontos 69º a 112º desta minuta, e que se referem a imprudente e abstrato sopesar, no contexto da lide, contra a solução transitada, de visitas e férias acompanhadas, rasurando a crise e álea de um risco, fundado em opiniões de especialistas, de abuso sexual da criança, filho da cliente do recorrente, sem contramedidas. VII - Ou as vicissitudes também que dizem respeito a um sistemático encurtar dos prazo concedidos à mãe do menor F, patrocinada pelo recorrente, para respostas e intervenções na lide, assimetria aliás aceite e provada expressamente na sentença recorrida. VIII - Em todo o caso, não se caracteriza por nunca mais, no requerimento de suspeição apresentado pelo recorrente, um ataque pessoal ou uma alusão pessoalmente vexatória ou aviltante da assistente. IX - De qualquer modo, a atuação crítica do recorrente concretizou o exercício de um direito, para os efeitos de ter de se aplicar ao caso o art.º 31.º/b do Código Penal: exercício de um direito da eminente e singular dignidade jurídico-constitucional, esse que corresponde ao direito de patrocínio, cometido ao advogado arguido. X - Nestes termos, um eventualíssimo sacrifício da honra da assistente (figura pública, como Juíza, modalidade profissional que escolheu para si) traduziria, no fim de contas, um normal e legítimo exercício de um direito de crítica, quanto mais se inscreve num direito de crítica objetivada (vide, por exemplo, conclusões VI e VII). XI – Em suma: Os factos imputados ao recorrente não implicam uma responsabilidade criminal, a título de qualquer crime contra a honra, imputável ao advogado da mãe de F, porque os factos, em si e por si, não preenchem sequer a factualidade típica de quaisquer daquelas incriminações. XII – com efeito, não é possível identificar nesses factos a danosidade social típica ou um sacrifício do bem jurídico tipicamente proibido. XIII – Neste sentido, depõe, com toda a clareza, o Parecer de Linguista da Senhora Prof. Doutora R, Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e da Senhora Prof. AC, investigadora do Centro de Linguística da mesma Universidade, do qual se cita: “o conteúdo do Código de Processo Civil, na al. g) do art.º 127.º (…) tem de ser tomado como o índice de referência, para estabelecimento das condições de felicidade da interpretação (do texto do requerimento de suspeição); terá sido um ato (de fala) não ofensivo, em primeiro lugar, porque a lei (o) prevê (pelas mesmas palavras que utilizou); terá sido um ato não ofensivo, em segundo lugar, porque o enunciador identificou explicitamente o Código de Processo Civil como contexto adequado, ou condição de felicidade para a descodificação correta das suas palavras”. XIV – Por conseguinte, tidos em conta quaisquer dos pontos de vista analíticos, sintética e sucessivamente levados a estas conclusões, não há cometimento pelo recorrente da infração criminal por que foi condenado, ou sequer de qualquer ilícito relevante. XV – Tese que lança âncora na doutrina e jurisprudência citada, de Figueiredo Dias e Costa Andrade, “Limites do Direito de Defesa, O Direito de Defesa em Processo Penal”; nos Acórdãos nacionais também referidos na minuta - Ac. TRL 29/06/2004 (PN 666/2004), Ac. TRP 15/02/2006 (PN 0514321); nos Pareceres do Plenário do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 17/06/2005 e 23 de Setembro do mesmo ano, idem, e sobretudo nos Acórdãos do TEDH, dos quais se destaca o caso NIKULA vs. FINLANDIA. XVI – Deste modo, impõe-se a revogação da sentença recorrida, pela razão, como já foi demonstrado, de não ter havido cometimento do crime da acusação. XVII – Quando menos, por não ter o recorrente agido com dolo, extravasando os limites da lide e visando só, apenas só, a assistente na sua pessoa singular, para a denegrir por de fora do ambiente do processo, este, onde lhe cumpria e quis defender a posição de L, mãe do menor F, quem o constituiu como advogado. XVIII – E neste sentido, residual, cumprir-se-á a justiça se for obliterado o erro técnico da sentença de 1ª Instância, no que diz respeito a ter dado como provado que o recorrente atuou com intenção direta de que a assistente fosse considerada uma magistrada parcial … e que desrespeitava os deveres básicos de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade. XIX – Com efeito, ao Mmº Juiz a quo não é aceitável que julgue com dois pesos e duas medidas, retirando dos textos e só dos textos do processo de menores, que cita, um desígnio de S. Ex.ª, a assistente, cumprir escrupulosamente a lei, quando extrapola de um texto do arguido, e só desse texto do arguido, o que deu como provado quanto ao dolo do recorrente, omitindo que desse mesmo texto não pode de modo algum concluir-se por nele ter sido imputado à visada da suspeição um qualquer hábito de mal julgar que fosse e, muito menos, em todos os casos e para sempre, mas sim referidos tão-só defeitos de apreciação singular desse e só desse caso (a que disse respeito o requerimento). XX – Por mera cautela, o recorrente alega a inconstitucionalidade dos art.ºs 180.º/1, 182.º, 183.º/1, 184.º e 189.º/1, todos do CP, e levados ao dispositivo da sentença recorrida, com o sentido de interpretação/aplicação que o Tribunal a quo lhe deu, de a incriminação não estar limitada pelo disposto no art. 208.º CRP, ou ser-lhes indiferente este inciso. XXI – As normas incriminadoras citadas, numa abordagem sob o ponto de vista referido, infringem a conjugação da indemnidade, prevista no artigo 208.º CRP, com a norma do art. 37.º/1 da Lei Fundamental, e na conformidade plena em que este arco normativo se nos apresenta com o art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. XXII – Ou, dito de outro modo, a conjugação do art. 208.º CRP, com as normas do art. 17.º, 18.º/2 e 37.º/1 da Lei Fundamental, e na conformidade plena em que este arco normativo se nos apresenta com o art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, exige, na interpretação/aplicação do disposto nos art.ºs 180.º/1, 182.º, 183.º/1, 184.º e 189.º/1, todos do CP, que o interprete e julgador hierarquize a indemnidade forense dos advogados, como direito fundamental que faz recuar, na convergência prática de salvaguarda material de ambos, a garantia do direito individual ao bom nome e reputação, reconhecido no art. 26.º/1 CRP: tal não foi realizado na sentença recorrida que tomou como absoluto o direito individual ao bom nome e reputação”. II - Recurso da assistente: “A. Relativamente à impugnação da matéria de facto, tendo em atenção a prova documental a recorrente propugna que as redações dos factos nºs 8, 10, 22, 28, 48 e 53 sejam alteradas nos seguintes moldes: 1. O facto julgado provado sob o nº 8 seja enunciado nos seguintes termos: A assistente, como juíza do processo n.º ---/08.7-Apenso B, por despacho proferido em 22-12-2008 (fls. 663-666) indeferiu o pedido de suspensão imediata do regime de visitas (o qual foi objeto de recurso julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-1-2010), tendo a requerida L com requerimento formulado em 23-1-2009 junto cópia da acusação proferida no processo de inquérito nº ---/07.3 TASTR contra AA por crime de abuso sexual de crianças agravado. 2. O facto julgado provado sob o nº 10 seja enunciado nos seguintes termos: Por despacho proferido no processo n.º ---/08.7-Apenso B, no dia 4-3-2009 (fls. 840-842, que tinham sido 832-834 e que na certidão constituem fls. 804-807) foi decidido pela assistente, sob o título «Do Pedido de Suspensão Imediata do Regime de Visitas» [negrito no original] que a acusação proferida nº ---/07.3 TASTR «não produz efeitos extraprocessuais em qualquer outro processo, independentemente da natureza do mesmo e que corra termos em simultâneo, já que a acusação do Ministério Público não é um ato judicial e, por outro lado, visa exclusivamente efeitos endoprocessuais nos autos em que é produzido», tendo no mesmo despacho, para a possibilidade de existirem elementos relevantes para o processo de regulação do poder paternal, solicitado «ao processo nº ---/07.3TASTR o envio de todos os elementos de prova existentes e que, de acordo com o magistrado titular do mesmo, possam ser remetidos aos presentes autos», vindo, depois, a ser solicitado novamente por despacho de 8-5-2009 cópia da gravação das declarações para memória futura prestadas pelo menor F. nesse processo crime. 3. O facto julgado provado sob o nº 22 seja enunciado nos seguintes termos: A assistente só conheceu AA em virtude do processo nº ---/08.7, logo no exercício das suas funções, apenas o tendo visto e contactado com ele em diligências processuais, não tendo qualquer grau de intimidade com aquele e nem sequer se verificou qualquer relação para além da referida e estrita dimensão processual, não tendo, nomeadamente, ocorrido entre eles quaisquer comunicações extraprocessuais (diretamente ou por interposta pessoa). 4. O facto julgado provado sob o nº 28 seja enunciado nos seguintes termos: Até à data da apresentação do requerimento do incidente de suspeição nenhuma decisão judicial proferida pela assistente no processo nº ---/08.7 e respetivos apensos tinha sido revogada por tribunal superior ou objeto de recurso do Ministério Público, posteriormente, todos os recursos interpostos contra decisões da assistente vieram a ser julgados improcedentes, todos os juízes que intervieram no processo depois da assistente mantiveram as decisões desta contra as quais pugnou a mãe do menor, nunca tendo suspendido o direito de visitas do pai da criança tendo a guarda da criança sido atribuída ao pai, provisoriamente por despacho de 18-5-2010 e definitivamente por sentença de 24-10-2010 (tendo as duas decisões transitado em julgado depois de apreciadas em acórdãos do Tribunal da Relação de Évora). 5. O facto julgado provado sob o nº 48 seja enunciado nos seguintes termos: O arguido foi condenado por sentença de 2-4-2009 (já transitada em julgado) do 1º Juízo Criminal de Lisboa, processo nº ---/05.2TDLSB, por factos praticados em 9-5-2005 como autor material e sob a forma consumada de um crime de injúria, previsto e punível pelos artigos 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j) do Código Penal em concurso efetivo com um crime de difamação agravado previsto e punível pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j) do Código Penal, tendo os factos sido praticados pelo arguido no exercício da advocacia em processo de regulação do poder paternal no Tribunal de Menores e Família de Lisboa, tendo sido concluído na fundamentação da sentença que «face à matéria de facto considerada provada julgamos que o arguido agiu de forma livre voluntária e conscientemente, ciente de que a sua conduta era proibida por lei lesou a honra e consideração devida ao ofendido, desde logo enquanto juiz, uma vez que colocou em causa a sua imparcialidade no que concerne à direção da audiência de discussão e julgamento, imputando ao ofendido uma postura que não deve nem pode ter». 6. O facto julgado provado sob o nº 53 seja enunciado nos seguintes termos: A assistente suscitou a sua escusa perante o Tribunal da Relação de Évora, relativamente à direção processual dos autos de um processo de divórcio em que interveio uma pessoa que realizava trabalhos de jardinagem na sua casa, apesar de não existir qualquer relação de «intimidade» (processo nº ---/06.7TASTR do 3º juízo cível de Santarém, que se dá por reproduzido). 7. A correção proposta da redação dos enunciados de facto mencionados nas conclusões precedentes, além de derivar de estritas razões de ordem semântica (cf. factos 22 e 53) constitui, no essencial, uma formulação que, salvo melhor opinião, se nos apresenta como a mais adequada em face das próprias provas documentais invocadas nesses pontos da sentença, e apresenta-se sustentada, designadamente, nas determinações dos artigos 127.º, 128.º, 129.º, 169.º, 340.º, 345.º, 412.º, n.ºs 3, a) e b), do Código de Processo Penal, dos princípios da unidade e completude da sentença e suportada nas seguintes provas documentais: Certidão dos vários apensos (em particular do B) do processo nº ---/08.7TASTR junto como apenso aos presentes autos, certidão do despacho de 18-5-2010 e da sentença de 24-10-2010 proferidas no processo nº ---/08.7TASTR apenso P juntas aos presentes autos por determinação do despacho de fls. 3412, alínea d); Certidão do relatório de Inspeção do CSM nº 2011-321/IO (junta e admitida como prova por despacho ditado para a ata da sessão de julgamento de 6-1-2012); certidão do processo nº ---/06.7TASTR; certidão do processo nº ---/05.2TDLSB (junta a fls. 1346-1352). B. Quanto à indemnização civil 8. Da factualidade julgada provada pela sentença recorrida decorre que o arguido proferiu várias afirmações que isoladamente, por si sós, eram consideravelmente ofensivas da honra e bom nome da assistente, mas cuja acumulação aumenta a lesão e, atenta a montagem de factos e o sentido empregue pelo arguido, determina uma mensagem em que o todo ultrapassa em danosidade a simples soma das partes. 9. A difamação compreendeu múltiplas falsidades no sentido de uma atuação parcial da assistente (factos 4, 7 e 9), qualquer uma delas, por si só, ofensiva da honra e bom nome da vítima. 10. Falsidades relativas às relações da assistente com as partes (facto 6), como facto instrumental, uma relação falsa entre a assistente e o Conselheiro Simas Santos, associando todas essas relações a uma atuação desonesta da assistente no processo (factos 5, 42, 43, 44 e 45), tudo factos comprovadamente falsos e sem qualquer ponta de verdade; num duplo sentido são falsos pela ideia transmitida de uma juíza desonesta que dirigia o processo movida por interesses, inimizade e intimidades com partes e são falsos se forem considerados de forma atomizada porque não têm qualquer correspondência com a realidade, constituindo todos eles o fruto de uma ficção da autoria singular do arguido (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24 e 25). 11. Afirmar que um juiz está em conluio com uma parte e é íntimo de uma das pessoas envolvidas num conflito que tem a responsabilidade judicial de dirimir assume uma excecionalidade impar. 12. Foi imputado pelo arguido à assistente um desempenho desonesto, em que a juíza por via de grande intimidade com o pai de um menor e alegado abusador sexual do mesmo, deixa o menor em risco, discriminou as partes, favorecendo ilicitamente o pai do menor e prejudicando a mãe e a criança, proferindo decisões contra direito e a prova produzida no processo por via do seu interesse e empenho pessoal, atuação ainda coberta por uma teia de interesses e conexões da juíza com um magistrado reputado amigo do pai do menor. 13. Foi afirmada ainda uma inimizade da juíza com a mãe do menor (falsa, mas que a ser verdade implicaria que não pudesse exercer funções no caso) que também conformaria a sua atuação. 14. A assistente desmentiu a falsidade dos factos e disse que os mesmos eram profundamente atentatórios da sua honra e dignidade, mas o arguido manteve o que disse, subsistindo até à data sem qualquer retratação, apesar de toda a prova produzida o desmentir. 15. Sendo o arguido ainda autor da associação entre as supostas relações da juíza com as partes e alegada atuação parcial, construção suportada em várias falsidades com a qual pretendeu construir uma mensagem com um objetivo claro: Apresentar a assistente como uma magistrada que, violando deveres básicos, era parcial por força de fatores contrários ao que a lei determina (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59). 16. O desvalor de resultado compreende, assim, além da grave lesão da honra e bom nome da demandante (factos 31, 32, 54, 57, 58, 59), um impacto na própria administração da justiça (factos 27 e 49), tudo isso pretendido com dolo direto pelo arguido, sem que a prova inequívoca da falsidade da imputação, seu carácter calunioso, impacto na honra e bom nome da lesada e respetivo sofrimento tenham gerado qualquer retratação volvidos mais de seis anos (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47). 17. Impacto pessoal, na profissão associada à honra da profissão, mas atingindo a vida familiar, o qual é prolongado (factos 31, 32, 40, 54, 57, 58, 59, neste ponto atente-se, ainda, na motivação de facto da sentença), atingindo uma pessoa com elevada probidade e altamente exigente e rigorosa no plano moral e ético-profissional (factos 50, 53, 54). 18. Os factos provados revelam, em resumo, que, num caso que integra o tipo de calúnia agravado, o arguido formulou as múltiplas imputações por si mesmo, procedendo a várias ficções (factos 4, 5, 6, 7 e 9) no sentido de transmitir sem qualquer suporte na realidade (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28) a imagem de uma «juíza desonesta» como se diz na matéria de facto (factos 42, 43, 44, 45, 46, 57, 58, 59). 19. Tendo o arguido atuado sem qualquer base factual ou fundamento para suspeita sobre a lesada, estando provado que produziu todos os resultados danosos com dolo direto muito intenso (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56). 20. O tribunal recorrido não atendeu à dimensão muito grave da ilicitude no caso concreto, em que a difamação reportada a vários factos completamente falsos, associando-se a ofendida a comportamentos incompatíveis com as suas obrigações, sendo mesmo concretizadores da prática de crime de denegação de justiça e prevaricação (p. e p. pelo artigo 369.º, n.º 2, do Código Penal), foi empreendida por parte de quem tem especiais deveres de saber o significado e repercussão das graves ofensas perpetradas (factos 30, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56, 57, 58, 59). 21. Acresce que as lesões da ofendida subsistem e se acentuaram pela persistente imputação pelo arguido de falsidades ofensivas da sua honra e bom nome, um ataque que a visou apenas pelo facto de a lesada cumprir o seu dever ético e profissional sem ceder a intimidações ou pressões e, volvidos seis anos a provação da assistente continua (factos 29, 30, 31, 32, 33, 35, 40, 53, 54, 57, 58, 59). 22. Ao nível da valoração jurídica dos factos, a sentença recorrida foi prejudicada por, salvo naturalmente o devido respeito, não ter atendido devidamente ao dolo e elevada culpabilidade do arguido para efeitos do pedido civil. 23. O arguido produziu todos os resultados danosos com dolo direto muito intenso (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56), o que, atenta ainda a sua profissão, denota uma forte necessidade de prevenção especial. 24. Existe uma outra dimensão que deve relevar para a indemnização civil: A conduta criminosa opera-se por convicção contra a lei e os valores relativos aos direitos de personalidade de terceiros, caluniou a assistente com várias imputações falsas e muito graves, não se arrepende, acha que os juízes cuja honra e bom nome pessoal e profissional são atingidos têm de se submeter, isso mesmo diz na sua contestação: «as mágoas articuladas pela demandante não passam de simples vicissitude da carreira judicial» (artigo 53, fls. 896). 25. A condenação penal manifestamente não satisfaz as exigências de prevenção provocadas por um arguido que cerca de dois meses antes da prática deste crime tinha sido condenado por injúrias e difamação agravadas de um juiz no exercício de funções e por causa delas (também num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais de uma criança). 26. Na valoração dos fatores sobre a indemnização civil, a sentença não atendeu ainda a que não houve qualquer retratação e as difamações foram reiteradas, sendo sucessivamente convocadas outras falsidades instrumentais. 27. A conduta do arguido anterior deve ser relevada, em particular o facto nº 48 (veja-se ainda supra a conclusão nº 5 do presente recurso): O arguido tinha sido condenado por sentença de 2-4-2009 como autor material e sob a forma consumada de um crime de injúria, em concurso efetivo com um crime de difamação agravado, tendo os factos sido praticados pelo arguido no exercício da advocacia em processo de regulação do poder paternal em que «lesou a honra e consideração devida ao ofendido, desde logo enquanto juiz, uma vez que colocou em causa a sua imparcialidade no que concerne à direção da audiência de discussão e julgamento, imputando ao ofendido uma postura que não deve nem pode ter». 28. Atenta a conduta do arguido volvidos apenas 2 meses sobre anterior condenação exclusivamente penal e ausência de efeito da mesma na sua conduta, revela-se a necessidade no caso da função social da indemnização, como reação à culpa, o crime não pode continuar a compensar! 29. A conduta posterior aos factos é fator que deve ser atendido para efeitos da ponderação da culpa com vista à fixação da indemnização para se valorar as exigências de prevenção, em face do disposto nos artigos 496.º, n.º 3, e 494.º, do Código Civil. 30. O arguido nunca se retratou, nem depois do desmentido veemente da assistente logo após a produção das imputações caluniosas que foram mantidas pelo arguido (facto 29), nem até à data, depois de conhecida toda a dimensão da calúnia e do seu impacto na lesada (factos 31, 32, 40, 54, 57, 58, 59). 31. No processo o arguido apenas agudizou a dimensão caluniosa da sua conduta - Na presente motivação tal foi demonstrado através dos trechos das seguintes peças: Na contestação (fls. 885-901); recurso entrado em 13-2-2012 (fls. 2099-2100); recurso entrado no dia 23-3-2012 (fls. 2286-2293); recurso entrado em Maio de 2012 (fls. 2475-2509). 32. Pelo que, as provas abundantes da falsidade dos factos que imputou, bem como do sofrimento produzido e ofensa da honra da lesada nunca o levaram a retratar-se, pelo contrário, e em relação a duas testemunhas essenciais que, de forma idónea e isenta, desmentiram alguns dos factos nucleares veio a anunciar que as iria perseguir criminalmente - quanto ao Conselheiro Simas Santos vejam-se fls. 1658 e quanto ao Sr. AA veja-se fls. 1691. 33. A falsidade e a gravidade das imputações apresentaram uma intensidade muito acentuada (factos 4,5, 6, 7, 9, 27, 29, 30, 31, 32, 35, 54, 57, 58, 59), sendo o dolo direto muito intenso (factos 28, 29, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 56). 34. O dano profundo da dignidade pessoal da lesada que foi ainda instrumento para prosseguir um objetivo, aliás logrado, com elevado desvalor, o afastamento do juiz natural, visando atingir o funcionamento do poder judicial (factos 27, 49). 35. «O lesado deve ser compensado ou desagravado, na medida em que o lesante deva ser punido, devendo para tanto atender-se aos critérios enunciados no artigo 494.º e ao bem jurídico que a norma violada visa proteger. […] Assim o “grau de culpabilidade do agente” enunciado no artigo 494.º deve permitir a atribuição ao lesado de um montante mais elevado, se o agente tiver atuado com dolo». 36. «Em caso de culpa muito grave do lesante é admissível a aplicação de um montante puramente punitivo que acresça ao dano». 37. Como sublinha o Conselheiro Abrantes Geraldes, «a função punitiva» da indemnização deve ser empregue «com o objetivo de desincentivar junto do agente ou da comunidade em geral, a repetição dos atos ilícitos perante a insatisfatória resposta dos objetivos tradicionalmente traçados». 38. Dimensão punitiva da indemnização que tem sido destacada como fundamental na ponderação da indemnização por danos morais sofridos em virtude de ilícitos penais com culpa elevada, pela doutrina entretanto generalizada e de forma cada vez mais enfática pela jurisprudência dos tribunais superiores, sendo paradigmático o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1) onde se sublinha: «Os danos punitivos visam promover o respeito pelas normas de conduta da sociedade e influenciar o comportamento dos agentes económicos. Também são designados por exemplary damages, pois visam orientar os agentes económicos na conduta correta e exprimem a reação da sociedade a uma conduta ilícita, que tem impacto, não apenas individual, mas social». «Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais». 39. Destacando-se, nomeadamente, que um campo central em que a figura opera é «no domínio da responsabilidade civil extracontratual (lesão de direitos de personalidade)». 40. Os factos provados n.º 33, 35, 40, 48, 49, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 revelam que a calúnia foi o instrumento utilizado no quadro de uma atividade profissional (facto 55), por intuitos derivados da mesma afetando as funções dos envolvidos no sistema de justiça cuja integridade, por seu turno, está dependente da idoneidade, isenção e honestidade das pessoas que nele prestam funções e em particular os juízes. 41. O desvalor de ação é reforçado pela referida condição profissional, tendo o arguido com a conduta descrita violado ainda os deveres próprios da profissão, nomeadamente, os previstos nos artigos 83.º, 84.º, 85.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 92.º, n.º 2, 103.º e 105.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados. 42. O arguido agiu movido pelos seus interesses profissionais próprios, no quadro de uma atividade que exerce como fonte de rendimentos económicos (cf. factos 27, 30, 33, 35, 44, 46, 48, 49, 50, 55, 56, 57, 58 e 59). 43. O juízo do tribunal sobre a indemnização foi prejudicado por uma ponderação insuficiente da grande ilicitude da conduta do arguido, tanto ao nível do desvalor de ação como de resultado e também por não ter atendido ao dolo intenso e culpa muito grave do arguido. 44. O tribunal a quo não atendeu, ainda, a que existe uma dimensão sancionatória ou de compensação punitiva da indemnização por danos morais relativos ao direito geral de personalidade, nem às dimensões preventiva especial e geral que se devem repercutir na indemnização por danos morais; acresce que, no caso concreto, a lesão foi perpetrada no quadro de uma específica situação relacional (em que existe uma obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil para defesa do lesado) e se verificam especiais exigências de tutela e ponderação com enfoque na culpabilidade. 45. Sendo, por outro lado, pacífico que no caso de obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil o fator único de ponderação para efeitos do artigo 494.º do Código Civil é a culpa do lesante (assim vd. por todos Paula Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 292). 46. O tribunal no caso concreto, num caso de culpa particularmente grave na lesão de direitos de personalidade e na violação das regras de conduta nucleares do agente do ilícito, violou o princípio da equidade, e em sentido oposto ao da orientação do Supremo Tribunal de Justiça arbitrou uma indemnização de 15.000 euros, metade do que foi determinado num caso muito menos grave de lesão do direito à honra direitos de personalidade (sem calúnia), pelo STJ no acórdão de o acórdão do STJ de 25-3-2010 processo 576/05.6TVLSB.S1, e menos de 1/6 do que foi fixado pela mesma instância a título de danos morais (100.0000 euros), no acórdão de 25-2-2014 (287/10.0 TBMIR. S1), fundamentando-se na culpa grave do lesante, num caso em que os factos apresentam menos intensidade em termos de sofrimento da vítima e também dolo consideravelmente menos intenso, e um exemplo de anti-socialidade e convicção delitual muito menos ostensivo do que o dos presentes autos. 47. Refiram-se então os fatores ponderados pelo Supremo Tribunal no acórdão de 25-2-2014: «O grau de ilicitude e o grau de culpa dos vendedores é muito elevado. Podemos mesmo falar, a este propósito, de dolo», «os princípios da boa-fé e os deveres de lealdade exigiam dos réus outra conduta», «a boa-fé, numa lógica de cooperação e de colaboração, exige que cada uma das partes pense nos interesses da outra», sublinhando-se, «a situação do caso dos autos, para além de ser grave para os interesses do autor, é também grave do ponto de vista social e económico, e exige, portanto, a ponderação da finalidade sancionatória da responsabilidade civil, por razões simbólicas e preventivas». 48. Atento o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e nos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1 e 496.º, do Código Civil o arguido deve ser condenado no pagamento de indemnização à assistente no montante de €125.000 acrescidos de juros vincendos desde a altura da citação do pedido civil. 49. O tribunal ao omitir a comunicação da sentença à Ordem dos Advogados violou o disposto pelo artigo 116º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que a decisão final deve ser comunicada nos termos desse preceito. 50. Não há lugar à manifestação de interesse em qualquer recurso interlocutório retido (artigo 412º, nº 5, do C.P.P.). Termos em que, deve alterar-se a decisão recorrida como pedido nas conclusões precedentes com as legais consequências, determinando-se, nomeadamente: 1. A alteração da redação dos factos nºs 8, 10, 22, 28, 48 e 53 conforme requerido; 2. A condenação do arguido no pagamento de indemnização à assistente no montante de €125.000, acrescidos de juros vincendos desde a altura da citação do pedido civil; 3. A comunicação da condenação do arguido à Ordem dos Advogados nos termos do disposto pelo artigo 116º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados”. * A assistente, nas conclusões de recurso acabadas de transcrever (conclusão 50ª), e conforme disposto no artigo 412º, nº 5, do C. P. Penal, esclarece que não mantém interesse na apreciação de “qualquer recurso interlocutório retido”. Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento de todos os recursos intercalares interpostos pela assistente, e que estavam para ser apreciados, neste tribunal ad quem, juntamente com o recurso interposto da sentença. Contrariamente a tal posição da assistente, o arguido, ao abrigo do preceituado no citado artigo 412º, nº 5, do C. P. Penal, afirma que mantém interesse na apreciação de “todos os recursos intercalares recebidos em diferido” (cfr. conclusão 1ª extraída da motivação do recurso do arguido). Compulsados os autos, verificamos que o arguido interpôs inúmeros “recursos intercalares”. Contudo, por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, proferido em 21 de maio de 2013 (e constante de fls. 2997 a 3085 dos autos), foram já apreciados e decididos a grande maioria dos “recursos intercalares” constantes do presente processo e interpostos pelo arguido. A essa decisão deste Tribunal da Relação, que, no âmbito do presente processo, formou caso julgado, nada há (nem podia haver) a acrescentar, mantendo-se a mesma, obviamente, inalterada. Resta-nos, assim, apreciar os seguintes recursos entretanto interpostos pelo arguido: 1º - Recurso interposto do despacho de fls. 3288, em que o Mmº Juiz que proferiu a anterior sentença se declarou impedido, ao abrigo do disposto no artigo 40º, al. c), do C. P. Penal, alegando o arguido/recorrente que, em tal despacho, houve preterição do Juiz natural. 2º - Recurso interposto relativo ao indeferimento do chamamento aos autos da Companhia de Seguros A… Ldª. 3º - Recurso interposto do despacho em que o Mmº Juiz manteve o andamento do processo, mesmo em face do pedido de recusa, pendente nos autos, relativamente ao mesmo. 4º - Recurso interposto do despacho que considerou o arguido devidamente representado, numa sessão da audiência de discussão e julgamento, por Advogado substabelecido com reserva. Todos estes recursos serão, se for caso disso (se o seu conhecimento não ficar precludido), devidamente tratados e decididos mais adiante no presente acórdão. * O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta aos recursos interpostos pelo arguido, concluindo que devem ser todos julgados improcedentes, e, como tal, devendo manter-se na íntegra a sentença recorrida. Respondeu também a Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância ao recurso da assistente, entendendo que o mesmo não merece provimento. Os recursos do arguido e o recurso da assistente mereceram também resposta, respetivamente, da assistente e do arguido. * Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (fls. 4298 a 4306), entendendo, em síntese, que: - Os recursos intercalares interpostos pelo arguido devem ser julgados improcedentes. - O recuso interposto, pelo arguido, da sentença condenatória, deve ser julgado procedente, devendo o arguido ser absolvido. - É discutível que a assistente possua legitimidade para recorrer da decisão penal. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido apresentou resposta (fls. 4322), concordando com o parecer emitido pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta, e a assistente respondeu também ao mesmo parecer (fls. 4318 a 4321), dele discordando (e reafirmando o já alegado, quer na motivação do seu recurso, quer na resposta ao recurso interposto, da sentença, pelo arguido). Efetuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto dos recursos. Várias questões são suscitadas nos recursos interpostos pelo arguido e pela assistente, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, questões que elencamos por ordem de precedência lógica e/ou de preclusão: 1ª - Impugnação da matéria de facto (recurso da assistente). 2ª - Qualificação jurídica dos factos (recurso, principal, do arguido). 3ª - Montante da indemnização atribuída (recurso da assistente). 4ª - Questões suscitadas nos vários “recursos intercalares” do arguido. 2 - A decisão recorrida. No tocante aos factos (provados e não provados), e à motivação da decisão fáctica, é do seguinte teor a sentença revidenda: “FUNDAMENTAÇÃO Realizada audiência de julgamento na qual ocorreu a produção da prova, o tribunal procedeu à sua apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção – artº 127º do Código de Processo Penal, pelo que decide julgar: ENUNCIAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS: Da acusação: 1) B., ofendida e assistente nos autos, é Magistrada Judicial e, entre 15/09/1999 e 31 /08/2009, exerceu funções junto do -- Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santarém. 2) No âmbito do exercício das suas funções junto daquele juízo cível, a ofendida tramitou todos os processos que foram distribuídos ao mesmo, quer de natureza cível quer de família e menores, designadamente, elaborou todo o tipo de despachos, sentenças e acordos, bem como efetuou todas as diligências inerentes aos mesmos processos, como inquirições, conferências e audiências de julgamento. 3) O arguido A. é advogado, tendo, nessa qualidade, tido intervenção no processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o n.º ---/08.7TBSTR, pendentes naquele Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, enquanto mandatário constituído por parte da progenitora do menor, a que se reportam os autos, L. 4) No dia 4 de Junho de 2009, pelas 22h:16m, o arguido A. remeteu, via eletrónica, para os autos de Alteração da Regulação do Poder Paternal acima referidos, requerimento dirigido àquele processo, o qual foi concluso à titular do processo em 09-06-2009 e por meio do qual suscitou incidente de suspeição perante o Tribunal da Relação de Évora relativamente à Magistrada titular dos autos, Drª. B., documento que consta de folhas 1 a 8 da certidão do incidente de suspeição apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido, no qual escreveu o seguinte: “Acresce que, percorrendo os já vastos 3 volumes do Processo ---/08-8, pode-se notar que ao Requerente são, quase sempre, conferidos prazos de 10 dias para responder, nomeadamente aos requerimentos da Requerida, enquanto a esta os prazos para o mesmo efeito, são de dois ou de cinco dias, no máximo”. 5) Bem como escreveu: “São conhecidas as ligações da Mmª Juiz ao Conselheiro Dr. S - testemunha profusamente arrolada pelo Requerido - e deste ao Requerido, como melhor consta dos autos”. 6) Tendo concluído com as seguintes afirmações: “Tudo visto, verifica-se a existência de inimizade grave por parte da Mmª Juiz em relação à Requerida, bem como uma grande intimidade desta com o Requerente, o que, nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 127º do C.P. C., se alega” - tudo ut teor dos itens/articulados do referido incidente de suspeição sob os nºs 5, 14 e 16, constante de fls., 11 a 16 e 722 a 724 e que aqui se dá por, integralmente, reproduzido para todos os efeitos legais -. 7) Escreveu ainda no art.º 12.º do seu requerimento: «A Mmª Juiz titular deste processo, embora tenha considerado que, para a decisão desta matéria [alteração do regime de visitas no âmbito do referido processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o nº ---/08.7TBSTR, o processo tinha natureza urgente, em 19 de Dezembro de 2008, indeferindo tal pedido, demora mais de 4 meses para decidir novamente tal pedido». 8) Com o requerimento formulado pela Requerida L. junto a 23-1-2009 a folhas 713 e seguintes do Processo n.º --/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, foi junta cópia do despacho de acusação datado de 8/1/2009, deduzido no processo de inquérito n.º ---/07.3TASTR, que se encontra a folhas 719 a 723 de tal processo n.º ---/08.7TBSTR-B, documento cujo teor se da por reproduzido, na qual é imputada a pratica ao requerente AA de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punível pelos artigos 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na redação conferida pela Lei n. º 99/2001, de 25-8, em vigor até 14 de Setembro de 2007 e pelos artigos 171.º n.º 2 e 177.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, redação da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15-9-2007, tendo igualmente sido enviada ao referido processo em 2-2-2009, junta em 9-2-2009, cópia de tal acusação pelos serviços do M.º P.º, junta a folhas 754 a 759 de tal processo, documento cujo teor igualmente se da por reproduzido e em fase de instrução enviada em 5-3-2009 certidão de tal acusação junta a folhas 820 a 826 do referido processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, documento cujo teor igualmente se da por reproduzido. 9) Escreveu ainda o arguido no art.º 13.º do seu requerimento: «Conhecedora da acusação, por três vias, a saber, por cópia remetida pelo titular do processo-crime, por cópia junta aos autos pela requerida e por certidão, também remetida pelo titular - perca mais três meses para obter todos os meios de prova ali existentes, bem como a gravação das declarações para memória futura, prestadas pelo menor». 10) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 920 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 8-5-2009 a Assistente ordena que se solicite ao proc. n.º ---/07.3TASTR a gravação das declarações para memória futura prestadas pelo menor F. 11) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 365 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 16-9-2008 a Assistente ordena que se notifique a progenitora do menor recorrente para “a recorrente esclarecerá, no prazo de 2 dias, se pretende recorrer de todos os segmentos do despacho proferido em 11-8-2008 e, na negativa, quais os que são objeto do recurso ora interposto”. 12) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08. 7TBSTR, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 168 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 10-4-2008 a Assistente ordena que se notifique a progenitora do menor para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo requerido, via fax em 9/4/2008. 13) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 282 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 1-9-2008 a Assistente ordena que se notifique AA do teor do requerimento de fls. 257-265 e para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o pedido de suspensão do regime de visitas fixado e sobre o que é agora proposto. 14) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 259 a 260 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 12-9-2008, a assistente ordena que se notifique a requerida para, no prazo de cinco dias “se pronunciar, querendo, sobre "os termos e horários" de permanência do menor Francisco na companhia de pai em conformidade com a cláusula supra referida” e para, no prazo de cinco dias, sugerir uma forma de comunicar ao progenitor do menor “todas as questões relevantes e referentes à vida e bem-estar do filho, nomeadamente a nível de saúde, escolaridade e outras”. 15) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 328 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 16/9/2008 a Assistente ordena que se notifica o requerido para, querendo, no prazo de dez dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas 296-308 em anterior numeração 338-350, e fls., 353-355, para a requerida, no prazo de cinco dias, se pronunciar (art.º 181.º, n.º 2, da OTM). 16) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 678 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 19/1/2009 a assistente ordena que se notifique o requerido do teor de folhas 670 a 672, 708 a 710, em anterior numeração e para, querendo, no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o mesmo. 17) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 725 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 30/1/2009 a assistente ordena que se notifique o requerido para, querendo, no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o efeito do recurso interposto a folhas 689, 721 em anterior numeração e para em dez dias, se pronunciar sobre o pedido de imediata suspensão do regime de visitas fixado no acordo firmado em Julho de 2006. 18) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 858 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 18/3/2009 a assistente ordena que se notifica a requerida via fax para no prazo de dois dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas que se encontra a folhas 852 a 853, 870-871 em anterior numeração. 19) Por despacho proferido no âmbito do Processo n.º ---/08.7TBSTR-B, cuja certidão está apensa, que se encontra a folhas 950 de tal processo, documento cujo teor se da por reproduzido, em 21-5-2009 a assistente ordena que se notifica a requerida para no prazo de cinco dias se pronunciar sobre o requerimento de folhas que se encontra a folhas 922 a 932, 973-983 em anterior numeração. 20) O Sr. Juiz Conselheiro Dr. S é amigo desde a alguns anos dos pais de AA e deste. 21) A assistente não conhecia L. antes de lhe serem distribuídos os autos n.º ---/08.7TBSTR, e apenas teve contacto com ela no quadro funcional adveniente do processo, nas decisões que proferiu apenas se guiou pela sua leitura dos factos e do direito aplicável e subsiste sem qualquer relação pessoal com ela. 22) A assistente só conheceu essa pessoa em virtude do processo n.º ---/08.7TBSTR, no exercício das suas funções, apenas o tendo visto e contactado com ele em diligências processuais, não tendo qualquer grau de intimidade com aquele como nem sequer se verificou qualquer relação para além da referida e estrita dimensão processual, não tendo, nomeadamente, ocorrido quaisquer comunicações extraprocessuais, diretamente ou por interposta pessoa. 23) A assistente apenas conhece o Juiz Conselheiro Dr. S. pela sua obra publicada, nunca teve a oportunidade de comunicar diretamente ou por interposta pessoa com ele, nunca teve a oportunidade de ter qualquer relação pessoal com Dr. S. 24) O referido Sr. Juiz Conselheiro apenas foi arrolado como testemunha num incidente de incumprimento instaurado no processo n.º ---/08.7TBSTR-B, embora tenha sido necessário primeiro apreciar um pedido de indeferimento da sua admissão como testemunha, sendo posteriormente, requerida e admitida a apresentação do respetivo depoimento por escrito, atento o disposto no art. 624.º n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil. 25) A assistente ao fixar prazos no processo nunca visou prejudicar L e beneficiar AA, tendo-se antes regido sempre por uma estrita preocupação de aplicação da lei às especificidades do caso concreto. 26) A junção de prova mencionada no artigo 13.º do requerimento do incidente de suspeição e nomeadamente o deferimento do pedido de certidão formulado pelo magistrado do Ministério Público depois de ser junta cópia do processo-crime, nunca visaram qualquer atraso processual por força de um intento desviante da Assistente enquanto juíza. 27) A apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do arguido visou remover a lesada enquanto juíza do processo em que foi formulado. 28) Até à data da apresentação do requerimento do incidente de suspeição por parte do Arguido nenhuma decisão judicial proferida pela assistente no processo n.º ---/08.7TBSTR e respetivos apensos tinha sido revogada por tribunal superior ou objeto de recurso do Ministério Público. 29) Foi formulada pela assistente resposta em que, nomeadamente, nega os factos que lhe são imputados no incidente de suspeição, tendo o arguido advogado A. sido notificado da mesma, não se retratou mantendo as referidas imputações sem desistir do seu requerimento. 30) Mantendo o seu requerimento com as respetivas imputações, apesar de notificado do desmentido da assistente, bem como os pedidos de diligências probatórias a realizar pela juíza substituta, o arguido pretendeu, e conseguiu, que a remoção da juíza assistente do processo subsistisse até à intervenção do presidente do Tribunal da Relação de Évora e que mais pessoas viessem a saber que ele mantinha as imputações relativas à assistente, nomeadamente o destinatário do requerimento, não relevando a resposta da visada que negava esses factos. 31) No dia 8 de Junho de 2009, a assistente ao ler a referida alegação sentiu-se profundamente atingida na sua honra e dignidade pessoais e profissionais. 32) Perturbação que subsiste e que a continua a afetar. 33) O arguido formulou as imputações no processo e por escrito em termos que sabia gerarem ampla divulgação no local de trabalho da ora assistente, nomeadamente entre magistrados e funcionários que aí prestam funções, entre as partes intervenientes no processo e ainda ao nível do tribunal superior que pretendia que fosse chamado a pronunciar-se sobre a imputação realizada. 34) O Senhor Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora considerou que em termos da legislação processual civil foi incorreto o procedimento adotado na medida em que o ora arguido A. «deduziu imediatamente o incidente de suspeição, sem previamente ter sido dado ensejo à Mm.ª Juiz de pedir escusa». 35) Em consequência da apresentação do requerimento do incidente de suspeição no processo referido por parte do Arguido por essa via assumiram a respetiva instrução dois outros juízes do tribunal judicial de Santarém, a tramitação pelos serviços judiciais e, como requerido, e veio a suceder, a apreciação pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Évora. 36) O arguido pediu aquando da dedução do incidente de suspeição que fosse junto ao incidente de suspeição «cópia da queixa da anterior mandatária da requerida [L] contra a Mm.ª Juiz titular destes autos». 37) Como assume na sua resposta ao incidente de suspeição, até então a assistente B ignorava o teor da referida participação. 38) Por força de oficio do Conselho Superior da Magistratura, n.º ---, datado de 17-6-2009, remetido em 18-6-2009, e recebido em 19-6-2009, a ora assistente veio a ter conhecimento do teor das imputações da referida participação da advogada MJ que tinha sido a anterior mandatária de L que o arguido advogado A. pretendeu que complementasse o incidente de suspeição por si interposto, participação cuja cópia esta a folhas 34 a 43 v., documento cujo teor se da por reproduzido. 39) No processo n.º ---/08.7 do 3.º juízo cível de Santarém ao tempo em que o arguido deduziu o incidente de suspeição existia uma forte conflitualidade e divergência ao nível processual entre requerente e requerida e onde se suscitavam questões particularmente complexas e graves como alegados abusos sexuais de menor e o risco de repetição de atos da mesma natureza por parte do progenitor. 40) O arguido A. sabia que as imputações que dirigiu à assistente iam ser lidas por esta e conhecidas, afetando-a, enquanto magistrada judicial, o que a tem perturbado desde a data em que teve conhecimento dessas imputações e da sua divulgação. 41) O arguido A. formulou o incidente de suspeição supra referido com base na consulta dos autos n.º ---/08.7TBSTR e seus apensos, que correm termos no 3.º Juízo Cível deste tribunal, cuja certidão está apensa. 42) O arguido A. ao dirigir o referido escrito - incidente de suspeição - àquele processo, representou e quis utilizar expressões e imputar factos relativamente à magistrada judicial titular do processo, a assistente, Drª B., bem sabendo que eram aptos a ofender a honra, a consideração pessoal, o bom nome, a dignidade profissional daquela magistrada e o bom exercício da sua profissão, para além, ainda, de colocarem em causa o seu brio, equidistância e imparcialidade, qualidades e deveres que são próprios de qualquer Magistrado. 43) O arguido A. atuou com a intenção direta de que a ora assistente fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade; 44) O arguido A. atuou ainda sabendo que dos factos que imputava à assistente resultava que a mesma fosse considerada uma magistrada parcial e que desrespeitava os valores básicos que se tinha comprometido ao assumir a sua função judicial, em particular os deveres de imparcialidade e tratamento das partes de acordo com o princípio da igualdade, atuando conformando-se com tal realidade. 45) Atuou, ainda, ao imputar à assistente uma grande intimidade com o requerido AA e conexões com a família deste, sabendo que tais factos seriam entendido que tais imputações teriam conformado contra a lei e os princípios jurídicos fundamentais decisões processuais em favor do seu íntimo e contra a patrocinada pelo arguido, L, bem como em prejuízo do menor cujo poder paternal, que a assistente enquanto juíza, tinha o dever de regular, conformando-se com tal resultado. 46) O arguido A. agiu sabendo que os factos que imputava a Assistente contra o seu bom nome e a honra, estes eram profundamente atingidos, nomeadamente, perante o Tribunal da Relação de Évora e perante todos os intervenientes e operadores que viessem a ter contacto com os autos e conhecessem a sua imputação, em particular, magistrados e oficiais de justiça que exercem funções no tribunal de Santarém, conformando-se com tal possibilidade. 47) O arguido A., que agiu livre, deliberada e conscientemente, conhecia bem que a sua descrita conduta lhe estava interdita por lei, porque ilícita. 48) O arguido A. já anteriormente respondeu e foi condenado em tribunal pela pratica de crimes de difamação agravada como resulta do seu certificado de registo criminal junto a folhas 919 a 920 dos autos e da certidão junta a folhas 1346 a 1357 dos autos, documentos cujo teor se da por reproduzido. 49) A assistente não conhecia até ao julgamento dos presentes autos pessoalmente o arguido, nunca chegando a realizar-se uma diligência em que contactasse com o ora arguido. 50) A assistente nunca tinha sido anteriormente sujeita a imputações de condutas ou relações indevidas como fundamento de incidente, denúncia ou dedução de suspeição, sendo o requerimento deduzido pelo Dr. A. a primeira suspeição invocada por uma parte que a visasse por alegada parcialidade. 51) A assistente nunca foi objeto de nenhum processo ou queixa disciplinar com exceção da participação apresentada por MJ. 52) As queixas-crime apresentadas contra MJ e A. foram as primeiras subscritas pela lesada contra advogados ou quaisquer outras pessoas por factos relativos ao exercício da sua profissão de magistrada judicial, nunca tendo também tido qualquer iniciativa judiciária que visasse quaisquer outras pessoas além dos referidos advogados. 53) Numa única ocasião em que se confrontou com uma situação desse jaez, a lesada tenha suscitado a sua escusa perante o tribunal da relação de Évora, relativamente à direção processual dos autos de um processo de divórcio em que interveio uma pessoa que realizava trabalhos de jardinagem na sua casa, apesar de não existir qualquer relação de «intimidade», processo n.º ---/06.7 do 3.º juízo cível de Santarém, conforme certidão de folhas 844 a 853 que se dá por reproduzida. 54) A mera dúvida sobre o cumprimento do dever de imparcialidade, bem como da transparência e lisura no tratamento e comunicação com as partes afeta profundamente a honra e dignidade da Assistente e põe em causa uma atitude empenhada na defesa desses valores, de uma juíza que em Setembro de 2011 perfez 18 anos de antiguidade na carreira. 55) O arguido A. é advogado inscrito na respetiva Ordem profissional desde 29-10-1983 exercendo essa atividade como fonte de rendimentos de forma praticamente ininterrupta. 56) O arguido como advogado que exerce há mais de 25 anos sabia que os factos imputados à lesada, apresentavam enorme gravidade ética, jurídico disciplinar e jurídico-penal e apenas podiam ser alegados com base em provas. 57) As pessoas que lessem o texto do arguido e as imputações que formulou relativamente à lesada, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que a lesada era uma juíza desonesta, consequência que o arguido representou e quis e com a qual se conformou. 58) Mesmo a dúvida sobre a veracidade ou falsidade das imputações formuladas pelo arguido contra a lesada, que, no mínimo se suscitaria a qualquer um que lesse o requerimento do arguido e não conhecesse pessoalmente a lesada, implicava uma especial desconfiança relativamente à idoneidade e isenção desta, bem como à sua credibilidade no exercício de funções judiciais, facto que o arguido representou e com a qual se conformou. 59) Suspeita com uma gravidade tal suscetível de conformar futuras representações sobre a honestidade da lesada. ENUNCIAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS: a) O arguido A. formulou o incidente de suspeição supra referido também com base no que lhe foi transmitido pela sua cliente L, que lhe referiu haver ligações do marido da Mmª Juiz assistente e por esta via desta ao Conselheiro Dr. S e deste a AA progenitor do menor em causa no processo referido. b) O arguido A. admitiu como possível que aquelas expressões que traduzem factos não fossem verdadeiras e ainda assim atuou conformando-se com tal possibilidade. c) Que no caso concreto, tendo assumido o patrocínio de L. no processo n.º ---/08.7 de regulação do poder paternal que corre termos no 3° juízo cível de Santarém, depois de já outros advogados terem desempenhado esse encargo, e no que concerne à profissional que o precedeu nesses autos existindo vários requerimentos e recursos rejeitados, o arguido decidiu mostrar a sua capacidade e eficácia na prossecução dos objetivos da sua cliente, e como razão reforçada dos seus honorários neste e noutros processos, decidiu que era capaz de se socorrer de quaisquer instrumentos para, ainda que se sem qualquer suporte factual ou jurídico, afastar do processo a juíza que indeferira pretensões da sua cliente; d) Que desta forma, a imputação lesiva do bom nome e honra da demandante está diretamente conexa com a atividade profissional do arguido e os seus rendimentos, tendo sido instrumento para auferir benefícios económicos imediatos e futuros, estes na medida em que se apresentou relevante para a projeção da sua imagem profissional de quem através de estratégias temerárias consegue alcançar vantagens para quem lhe paga os honorários; e) Que a Ex.mª Senhora Juíza Assistente agora, representada pelo Ex.mº Procurador da República seu marido, e que participa, com o Senhor Conselheiro doutor S, no BLOGUE -----, residente em http://----blogspot.com. da autoria do pai do menor, requerente no processo --/08.7TBSTR. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO O Tribunal fundamenta a formação da sua convicção, quer quanto à matéria de facto provada quer quanto à não provada, nos seguintes meios de prova: A assistente B., para além de ter confirmado o teor dos requerimentos apresentados pelo arguido, nos quais se inclui o de suspeição formulado contra si enquanto juíza nos autos referidos, negou ainda todos os factos que o arguido lhe imputa no tocante às alegadas inimizade grave em relação à constituinte do arguido, como a inexistência de qualquer intimidade com as partes ou outras pessoas envolvidas no processo em causa (factos 1 a 10 da matéria de facto provada). A assistente B. manifestou, através da descrição de factos concretos, quer o seu desconhecimento pessoal e próximo com L, quer o seu conhecimento com o Sr. Conselheiro Dr. S., esclarecendo as circunstâncias em que ocorreram estes factos (factos 22 a 25 da matéria de facto provada). A assistente B. descreveu com convicção vincada, toda e qualquer atuação que desenvolveu no exercício das funções de Juiz titular do processo cível no qual o arguido era advogado de L., em cumprimento e respeito pela Lei e pelos seus deveres enquanto juíza. Sobre esta matéria também depuseram as testemunhas de acusação, Dr. E, Magistrado do Ministério Público que interveio no referido processo, PM, técnica de justiça adjunta que cumpriu os despachos e decisões proferidos pela assistente, bem como Dr.ª MG, Ilmª Advogada nos referidos autos, em representação da parte contrária, ou seja, de AA - (factos 26 a 40, 50 a 54 da matéria de facto provada). A assistente B. prestou depoimento de forma descritiva, com convicção, revelando boa memória, com relato objetivo, com clara preocupação na descrição dos factos sobre os quais revelou conhecimento direto, omitindo qualquer juízo de valor sobre os mesmos. Quanto às testemunhas antes referidas, os seus depoimentos mostraram-se descritivos, coerentes, reveladores de conhecimento direto sobre os mesmos, com relato íntegro, evidente convicção sobre o conhecimento dos mesmos. Revelaram evidente equidistância e necessária independência face à assistente, apesar das relações institucionais, permanentes existentes à data dos factos por via do exercício das suas funções. Quanto ao depoimento da testemunha AA, apesar de parte interessada no referido processo onde foi deduzido o incidente de suspeição, o mesmo revelou-se descritivo no sentido de esclarecer o tipo, duração e qualidade da relação existente entre os seus pais e o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro S., a qual se revelou exatamente contrária àquela que foi alegada pelo arguido e imputada à assistente (facto 21 da matéria de facto provada). Ainda no campo da prova testemunhal, de referir o depoimento da testemunha Dr. P, marido da assistente, o qual relatou as circunstâncias consequenciais ocorridas na vida pessoal e profissional, a partir do momento em que a assistente, sua mulher, tomou conhecimento da matéria vertida no requerimento de suspeição deduzido pelo arguido, bem como das demais consequências ao longo do tempo em que se desenrolou todo o processo, quer no tribunal cível de Santarém onde a mesma exercia funções, quer no tribunal da Relação de Évora onde passou a tramitar o incidente e ainda ao nível do Conselho Superior da Magistratura. Relatou com nítida, concreta e manifesta emoção os factos relativos aos danos não patrimoniais sofridos pela sua mulher em consequência da conduta do arguido. Desde manifesta instabilidade emocional a nível pessoal, com reflexos na vida do casal e ainda na família alargada da assistente, passando pela situação gerada a nível profissional através do alargamento do conhecimento dos factos por colegas de trabalho e funcionários, esta testemunha relatou, de forma descritiva, o estado de desequilíbrio emocional vivido pela assistente em consequência da conduta do arguido. Neste sentido se revelou o depoimento da testemunha AJ, pai da assistente, o qual descreveu o seu conhecimento direto sobre o estado emocional, de revolta e de desespero que evidenciava a sua filha, aqui assistente, devido à conduta do arguido, facto que tomou conhecimento através da própria filha e do seu genro, Dr. P. O depoimento da testemunha AJ, apesar de revelar a inegável relação de pai e filha com a assistente, mostrou-se equilibrado quanto à descrição, mas emitiu algumas afirmações conclusivas e qualificativas dos comportamentos e sentimentos que viu e sentiu por parte da sua filha, durante os não permanentes períodos de proximidade com aquela. Sem considerar tais conclusões, o tribunal avaliou este depoimento na sua vertente descritiva, dado que teve por base a observação direta da testemunha, mostrando-se coincidente, em muitos factos, com o depoimento da testemunha Dr. P. (factos 32, 33, 34, 50 a 54 da matéria de facto provada). Quanto aos depoimentos das testemunhas Dr.ª MC e Dr.ª LM, mostraram-se descritivos, sendo que a primeira revelou conhecimento do estado de espírito, mágoa e tristeza, bem como preocupação e revolta da assistente como sua amiga, como consequência da conduta do arguido, e a segunda como Ilmª Advogada da comarca de Santarém, em exercício da advocacia na área cível, onde muitas vezes viu e sentiu a assistente revoltada, triste e preocupada em consequência da conduta do arguido, factos de que teve conhecimento através de conversas emergentes dos seus contactos com outros magistrados e funcionários em exercício de funções na comarca de Santarém. Quanto aos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa do arguido, para além das comuns à acusação e antes referidas, de salientar os depoimentos das testemunhas Dr.ª MJ, Juiz Desembargador Dr. AM e Dr. JG, mostraram-se descritivos dos factos sobre os quais depuseram, designadamente sobre o conhecimento pessoal do arguido, quer como cidadão, quer como advogado e no exercício da sua profissão. Revelaram conhecimento dos factos apenas pela necessidade de deporem em audiência. Em resumo: O tribunal fundou-se primacialmente nas declarações da assistente, que confirmou os factos provados e depoimento da testemunha P, marido da assistente e testemunha, tendo negado veementemente qualquer relação de intimidade ou proximidade com o Sr. Conselheiro S. e nenhuma prova tendo sido produzida em contrário pelo que o tribunal deu como provado a inexistência de tais relações. O tribunal fundou-se ainda nos depoimentos das testemunhas AA, que corroborou as declarações e depoimento da assistente e testemunha P, no sentido de nenhuma relação de intimidade ou proximidade terem eles com o Juiz Conselheiro Dr. S, confirmando a sua relação de amizade com este e que não conheceu nunca a assistente e seu marido a testemunha P. Dr. S, Ilustre Juiz Conselheiro Jubilado, que depôs por escrito corroborando não ter qualquer relação de proximidade com a assistente e seu marido, Dra. MG, Advogada, que depôs sobre a tramitação do processo de menores nenhuma anomalia notando na tramitação do mesmo pela Assistente, Dra. MJ, Advogada, que confirmou o requerimento por si feito ao Concelho Superior da Magistratura acerca da Assistente e os contornos que conduziram ao mesmo. O tribunal fundou-se ainda nos depoimentos das testemunhas E, magistrado do MP, a exercer funções nos Serviços do MP de Santarém, que depôs sobre a tramitação do processo em questão e isenção da assistente não só nesse processo como em todos os que tinha a seu cargo, PM, técnica de justiça adjunta no Tribunal da Comarca de Santarém, que depôs sobre a tramitação do processo em questão e isenção da assistente não só nesse processo como em todos os que tinha a seu cargo, Dr.ª LM ilustre advogada que exerce na comarca e que depôs sobre a idoneidade e isenção da Assistente em todos os que tinha a seu cargo. O tribunal fundou-se também nos depoimentos das testemunhas AJ, pai da Assistente que relatou o sofrimento e desgosto sofridos por esta em consequência dos factos que lhe foram imputados pelo Arguido, Dr.ª MC juíza que conhece a Assistente e depôs igualmente sobre o sofrimento e desgosto sofridos por esta em consequência dos factos que lhe foram imputados pelo arguido, Dr. JG, Advogado, que depôs sobre as matérias já supra referidas. Juiz Desembargador Dr. AM, amigo do Arguido que depôs sobre a personalidade deste. O tribunal fundou-se ainda na análise da certidão do processo nº ---/08.7TBSTR e seus apensos, incluindo do apenso do incidente de suspeição, que correm termos no 3.º Juízo Cível deste tribunal, apensa a estes autos e dos documentos juntos a folhas 9 a 22, 23 a 30, 31a44, 59 a 568, 570, 571 a 572, 574 a 575, 618 a 626, 720 a 736, 844 a 853, 919 a 920, 1346 a 1357, 1824 a 1846, destes autos (factos 11 a 20, 29 a 31, 35 a 40). Não se fez prova convincente, quer testemunhal quer documental, sobre os factos não provados e daí necessariamente as respostas negativas”. 3 - Apreciação do mérito dos recursos. a) Da impugnação da matéria de facto (recurso da assistente). Vejamos, em primeiro lugar, se a assistente tem interesse em agir e, por conseguinte, legitimidade para recorrer. Nos autos está em causa um crime semipúblico, tendo havido oportuna constituição de assistente e tendo a acusação deduzida pelo Ministério Público sido acompanhada, nos termos legais, pela assistente. Além disso, a assistente deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido. Preceitua o artigo 401º, nº 1, al. b), do C. P. Penal, que o assistente, como sujeito processual, tem legitimidade para recorrer de decisões contra si proferidas. Na situação em apreço, a assistente não teria legitimidade para interpor recurso se questionasse a medida concreta da pena aplicada, pois que, por um lado, estaria desacompanhada do Ministério Público nessa sua pretensão, e, por outro lado, não se demonstra, a nosso ver, que a decisão, nesse ponto (pena aplicada), possua conexão com um interesse próprio da assistente. Contudo, em matéria do grau de culpa com que o arguido agiu (relativamente à intensidade do dolo do arguido - questão essencial assinalada na motivação do recurso da assistente -), afigura-se-nos ser de admitir o recurso da assistente, mesmo que desacompanhada do Ministério Público (como sucede in casu), na medida em que o grau de culpa do arguido será importante, na visão da assistente/demandante, para fixar o montante da indemnização civil a atribuir. Aliás, lida a motivação do recurso da assistente, verifica-se que a mesma não questiona (minimamente) a pena concreta aplicada ao arguido, insurgindo-se, isso sim, contra o montante da indemnização arbitrada na sentença revidenda (€15.000,00), entendendo que tal montante deve ser fixado em €125.000,00. Ou seja, enquanto parte civil (enquanto demandante), e nessa estrita medida (montante da indemnização concretamente estabelecida), a assistente pode recorrer, nos termos em que o fez (dispõe o artigo 401º, nº 1, al. c), do C. P. Penal, que as partes civis têm legitimidade para recorrer da parte das decisões contra elas proferidas), já que, segundo alega, foi diretamente prejudicada pela decisão (decisão proferida contra posição por si antes tomada no processo, na qualidade de demandante, quando pediu a condenação do arguido a pagar-lhe €125.000,00). A assistente, na sua qualidade de demandante, possui, pois, interesse em agir, sendo de admitir o recurso por si interposto. * Vejamos, então, o que alega e pretende a recorrente. A assistente/demandante entende que os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 8, 10, 22, 28, 48 e 53 deverão ser enunciados em termos diferentes (que esclarece), em resultado da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, e, depois, perante as alterações assim efetuadas à matéria de facto provada e olhando ao mais já dado como assente na sentença, pretende que o arguido seja condenado no pagamento de uma indemnização de €125.000,00 (acrescida de juros). Cumpre decidir. Percorrida toda a motivação do recurso da assistente, quando impugna a matéria de facto, verifica-se, desde logo, que a redação pretendida para os factos nºs 8, 10, 22, 28, 48 e 53 não toca a essência de tais factos. Assim, quanto a nós (e com o devido respeito por diferente opinião), mostra-se absolutamente inócua a alteração da redação de tal factualidade nos termos enunciados pela assistente (a redação sugerida pela assistente é irrelevante, não possuindo interesse quer para o preenchimento dos elementos típicos do crime de difamação quer para aquilatar do grau de culpa com que o arguido atuou). Depois, e independentemente da tentativa (formal) de se dar cumprimento ao disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4, do C. P. Penal, analisada, em substância, a impugnação fáctica efetuada na motivação do recurso da assistente, constatamos, sem dificuldade, que aquilo que a recorrente pretende é uma espécie de “novo julgamento”, em que este tribunal ad quem, sem imediação, sobreponha a sua convição à convição do tribunal a quo, tingindo mais de negro os propósitos criminosos do arguido, que terá agido (na visão da assistente) com dolo especialmente intenso. Só que, a recorrente não demonstra, minimamente, que exista prova que “imponha” a este tribunal de recurso uma decisão diversa da decisão recorrida (cfr. o disposto na al. b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal), tendo-se limitado a fazer uma apreciação da prova ao seu jeito, segundo as suas opiniões e conveniências, e pretendendo que este tribunal de recurso secunde a sua visão da prova. A nosso ver, não é esse o meio para impugnar eficientemente a decisão da matéria de facto, pois, se admissível, traduzir-se-ia numa intolerável postergação dos princípios da imediação e da livre apreciação da prova. Por último, lendo a motivação da decisão fáctica constante da sentença revidenda, constatamos que o Mmº Juiz procedeu a uma análise detalhada de todos os elementos de prova, fazendo deles uma apreciação crítica, racional, global e conjugada, sem recorrer, nessa apreciação, ao mínimo uso de qualquer arbítrio, capricho ou preconceito. Aliás, a assistente, na motivação do recurso, não deixa sequer devidamente esclarecido (quanto a nós) por que razão falhou o Mmº Juiz na apreciação da prova (a assistente não indicou, devidamente, quais as provas que “impõem” decisão diversa da recorrida). Ora, a pretendida reanálise, nesta instância recursiva, de todos os elementos de prova (a ausência de delimitação concreta e percetível das provas que foram mal avaliadas), e, sobretudo, a circunstância de o recurso não ser (não poder ser) um novo julgamento, em que o tribunal de segunda instância aprecia toda a prova produzida em primeira instância, mas sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (em pontos especificamente indicados, e analisando provas cirurgicamente descriminadas), levam-nos a concluir, sem hesitações, que, em todo este segmento, o recurso interposto pela assistente não merece provimento. Face ao predito, é de improceder esta vertente do recurso interposto pela assistente (impugnação alargada da matéria de facto), considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a factualidade dada como provada em primeira instância. b) Da qualificação jurídica dos factos (recurso do arguido). Alega o arguido que os factos dados como provados na sentença sub judice não integrarem a prática do crime de difamação pelo qual vem condenado. Importa, pois, averiguar se a conduta do arguido dada por provada preenche a previsão do tipo legal de crime em discussão nestes autos (difamação). Incorre na prática de um crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sobre a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” (artigo 180º, nº 1, do Código Penal). Como decorre da simples leitura da transcrita norma, o tipo objetivo do crime de difamação surge estruturado em dois grandes campos. Um, reportado à ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por qualquer pessoa através da imputação de facto ofensivo da honra de outrem, por meio de formulação de um juízo de igual forma lesivo da honra de alguém, ou ainda pela reprodução daquela imputação ou juízo. O outro, exigindo que as condutas supra descritas se não façam diretamente ao ofendido, mas que, ao serem praticadas, se dirijam a terceiros, residindo aqui o traço distintivo fundamental entre o conceito normativo de injúria e de difamação (como bem escreve José de Faria Costa - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 608 -, “o ponto nevrálgico da difamação centra-se (…) na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efetuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros”). Como ficou dito, a ofensa pode apresentar-se sob a forma de imputação de facto ou sob a veste de formulação de juízo. Embora o legislador, para a verificação do crime, equipare essas duas situações, por razões de rigor analítico e conceitual não deixaremos de aludir às diferenças que as marcam. Nas palavras de José de Faria Costa (ob. citada, págs. 609 e 610), “a noção de facto traduz-se naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. (....) Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos. (....) De forma simples: um facto é um juízo de existência ou de realidade. O juízo, independentemente dos domínios em que ele pode ser operatório (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico), deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor. O que é o mesmo que dizer: deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido (a verdade, a beleza, a moral, a justiça, etc.)”. Procuremos agora concretizar o que deve entender-se por honra ou consideração - valores constitucionalmente protegidos (artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). De acordo com a doutrina tradicional, a ofensa à honra é “a ofensa a esse sentimento da própria dignidade e do decoro que toda a gente, no seu íntimo, põe acima de todas as coisas (honra subjetiva) e a esse património moral de estima e de reputação, junto dos outros, que qualquer pessoa adquira e de que goze vivendo em sociedade (honra objetiva), os quais podem ser ofendidos por meio de atos ou de palavras de outra pessoa” (Borciani, in “As Ofensas à Honra”, tradução Portuguesa, 1950, Coimbra, pág. 5). Nelson Hungria (in “Comentários ao Código Penal”, Vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pág. 39) sustenta que “o interesse jurídico que a lei protege (...) refere-se ao bem material da honra, entendida esta, quer como o sentimento da nossa dignidade própria (honra interna, honra subjetiva), quer como o apreço e respeito de que somos objeto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objetiva, reputação, boa fama). Assim como o Homem tem direito à integridade do seu corpo e do seu património económico, tem-no igualmente à indemnidade do seu amor-próprio (...) e do seu património moral”. Acrescenta este autor (obra e local citados) que “a honra é um bem precioso, pois a ela está necessariamente condicionada a tranquila participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade”. Na previsão legal do crime de difamação fala-se em ofensa à honra ou consideração. A honra, em nosso entender, refere-se à supra aludida “honra subjetiva”, ao passo que a consideração será a reputação da pessoa, a estima que o homem soube, pelos seus atos, conquistar (“honra objetiva”) - cfr., na distinção destes conceitos, Lopes da Silva Araújo, in “Crimes Contra a Honra”, Coimbra Editora, 1957, págs. 90 a 97 -. Dito de outro modo: no crime de difamação protege-se não apenas a personalidade moral dos cidadãos como também a sua valoração social. Como bem esclarece o Prof. Figueiredo Dias (in RLJ, Ano 115, 1982-1983, nº 3697, pág. 105), “nunca teve entre nós aceitação a restrição da «honra» ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade”. No que tange à preposição “mesmo sob a forma de suspeita” contida no acima transcrito artigo 180º, nº 1, do Código Penal, não consubstancia ela um verdadeiro elemento do tipo, devendo ser tida como um “alargamento modal à imputação de factos ou juízos desonrosos. Isto é: a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita” (José de Faria Costa, ob. citada, pág. 611). Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, o crime de difamação assume-se como um crime doloso, ainda que sob a forma de dolo eventual, sendo imprescindível à incriminação que o agente represente todos os elementos objetivos contidos no tipo, inclusive que a imputação de facto ou a formulação de juízo desonroso se processe através de um terceiro (é hoje entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que o animus difamandi não integra o tipo subjetivo do crime em análise, ou seja, não se exige que o agente tenha agido com a intenção - consciência e vontade - de ofender a honra e/ou a consideração de outrem, bastando a consciência, por parte do mesmo, de que o seu comportamento é de molde a produzir a ofensa da honra e/ou da consideração de alguém e que a queira realizar). Feito este excurso, e retomando o caso dos autos, entendemos serem ofensivas da honra e consideração da assistente (enquanto magistrada judicial) as imputações, feitas pelo arguido, de parcialidade, de comprometimento com uma das partes envolvidas num processo judicial e de favorecimento dessa mesma parte. Ou seja, os factos tidos como provados na sentença revidenda, e assim resumidos, não são factos atípicos, integrando-se, isso sim, na tipicidade atinente ao crime de difamação. Dito de outro modo: o conteúdo das afirmações inseridas no requerimento subscrito pelo arguido é ofensivo da honra e da consideração da assistente. Com efeito, o arguido suscitou um incidente processual “normal” (previsto na lei), incidente a decidir pelo Tribunal da Relação de Évora, mas, para o efeito, deixou consignadas, no requerimento com que iniciou esse incidente processual, diversas afirmações, visando a magistrada titular do processo (a ora assistente), claramente ofensivas da honra e da consideração de tal magistrada. Senão vejamos (no essencial): - (…) Percorrendo os já vastos 3 volumes do Processo ---/08-8, pode-se notar que ao Requerente são, quase sempre, conferidos prazos de 10 dias para responder, nomeadamente aos requerimentos da Requerida, enquanto a esta os prazos para o mesmo efeito, são de dois ou de cinco dias, no máximo”. - “São conhecidas as ligações da Mmª Juiz ao Conselheiro Dr. S - testemunha profusamente arrolada pelo Requerido - e deste ao Requerido, como melhor consta dos autos”. - “Tudo visto, verifica-se a existência de inimizade grave por parte da Mmª Juiz em relação à Requerida, bem como uma grande intimidade desta com o Requerente, o que, nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 127º do C.P.C., se alega”. - “A Mmª Juiz titular deste processo, embora tenha considerado que, para a decisão desta matéria (alteração do regime de visitas no âmbito do referido processo de Regulação do Poder Paternal e respetivos apensos, com o nº ---/08.7TBSTR), o processo tinha natureza urgente, em 19 de Dezembro de 2008, indeferindo tal pedido, demora mais de 4 meses para decidir novamente tal pedido”. - “Conhecedora da acusação, por três vias, a saber, por cópia remetida pelo titular do processo-crime, por cópia junta aos autos pela requerida e por certidão, também remetida pelo titular - perca mais três meses para obter todos os meios de prova ali existentes, bem como a gravação das declarações para memória futura, prestadas pelo menor”. Afirma, pois, o arguido, em suma, que a assistente, no exercício das suas funções (de Magistrada Judicial), e no âmbito de um concreto processo, foi parcial, beneficiando uma das partes no processo e prejudicando a outra, tudo por motivos de amizade e inimizade. Ofendeu o arguido, assim, inquestionavelmente, a honra e a consideração da assistente. * Porém, importa apurar se, apesar do que se deixou dito, o arguido cometeu ou não o crime de difamação de que vem condenado em primeira instância (saber se estão ou não preenchidos, in casu, todos os elementos, objetivos e subjetivos, de tal tipo legal de crime). Nesta tarefa, há que começar por determinar se a forma de o arguido dizer a justiça, de perspetivar a invocada atuação da Magistrada aqui assistente, de intervir em busca da verdade (processual e substantiva) que pretende afirmar no processo, pode ou não configurar o crime de difamação (preenchendo todos os elementos deste - relativos não só à tipicidade, como também à ilicitude e à culpa). A esta luz, temos de averiguar se o “incidente de suspeição”, suscitado pelo arguido, e no qual foram escritas as expressões aqui em análise, descreditou (ou diminuiu) a reputação e/ou o crédito público de que a assistente (visada em tal “incidente de suspeição”) era (e é) portadora. No fundo, e por outras palavras, devemos apurar se os factos destes autos possuem efetiva relevância criminal (se se revestem de ilicitude e de culpa), ou se, pelo contrário, estamos perante uma peça processual, elaborada por Advogado, que, por mais incorreta, ácida, impolida e até desrespeitosa que seja, não pode ser erigida em ilícito criminal. Ao “incidente de suspeição” suscitado pelo arguido é aplicável o disposto no artigo 120º do atual C. P. Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06) - e que corresponde, no essencial, ao preceituado no artigo 127º do C. P. Civil anteriormente vigente -: “1 - As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente: a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115º, em linha reta ou até ao 4º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal; b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa; c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do nº 1 do artigo 115º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta; d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes; e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa; f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo; g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários. 2 - O disposto na alínea c) do número anterior abrange as causas criminais quando as pessoas aí designadas sejam ou tenham sido ofendidas, participantes ou arguidas. 3 - Nos casos das alíneas c) e d) do nº 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a ação foi proposta ou o crédito foi adquirido para se obter motivo de recusa do juiz”. Por sua vez, acerca da forma como se deduz e processa a suspeição, estabelece o artigo 122º do mesmo C. P. Civil (correspondente ao artigo 129º do C. P. Civil anterior): “1 - O recusante indica com precisão os fundamentos da suspeição e, autuado o requerimento por apenso, é este concluso ao juiz recusado para responder; a falta de resposta ou de impugnação dos factos alegados importa confissão destes. 2 - Não havendo diligências instrutórias a efetuar, o juiz manda logo desapensar o processo do incidente e remetê-lo ao presidente da Relação; no caso contrário, o processo é concluso ao juiz substituto, que ordena a produção das provas oferecidas e, finda esta, a remessa do processo; não são admitidas diligências por carta. 3 - É aplicável a este caso o disposto nos artigos 292º a 295º. 4 - A parte contrária ao recusante pode intervir no incidente como assistente”. E, sobre o julgamento da suspeição, dispõe o artigo 123º do mesmo diploma legal (correspondente ao artigo 130º do anterior C. P. Civil): “1 - Recebido o processo, o presidente da Relação pode requisitar das partes ou do juiz recusado os esclarecimentos que julgue necessários; a requisição é feita por ofício dirigido ao juiz recusado, ou ao substituto quando os esclarecimentos devam ser fornecidos pelas partes. 2 - Se os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da suspeição ou da resposta não puderem ser logo oferecidos, o presidente admite-os posteriormente, quando julgue justificada a demora. 3 - Concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o presidente decide sem recurso; quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má-fé”. O arguido, enquanto mandatário judicial de uma parte interveniente num determinado processo de natureza cível (ou seja, no uso formal dos poderes conferidos por procuração forense), suscitou, perante o Tribunal da Relação territorialmente competente, um “incidente de suspeição” da Magistrada Judicial ora assistente, ao abrigo do disposto nos transcritos normativos da lei processual civil. Na verdade, e bem vistas as coisas, o arguido opôs suspeição à Magistrada Judicial ora assistente, alegando existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente por entender haver amizade/intimidade/inimizade entre tal Magistrada Judicial e as partes num determinado processo, que estava a ser tramitado pela mesma Magistrada Judicial. E o arguido, não só alegou tais motivos de “suspeição” (como a lei, expressamente, exige), como concretizou ainda as suas alegações, em obediência também aos preceitos legais aplicáveis ao “incidente de suspeição” (acima transcritos) - em resumo, na visão do arguido, a Magistrada Judicial em causa conferia, “quase sempre”, prazos mais alargados para uma das partes (a alegadamente beneficiada) responder aos requerimentos da outra, tinha uma “inimizade grave” em relação a uma das partes, e tinha “grande intimidade” com a outra parte, tudo devidamente concretizado no requerimento de “suspeição” em causa, e tudo, nas palavras do arguido, “nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 127º do C.P.C.” (“as partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente (…) se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários”). Ora, a nosso ver, a ilicitude pressuposta nos atos típicos do crime de difamação (nos atos que ofendem a honra ou a consideração alheias) não dispensa a análise do circunstancialismo em que os factos foram praticados, ou seja, a ilicitude não pode ser avaliada fora do contexto em que as ofensas (da honra ou da consideração) se verificaram. A esta luz, não podemos esquecer, para aquilatar da relevância criminal dos factos em discussão nestes autos (desde logo para saber se existe aqui ilicitude), que a honra da Magistrada Judicial em causa, que foi afetada pelas palavras (escritas) do arguido, foi, tão-só, a nosso ver, a “honra funcional” de tal Magistrada (não se questionando a pessoa da assistente, enquanto tal, mas sim a pessoa da assistente no exercício da sua função, e, além disso, apenas no exercício da sua função naquele concreto processo). Como, a este propósito, bem escreve a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer (a fls. 4306 dos autos), o arguido dirigiu o seu escrito “à obra e não ao seu autor”, isto é, as imputações “não foram feitas ad hominem”. Dito de outro modo: o arguido é Advogado e a assistente é Magistrada Judicial, e as afirmações do arguido foram dirigidas à mesma devido à sua atuação no exercício de funções, exercício levado a cabo no âmbito de um processo em que o arguido patrocinava, como Advogado, uma das partes envolvidas em tal processo. Por conseguinte, e além do já acima exposto (no tocante aos requisitos do “incidente de suspeição”), a questão dos autos tem de ser apreciada e decidida em face do regime jurídico da liberdade de expressão do Advogado nos Tribunais, importando definir se, no caso em apreço, o arguido ultrapassou os limites de tal liberdade de expressão. Nesta matéria, já o artigo 605º, &1º, do Estatuto Judiciário (na sua primeira versão) dispunha: “as palavras proferidas ou escritas pelos advogados no desempenho do seu ministério não dão lugar a procedimento crime, exceto se envolverem ofensa contra a lei, instituições vigentes ou contra quaisquer pessoas; no caso, porém, de a interpretação difamatória ou injuriosa dever razoavelmente julgar-se necessária para a justa defesa da causa, será legítimo fazê-lo, devendo todavia os advogados procurar pelos meios ao seu alcance averiguar da veracidade do objeto da imputação”. Hoje, a questão vem diretamente prevenida em várias disposições legais. Desde logo, dispõe o artigo 95º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09/09) que, “no exercício da profissão o advogado deve proceder com urbanidade, nomeadamente para com os colegas, magistrados, árbitros, peritos, testemunhas e demais intervenientes nos processos, e ainda oficiais de justiça, funcionários notariais, das conservatórias e de outras repartições ou entidades públicas ou privadas”. Nos termos do disposto no artigo 150º, nº 2, do atual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06), “não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”. Por fim, estabelece o artigo 326º, al. c), do Código de Processo Penal que os advogados não podem fazer uso de “expressões injuriosas ou difamatórias ou desnecessariamente violentas ou agressivas”. Resulta da conjugação destes preceitos legais que não são ofensivas, no plano criminal, as expressões e as imputações sobre as quais se fundam as premissas do raciocínio ou argumento judiciários, quando estejamos perante discurso escrito ou falado de Advogado. Esta linguagem, porém, tem de ser justificada; e a justificação dela são as exigências da defesa da causa. Em todo o caso, e no lapidar dizer do Ilustre Professor Alberto dos Reis (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2º vol., 1945, pág. 124), para além de ter de “reconhecer-se ao advogado a liberdade de dizer, por escrito ou oralmente, tudo o que for necessário à defesa da causa que lhe está confiada”, deve ainda ter-se em conta que “o processo é uma luta, quase sempre viva e apaixonada, de interesses e de sentimentos, e que nem sempre é possível manter nessa luta uma atitude de esmerada correção e de impecável urbanidade” (do mesmo autor, in R.L.J., Ano 59º, pág. 51). Isto é, deve admitir-se que há circunstâncias especiais em que se compreende e justifica um certo vigor de linguagem, em que, mesmo a pessoa mais disciplinada e comedida, é naturalmente levada a usar de expressões severas e enérgicas. Como bem conclui o mesmo Ilustre Professor (in R.L.J., Ano e pág. citados): “que, no calor da discussão, se solte, por vezes, uma apóstrofe mais contundente ou uma palavra mais viva, compreende-se”. Também a Jurisprudência faz eco deste entendimento. O Acórdão do S.T.J. de 18-12-1917 (in “Gazeta da Relação de Lisboa”, Ano 31º, pág. 286) conclui: “o Advogado não poderia desempenhar, com autoridade e elevação, a sua alta missão de defensor do Direito e da Justiça, se a sua linguagem deixasse forçadamente de ser enérgica e veemente, para ser só de timidez e cheia de respeitos humilhantes em face das violações flagrantes das leis, e se não lhe fosse lícito exprimir-se com nobre e justa indignação diante dos que não sabem cumprir rigorosamente e escrupulosamente os seus deveres”. Como admiravelmente se escreveu no Ac. do S.T.J. de 26-03-1926 (citado a págs. 50 da R.L.J., Ano 59º), “não queiramos nunca nesta terra uma advocacia subserviente e tímida ante o atropelo da lei ou a prepotência dos que têm o dever de a aplicar”. Mais se afirma neste acórdão, que “é das altas consciências que o futuro dos povos depende, e desgraçados deles se a reclamação da justiça não pode ser veemente e livre”. Conforme bem se refere o Ac. da R.P. de 01-04-1954 (in Revista dos Tribunais, Ano 73º, pág. 217), “na apreciação das injúrias atribuídas a Advogados, deve haver certa benevolência, atendendo-se ao calor da discussão e à liberdade de defesa dos interesses do constituinte, que não pode ser restringida com peias excessivas”. Mais recentemente, escreve-se no Ac. da R.C. de 28-11-2007 (in www.dgsi.pt, acórdão que, aliás, está citado e parcialmente transcrito no douto parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, a fls. 4301 e segs. dos autos): “a nossa República mostra-se politicamente organizada como um Estado de Direito Democrático. Um dos direitos reconhecidos a todos os seus cidadãos é o de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º, nº 2, da CRP: “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”). E, um dos elementos que tende a torná-lo efetivo é o que reconhece o patrocínio judiciário como “elemento essencial à administração da justiça (artigo 208º da CRP: “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial á administração da justiça”). Patrocínio que apenas se concebe cabalmente exercitado se, nomeadamente aos Advogados, for reconhecido o princípio da liberdade de expressão. (…) A livre atuação do Advogado no exercício do patrocínio forense é, inquestionavelmente, uma exigência do Estado de Direito e uma instituição de interesse público. (…) No desempenho cabal do seu mandato, o Advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do seu cliente; de estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade; de defender os direitos, liberdades e garantias, de pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas e tem o dever de dizer tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho do seu mandato, ainda que arrisque afrontar o direito ao bom nome e reputação de outrem. (…) Na verdade, o discurso da defesa não é asséptico ou vazio de intenção, nem é um ensaio científico ou uma comunicação estritamente técnica. É construído para vir a prevalecer, convencendo o julgador. A linguagem utilizada para lá da sua dimensão intelectual, tem uma dimensão emocional. Decorre no seio de um debate, a mais das vezes, contraditório, em ambiente carregado de conflitualidade e de que não está ausente a emoção trazida da contenda da vida real para o cenário judicial. Daí que o mandato forense não possa, pois, ser exercido em estado de constrangimento ou sob o perigo de, a cada passo, serem invocadas contra o Advogado reações criminais ou disciplinares decorrentes da tutela da honra dos restantes intervenientes processuais. (…) Por estas razões, e para impedir que o núcleo essencial de alguns direitos que são manifestações da liberdade de expressão (a liberdade de informação e de crítica ou liberdade de imprensa, o debate político) e da liberdade de criação cultural e artística seja severamente constrangido pela tutela jurídico penal da honra, tem-se entendido que, face ao exercício desses direitos, deve esta recuar, por exclusão da ilicitude das respetivas condutas, operada, seja por força do exercício de um direito (artigo 31º, nº 2, alínea b), do CP), seja pela prossecução de interesses legítimos (artigo 180º, nº 2, alínea a), do mesmo diploma). (…) Este maior sacrifício do bem jurídico da honra mostra-se justificado sempre que o exercício concreto daquelas liberdades corresponda ao desempenho da função de interesse público que lhes é própria, e que lhes confere uma dignidade reforçada. Caso típico a poder verificar-se quando a tutela do direito à honra de alguns dos sujeitos processuais põe em risco o núcleo do direito à liberdade de expressão do Advogado e faz perigar, por isso, de forma intolerável, a função pública que dele depende - a administração da justiça. Nessas situações, é necessário que a tutela da honra dos intervenientes no processo recue para a fronteira que lhe é imposta pela necessidade de conservação do núcleo essencial do direito à liberdade de expressão do Advogado”. Em face do que vem de dizer-se, não merece, quanto a nós, censura criminal (estando afastada a ilicitude) o uso, pelo Advogado, no âmbito do exercício do seu mandato forense e num concreto processo, de palavras deselegantes, inadequadas ou até imoderadas e indesejáveis. Assim, não preenche o tipo legal do crime de difamação (não se verifica a ilicitude nele pressuposta) o exercício, pelo Advogado, no estrito âmbito assinalado (existência de mandato, e processo concreto), do direito de crítica, quer ela incida sobre as posições assumidas pela parte contrária no processo, quer incida sobre atos processuais praticados pelo Juízes ou pelos Magistrados do Ministério Público. Mais: ao referido afastamento da ilicitude é, em princípio, indiferente a falta de pertinência da crítica feita pelo Advogado, sobretudo quando essa crítica se traduz, no essencial, na formulação de meros juízos de valor, bem como é indiferente a maior ou menor correção (elegância ou polidez) das expressões utilizadas pelo Advogado. É claro, a nosso ver, que ao arguido faltou saber expressar-se sob a inteira disciplina da razão, esquecendo que, na oratória forense, “a retidão do advogado é a suprema habilidade” (Cohendy, citado em “O Advogado e a Sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, de Alfredo Gaspar, Coimbra Editora, 1994, pág.17), e esquecendo ainda que “todas as verdades se podem dizer, desde que se saiba como dizê-las” (Ângelo de Almeida Ribeiro, in “Direitos dos Advogados - Independência e Relações com a Magistratura”, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1958, pág. 09). Só que, o Advogado, se violar o dever de urbanidade, fica sujeito a perseguição disciplinar, mas não, só por isso, a perseguição criminal (a acidez, a indelicadeza, a falta de polidez, e mesmo a formulação de juízos injustos e impertinentes sobre a atuação, num processo concreto, de um Magistrado Judicial, não são punidas criminalmente - com o devido respeito por diferente opinião -). Ponderando, na sua globalidade complexiva, o que deixámos exposto nesta matéria (relativa à qualificação jurídica dos factos), e utilizando as palavras da Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer (a fls. 4305 e 4306 dos autos), resta-nos dizer: “o arguido, na qualidade de mandatário da mãe de menor a favor de quem corria processo tutelar, suscitou incidente de recusa da assistente que, na qualidade de Juiz, tramitou o aludido processo, nos termos que melhor constam da douta sentença proferida. O douto tribunal a quo concluiu que as expressões usadas pelo arguido integram objetivamente o tipo legal de crime de difamação previsto no artigo 180º do Código Penal. No que ao direito concerne, considerou inverificada a causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 180º, nº 2, do Código Penal, para concluir ser a conduta típica, ilícita e culposa. A conduta típica, no caso em análise, pode ser justificada nos termos do artigo 32º, nº 2, alínea b), do Código Penal, que prevê a exclusão da ilicitude do facto praticado no exercício de um direito. A ilicitude da imputação de factos desonrosos, ainda que sob a forma de suspeita, pode ser afastada se realizada na prossecução de interesses legítimos, nos termos do nº 2 do artigo 180º do Código Penal. No caso dos autos, não desconsideramos como ofensivas da honra e consideração de qualquer Magistrado Judicial, e da assistente em particular, imputações de parcialidade e comprometimento com uma das partes envolvidas na causa para favorecimento desta. Daí que não tenhamos por atípicos os factos descritos/provados nestes autos. Porém, não podemos deixar de considerar que existiu erro de direito, que se constituiu em erro de julgamento, no juízo que o douto tribunal a quo fez da inverificação de causa de exclusão da ilicitude. Na verdade, se atentarmos na peça processual produzida pelo arguido, que constitui o objeto da discussão que aqui se trava, facilmente constatamos que esta consubstancia, tão só, uma alegação em que este utiliza os termos constantes da própria lei (veja-se o artigo 120º, nº 1, alínea g), do CPC) e encontra justificação na necessidade e adequação à finalidade do exercício do patrocínio forense, na modalidade processual escolhida pelo próprio como sendo a mais conveniente ao bom desempenho do seu mandato, faculdade com tutela do direito e da Constituição. E não estaremos a referir, tão só, essa avaliação subjetiva do arguido sobre o mecanismo processual que melhor pudesse defender os interesses que tem o dever de prosseguir, mas, também, a ponderar a vertente objetiva na exclusiva medida em que o incidente suscitado, nos termos em que o foi, se inclui naquilo que é a prática judiciária. Mau grado o desconforto causado, não poderá dizer-se que o incidente suscitado foi ostensivamente inadequado à defesa da causa, também porque, ao acioná-lo, o arguido/advogado dirigiu-o à obra e não ao seu autor. É que, salvo melhor entendimento, as imputações não foram feitas ad hominem, pelo que não poderá ter-se por excessivo o limite de atuação, mostrando-se este justificado pelo Estatuto. Pelo que não poderá tal atuação deixar de ser considerada como tendo sido levada a cabo no exercício de direito e na prossecução de legítimo interesse, excluindo-se, pois, a ilicitude dos factos, por ocorrência de causa de justificação. Excluída a ilicitude, prejudicada fica a questão do dolo”. Por conseguinte, impõe-se a absolvição do arguido do crime pelo qual vem condenado em primeira instância. * Afastada que está, nos termos expostos, a responsabilidade criminal do arguido/demandado, importa apreciar agora da sua responsabilidade civil. O princípio geral que rege nesta matéria é o consignado no artigo 483º do Código Civil, segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente um direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Daqui resulta que são pressupostos do dever de reparação, decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto; a ilicitude; a culpa; os danos; e o nexo causal entre o facto e os danos (cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1991, págs. 445 e segs., e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 3ª ed., Vol. 1º, págs. 417 e 418). No caso dos autos, e conforme acima explanado (na parte criminal), não existe um facto ilícito praticado pelo demandado. A ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil, significa contrariedade a um dever jurídico, o que se traduz na ofensa a direitos subjetivos absolutos ou na infração de preceitos legais destinados a proteger interesses alheios (artigo 483º do Código Civil), ou ainda, no abuso de direito. São ainda casos especiais de ilicitude, entre outros, os atos ofensivos do crédito ou do bom nome (artigo 484º do mesmo Código Civil). No nosso direito, contudo, a ilicitude não se confunde com o dano. Compreendida como violação do direito, é colocada antes do dano. Como bem salienta o Dr. Diogo Leite de Campos (in ROA, nº 46º, Tomo 1, pág. 51), “a verificação de um dano (que deve ser reparado) não basta: é preciso que esse dano não devesse ter sido produzido”. Não é suficiente, por conseguinte, que alguém pratique um facto prejudicial aos interesses de outrem, para que seja obrigado a compensar o lesado. Como refere o Prof. Antunes Varela (ob. citada, pág. 424), “uma coisa é (...) a calúnia ou a injúria (a afirmação de um facto que fere a honra ou afeta o bom nome de uma pessoa) e outra o dano que a calúnia ou injúria causou (...). E a ilicitude reporta-se ao facto do agente, à sua atuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz”. Assim sendo, existem uma série de comportamentos que, embora possam causar danos a outrem, são exigidos ou sancionados pelo direito, ou são pelo menos indiferentes à ordem jurídica ou por ela tolerados. No caso dos autos, a atuação do demandado/advogado, nos termos em que ocorreu, é destituída de ilicitude, mesmo para efeitos meramente civis, nos precisos termos (com os mesmo fundamentos) que acima deixámos enunciados (quando afastámos a ilicitude da atuação do demandado para efeitos criminais). Aliás, como é sabido, há duas causas de ordem geral que afastam a ilicitude: o regular exercício de um direito e o cumprimento de um dever. Como ensina o Prof. Antunes Varela (ob. citada, pág. 441), “de um modo geral, pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de outrem ou violando o direito alheio, se considera justificado, e por consequência lícito, sempre que é praticado no exercício regular de um direito (qui iure suo utitur nemini facit injuriam; feci sed iure feci) ou no cumprimento de um dever”. Ou seja, está excluída a ilicitude de um facto, e, por isso, legitimada a sua prática, sempre que o autor do mesmo tenha agido no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever. No caso sub judice, o demandado/advogado agiu, salvo o devido respeito por opinião contrária, no exercício de um direito e na prossecução de interesse legítimo (como acima assinalámos). Falta, por conseguinte, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (a ilicitude do facto - nos termos do disposto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil -), para poder impor ao arguido/demandado a obrigação de indemnizar. Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, o arguido/demandado tem de ser absolvido do pedido cível formulado nos autos. Nestes termos, é totalmente de improceder o pedido cível apresentado pela demandante. Em face do que vem de dizer-se, procedendo o recurso do arguido que visou a sentença condenatória revidenda, e impondo-se a absolvição do arguido (quer na parte criminal, quer na parte cível), fica prejudicado, obviamente, o conhecimento das questões suscitadas nos vários recursos intercalares interpostos pelo arguido. Do mesmo modo, e perante o acima exposto (ausência de ilicitude, e consequente total absolvição do arguido do pedido de indemnização civil), fica também prejudicado o conhecimento do recurso da assistente na parte em que, nele, se discute o montante da indemnização civil atribuída na sentença revidenda. Posto tudo o que precede, é de improceder o recurso da assistente, e é de proceder o recurso do arguido, impondo-se a absolvição deste (quer do crime pelo qual vem condenado, quer do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante). III - DECISÃO Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: a) Negar provimento ao recurso interposto pela assistente. b) Conceder provimento ao recurso (visando a sentença) interposto pelo arguido, revogando-se a sentença condenatória revidenda, e, em consequência, absolvendo-se o arguido da imputada comissão de um crime de difamação, e absolvendo-se o arguido do pedido de indemnização civil contra ele formulado. c) Não conhecer dos “recursos intercalares” interpostos pelo arguido. Custas, do recurso interposto pela assistente, a cargo da assistente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça. Sem custas os recursos encabeçados pelo arguido. Texto processado e integralmente revisto pelo relator. Évora, 10 de maio de 2016 João Manuel Monteiro Amaro Maria Filomena de Paula Soares __________________________________________________ [1] - Sumariado pelo relator |