Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÕES NORMA SANCIONATÓRIA EM BRANCO UNIDADE E PLURALIDADE DE ILICITOS CONTRA-ORDENACIONAIS RESPONSABILIDADE DA PESSOA COLECTIVA NEGLIGÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 07/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. No direito contra-ordenacional a exigência de lei formal – reserva de competência da A.R – limita-se à definição do regime geral “dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo” - artigo 165º, nº 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa. 2. No entanto, a doutrina e a jurisprudência estão de acordo em aceitar algum paralelismo entre direitos públicos sancionatórios. O direito contra-ordenacional é direito sancionatório público onde impera o princípio da legalidade, da não rectroactividade e da tipicidade. 3. As “normas sancionatórias em branco” são aceitáveis desde que garantam um mínimo de determinabilidade, definindo o núcleo essencial da proibição penal, e que o elemento mutável do tipo de ilícito esteja directamente dependente de critérios de natureza técnica (assim, ver acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 299/92, n.º 427/95, nº 534/98 e nº 115/08, acórdão 635/2011 do Tribunal Constitucional. 4. Se coincidem na mesma norma – lei formal - a ameaça penal e o cerne da exigência comportamental, um dever de fazer concretizável e quantificável em “objectivos de desempenho”, e apenas estes objectivos técnicos - o conteúdo do dever de fazer - é deixado à “norma sancionadora em branco”, isso não torna o tipo contra-ordenacional incaracterístico, não implica o recurso a critérios autónomos novos de ilicitude, nem imprime “carácter inovador relativamente à norma sancionadora” (acórdão do TC n.º 427/95). 5. Não dificulta o seu conhecimento pelos destinatários a circunstância de a norma que encerra o conteúdo útil desse dever ser uma deliberação da própria entidade reguladora se tais poderes lhe foram conferidos por lei em função das necessidades de Regulação e Supervisão e pela própria norma incriminadora. 6. Uma entidade reguladora nacional emitir deliberações para entidades reguladas não é o mesmo que dirigi-las ao comum cidadão. Por isso que se não revele problemática a fonte normativa de definição do “dever de fazer” concretizado numa deliberação de que a regulada teve possibilidade de conhecer por aquela ter recebido a devida publicidade on-line, forma de publicidade prevista na lei. 7. A doutrina e jurisprudência relativos ao concurso de crimes e ao crime continuado são aplicáveis às contra-ordenações. 8. Tratando-se de um dever de prestação de serviços de uma pessoa colectiva a existência de continuação é afastada se houver uma disposição interior – dos próprios serviços – para o não cumprimento do dever. Se é a deficiente actividade desenvolvida pela pessoa colectiva a causa da reiteração da conduta (ou seja, a “personalidade da arguida”) esse é um factor endógeno que não revela uma diminuição da culpa do agente, bem pelo contrário, revela um acentuar da sua culpa. 9. No direito contra-ordenacional as ponderações permissivas de uma maior responsabilização das pessoas colectivas têm que se considerar justificadas. O artigo 7º, nº 2 do RGCO tem que ser lido numa acepção de alargamento dos conceitos de “órgãos” e de “no exercício de funções”, para abranger quem quer que aja em nome e em proveito da pessoa colectiva incluindo, portanto, os membros dos órgãos directivos, trabalhadores e quem quer que tenha um dever de vigilância e fiscalização. 10. No ilícito de mera ordenação social das comunicações – ao menos - a responsabilidade das pessoas colectivas só é excluída quando o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela e a invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e o ente colectivo não obstam a que seja aplicado o amplo regime sancionatório. 11. Concretiza-se no campo contra-ordenacional das Comunicações a vocação do ilícito de mera ordenação social para a punibilidade das pessoas jurídicas e a consagração legal do conceito amplo de autoria, no sentido de que é autor de uma contra-ordenação “todo o agente que tiver contribuído causal ou co-causalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja colocado uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma” – inclusive por o titular do dever de garante «não ter evitado, não ter dificultado ou não ter criado as condições em que seria mais arriscado para o autor material cometer o ilícito» (cfr. Frederico Lacerda da Costa Pinto, cit. pelo ac. Tribunal Constitucional 99/2009) ou não ter exercido a devida fiscalização. 12. A consideração de uma “culpabilidade de organização” parece-nos ser hoje uma exigência e não temos dúvida da sua justificação no actual direito de mera ordenação social português, a exigência pragmática de um societas delinquere potest. 13. A conceptualização da negligência penal não pode ser mecanicamente transposta – até em termos de exigência factual – para o direito contra-ordenacional, pois que aqui, imperando deveres de cuidado de cariz social, a negligência concretiza-se na violação de um desses deveres a que o agente se encontrasse vinculado, tendo ele a capacidade de o cumprir e o circunstancialismo o permitisse cumprir. O que reconduz, reconheça-se, a uma maior amplitude da punibilidade da negligência neste direito sancionatório. 14. E no caso concreto a circunstância de o ilícito contra-ordenacional se fundar numa negligente violação de um dever quantificável torna a questão meramente académica. O resultado não alcançado torna evidente o não cumprimento do dever de fazer e a culpa funcional. 15. Assim, a não identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito ou o conjunto de pessoas que para ele contribuiu, na estrita medida em que tal não é elemento necessário à existência de responsabilidade de uma pessoa colectiva (por acção ou omissão) é irrelevante, bastando para tal que se estabeleça um nexo causal entre si e o acto ilícito e se não prove a exclusão da sua responsabilidade. Isto é, tudo se reconduz a uma questão de facto, no constatar que é possível imputar a ilicitude e a culpa a uma conduta da recorrente, qualquer que tenha sido o actor ou actores individuais. [1] | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No processo de contra-ordenação supra numerado que corre termos no 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Santarém, P.. S.A., pessoa colectiva nº ....com sede na R. ..., Lisboa, interpôs recurso da decisão da ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações, de 4/05/2012, constante de fls. 514 a 580 dos autos que, no âmbito do processo de contra-ordenação nº ----, lhe aplicou uma coima única de € 50.000 pela prática de duas contraordenações, p. e p. pelos arts. 92º, nº 5 e 113º, nº 1, al. iii) da Lei nº 5/2004, de 10/02 e art. 4º da Lei nº 99/2009, de 4/09, recurso de impugnação apresentado conforme alegações que contam de fls. 666 a 698. Por decisão de 21 de Janeiro de 2013 a Mmª Juíza do 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão decidiu, dando parcial provimento ao recurso interposto: - Condenou a arguida P..., S.A., pela prática, em concurso real, de duas contraordenações p. e p. pelos arts. 92º, nº 5 e 113º, nº 1, al. iii) e nº 5 da Lei nº 5/2004, de 10/02, na sua versão originária, conjugado com o art. 17º, nº 4 do RGCO, nas penas parcelares de € 20.000 (vinte mil euros) e de € 30.000 (trinta mil euros). - Em cúmulo jurídico destas duas sanções, condenar a mesma arguida numa coima única de € 40.000 (quarenta mil euros). - E no mais legal. * Foram ainda decididas as seguintes questões prévias: § Da ilegalidade/nulidade do processo, por assentar a decisão recorrida em normas penais em branco, no sentido da sua improcedência; com fundamento no argumento de que, para que se considere devidamente satisfeito o princípio da tipicidade, necessário é apenas que o conjunto normativo composto pela norma sancionadora (prevista em lei ou decreto-lei ao abrigo de autorização legislativa específica) e pelas normas administrativas aplicáveis caracterize de forma suficiente os comportamentos tidos como ilícitos e susceptíveis de serem punidos como contraordenação, permitindo a sua apreensão pelos destinatários, possibilitando uma decisão segura pela entidade reguladora e possibilitando o controlo jurisdicional da decisão que venha a ser tomada, § Da nulidade do procedimento, por omissão do dever de fundamentação da decisão administrativa ao não referir expressamente os motivos em que se baseou para concluir pela existência de dois ilícitos autónomos: Com fundamento na circunstância de os deveres de fundamentação exigíveis para a autoridade administrativa na formulação da sua decisão, além dos outros requisitos expressamente consignados na norma em análise, estando em causa um processo contraordenacional, são os que que resultam do art. 58º do RGCO; e, ainda que assim não fosse, o vício da nulidade no próprio processo penal só resulta de expressa cominação legal. Tal cominação não existe no que se reporta à decisão administrativa proferida em processo contraordenacional, pelo que sempre estaríamos perante uma mera irregularidade processual. § Da nulidade do procedimento, por omissão do dever de fundamentação da decisão administrativa, desconhecendo a arguida a qualificação subjectiva que lhe é imputada, inexistindo comportamento de índole culposa ou negligente, por ausência de iter deceptor: Com fundamento na ideia de que as pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações pelos seus órgãos no exercício das suas funções, daqui não resulta a necessidade de imputação da conduta infractora a um concreto ou individualizado agente singular (“órgão”) agindo em nome e representação da pessoa colectiva, pelo que não há qualquer nulidade decorrente de uma falta de invocação do elemento subjetivo do tipo contraordenacional, valendo, no mais, as considerações acima explanadas na apreciação da questão anterior. * Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs recurso P..., S.A., com as seguintes conclusões: A) A Recorrente cumpriu e continua a cumprir, de forma escrupulosa, todas as disposições legais e regulamentares em vigor e as obrigações que lhe incumbem. B) A Recorrente, diversamente ao decidido em sentença, considera ter cumprido com as obrigações que lhe estão incumbidas, decorrentes do regime legal e regulamentar aplicável. C) Existe, no caso em concreto, uma norma penal em branco, facto reconhecido pelo Tribunal a quo. D) Norma essa que invalida, quer a instauração do processo contra – ordenacional, quer, em absoluto, torna nula a douta sentença de que ora se recorre. E) Pois em alguma parte da Deliberação se comina como contra – ordenação ou se fixam coimas para o incumprimento de tais objectivos. F) Não se encontrando expressamente previsto o incumprimento, como se impunha e ocorre em tantas outras Deliberações da Recorrida, tem de ser necessariamente aplicado o princípio “nullum crimen nulla poena sine lege certa”. G) O disposto no n.º 5 do 92.º ex vi alínea iii) do n.º 1 do artigo 113.º, ambos da LCE, e a referida Deliberação, correspondem a normas penais em branco, porquanto delas decorre a possibilidade de punição da violação de qualquer “regra” resultante da invocada Deliberação. H) Sendo que tal é, in casu, ilegal e inconstitucional e, nos melhores termos de Direito, deverá sê-lo declarado pelo Douto Tribunal ad quem. I) A arguida, no que concerne ao indicador de avarias PQS3c teve uma taxa de cumprimento que deve ser considerada de acordo com a Deliberação. J) Todos os indicadores do SU, como a ANACOM própria reconhece, encontram-se desajustados da realidade factual. K) A Recorrente, caso sejam expurgadas as situações de ocorrências meteorológicas severas, furtos de cabos e outras externalidades referidas, cumpre os objectivos da Deliberação. L) Ainda que aqueles, em condições normais sejam objetivamente inexequíveis e irreais, como é do conhecimento da ANACOM há já vários anos. M) E a própria Recorrida assim o reconhece e aceita, tal como referido pelo Tribunal a quo. N) Sendo que há várias contradições, assinaladas em local próprio no recurso, as quais, aglutinadas com a falta de apreciação de determinadas questões, de que o Tribunal a quo não poderia deixar de ter conhecimento implicam a nulidade da sentença! O) Nomeadamente, mas não só, como o facto de não se ter pronunciado sobre a inexequibilidade da Deliberação, como invocado pela arguida. P) Bem como o facto de não ter dado como provado a questão do furto de cobre, situação que é notória, pública e de conhecimento geral, nas palavras do Venerando Tribunal da Relação do Porto “crime da moda”. Q) O ilícito, a provar-se (o que não se concede) é um único, como sendo continuado e não uma acumulação de ilícitos, quando a norma violada é apenas uma. R) Referindo-se, que, inexiste comportamento de índole culposa ou negligente, por ausência de iter deceptor. S) Sendo que a medida da coima encontra-se desprovida de qualquer fundamento, concreto, real e determinável. T) Devendo a arguida ser absolvida dos factos pelos quais vem condenada. Pelo exposto supra, nos melhores termos de Direito e naqueles que V. Exas. doutamente suprirão, com os fundamentos que o consubstanciam, deve: a) Ser julgado procedente o facto de existir uma norma penal em branco, que, no caso concreto, determina a não punibilidade de um qualquer alegado comportamento da Recorrente. b) Serem julgadas procedentes as presentes Alegações de Recurso, por provadas e legalmente consubstanciadas; c) E, consequentemente, absolver-se a Arguida, P..., S.A. Bem como tudo o Mais da Lei, Respondeu a Digna Procuradora da República ao Recurso interposto pela Arguida P..., S.A., com as seguintes conclusões: 1º Para que se considere devidamente satisfeito o princípio da tipicidade, necessário é apenas que o conjunto normativo composto pela norma sancionadora e pelas normas administrativas aplicáveis caracterize de forma suficiente os comportamentos tidos como ilícitos e susceptíveis de serem punidos como contra-ordenação, permitindo a sua apreensão pelos destinatários, possibilitando uma decisão segura pela entidade reguladora e possibilitando o controlo jurisdicional da decisão que venha a ser tomada. 2º O entendimento sobre a inexistência da continuidade de uma única conduta infractora, mas sim de duas infracções diferenciadas, bem como os factos relativos à imputação subjectiva mostram-se suficientemente descritos na decisão administrativa, não se mostra violado o disposto no artigo 58.º,nº 1, alínea a) do RGCO. 3º A douta sentença apreciou todas as questões pertinentes, não padece de qualquer nulidade. 4º Bem como não padece de qualquer contradição, e muito menos insanável, sendo certo que a mesma tem de ser aquilatada em face de toda a factualidade considerada provada e não apenas retirando do contexto factos isolados. 5º Perante a factualidade dada como provada as comprovadas condutas são imputáveis a título de negligência, porquanto a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz para cumprir os objectivos estabelecidos. 6º Face às circunstâncias factuais integrantes da tipicidade objectiva, é perfeitamente lícito ao julgador, inspirado nas regras da experiência, em juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, daquelas presuma ou retire a necessária imputação subjectiva. 7º Tanto as coimas parcelares, como a coima única aplicada, resultante do cúmulo jurídico efectuado mostram-se correctamente doseadas e adequadas. 8º A douta sentença recorrida fez boa apreciação dos factos e do direito, não se mostrando violado qualquer preceito legal. * Notificada da interposição de recurso veio a Autoridade Recorrida, ICP – Autoridade Nacional de Comunicações (“ICP – ANACOM” ou “ARN”), nos termos do disposto no nº 4 do art. 74º do RGCO e do art. 413º do Código de Processo Penal, apresentar resposta, com as seguintes conclusões: 1º O tipo contraordenacional em causa é o não cumprimento dos objetivos de desempenho aplicáveis, devidamente fixados por esta Autoridade. 2º O Tribunal Constitucional já por mais de uma vez rejeitou a inconstitucionalidade tout court das normas contraordenacionais alegadamente em branco, em especial em setores como o das comunicações eletrónicas. 3º As normas da Deliberação, que fixam os parâmetros de qualidade de serviço e os objetivos de desempenho aplicáveis ao serviço universal, cuja concessionária é a PTC, vêm apenas integrar ou explicitar conceitos definidos pela norma constante do nº 5 do art. 92º da LCE, não estabelecendo nenhum pressuposto novo de punibilidade, pelo que não estamos perante normas contraordenacionais em branco. 4º As situações de incumprimento descritas nos autos consubstanciaram uma violação dos parâmetros fixados pela ARN de acordo com a competência que lhe foi conferida pelo nº 5 do art. 92º da LCE. 5º Ainda que estivéssemos perante uma norma contraordenacional em branco, é possível, em Direito das Comunicações, o preenchimento de normas contraordenacionais em branco por prescrições administrativas. 6º Ainda que se considerasse o nº 5 do art. 92º da LCE como uma norma contraordenacional em branco, os princípios da legalidade e da tipicidade não teriam sido violados. 7º No setor das comunicações eletrónicas, a regulamentação criada pela ARN é dirigida a agentes económicos que atuam num setor específico, devidamente informados e capacitados para bem compreenderem o conteúdo e alcance dessa mesma regulamentação. 8º Estando definidos objetivos de desempenho aplicáveis às obrigações de serviço universal, o incumprimento dos mesmos constitui contraordenação. 9º A percentagem de avarias reparadas dentro do prazo para o efeito estabelecido, no ano de 2007, foi efetivamente de 78%. 10º Não é verdade que, retirando os meses de agosto e setembro de 2007, seria atingido o objetivo de 80%, uma vez que não foi demonstrado que o resultado seria de 79,9% para o resto do ano, dado que o volume de serviços também é relevante para a verificação do cumprimento do objetivo e varia de mês para mês. 11º A ora Recorrente tinha a obrigação de cumprir o objetivo quaisquer que fossem as condições meteorológicas. 12º Não se verifica qualquer contradição, muito menos insanável, da fundamentação, nem entre a fundamentação e a decisão. 13º Não se provou que os valores obtidos em agosto e setembro de 2007 quanto à percentagem de avarias reparadas dentro do prazo de reparação de avarias estabelecido pelo prestador de serviço universal como objetivo para oferta aos seus clientes tenham ficado abaixo do valor de 80% apenas pelo facto de os traçados aéreos terem sido afetados por razões meteorológicas. 14º Nunca foram apresentados elementos que demonstrassem qual a exata medida tais condições meteorológicas afetaram a percentagem de avarias reparadas dentro do prazo fixado. 15º A ora Recorrente, tendo a possibilidade de solicitar o expurgo dos valores associados aos meses de agosto e setembro de 2007 quanto à percentagem de avarias reparadas dentro do prazo de reparação de avarias estabelecido pelo prestador de serviço universal como objetivo para oferta aos seus clientes, não o fez. 16º Não é verdade que a ARN tenha reconhecido que a P fez todos os possíveis para mitigar os efeitos das condições extremas – muito pelo contrário. 17º A verificação do cumprimento de determinado PQS que inclua mais do que um indicador deve ser feita por indicador e não globalmente. 18º Não se verifica qualquer omissão de pronúncia quanto ao parâmetro tempo médio de resposta para serviços de telefonista. 19º O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão do furto de cabos de cobre nas infraestruturas da P, considerando não provado que desde 2007 tenha havido um incremento brutal da incidência criminosa nessas infraestruturas para esse efeito e que tal tenha dificultado, de forma concreta e extrema, a prestação dos serviços da ora Recorrente, incluindo o serviço telefónico em local fixo. 20º Este tipo de ocorrência tem impacto em vários clientes em simultâneo, a sua reparação não é individual e assim não seria este o facto que justificaria o aumento do tempo de reparação de avarias 21º Não compete ao tribunal fazer considerações sobre o mérito de normas de qualquer ordem, mas sim, e só, sobre a legalidade das mesmas. 22º Independentemente das possibilidades que possam existir, nomeadamente da possibilidade de um indicador se encontrar desajustado, e de quaisquer declarações produzidas pela ARN, a P está obrigada a cumprir os parâmetros de qualidade de serviço fixados nos termos da legislação aplicável. 23º Os ilícitos não foram executados por forma essencialmente homogénea. 24º Se é verdade que houve incumprimento de três dos mesmos parâmetros quer em 2007 quer em 2008, é indesmentível que apenas em 2007 não foi cumprido o parâmetro de percentagem de chamadas para os serviços informativos atendidas até 20 segundos pelo operador humano ou por sistemas equivalentes de resposta, e que apenas em 2008 não foi cumprido o parâmetro de percentagem de pedidos de fornecimento de ligação satisfeitos até à data acordada com o cliente, tendo este definido uma data-objetivo. 25º Não se verifica a circunstância unificadora, exterior à ora Recorrente, na qual se fundaria a sua culpa diminuída, e que seria necessária para que os ilícitos fossem considerados como uma única infração continuada. 26º A situação económica de uma empresa não pode ser dissociada da situação do grupo económico a que pertence, se for esse o caso. 27º A P poderia ter invocado e provado em tempo útil causas de força maior que excluíssem a sua responsabilidade pelos incumprimentos desde logo por ela própria constatados. 28º É manifesto que a ora Recorrente tem a possibilidade de ir acompanhando a todo o tempo o evoluir dos indicadores e de determinar as medidas necessárias para que os mesmos se situem dentro dos objetivos fixados. 29º Nada obsta a que o elemento subjetivo da conduta se infira do próprio elemento objetivo, sendo perfeitamente lícito que o julgador, perante as circunstâncias factuais integrantes da tipicidade objetiva, inspirado nas regras da experiência, em juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, daquelas presuma ou retire a necessária imputação subjetiva. 30º Nunca esteve em causa que a P tivesse realizado atos tendentes a obviar aos perigos causados pelas infrações, tendo esses factos sido referidos na decisão administrativa e confirmados na sentença ora recorrida, a qual manteve as coimas parcelares aplicadas pela ARN. 31º Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso apresentado, por serem improcedentes as alegações produzidas pela Recorrente e por ser inteiramente válida a decisão recorrida. * Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, secundando o entendimento expresso pela Srª. Procuradora da República, emitiu parecer no sentido da improcedência do mesmo. Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência. * B - Fundamentação: B.1.1 - Pelo Tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos: 1). Nos anos de 2007 e 2008, a arguida, prestadora do serviço universal, obteve no cumprimento dos objetivos de desempenho fixados, os seguintes resultados: - Em 2007: · percentagem de avarias reparadas dentro do prazo: 78% (sendo o objectivo de 80%); · tempo médio de resposta para serviços de telefonista: 17 segundos (sendo o objectivo de 11s); · percentagem de chamadas para os serviços informativos atendidas até 20 segundos pelo operador humano ou por sistemas equivalentes de resposta: 94,2% (sendo o objectivo 95%); · taxa de avarias por linha de acesso: 0,12 (sendo o objectivo 0,10). - Em 2008: · percentagem de pedidos de fornecimento de ligação satisfeitos até à data acordada com o cliente, nos casos em que este a definiu: 81% (sendo o objectivo 85%); · taxa de avarias por linha de acesso: 0,13 (sendo o objectivo 0,10); · percentagem de avarias reparadas dentro do prazo de reparação de avarias estabelecido pelo prestador de serviço universal como objetivo para oferta aos seus clientes: 68% (sendo o objectivo 80%); · tempo médio de resposta para serviços de telefonista: 17 segundos (sendo o objectivo 11 s). 2). É possível à arguida controlar os indicadores de qualidade de serviço todos os meses, pelo que deveria ter adotado as medidas necessárias para impedir os resultados verificados. 3). A arguida agiu negligentemente, pois não procedeu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz para cumprir os objetivos de qualidade estabelecidos. 4). A arguida pertence ao GRUPO P, um dos maiores grupos económicos portugueses, o qual apresentou em 2010 receitas operacionais da ordem dos € 3.742.000.000, e um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA) da ordem dos € 1.492.000.000. 5). Nos meses de Agosto e Setembro de 2007 verificaram-se condições meteorológicas gravosas, com impacto no registo de avarias. 6). A arguida para fazer face ao aumento de avarias assim verificadas, procedeu a desvio de mão-de-obra do sector da provisão para o sector da manutenção e tendo em conta que tal desvio de meios não se afigurou suficiente para a reparação de todas as avarias em tempo útil, procedeu ao prolongamento do horário de trabalho das equipas de manutenção, o que levou a custos suplementares derivados do pagamento de horas extraordinárias mais evidentes no mês de Setembro de 2007. 7). No contacto dos clientes da arguida para os serviços de telefonista/operador (que, na sua globalidade, compreende comunicações internacionais e nacionais), no caso particular das comunicações nacionais, os clientes são encaminhados para uma “máquina” (serviço “self care”), sendo que a aludida “máquina” anuncia diversas opções, associados a números, de modo a facilitar o acesso à informação pretendida, colocando-se desta forma à disposição dos clientes um serviço direcionado. 8). A contabilização do indicador de tempo médio de reposta para os serviços de telefonista, referido em 1) engloba o tempo empregue no direcionamento dos clientes para a “máquina” aludida em 8), sendo informados das opções existentes, associadas a números (por exemplo “se pretender __, digite opção 4”), ao seu dispor de modo a facilitar o acesso à informação pretendida. 9). Sendo que, se calcula que o tempo médio referente à informação disponibilizada na aludida “máquina” (a indicação das opções existentes e respectivos números) se situe em 10 segundos. 10). O incremento do peso dos traçados aéreos relativamente ao dos traçados subterrâneos no cômputo total da rede de acesso local implica um incremento da taxa de avarias por linha de acesso, devido à maior vulnerabilidade dos traçados aéreos a avarias, roubos e outras externalidades. 11). A arguida comunicou ao ICP – Autoridade Nacional de Comunicações as novas circunstâncias de facto relativas ao peso dos traçados aéreos em relação ao parque total que justificaria uma atualização dos níveis de desempenho exigíveis. 12). A arguida cumpriu também o objetivo de desempenho relativo à satisfação dos pedidos de fornecimento de ligação até à data acordada com o cliente a partir do segundo trimestre de 2009. B.1.2 - E como não provados os seguintes: a). Que os valores relativos aos meses de Agosto e Setembro de 2007, referentes à percentagem de avarias dentro do prazo, indicados em 1), apenas tenham ficado abaixo do previsto pelo facto dos traçados aéreos terem sido afectados pelas condições meteorológicas referidas em 5); b). Que desde 2007 tenha havido um incremento brutal, ao longo dos anos, de forte incidência criminosa nas infraestruturas da arguida, nomeadamente relacionado com o furto de cabos de cobre, numa base quase diária, e que tal tenha dificultado, de forma concreta e extrema, a prestação dos serviços da P, incluindo o serviço telefónico em local fixo. B.1.3 - E fundamentou a sua apreciação da prova nos seguintes considerandos: “A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto tida por provada e por não provada fundou-se na análise crítica dos seguintes elementos de prova: . informação ANACOM-I03798/2008, de 14/07 e respectivos anexos, de fls.21 a 44 (integrando os próprios reportes de cumprimento dos parâmetros de qualidade de serviço remetidos pela arguida à entidade reguladora, referentes ao último trimestre de 2007 e primeiro trimestre de 2008 e determinação de objectivos para o ano de 2008); . quadro e gráficos de trabalho suplementar registado pela arguida no ano de 2007, de fls.218; . quadro de análise do PQS3 no ano de 2007, de fls.219; . Informação ANACOM-I06301/2008, de 11/11 e respectivos anexos, de fls.296 a 332 (nos quais se integram, além de cópia dos elementos antes considerados, o reporte de cumprimento de PQS relativos ao primeiro a terceiro trimestre de 2008); . informação ANACOM-I06301/2008, de 11/11 e respectivos anexos, de fls.296 a 332 (nos quais se integram, além de cópia dos elementos antes considerados, o reporte de cumprimento de PQS relativos ao primeiro a terceiro trimestre de 2008); . informação ANACOM-I01144/2009, de 23/02 e respectivos anexos, de fls.333 a 379 (sendo que o quadro sinóptico de fls.377 integra já os dados também referentes ao último trimestre de 2008); . faxes trocados entre a P e a ANACOM, de fls.700 a 704; . depoimentos prestados pelas testemunhas: - MC, exercendo desde Junho de 2007, para a Anacom, as funções de Consultora Geral na Direção de Regulação de Mercados, que, em síntese: esclareceu ter sido quem elaborou as informações supra indicadas, pronunciando-se circunstanciadamente quanto aos incumprimentos verificados, justificações apresentadas pela P e perspectiva da entidade reguladora; - FF, engenheiro, trabalhando para a P desde 1996 como Diretor de Regulação, que, em suma: pronunciou-se também de forma detalhada sobre os diversos parâmetros em apreço, bem como ao entendimento da recorrente quanto a algum desajuste da realidade relativo a certos indicadores de cada um desses parâmetros; - RM, engenheiro, trabalhando para a P desde 1992, na Direção da Qualidade de Serviços, que, no essencial: esclareceu trabalhar na área de reporte da qualidade de serviço; de forma idêntica, prestou esclarecimentos quanto aos diferentes indicadores de cada um dos parâmetros de qualidade analisados. Não foi produzida outra prova em julgamento. Sublinha-se que: - A factualidade assente em 1), traduzindo valores reportados à entidade reguladora pela própria arguida, sustenta-se nos dados objectivos reportados nas informações acima referidas e elementos conexos; - Sendo a própria arguida quem faz o controlo e reporte dos indicadores em causa, é manifesto que tem a possibilidade de ir acompanhando a todo o tempo o evoluir desses indicadores e determinar as medidas necessárias para que os mesmos se situem dentro dos objectivos fixados, daqui se retirando a factualidade que se veio a dar por assente em 2) e 3); também quanto à imputação à arguida da inobservância dos deveres de cuidado necessários a evitar a verificação dos incumprimentos registados – entendeu este tribunal, sufragando a posição defendida pela recorrida e na esteira da jurisprudência mais recente, já citada anteriormente, que nada obsta a que o elemento subjetivo da conduta se infira do próprio elemento objectivo, sendo perfeitamente lícito que o julgador, perante as circunstâncias factuais integrantes da tipicidade objectiva, inspirado nas regras da experiência, em juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, daquelas presuma ou retire a necessária imputação subjetiva; - O facto apontado em 4), afirmando pela recorrida na sua decisão, não foi impugnado pela recorrente, sendo certo que o mesmo é comprovável por via do acesso ao sítio da internet indicado pela autoridade decisora; - Relativamente à factualidade indicada em 5) e 6), foi alegada pela recorrente, não sendo posta em causa pela recorrida, sendo a existência das condições climatéricas adversas aludida pelas testemunhas e o recurso a trabalho extraordinário sustentado pelo documento de fls.218; - Os factos apontados em 7) a 10) foram invocados pelas testemunhas FF e RA; - Os factos transcritos em 11) e 12) foram afirmados pela autoridade recorrida na sua decisão, sendo favoráveis à arguida e pela mesma aceites; - A influência das especiais condições climatéricas na verificação e reparação de avarias foi afirmada pelas testemunhas de uma forma muito genérica, não sendo trazidos aos autos elementos que concretamente permitissem especificar em que medida se verificou tal influência; acresce a consideração que em outros meses do ano de 2007 se verificou índice de incumprimento do parâmetro em causa, não tendo, portanto, tal origem; este aspecto é ainda mais flagrante se considerados os valores relativos ao ano de 2008, em que em diversos meses se constatam incumprimentos próximos e até inferiores ao registado em Setembro de 2007 (que a ter origem apenas em condições atmosféricas adversas e não previsíveis se teria de verificar como excepcional); deste modo, se entendeu dar por não assente a factualidade referida em a); - Quanto aos factos tidos por não provados em b) tal resultou da inexistência de prova suficiente que sobre os mesmos recaísse. Ressalva-se, por fim, a não pronúncia do tribunal quanto a afirmações de índole meramente valorativa ou conclusiva e/ou sem relevo para a apreciação da causa”. Cumpre decidir. B.2.1 – É sabido que são aplicáveis ao processo contra-ordenacional os preceitos do processo criminal, logo, os princípios e respectiva jurisprudência processual penal – artigo 41º, nº 1 do RGCO (Regime Geral das Contra-ordenações - Dec-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro). Por isso que todas as referências a preceitos administrativos e acórdãos dos tribunais administrativos e cíveis são mera distracção, se não houver expressa remição legal para preceitos ou institutos administrativos, como acontece com o artigo 126.º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro que determina à contagem de prazos dessa lei se aplicam as regras constantes do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo, norma irrelevante para o caso concreto. Tratando-se de contra-ordenações no âmbito das comunicações verificamos que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro - Lei das Comunicações Electrónicas – não contém qualquer excepção ao regime geral das contra-ordenações ou à aplicabilidade do direito processual penal. Corrido o seu articulado em nada se afasta a aplicabilidade do regime de recursos contido no regime geral do ilícito de mera ordenação social. O mesmo ocorre com o regime quadro contido na Lei 99/2009, de 04 de Setembro. Por outro lado, nos termos do art. 75º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista, estando o seu âmbito de conhecimento limitado ao reexame da matéria de direito. Isso não o impede, e até se lhe impõe, que conheça dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. É sabido que em recurso de direito, o conhecimento dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal é oficioso mas limitado ao teor da decisão recorrida, com apelo às regras de experiência comum. [O STJ, no Acórdão n.º 7/95, de 19-10 (publicado no DR, 1.ª Série A, de 28-12-95), fixou a seguinte jurisprudência: «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito»]. Não se trata, portanto, de recurso amplo em matéria de facto, sim de conhecimento de revista alargada e, é um dado adquirido, o direito ao recurso, consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere o direito a um terceiro grau de jurisdição ou duplo grau de recurso em matéria de facto. Assim, a pretensão da recorrente espraiada nas suas conclusões A, B, I a P, primeira parte de Q e R de impugnar a decisão de facto do tribunal recorrido é matéria específica de objecto do recurso em matéria de facto (e, no caso, mesmo que fosse admissível, sem a devida impugnação), estranha aos poderes de cognição desta Relação em recurso contra-ordenacional, sem prejuízo, naturalmente, da já referida matéria de conhecimento oficioso. Nesta parte o recurso é de rejeitar enquanto pretensão de recurso de facto, sem prejuízo de um olhar sobre a factualidade da sentença recorrida implicar o afastar de hipótese de vício de conhecimento oficioso, no qual se atenderá a válida, caso o seja, argumentação da recorrente. Restam, pois, as seguintes questões para conhecer: v Da eventual existência de vícios de facto revelados pela sentença recorrida e pelas regras de experiência comum; v Da omissão de pronúncia – conclusões I) a P); v Da norma “penal” em branco e cominação como contra-ordenação – conclusões C) a H); v Da unidade ou pluralidade do ilícito contra-ordenacional – conclusão Q); v Da existência de negligência – conclusão R); v Do fundamento da coima – conclusão S). * B.2.2 – Não entraremos na análise destas questões sem antes fazer alguns esclarecimentos prévios que se impõem. O primeiro diz respeito ao objecto de recurso e em função das respostas apresentadas: o que está em discussão, devidamente balizado pelas conclusões do recurso, é a decisão do tribunal recorrido, não a decisão da entidade administrativa, já ultrapassada pela existência de uma decisão judicial. A eventual existência de nulidades – a não ser que o sejam de conhecimento oficioso e persistam nos autos – foi já decidida pela decisão judicial ora objecto de recurso e não se transmitiu, em princípio, a esta. Caso a natureza da nulidade constante da decisão administrativa se transmitisse à decisão judicial, a obrigação de conhecimento manter-se-ia, se fosse caso de conhecimento oficioso. No entanto, como claramente se deduz das conclusões de recurso, as nulidades invocadas, melhor, imputadas, à decisão administrativa, a saber: Da ilegalidade/nulidade do processo, por assentar a decisão recorrida em normas penais em branco, no sentido da sua improcedência; Da nulidade do procedimento, por omissão do dever de fundamentação da decisão administrativa ao não referir expressamente os motivos em que se baseou para concluir pela existência de dois ilícitos autónomos: Da nulidade do procedimento, por omissão do dever de fundamentação da decisão administrativa, desconhecendo a arguida a qualificação subjectiva que lhe é imputada, inexistindo comportamento de índole culposa ou negligente: Foram agora transmutadas em questões de carácter substantivo, a saber, a existência de norma penal em branco impeditiva da condenação, a pluralidade de ilícitos e a existência de negligência. Daqui decorre com clareza que o tribunal não apreciará, porque esse não é o seu papel, a decisão administrativa. Em sede de facto convém afastar – desde logo - a generalização que se surpreende na conclusão N), quando a recorrente afirma que “há várias contradições” e que há falta de apreciação de “determinadas questões”, pois que são afirmações sem o mínimo de concretização, concretização que se impunha em sede de conclusões. Depois - sempre tendo presente que os vícios de facto devem resultar da leitura da decisão recorrida em conjunção com as regras de experiência comum - nada na sentença recorrida demonstra, sugere ou minimamente indicia a existência de qualquer dos vícios de conhecimento oficioso. E os factos alegados nas suas conclusões I) a P) não resultam evidentes como vícios de facto da decisão judicial, sim factos que a recorrente pretenderia ver dados como provados ou considerados em sede de aplicação do direito. Realmente, o alegado em sede factual não é alegado como vício de decisão mas sim como nulidade por omissão de pronúncia, mas que redunda em inconformidade no apuramento factual: referimo-nos às alegações de que “o indicador de avarias PQS3c teve uma taxa de cumprimento de acordo com a Deliberação”, que “os indicadores do SU encontram-se desajustados da realidade factual”, que “as situações de ocorrências meteorológicas severas, furtos de cabos e outras externalidades” impedem a recorrente de cumprir os objectivos da Deliberação (o que se compagina como a aceitação de que há uma Deliberação que fixa objectivos que deveriam ter sido cumpridos) e que aqueles objectivos são “em condições normais … objetivamente inexequíveis e irreais, como é do conhecimento da ANACOM há já vários anos”. Ou seja, a recorrente assaca à decisão recorrida (e à administrativa) o vício de ter aceite como provada matéria de facto que ela recorrente não aceita. Mas não imputa à decisão um vício de facto, designadamente um erro notório na apreciação probatória, uma contradição insanável ou uma insuficiência factual. Sequer a alegação de que o furto de cabos é facto notório constitui um tal vício, pois que não demonstrada factualmente essa circunstância, o seu volume, nos anos em causa e que a recorrente não tinha hipótese de obviar – com o devido dever de zelo – aos efeitos desses não provados eventos. Mas há que apreciar esses considerandos da recorrente em sede de invocação de vício processual, omissão de pronúncia do artigo 379º, nº1, al. c) do Código de Processo Penal, o que se fará no ponto seguinte, já que três vícios de omissão de pronúncia são invocados. B.3.1 – As questões seguintes – que são três - surgem na sequência da anterior, já que se trata da invocação de nulidade por omissão de pronúncia quanto a três pontos de facto. Estas estão plasmadas nas suas conclusões I a P e acabam por “disfarçar” aquilo que nas motivações está bem esquematizado. Como não se pretende que a recorrente diga deste Tribunal, “Mais uma vez: silêncio por parte do Tribunal!” vamos socorrer-nos das motivações para complementar as conclusões. Assim, a recorrente nas suas motivações 70) a 87) – a que corresponderá a conclusão N) [“várias contradições” e “determinadas questões”] alega que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o tempo de atendimento, entre o atendimento automático e o não automático. Quer-nos parecer, no entanto, que a recorrente responde à sua própria dúvida quando afirma na motivação 82) que o tribunal considerou na sua decisão (pág. 20, fl. 10) que “não devem ser contabilizados para a medição do PQS4 os serviços prestados na totalidade por sistemas automáticos de resposta (…)”. Pensamos ser suficiente tal afirmação para que se considere não existir omissão de pronúncia. B.3.2 – O segundo fundamento de invocação de omissão de pronúncia por referência à al. c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal diz respeito à notoriedade do crime de furto de cobre (motivações de 88 a 106). Ora, em direito sancionatório não há factos notórios no sentido de dispensa da sua invocação e prova de pressupostos de facto dos tipos incriminatórios e causas de exclusão de ilicitude e culpa. E mesmo que se admita que a “arguida” possa invocar no âmbito da sua defesa o conhecimento generalizado, no sentido de conhecimentos de âmbito social, essa “notoriedade” circunscreve-se a esse âmbito: a noção da sua existência, sem reflexo no caso concreto se não resultar provada a sua existência e extensão. Que há furto de cobre, esse é um facto que pode assumir notoriedade, assim como a existência de crimes de homicídio e outros. E a notoriedade limita-se a esse campo da existência. Não há notoriedade no que respeita ao quando, ao como, ao onde e ao quanto. E assim sendo nenhuma conclusão se pode retirar do facto “notório” “há furtos de cobre”. Pode haver a noção difusa da sua existência, da sua maior ou menor incidência, mas a prova relevante nem seria a junção de participações, nem de artigos de jornal, porque isso nada provaria. Relevante seria, mais que o quantum furtado, as suas consequências no cumprimento ou incumprimento do dever pela recorrente. Não há, pois, motivo para se considerar existente uma questão que devesse ser objecto de uma autónoma pronúncia pelo tribunal recorrido. E isto afirma-se também quando se constata que o tribunal recorrido deu tal facto como não provado (alínea b) e motivou com inexistência de prova. B.3.3 – Por fim, nesta sede, invoca a recorrente – motivações 107-121 e conclusões J), L) M) e O) – que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a “inexequibilidade da Deliberação, como invocado pela arguida”. À primeira vista esta é uma alegação factual (a Deliberação é factualmente inexequível) que termina com a alegação de uma nulidade (omissão de pronúncia). Aqui quer-nos parecer que a recorrente dá como assente uma mera hipótese colocada pela ARN. Aliás isso é patente nas suas motivações, onde se passa de uma proposta de negociação em função da eventual desconformidade dos objectivos, para uma afirmação incontestável, pela recorrente, de uma certeza absoluta de inconformidade ao real da deliberação. A recorrente – motivação 110 – refere troca de correspondência onde a ARN admite rever os objectivos da Deliberação e admite que o não cumprimento de objectivos se pode dever a desajustamento dos mesmos para retirar logo a conclusão de que tais objectivos são “impossíveis de cumprir, em termos reais!” (conclusões 114 e 115). Este é um salto lógico evidente, dando-se por adquirido um facto que apenas é admitido pela ARN como possível e a levar em conta, ao lado de outras causas possíveis, como a que consta da alínea seguinte, a “redução do peso de acessos subterrâneos” que “propicia um aumento da taxa de avarias por linha de acesso”, ou seja, actuações da recorrente que propiciam – ou podem propiciar – razões para os seus incumprimentos. Afirma a recorrente que a decisão recorrida se não pronunciou sobre esta matéria: “Ainda assim não mereceu pelo Tribunal a quo nenhuma consideração, ainda que tal conste da matéria de facto dada e tida como provada (vide pág. 14, fl. 7)”. Mas pronunciou-se nos factos provados sob 10) e 11), nestes termos (para além de fundamentar os factos): “10). O incremento do peso dos traçados aéreos relativamente ao dos traçados subterrâneos no cômputo total da rede de acesso local implica um incremento da taxa de avarias por linha de acesso, devido à maior vulnerabilidade dos traçados aéreos a avarias, roubos e outras externalidades. 11). A arguida comunicou ao ICP – Autoridade Nacional de Comunicações as novas circunstâncias de facto relativas ao peso dos traçados aéreos em relação ao parque total que justificaria uma atualização dos níveis de desempenho exigíveis”. Ou seja, cai pela base a argumentação da inexequibilidade da deliberação da ARN, pois que a pretensão da recorrente alterar os objectivos de desempenho se deve ao facto de a própria ter dificultado esse cumprimento ao aumentar a vulnerabilidade das linhas e respectivas avarias por ter aumentado a percentagem de linhas aéreas. E por isso que acabe a pedir uma “actualização dos níveis de desempenho exigíveis”. Para um leigo isto parece simples e, ademais, clássico: redução de qualidade por baixa de desempenho e aumento de taxas de avaria, pela poupança em meios subterrâneos e aqui D`El Rey que há que baixar os níveis de objectivos para os nossos níveis de desempenho porque não os podemos cumprir, pois que temos muitos meios aéreos e estes estão sujeitos a furtos, intempéries, avarias e outros factos notórios. Quer-nos parecer, em resumo decisional do ponto relativo à múltipla invocação de omissão de pronúncia, que em nenhuma delas o tribunal recorrido recusou a pronúncia, a decisão. Apenas essa decisão não revestiu uma resposta directa à invocação da recorrente, mas plasmou-se na decisão nos locais e pela forma indicados pela lei e pelo habitual entendimento jurisprudencial. Neste caso, o dar como provados estes factos e ao fundamentá-los, o tribunal recorrido deu resposta cabal às questões suscitadas. Não há omissão de pronúncia. B.4.1 – A seguinte questão a abordar é o “tipo” contra-ordenacional e a invocada existência de uma “norma penal em branco”. Rapidamente constatamos que a “terminologia” não é a mais indicada, apesar de ser clássica, já que não estamos perante um “tipo” penal, sim perante dois “tipos” contra-ordenacionais. O primeiro tipo contra-ordenacional está contido no nº 1, al. iii) do artigo 113º da Lei nº 5/2004, de 10-02 (não alterado pelo Dec-Lei n.º 176/2007, de 08 de Maio) e por referência ao dever imposto pelo nº 5 do artigo 92 daquela Lei. Com a Lei nº 99/2009, de 04-09 veio a ser aprovado um regime quadro das contra-ordenações do sector das comunicações (aplicável à Lei nº 5/2004, como se deduz do nº 3, al. j) do artigo 1º do diploma) com a criação de três diferentes “qualidades” de contra-ordenações, leves, graves e muito graves (artigo 6º) e com a definição clara de princípios gerais de direito e processo contra-ordenacional. O segundo “tipo” contra-ordenacional, já no âmbito da nova classificação das contra-ordenações surgida com a Lei nº 99/2009, sobrevém com as alterações à Lei nº 5/2004 introduzidas pela Lei nº 51/2001, de 13-09, agora como ordenação “muito grave” prevista no nº 3, al. rr) do mesmo artigo 113º. E, é certo, estes tipos contra-ordenacionais não foram revogados pela Lei nº 10/2013, de 28-01, como uma leitura apressada do diploma nos sugeriu. Temos assim uma contra-ordenação que se transmutou em contra-ordenação muito grave por via da introdução de um novo regime quadro. Parece ser de concluir sem espaço para grandes dúvidas, apesar da óbvia alteração de tipo incriminador e da circunstância de a letra do artigo 92º, nº 5 da Lei nº 5/2004 ter uma formulação indirecta, que existe uma sucessão de tipos contra-ordenacionais na medida em que ambos remetem para a mesma realidade fáctica, para os mesmos “elementos descritivos do tipo”, que se concretizam no incumprimento de um dever. Ambos os tipos subentendem a existência de um mesmo dever e pressupõem a definição desse dever pela mesma entidade reguladora. Há, pois, sucessão de tipos contra-ordenacionais, sendo de observar o disposto no artigo 3º do Dec-Lei nº 433/82, de 27-10. Apesar de a entidade administrativa não ter sido clara na delimitação dos concretos regimes punitivos e na escolha das penas concretas na sucessão de regimes contra-ordenacionais (fls. I-578), o tribunal recorrido fez uma concreta e adequada escolha do regime concretamente mais favorável à arguida (o critério da medida da coima é questão a apreciar infra). B.4.2 – Resta, nesta sede, apreciar não o regime penal em branco, sim o regime contra-ordenacional em branco. E não se trata de mera terminologia. O direito sancionatório pode apresentar várias vertentes e, para além dos clássicos, direito penal primário e disciplinar, surgiram na ordem jurídica e, logo, no quotidiano dos tribunais, outros direitos sancionatórios como o direito penal secundário, o contra-ordenacional e o financeiro. Assim, o direito penal clássico tem funcionado como matriz dos restantes direitos sancionatórios, com o reconhecimento da necessidade de uma maior exigência em atenção à natureza e gravidade das penas e às maiores exigências éticas vertidas nos tipos penais. Recordemos que é o direito penal a personagem principal da realidade regulada pela al. c), do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa por via da existência do princípio da segurança jurídica, decorrente da ideia de Estado de Direito (artigo 2º da C.R.P.), das regras relativas às restrições de direitos, liberdades e garantias inseridas no artigo 18.º e dos princípios da legalidade, tipicidade e não rectroactividade da lei penal (artigo 29º da mesma C.R.P.). Não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege – praevia, scripta et certa). Já se afirmava no acórdão nº 59/95 do Tribunal Constitucional (proc. nº 522/94, sendo rel. o Conselheiro Sousa e Brito - Diário da República, I Série-A, de 10 de Março): “A especificidade do direito penal é reconhecida na Constituição através de três princípios que ou são exclusivos do direito penal ou têm nele uma configuração única. São eles os princípios da legalidade [artigos 29.º e 168.º, n.º 1, alínea c)], da jurisdicionalidade (artigos 27.º, n.os 2 a 4, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º e 213.º, n.º 1) e da necessidade (para a defesa dos direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) ou da máxima restrição (compatível com aquela defesa) das penas e das medidas de segurança (artigo 18.º, n.os 2 e 3). O princípio da legalidade visa garantir no direito penal um grau superior de previsibilidade (tipicidade) e de restrição (reserva de lei, proibição de integração, irretroactividade in pejorem partem) da aplicação das suas sanções e de objectividade no julgamento e garantia de direitos do arguido e restrição no seu sacrifício (in dubio pro reo) no processo penal. O fundamento comum destes desvios às regras gerais em matéria de fontes de direito, de aplicação do direito e de processo jurisdicional, que tornam o direito penal um ramo de direito com extremas garantias formais, é o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança: por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não seja certa a sua necessidade, a qual deve ser controlada por exigências de especial responsabilização política do legislador e de especial cuidado na preparação da decisão do juiz. A Constituição configura assim o direito penal como o direito sancionatório mais grave, a que devem corresponder as mais graves infracções e as mais graves sanções, e que tem específicas garantias formais na sua efectivação. As especificidades formais que o princípio da legalidade e o princípio da jurisdicionalidade dão ao direito penal são assim essenciais ao seu conceito constitucional”. Assim, na sequência destas preocupações, é da exclusiva competência da Assembleia da República - salvo autorização ao Governo - legislar sobre as matérias, da definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal. Ora, esta é alínea não aplicável ao processo contra-ordenacional, que vê a matéria de competência reservada da Assembleia da República limitada – al. d) do mesmo preceito – à definição do regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. E se os princípios da legalidade e da tipicidade (e da não retroactividade) estão intimamente imbrincados e exigem no direito penal uma lei em sentido formal sujeita à definição de competência exposta no artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, no direito contra-ordenacional essa exigência de lei formal – reserva de competência da A.R – limita-se à definição do regime geral “dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”. Com este âmbito não se pode afirmar que haja uma violação do princípio da legalidade. Aliás, até se pode afirmar que a estatuição dos ilícitos contra-ordenacionais no caso concreto – no sector das comunicações – se não limitou ao “regime geral” mas se concretizou na previsão de todos os ilícitos, já que se operou pelas leis supra identificadas e provindas do Parlamento (à excepção do Dec-Lei nº 176/2007, de 08-05). Mas se as exigências de segurança jurídica vertidas na “legalidade e tipicidade” se não podem no caso concreto basear no direito penal e na transposição mecânica das suas regras, não deixam esses princípios de ser válidos no direito contra-ordenacional, mas com diversa textura. Sendo certo que a Constituição da República Portuguesa apenas dá cobertura de reserva de lei à definição do regime geral substantivo e processual das contra-ordenações [o referido artigo 165º, nº 1, al. d)] e limita as garantias de processo criminal nos processos sancionatórios não penais, designadamente o contra-ordenacional [artigo 32º, nº 10] a melhor doutrina e jurisprudência [2] estão de acordo em aceitar, se não uma total equiparação, pelo menos algum paralelismo entre direitos públicos sancionatórios, de que o nº 3 do artigo 282º da Constituição da República Portuguesa é exemplo. [3] Mas não devemos esquecer que o próprio artigo 2º do Dec-Lei nº 433/82, de 27-10 – sob a epígrafe “Princípio da legalidade” – estatui que “só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática”, no que foi entendido como um passo em frente pela doutrina, no sentido de que o vigente ordenamento “em nada diminui as exigências do princípio da legalidade no campo do direito das contra-ordenacões, o que constitui decisão que não pode deixar de ser saudada”. [4] B.4.3 – Este último ângulo de abordagem e a aceitação de que o direito contra-ordenacional é direito sancionatório público [5] revela alguma desconformidade com a habitual afirmação da “menor ressonância ética” – logo “traduzida por “menor relevância deste ramo do direito” - que se espraia habitualmente no argumento da menor necessidade de fundamentação, de exigência factual, de rigor metodológico, que deu origem a uma jurisprudência que mistura algum facilitismo nessas questões substantivas e processuais com o rigor de exigência em questões que se não deveriam aplicar com a mesma abrangência ao processo contra-ordenacional (designadamente a amplitude do privilégio da não auto-incriminação, que nunca se justificará de todo relativamente às pessoas colectivas, como o revela a história da cláusula, o vigente direito anglo-saxónico que sempre excluiu o privilégio quando estamos face a “corporações” e o movimento de refluxo na abrangência do privilégio, não obstante o que se vai dizendo por cá). Entendemos, portanto, que não podemos argumentar com a “menor dignidade” deste ramo do direito, consagrado no nosso ordenamento jurídico sob o epíteto de contra-ordenacional para esquecer que se trata de direito sancionatório público. Acresce que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem pode concordar com a inexistência de distinção – “substancial” – entre direito penal e direito contra-ordenacional para efeitos do direito de defesa. Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 28-10-2008 (no processo nº 1441/08-1): “De facto, dispõe o artigo 6°, nº 1 (Direito a um processo equitativo) que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. Dir-se-ia, à primeira vista, face ao ordenamento jurídico português e às loas ao direito de mera ordenação social que correm no “mundo” jurídico interno, que tal artigo não é aplicável no caso de estarmos perante regime contra-ordenacional. Não tem sido esse o sentido da jurisprudência do TEDH, que entende a expressão acusação em matéria penal (aliás, equivalente às contidas nos nsº 2 e 3 do mesmo preceito – “acusada de uma infracção” do nº 2 e “O acusado” do nº 3) com diferente amplitude. E tal entendimento não surge por qualquer interpretação extensiva ou analógica por referência aos processos disciplinares (nomeadamente militares) da jurisdição austríaca (acórdão Engel v. Holanda - 1976) ou contravencional da jurisdição francesa (acórdãos Peltier v. França e Malige v. França), o que sempre seria possível, sim por referência à própria legislação alemã sobre contra-ordenações (Ordnungswidrigkeit). De facto, já no citado aresto Engel o Tribunal veio a delimitar critérios que desenvolveu e repetiu nos acórdãos Ozturk v. Alemanha (1984) e Lutz v. Alemanha (1987).[6] Não obstante o governo alemão ter defendido perante o Tribunal que o artigo 6º da convenção não era aplicável aos casos na medida em que não havia uma “acusação em matéria penal”, invocando que se estava perante contra-ordenações (“Ordnungswidrigkeit”, ou na terminologia do Tribunal Europeu, "regulatory offence" ou "contravention administrative"), certo é que acabou por concluir que o artigo 6º da convenção era aplicável. Para concluir que estava perante uma acusação em matéria penal, conceito com autonomia e que deve ser interpretado no sentido da Convenção, o Tribunal utilizou os seguintes critérios: a qualificação jurídica da infracção no direito nacional; a verdadeira natureza do ilícito; a natureza e o grau de severidade da sanção. O primeiro critério – qualificação no direito nacional – tem carácter meramente formal e relativo, simples ponto de partida da análise a envidar (Engel), à luz do “denominador comum das legislações respectivas dos diversos Estados”. Os outros dois critérios não são cumulativos, sim alternativos, pelo que lhe bastou constatar que a verdadeira natureza da “infracção”, o carácter geral da norma, o seu objectivo simultaneamente preventivo e repressivo, assumiam natureza penal (Lutz), para concluir estarmos perante uma acusação em matéria penal. Estes considerandos já seriam suficientes para se considerar essencial uma mais séria abordagem ao direito e ao processo contra-ordenacional, já que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem é direito interno infra-constitucional e baseiam, seguramente, um mais amplo paralelismo do direito contra-ordenacional ao direito penal, pelo menos na necessária imbricação da tipicidade no princípio da legalidade, o que interessa ao caso concreto. E a dar menor relevância à sempre invocada “menor relevância ética”. Porque, para o cidadão, cada vez mais cercado por direitos sancionatórios de toda a espécie, vivendo e/ou vegetando num cerco de deveres e de necessidades geradoras de cobranças seguidas de ameaças de aplicação de coimas, incapaz de a elas fugir ou prescindir dos supostos direitos ou serviços que se protestam necessários, que possa surgir a previsão da norma sancionatória como sinónimo de certeza e de limite de deveres e direitos, de certeza prévia de qual era a conduta exigível e de quais as sanções expectáveis, é da mais elementar expectativa de vivência num Estado de Direito. “Punir sem norma é o pior dos arbítrios. Por isso, a legalidade tem sido, desde sempre, reivindicada; e o mesmo se diga da não retroactividade. Já a tipicidade se apresenta como aquisição mais recente e de mais árdua elaboração”. [7] E estes princípios e preocupações mais se justificam quando estamos no âmbito de actuação de entidades administrativas que assumem o papel simultâneo de legislador, executor e juiz. Certo que a veste que assumem, por vezes, é a de entidades reguladoras, uma natureza de raiz anglo-saxónica, mas que em Portugal podem – é um risco a atender - assumir a facies napoleónica, muito ao gosto da tradicional administração pública portuguesa. E esta não está impedida, como vimos, de determinar o conteúdo de ilícitos contra-ordenacionais e a sanção correspondente (acórdão do Tribunal Constitucional 41/2004, ponto 5). Por isso, também, que seja essencial o controlo do tribunal não só da Lei, mas essencialmente do Direito, para que não passe impune a afirmação da entidade respondente no ponto 29) das suas conclusões. O juiz deixou de ser “la bouche de la loi”. B.4.4 – Admitindo então, que o direito contra-ordenacional é direito sancionatório público onde impera o princípio da legalidade, da não rectroactividade e da tipicidade, resta saber o quantum de tipicidade exigível, que conformação assume o princípio da tipicidade neste ramo do direito e quais os limites, portanto, das “normas sancionatórias em branco”. Tradicionalmente o princípio da tipicidade exige que a lei descreva suficientemente os seus elementos descritivos, os factos que constituem o tipo legal de crime, bem como as penas aplicáveis (ou os pressupostos e delimitação das medidas de segurança). O objectivo declarado é impedir o arbítrio, mesmo o legislativo, pois se afirma ser escopo impedir que o legislador utilize fórmulas indeterminadas na descrição dos tipos de crime e das penas correspondentes. É a sociedade à procura da possível certeza e segurança no âmbito do contrato social. Pode uma sociedade prescindir desta ânsia pela certeza e pela segurança no âmbito do direito contra-ordenacional com sanções ao preço do ouro? E numa realidade jurídica em que qualquer entidade administrativa pode assumir o papel de legislador, executor e juiz? A resposta é, evidentemente, negativa.[8] E temos já um acervo suficiente de jurisprudência que nos indica que as “normas sancionatórias em branco” são aceitáveis, mesmo no direito penal, o mais exigente dos direitos sancionatórios, mas com limites, não obstante estes se situem em patamares diversos, consoante o direito sancionatório. Como afirma Taipa de Carvalho [9] “… exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime. Só assim o cidadão poderá saber que acções e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser qualificado criminoso, com a consequência de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança. Daqui resulta a proibição de o legislador utilizar cláusulas gerais na definição dos crimes, a necessidade de reduzir ao mínimo possível o recurso a conceitos indeterminados, e o imperativo de não recorrer às chamadas “normas penais em branco”, salvo quando tal recurso se apresente como manifestamente indispensável e a norma para que é feita a remissão seja clara na descrição da conduta punível. Esta exigência, decorrente da razão de garantia do princípio da legalidade penal, é denominada por princípio da tipicidade, traduzido pela conhecida formulação latina nullum crimen sine lege certa.» Esta é uma formulação genérica mas que se concretiza em vários arestos e a propósito de diversas situações de facto, designadamente no acórdão 635/2011 do Tribunal Constitucional (Responsabilidades financeiras sancionatórias): “… nada na Constituição obriga a que a previsão tenha de obedecer a um modelo assente na previsão expressa da conduta típica. Pelo contrário, ela pode basear-se num modelo de remissão do tipo de ilícito para outras normas legais que densificam os elementos do tipo de ilícito a sancionar. Ou seja, a norma sancionatória pode estabelecer apenas parcialmente o comportamento ilícito, remetendo para outras normas a explanação de todas as suas circunstâncias, as quais serão precisadas por outras normas («norma sancionadora em branco») ou limitar-se a dispor que a inobservância de determinadas normas constitui infracção sujeita a sanção. A infracção será, portanto, estipulada de forma indirecta, por meio do recurso às normas principais que fixam os deveres em causa. Note-se que a existência de “normas sancionatórias em branco” é transversal a todos os ilícitos sancionatórios, incluindo no ilícito penal. Por isso, este Tribunal já teve ocasião de decidir que as “normas penais em branco” não atentam contra o princípio da legalidade penal, desde que garantam um mínimo de determinabilidade, definindo o núcleo essencial da proibição penal, e que o elemento mutável do tipo de ilícito esteja directamente dependente de critérios de natureza técnica (assim, ver Acórdãos n.º 299/92, n.º 427/95, nº 534/98 e nº 115/08, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos). Ora, se este raciocínio vale para o domínio do ilícito penal que é, sem dúvida, o de maior gravidade, do ponto de vista da Constituição, por maioria de razão, deverá aplicar-se aos outros tipos de ilícitos, incluindo o caso da responsabilidade sancionatória financeira”. E acórdão 146/2011 do Tribunal Constitucional (artigo 105.º, n.º 7, do RGIT): “… a mera circunstância da norma tipificadora, contida no artigo 105.º, do RGIT, remeter parte da sua concretização para outra fonte normativa, não é suficiente para que se considere atingido o referido princípio da tipicidade, uma vez que este não obriga à conexionação no mesmo preceito legal ou na mesma lei da previsão integral da conduta proibida com a pena que lhe corresponde (vide, neste sentido, Figueiredo Dias, em “Para uma dogmática do direito penal secundário. Um contributo para a reforma do direito penal económico e social português”, na RLJ, Ano 117, pág. 47)”. E ainda o acórdão 115/2008 do Tribunal Constitucional (artigo 277º do Código Penal): “6. …. uma norma penal em branco só é susceptível de violar o princípio da legalidade (no sentido de exigência de lei formal expressa que contemple o tipo legal de crime) e, como seu corolário, o princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), quando a remissão feita para a norma complementar põe em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime. A este propósito, afirmou-se que a legitimidade constitucional das normas penais em branco pode aferir-se, tal como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 427/95, em função do carácter meramente técnico e não inovador das normas de integração”. Estes considerandos doutrinários e jurisprudenciais referem-se ao direito penal e financeiro mas delimitam já o campo de acção das “normas de remissão” num campo de maior rigor, como o direito penal. E o tribunal Constitucional – apesar de se não ter pronunciado em substância pela pretensão da ora recorrente no acórdão nº 137/2009 – não deixou de se pronunciar sobre o alcance do princípio da legalidade/tipicidade em direito contra-ordenacional no seu acórdão nº 41/2004: [10] “ … é certo que a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes. Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 158/92, de 23 de Abril, 263/94, de 23 de Março, publicados no D.R., II Série, de 2 de Setembro de 1992 e de 19 de Julho de 1994, e nº 269/2003, de 27 de Maio, inédito). E se tal não resulta directamente dos preceitos da chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição. Por outro lado, também é verdade que a Constituição ao não consagrar reserva de lei parlamentar quanto à tipificação dos concretos ilícitos de mera ordenação social, admite uma inerente flexibilidade quanto às fontes normativas de tais ilícitos, as quais poderão ter, em última análise, a natureza de fontes regulamentares. Deste modo, o problema das chamadas “normas penais em branco” não pode ser transportado nos mesmos termos do direito penal para o direito de mera ordenação social, já que nada na Constituição impede que, de acordo com o direito ordinário, quaisquer entidades administrativas competentes determinem o conteúdo de tais ilícitos e as respectivas sanções. É, no entanto, necessário ainda distinguir o plano das possíveis fontes normativas deste ilícito do plano da afectação da segurança e previsibilidade que certas técnicas legislativas possam suscitar. É sobretudo a esse nível que tem ainda sentido discutir a constitucionalidade das técnicas de remissão do conteúdo ilícito da lei que prevê a contra-ordenação para outras fontes normativas. Quanto a esta última questão, a resposta, que em geral cabe dar, é a de que o direito de mera ordenação social poderá ainda adequar-se ao essencial das exigências em sede de direito penal, nomeadamente de direito penal secundário, em que haja remissão para normas técnicas. E isto, sobretudo, no que se refere à necessidade de a norma do direito de mera ordenação social que define infracção e a respectiva sanção ter de configurar o essencial do conteúdo do ilícito, isto é, referências que tornem compreensível para os destinatários os bens jurídicos em causa e o tipo de factos lesivos dos mesmos que a norma pretende evitar. Por outras palavras, uma norma remissiva ainda que no domínio do direito sancionatório público não pode ser vazia quanto à previsão de factos e à orientação da conduta dos seus destinatários. Se é exigível que, no direito penal estas exigências sejam intensificadas, sendo aí os critérios de previsibilidade e segurança mais precisos, no direito de mera ordenação social não deixa de existir uma necessidade de comunicação segura ex-ante do conteúdo do ilícito aos seus possíveis autores (cf., sobre este problema no direito penal, o Acórdão nº 427/95, de 6 de Julho, publicado no D.R., II Série, de 10 de Novembro de 1995). Ora, no caso concreto temos que a lei incriminadora – lei em sentido formal – tipifica o ilícito de mera ordenação social por violação do dever ínsito no nº 5 do artigo 92º e este prefigura-se como um “dever de fazer”, uma obrigação no campo técnico, concretamente, cumprimento de “objectivos de desempenho”. A circunstância de a norma que prevê este “dever de fazer” e a norma que prevê a sanção estar contida em dois preceitos desta lei (formal) é irrelevante. Ela, como Lei formal, assegura o máximo de garantia orgânica, estabelece um facere, um dever técnico e a sanção. Não se trata, pois, do clássico aspecto que revestem as normas penais em branco, “com a sua típica cisão entre a norma de comportamento (…) e a ameaça penal”. [11] Nem sequer se trata de exigir que da Deliberação reguladora conste a sanção contra-ordenacional, como a requerente afirma na sua conclusão E) – de prever na deliberação a própria sanção. Aqui coincidem na mesma norma – lei formal, recorde-se, com um acréscimo intocável de garantia – a ameaça penal e o cerne da exigência comportamental, o dever de fazer, os “objectivos de desempenho aplicáveis às diversas obrigações de serviço universal”. Ou seja, apesar da sua deficiente redacção, na forma indirecta, o nº 5 do artigo 92 da Lei 5/2004 estabelece um dever de cumprimento dos objectivos de desempenho aplicáveis às diversas obrigações de serviço universal. Quais sejam esses objectivos técnicos, o conteúdo do dever de fazer, isso é que é deixado à “norma sancionadora em branco”. É a concretização – materialização, “densificação” – deste dever técnico que é relegada para deliberação da ARN. Ou seja, apenas a concretização, a substanciação do comportamento exigível é relegada para deliberação da ARN e, assim, apenas na sua vertente técnica. Por isso que se possa afirmar (na sequência do decidido no acórdão do T.C. nº 146/2011) que a parte que é objecto de remissão não torna o tipo contra-ordenacional incaracterístico, não dificulta o seu conhecimento pelos destinatários, nem implica o recurso a critérios autónomos novos de ilicitude [12] nem implica “carácter inovador relativamente à norma sancionadora” (acórdão do TC n.º 427/95). E, note-se, o destinatário da norma não é, directamente, o consumidor final, simples beneficiário do regime, sim a regulada, ora recorrente. E esta não se pode dizer que tenha visto dificultada a sua compreensão pela existência desse dever. A circunstância de a norma que encerra o conteúdo útil desse dever ser uma norma criada pela própria entidade reguladora é, igualmente, irrelevante já que tais poderes lhe foram conferidos por lei em função das necessidades de Regulação e Supervisão e pela própria norma incriminadora, no desempenho das funções de Autoridade Reguladora e de Supervisão. E é no âmbito deste seu papel como ARN que a entidade decisória pode emitir deliberações, subentendendo-se que emita-las para entidades reguladas não é o mesmo que dirigi-las ao comum cidadão. Por isso que se não revele problemática a fonte normativa de definição do “dever de fazer” supra referido que, aliás, cumpre o disposto no artigo 55.º - página electrónica – dos Estatutos do ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (icp - anacom), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de Dezembro, verificando-se a disponibilização on-line de tal deliberação pelo que até a circunstância de se tratar de acto deliberativo não retirou à recorrente a possibilidade de “saber” da existência do mesmo. Tudo isto não abrange apenas o Direito das Comunicações, como afirma a ARN e a decisão recorrida. Tudo isto é inerente às novas necessidades de regulação social e, portanto, será suporte para qualquer área de regulação e supervisão. Resta apurar se a recorrente pode perceber o conteúdo do dever. Esta questão é retórica, como se antolha claro, pois que sendo a recorrente uma empresa prestadora de serviços de comunicações e herdeira (ou uma das herdeiras) do monopólio estatal, melhor que ninguém sabe do conteúdo do dever e da deliberação, pois que a sua história, prática e estrutura lho permitem de forma fácil. Ademais, não pode a recorrente, pensar-se a invocar direitos constitucionais na pele de utilizador final, porquanto a sua condição de regulada e de prestadora de serviço público – e de pessoa colectiva - não pode ser escamoteada, para mais em sede de qualidade de prestação de serviços no âmbito de serviço universal. Não se quer afirmar que a recorrente não pode invocar alguns direitos constitucionais, quer-se afirmar que a sua condição de empresa prestadora de serviços públicos, regulada, lhe impõe deveres públicos e a invocação de direitos constitucionais – desde logo limitada por natureza pela sua característica de “pessoa moral” - não pode servir para alterar o âmbito da concessão, das consequentes obrigações e respeito devido pelos direitos dos utilizadores finais. Assim é improcedente este acervo de argumentação recursiva. B.5 - Outro ponto de inconformidade do recorrente assenta na ideia da existência de uma só contra-ordenação “continuada”. Esta ideia encerra uma contradição. Nos termos do disposto no artigo 32º do RGCO as normas aplicáveis são as do Código Penal, pelo que a doutrina e jurisprudência relativos ao concurso de crimes e ao crime continuado são aplicáveis às contra-ordenações, pois que o único regime específico relevante das C.O. (contra-ordenação) se situa na previsão dos artigos 5º e 19º daquele regime. Entende a recorrente que é só uma a norma violada, pelo que ocorre contra-ordenação continuada. Este argumento seria aceitável se supusesse a afirmação de que houve uma só conduta da arguida recorrente, porque afirmar que há uma contra-ordenação continuada pressupõe uma pluralidade de ilícitos. É que o conceito de crime ou CO “continuada” pressupõe pluralidade criminosa ou contra-ordenacional, pressupõe a prática de, pelo menos, dois ilícitos. Por isso que tal terminologia se presuma referente à pretensão de alegação de existência de um só ilícito “permanente” ou de execução única no tempo. Acontece, no entanto, que sendo a recorrente uma empresa privada concessionária de um serviço público se entende que esse serviço e essa concessão se entendem balizados pelo tempo e a execução do mesmo é sempre demarcada pelo tempo, seja em termos de aferição de critérios de qualidade, seja em termos de cumprimento dos deveres da concessão. E essa pluralidade de ilícitos existe desde que o nº 8/2 da Deliberação do ICP/ANACOM define como período de referência para efeitos sancionatórios o ano civil. Assim, como o número de contra-ordenações também se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo contra-ordenacional foi preenchido pela conduta do agente, dois foram os ilícitos cometidos, pois que duas vezes – dois anos civis – foi preenchido o mesmo ilícito contra-ordenacional, a mesma norma de mera ordenação social. Esta é a regra do concurso real, como bem salienta o tribunal recorrido. E será possível configurar a figura da contra-ordenação continuada, como petita a recorrente? Nesta sede dispõe o número 2 do artigo 30.º do Código Penal, aplicável ex vi da remissão do artigo 32º RGCO que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. É assunção natural que a simples reiteração da conduta não permite falar em continuação criminosa para os efeitos do disposto no artigo 30º, nº 2 do Código Penal. Sendo incontestável que no caso ocorre uma realização plúrima do mesmo tipo de contra-ordenação, executada de forma essencialmente homogénea, também é indubitável que não existe uma “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. Recordando os ensinamentos do Prof. Eduardo Correia (“Direito Criminal”, II, Almedina, Coimbra, 1971, 208-211) o fundamento da diminuição da culpa encontra-se “no momento exógeno da conduta, na disposição exterior das coisas para o facto”. Na lição do Prof. Eduardo Correia (idem, 209) o pressuposto da continuação criminosa – a conversão da pluralidade em unidade de conduta, portanto - será a “existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, A este propósito vale citar o acórdão do STJ de 14-05-2009 (Processo: 07P0035, sendo relator o Exmº Cons. Soares Ramos): III - Essencial é distinguir entre a ocorrência ou subsistência de uma mesma situação externa que “empurre” o agente para a repetição da mesma conduta, por um lado, e a procura ou organização pelo agente de novas oportunidades para repetir uma conduta anteriormente praticada, por outro. Por outras palavras: há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado. A análise deverá passar, pois, pela supra referida letra do preceito em toda a sua plenitude, com o assento tónico a ser colocado nas circunstâncias exógenas da conduta, “na disposição exterior das coisas para o facto”. Em suma, no caso sub judicio serão factores exógenos (exteriores) ou endógenos (interiores) a propiciar a pluridade factual? Tratando-se de um dever de prestação de serviços – sem se pretender afirmar que isso inviabiliza a existência de continuação - quer-nos parecer que dificilmente a recorrente poderá compaginar uma disposição exógena permissiva. Bem pelo contrário, será mais fácil confirmar uma disposição interior – aqui dos seus próprios serviços – para o não cumprimento do dever. Aliás, já a entidade Reguladora afirma que a disposição da recorrente é para “cumprir os mínimos”. Isto é, não é a circunstância exterior, o “momento exógeno da conduta, na disposição exterior das coisas para o facto” a causa da reiteração da conduta, mas a própria actividade dos serviços da recorrente (ou seja, a “personalidade da arguida”), um factor endógeno, a conduzi-la à prática dos factos, o que de todo não revela uma diminuição da culpa do agente, bem pelo contrário, revela um acentuar da sua culpa, mais grave no segundo momento delitivo. Ou seja, e como afirma o Prof. Eduardo Correia, subentendendo-se a adaptação de linguagem, “sempre que se prove que a reiteração, menos que a tal disposição das coisas, é devida a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado”. [13] Há, portanto, pluralidade criminosa e não há que fazer aplicação do disposto no artigo 30º, nº 2 do Código Penal, por via da remissão do artigo 32º do RGCO. B.6 – A questão seguinte é a suficiência da matéria de facto para se concluir pela existência de negligência. Isto é, tudo se reconduz a saber se os factos permitem a conclusão de direito. A argumentação da recorrente parece encaminhada para a comissão por acção quando, ao invés, se trata de uma omissão, o não cumprimento de um dever resultante da concessão. Que esse não cumprimento do dever se concretize num determinado resultado, essa é outra questão que não invalida a assunção anterior. De facto a recorrente é uma empresa privada, pessoa colectiva portanto, com um fito ou objectivo de prestação de serviços comerciais segundo a intenção que é expressa pelos seus órgãos sociais, com poderes de direcção e disciplina sobre os seus trabalhadores ou contratados em seu nome e para a prossecução dos seus fins. É concessionária de um serviço público e tem que cumprir parâmetros de serviço e de qualidade. Se os não cumpre a assunção lógica e por presunção hominis permite-nos retirar a conclusão de que os seus órgãos sociais, os seus órgãos directivos, as suas estruturas directivas e técnicas não fizeram o suficiente para atingir aqueles objectivos. Não cabe à entidade reguladora nem ao tribunal indagar se houve e onde esteve a falha. A empresa é responsável pelos actos e omissões do(s) seu(s) dirigente(s) ou trabalhador(es), nessa responsabilidade se incluindo o deficiente desempenho no cumprimento dos exigíveis parâmetros públicos de serviço. O não cumprimento desse dever implica a responsabilidade da arguida, de forma imediata. É uma imputação directa. Isto independentemente do juízo que se faça à resistência de alguma doutrina portuguesa na defesa do princípio societas delinquere non potest (incompreensível, de resto, hoje no concerto comunitário e internacional e desde há muito no direito relativo à actuação primacial das pessoas colectivas, designadamente o direito da concorrência, da regulação e supervisão, designadamente o “competition” anglo-saxónico) na assunção clara e simplificada da responsabilidade das pessoas colectivas, no âmbito do direito penal (artigo 11º do Código Penal) [14] e da consideração da culpa destas como ligada aos agentes do facto. [15] Admitindo a ultrapassagem da diferenciação entre a tradição portuguesa anterior ao surgimento do chamado direito penal secundário de não responsabilização das pessoas colectivas com a preponderância da escola de Coimbra a aceitar o pragmatismo da sua responsabilização e a proliferação de legislação avulsa a concretizar essa possibilidade, há que admitir que o campo de actuação do direito de mera ordenação social é um palco privilegiado dessa nova realidade. No direito contra-ordenacional as ponderações permissivas de uma maior responsabilização das pessoas colectivas têm que se considerar justificadas – artigos 7º, nº 2 e 17, nº 2 e 3 do RGCO. [16] O artigo 7º, nº 2 do RGCO tem que ser lido numa acepção de alargamento dos conceitos de “órgãos” e de “no exercício de funções”, para abranger quem quer que aja em nome e em proveito da pessoa colectiva incluindo, portanto, os membros dos órgãos directivos, trabalhadores e quem quer que tenha um dever de vigilância e fiscalização. Mesmo admitindo alguma perplexidade perante o desconexo nº 2 do supra referido artigo 7º do RGCO – de que na doutrina se dá conta – o nº 1 do preceito é de previsão ampla e a Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, que aprova o regime quadro das contra-ordenações do sector das comunicações, designadamente no seu artigo 3º, elimina todas as incertezas e prevê um amplíssimo regime de sancionamento das pessoas colectivas: “(1) — Pela prática das infracções a que se refere o presente regime podem ser responsabilizadas pessoas singulares ou colectivas, ainda que irregularmente constituídas, e associações sem personalidade jurídica. (2) — As pessoas colectivas referidas no número anterior são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta”. De tal forma que a responsabilidade das pessoas colectivas só é excluída quando o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela e a invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e o ente colectivo não obstam a que seja aplicado o amplo regime sancionatório. Ao fim e ao cabo a concretização, melhor, o reconhecimento legal, aqui no campo contra-ordenacional das Comunicações, da vocação do ilícito de mera ordenação social para a punibilidade das pessoas jurídicas e a consagração legal do conceito amplo de autoria. Este conceito extensivo de autoria, aliás, é afirmado no acórdão do Tribunal Constitucional nº 99/2009: “Disse-se já que, no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, a imputação objectiva de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou co-causalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja colocado uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (cfr. Frederico Lacerda da Costa Pinto, ob. cit. pg. 230). O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora no domínio do direito penal, é especialmente perceptível nas hipóteses em que, como na presente, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma pessoa colectiva, implicando aquilo que, na síntese do referido autor, se pode definir como «o envolvimento de uma pluralidade de intervenientes, de circuitos de informação e de ordens, com algumas zonas de autonomia decisória e outras de responsabilidade funcional […]» (ob. cit., pg. 225) Em casos como este, a regra de imputação objectiva colocada pelo conceito extensivo de autor conduzirá à responsabilização dos superiores hierárquicos titulares do dever de garante sempre que estes, por acção ou omissão, hajam promovido ou facilitado a execução do facto ilícito dentro da pessoa colectiva. A responsabilidade contra-ordenacional do titular do dever de garante pode ocorrer «por este não ter evitado, não ter dificultado ou não ter criado as condições em que seria mais arriscado para o autor material cometer o ilícito» (ob. cit., pg. 232). Contra o que suspeita o arguido, não se trata aqui de casos de responsabilidade objectiva dos superiores hierárquicos (até porque o nexo de imputação subjectiva não se encontra obviamente dispensado), «mas sim e apenas da necessidade de ponderar as suas acções e omissões que promovam ou facilitem a execução dos factos ilícitos dentro da estrutura de pessoas colectivas» (ob. cit., pg. 232)”. Apesar de apreciações de proximidade substancial do direito contra-ordenacional ao direito penal, o não encarar a responsabilidade das pessoas colectivas de forma mais pragmática no âmbito daquele tornaria este ramo do direito letra morta. Aqui está, pois, um campo em que as diferenças dogmáticas e de interpretação legal entre os dois ramos de direito, a nosso ver, se acentuam. E uma outra visão sobre a sua culpa. A consideração de uma “culpabilidade de organização” na acepção de Tiedmann [17] parece-nos ser hoje uma exigência e não temos dúvida da sua justificação no actual direito de mera ordenação social português, a exigência pragmática de um societas delinquere potest a afastar a prevalência do princípio da individualidade da responsabilidade penal. [18] Em vez de um individual juízo ético-jurídico de culpa, o adoptar de uma culpa social. De qualquer forma é aceite que a conceptualização da negligência penal não pode ser mecanicamente transposta – até em termos de exigência factual – para o direito contra-ordenacional, pois que aqui, imperando deveres de cuidado de cariz social, a negligência concretiza-se na violação de um desses deveres a que o agente se encontrasse vinculado, tendo ele a capacidade de o cumprir e o circunstancialismo o permitisse cumprir. O que reconduz, reconheça-se, a uma maior amplitude da punibilidade da negligência neste direito sancionatório. E no caso concreto a circunstância de o ilícito contra-ordenacional se fundar numa negligente violação de um dever quantificável torna a questão meramente académica. O resultado não alcançado torna evidente o não cumprimento do dever de fazer e a culpa funcional. E esse resultado e essa culpa só podem ser imputados à recorrente - artigo 11º, nº 2, als. a) e b) e nº 7 do Código Penal e artigo 3º da Lei nº 99/2009, de 4 de Setembro. Assim, a não identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito ou o conjunto de pessoas que para ele contribuiu, na estrita medida em que tal não é elemento necessário à existência de responsabilidade de uma pessoa colectiva (por acção ou omissão) é irrelevante, bastando para tal que se estabeleça um nexo causal entre si e o acto ilícito e se não prove a exclusão da sua responsabilidade. Isto é, tudo se reconduz a uma questão de facto, no constatar que é possível imputar a ilicitude e a culpa a uma conduta da recorrente, qualquer que tenha sido o actor ou actores individuais. Portanto, apesar de uma leitura mais permissiva do âmbito de responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas em geral, isso torna-se irrelevante para o caso concreto. [19] E tanto basta para que se conclua que a culpa se entenda verificada e inserida na matéria de facto com que a recorrente foi confrontada e cumpridas as exigências que decorrem da previsão do nº 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. B.7 – Alega a recorrente a falta de fundamento concreto, real e determinável para a medida da coima na sua conclusão S). Em concreto a recorrente, nas suas motivações – 143 e seguintes - invoca o facto de o tribunal recorrido ter afirmado a sua pertença ao Grupo P. Este último facto não assumiu qualquer relevância na decisão recorrida e esta assume claramente os critérios de ponderação consagrados no Dec-Lei nº 433/82, de 27/19 e artigo 40º do CP, a “gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação” e, como não podia deixar de ser e com prevalência, as finalidades de prevenção e o grau de violação do dever imposto, a “disparidade entre os objectivos fixados para cumprimento dos parâmetros de qualidade estabelecidos os resultados concretamente verificados no cumprimento de tais parâmetros, sendo essa diferença o indicador de incumprimento”, como expressamente refere a decisão recorrida. No caso concreto, bem definidos os critérios de valoração da medida da coima, a aplicação de uma coima de 40.000 € em cúmulo não é desproporcionada aos fins declarados pelo legislador, não se apresenta como desnecessária, inadequada ou manifesta e claramente excessiva, cumpre as exigências de prevenção geral e especial e integra-se na culpa da recorrente. Por tudo é o recurso totalmente improcedente. C - Dispositivo: Face ao que precede, os Juízes da 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso. Notifique. Custas pela recorrente com 3 UCs. de taxa de justiça. Évora, 11 de Julho de 2013 (Processado e revisto pelo relator) João Gomes de Sousa Ana Bacelar Cruz __________________________________________________ [1] - Sumariado pelo relator [2] - Para uma contraposição de posições doutrinárias sobre o ponto ver Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, págs. 34-36 (anotação 14), Universidade Católica Portuguesa, 2011. [3] - Américo Taipa de Carvalho, em anotação ao artigo 29º de “Constituição Portuguesa Anotada” Tomo I, Coord. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 1ª Edição, 2005, pág. 331 e 2ª Edição, pág. 676. [4] - Prof. Figueiredo Dias, in “Para uma dogmática do direito penal secundário”, in RLJ, ano 117º, pág. 47, nota 96. Também publicado em ”Direito Penal Económico e Europeu - Problemas Gerais”, vol. I, págs. 35-74, Coimbra Editora, 1998. [5] - E convém não olvidar que, no dizer do Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal - Parte Geral”, Tomo I, pág. 153, Coimbra Editora, 2004), o direito contra-ordenacional “se não é direito penal, é em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo”). [6] - Casos que incidiram sobre contra-ordenações estradais. Em ambos os casos estamos perante simples acidentes de viação entre veículos exclusivamente com danos materiais e aplicação de sanções pecuniárias (Geldbusse) de 125 DM mais 14 DM, por responsabilidade conjunta em acidente de viação (Lutz) e de 60 DM, por responsabilidade em acidente de viação (Ozturk). [7] - Jorge Miranda e Miguel Pedrosa Machado, in “Constitucionalidade da protecção penal dos direitos de autor e da protecção industrial – normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação conforme à constituição”, RPCC - Ano 4, nº 4 (l994), 477. [8] - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 458/93: “17. O princípio da precisão ou determinabilidade das leis implica que o legislador elabore normas jurídicas claras, susceptíveis de interpretação que conduza a um sentido inequívoco, e que tenham a suficiente densidade, de forma a constituírem uma medida jurídica capaz de alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos, traduzindo uma norma de actuação para a Administração, possibilitando, como norma de controlo, a fiscalização de legalidade e a defesa dos direitos e interesses protegidos (ensino de Gomes Canotilho, ob. cit, págs. 376 e seguintes, acolhido no Acórdão nº 285/92, do Tribunal Constitucional, no Diário da República, I Série-A, nº 188, de 17 de Agosto de 1992, págs. 2962 e seguintes) ”. [9] - In “Constituição Portuguesa anotada”, org. por Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, pág. 672, da 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, da Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora. [10] - Também, sem pretender ser exaustivo, o acórdão nº 324/2003. [11] - Prof. Figueiredo Dias, in “Para uma dogmática do direito penal secundário”, in RLJ, ano 117º, pág. 47. [12] - Acórdão do T.C. nº 146/2011 - Quando a “remissão feita pela norma sancionadora principal para a norma complementar tornar o tipo de ilícito incaracterístico, dificultar o seu conhecimento pelos destinatários, para além do que é exigível a uma pessoa média ou implicar o recurso a critérios autónomos ou critérios novos de ilicitude. Nestes casos a remissão e respectiva concretização violam o princípio da legalidade”. [13] - In “Unidade e Pluralidade de Infracções”, Teses, Almedina, 1983, pág. 251. [14] - A propósito, mesmo na vigência do artigo 11º do Código Penal de 1982 na redacção inicial, antes da redacção profundamente remodeladora dada ao dito artigo pela Lei nº 59/2007, a afirmação do Prof. Figueiredo Dias: “é viável e adequado considerar as pessoas colectivas – através de um processo de pensamento filosófico analógico - capazes de acção e de culpa jurídico-penais” (“Pressupostos da punição pressupostos da punição e causas que excluem a ilicitude e a culpa”, in Jornadas de Direito Criminal – O novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, CEJ, 1983, pág. 51. [15] - “Responsabilidade Penal das Sociedades”, Prof. Germano Marques da Silva, Editorial Verbo, passim. [16] - “Já, porém, na doutrina e na legislação, tanto portuguesas como alemãs, parece aceitar-se sem problemas de maior a capacidade de responsabilização das pessoas colectivas por contra-ordenações. Cfr, de um lado, os arts. 7º e 17.°, nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82; … “. - Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 73, nota 120. [17] - Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit. pág. 185. [18] Exigências pragmáticas que “devem passar a frente dos preconceitos filosóficos. …. Se, em sede político-criminal, se conclui pela alta conveniência ou mesmo imperiosa necessidade de responsabilização das pessoas colectivas em direito penal secundário, não vejo então razão dogmática de princípio a impedir que elas se considerem agentes possíveis dos tipos-de-ilícito respectivos. A tese contrária só pode louvar-se numa ontologificação e autonomização inadmissíveis do conceito de acção, a esquecer que a este conceito podem ser feitas pelo tipo-de-ilícito exigências normativas que o conformem como uma certa unidade de sentido social. E tão-pouco me parece impensável ver nas pessoas colectivas destinatárias possíveis do juízo de censura em que a culpa se traduz” (Prof. Figueiredo Dias, in “Para uma dogmática do direito penal secundário”, in RLJ, ano 117º, pág. 73). [19] - Também neste sentido, por mais recente, o acórdão da Relação do Porto de 13-07-2011, na segunda proposição, discordando-se da primeira (proc. 144/09.3TBVNF, rel. Olga Maurício). |