Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
138/11.9JAFAR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: PERÍCIA
RELATÓRIO PSICOLÓGICO
VALORAÇÃO DA PROVA
FRIEZA DE ÂNIMO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – Um relatório de avaliação psicológica apresentado pelo arguido não constitui perícia, pelo que a sua valoração não obedece ao disposto no art. 163.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estando sujeita à livre apreciação de prova
II – A qualificativa do crime de homicídio, traduzida em ter o agente actuado com frieza de ânimo, reporta-se a acção planeada e ponderada, calculada até ao pormenor, com vista a alcançar o objectivo visado, de forma insensível e com indiferença pela vida humana.
III – Não pressupõe, contudo, que a intenção de matar persista por mais de 24 horas.
Decisão Texto Integral:
Proc. 138/11.9JAFAR.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António correu termos o Proc. Comum Coletivo n.º 138/11.9JAFAR, no qual foi julgado o arguido A (…) pela prática de dois crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ªs e), h), i) e j), ambos do CP, e dois crimes de detenção de arma proibida, p e p. pelos art.ºs 2 n.º 1 al.ª v), 3 n.ºs 2 e 6 al.ª c), 73 e 86 n.º 1 al.ª c), todos da Lei 5/2006, de 23.02.
E foram deduzidos os seguintes pedidos de indemnização civil:
1) B e C pediram a condenação do arguido no pagamento da indemnização pelos danos que a sua conduta lhes causou, sendo 25.000 euros à primeira e 185.000 euros ao segundo.
Alegaram, para tanto, que o D, companheiro da demandante e pai do demandante, era o sustento dos demandantes e bem assim que existia uma relação sólida, sofrendo os demandantes danos não patrimoniais.
Parcelarmente, fixaram em 20.000 euros os danos morais sofridos pela demandante e em 5.000 euros os seus danos patrimoniais; ao demandante caberiam 62.000 euros pelo dano vida e pelos danos não patrimoniais sofridos pelo D (antes do óbito), 15.000 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio demandante e 108.000 euros pelos danos patrimoniais do demandante.
2) E e F pediram a condenação do arguido no pagamento da quantia de 199.900 euros (a ambos os demandantes) pelos danos causados pela conduta do arguido, sendo:
- 50.000 euros pelo dano vida (devido a ambos os demandantes);
- 45.000 euros e 35.000 euros, respetivamente, pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes;
- 4.900 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela G antes de falecer (cabendo 2.900 euros à demandante e 2.000 euros ao demandante);
- 20.000 euros e 50.000 euros, respetivamente, pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes.
Pediram ainda o pagamento de juros desde a data da notificação do demandado.
3) O ISS, IP, deduziu também pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento de 5.030,64 euros, quantia que pagou aos beneficiários, a título de despesas de funeral por óbito de G e D, acrescida de juros de mora desde a data da citação do arguido demandado.
A final veio a decidir-se:
1) Absolver o arguido A da prática de dois crimes de homicídio qualificado, mas apenas quanto às qualificativas previstas nas al.s e), h) e i) do n.º 2 do art.º 132 do CP, e da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86 n.º 1 al.ª c) da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei 12/2011, de 27.04;
2) Condenar o arguido A:
- pela prática de um crime de homicídio qualificado e agravado, p. e p. pelos art.ºs 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ª j) do CP e art.º 86 n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei 12/2011, de 27.04, na pena de 20 (vinte) anos de prisão;
- pela prática de um crime de homicídio qualificado e agravado, p. e p. pelos art.ºs 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ª j) do CP e art.º 86 n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei 12/2011, de 27.04, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;
- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86 n.º 1 al.ª c) da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei 12/2011, de 27.04, na pena de 1 (um ano) e 6 (seis) meses de prisão;
- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
3) Condenar o demandado A a pagar as seguintes quantias:
- à demandante B a quantia de 25.000 (vinte e cinco mil) euros;
- ao demandante C a quantia de 145.000 (cento e quarenta e cinco mil) euros;
- à demandante E a quantia de 92.900 (noventa e dois mil) euros, a que acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até integral pagamento;
- ao demandante F a quantia a liquidar posteriormente, quanto aos danos não patrimoniais, com o limite do pedido;
- ao demandante ISS, IP, a quantia de 5.030,64 euros (cinco mil e trinta euros e sessenta e quatro centímos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado até integral pagamento.
4) Absolver o demandado A do demais peticionado.
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2. Recorreu o arguido de tal acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1- O recorrente requereu, a 27 de julho de 2011, a junção aos autos de relatório de avaliação psicológica (fls. 273) e, em conformidade com o conteúdo do mesmo, requereu que se realizasse exame neuro-psicológico e ressonância magnética ao arguido.
2 – Em 4 de agosto de 2011 foi deduzida acusação sem a realização dos exames.
3 - O arguido requereu, a 29 de agosto de 2011, a abertura de instrução e, nesse requerimento, suscitou a nulidade do processado a partir do requerimento de fls. 273, bem como a nulidade da acusação, por violação do disposto no artigo 120 nº. 2 do CPP, bem assim pela violação do art.º 32 n.ºs 1 e 5 da CRP.
4 - Nesse mesmo requerimento de abertura de instrução voltou a requerer que fossem realizados os competentes exames já anteriormente suscitados.
5 - No final do requerimento de abertura de instrução requereu a realização de peritagem, com a realização de exame neuro-psicológico e ressonância magnética ao arguido.
6 - Por despacho de 23/9/2011, proferido a fls. 383, a Juiz de Instrução indeferiu as diligências requeridas.
7 - A 7 de fevereiro de 2012, na sua contestação, o arguido veio reafirmar que o MP não realizou perícias médicas antes de proferir a acusação.
8 - Na sua contestação requereu que fossem realizados exames anteriormente suscitados, ou seja, exame neurológico e ressonância magnética, com o competente relatório médico da incapacidade ou não do mesmo, por violação do artigo 120 do CPP.
9 - Por despacho de 14-02-2012, o tribunal notificou a defesa para em 10 dias indicar concretamente quais as diligências probatórias que requereu.
10 - A 22 de fevereiro de 2012, o recorrente explicitou a necessidade da sua submissão a exame neuro-psicológico e ressonância magnética, a realizar no Hospital Distrital de Faro, de acordo com o resultado da peritagem a que o mesmo foi submetido e que o arguido juntou aos autos por requerimento de fls. 273.
11 - Na ata da audiência de discussão e julgamento do dia 9-3-2012, por despacho do Juiz Presidente, diz-se o seguinte: A nulidade invocada pelo arguido na sua contestação já tinha sido invocada no âmbito da instrução, tendo sido apreciada e desatendida. Resulta com clareza do regime do art.º 310 n.ºs 1 a 3 do CPP que a decisão proferida naquela fase sobre o tipo de nulidade invocada impede que tal questão seja novamente apreciada pelo tribunal de julgamento, formando-se caso julgado formal sobre a questão decidida. Por essa razão, está prejudicado o conhecimento da invocada nulidade.
12 - A fls. 273 e seguintes, o Prof. M recomendou a realização de exame neuro-psicológico e ressonância magnética, por haver indicadores de potencial compromisso neuro-psicológico do córtex frontal, face ao acidente de viação sofrido pelo arguido há algum tempo atrás.
13 - O tribunal, no seu acórdão final, não tomou em consideração o relatório dos clínicos na área da psicologia e da psiquiatria.
14 - Ao invés, tece comentários aos depoimentos dos técnicos da área da psicologia que testemunharam em julgamento.
15 - Na fundamentação da matéria de facto o acórdão faz um exame crítico dos depoimentos dos técnicos, em vez de neles se apoiar para suportar a matéria de facto.
16 - O tribunal interpretou a norma constante no artigo 151 do CPP no sentido de que o julgador se pode substituir aos técnicos e tecer considerações sobre a personalidade de um arguido sem estar munido do competente relatório ou parecer de um especialista na área da psicologia ou psiquiatria.
17 - O tribunal deveria interpretar esta norma no sentido de que ao julgador está vedado proceder a uma apreciação da personalidade do arguido quando a perceção ou apreciação dos factos exigirem determinados conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
18 - A interpretação dada pelo tribunal ao artigo 151 do CPP é inconstitucional, violando o artigo 32 n.º 5 da CRP, quando interpretado no sentido de que a apreciação ou perceção dos factos quando versem sobre a personalidade do arguido podem ser realizados pelo julgador.
19 - Foram violados os artigos 151 do CPP e 32 n.º 5 da CRP.
20 - O tribunal condenou o arguido por aplicação do artigo 132 n.º 2 alínea j), por considerar que o arguido agiu com frieza de ânimo.
21 - Na fundamentação admite que poderia surgir a existência de uma situação de imputabilidade diminuída (pág. 28 do acórdão).
22 - Diz-se ainda que: Cabe começar por salientar que não está efetivamente apurado que o arguido sofre de imputabilidade diminuída: ao invés, foi expressamente excluída a possibilidade da sua capacidade de determinação estar sensivelmente afetada. Apura-se que existe algum, relativo, défice volitivo, mas sem que este tenha reflexos relevantes no caso.
23 - E ainda: Está, com efeito, provado que o arguido sofre de patologia psíquica, mas também se apura que esta patologia não o impede de avaliar a ilicitude dos factos nem de se determinar de acordo com essa avaliação. Assim, o substrato material da culpa, em termos imediatos, está demonstrado: o arguido revelou, de facto, uma atitude de contrariedade ao bem jurídico protegido, em condições de acção livre, no sentido de que dispunha da liberdade de conformação da sua conduta face aos valores.
24 - De seguida diz-se: Sucede, porém, que também se apura que esta patologia psíquica (personalidade emocionalmente instável do tipo impulsivo/transtorno explosivo – agressivo intermitente) importa algum deficit no controlo volitivo, sentindo o arguido um impulso para passar ao acto. Descrição que poderia sugerir a existência de uma situação de imputabilidade diminuída.
25 - E mais à frente: Ora, neste quadro, cabe começar por salientar que não está efetivamente apurado que o arguido sofre de imputabilidade diminuída: ao invés, foi expressamente excluída a possibilidade da sua capacidade de determinação estar sensivelmente afetada. Apura-se que existe algum, relativo, deficit volitivo, mas sem que este tenha reflexos relevantes no caso. Aqui não há dúvida na apreensão da personalidade do arguido projetada no facto.
26 - A qualificação prevista no artigo 132 n.º 2 alínea j) do CP pressupõe que o agente calcula tudo, inclusive, a forma de se eximir à acão da justiça; que pensa e reflete durante longo período de tempo a forma de executar um plano que engendrou meticulosamente e o executou na sua plenitude, sendo livre na opção de o realizar.
27 - O próprio artigo 132 n.º 2 alínea j) do CP fala na reflexão sobre os meios empregados ou persistência na intenção de matar por mais de 24 horas.
28 - Ficou provado que o arguido abandonou o bar às 2h30m e praticou o crime às 3h30m.
29 - Entre o momento da prática do ato e o momento em que abandonou o bar mediou uma hora.
30 - Existe contradição entre os factos provados e contradição insanável entre a fundamentação e a qualificação jurídica.
31 - O tribunal decidiu qualificar o homicídio, apesar de todas as incertezas que manifesta na sua fundamentação.
32 - Foram violados os artigos 132 n.º 2 alínea j) e 20 do CP.
33 - O tribunal considerou provados, entre outros, os seguintes factos:
Relativamente ao ponto 21 diz-se: Tinha consciência de que tirava a vida a duas pessoas com o propósito de se vingar delas, por causa dos factos descritos, atuando sem hesitação e com domínio de si, após ter decidido e amadurecido o propósito inicial de as abater;
Quanto ao ponto 26 diz-se: No caso, o arguido não agiu dominado por um impulso de matar, mas determinado em matar para se vingar.
34 - O tribunal, ao considerar como provados os factos constantes nos pontos 21 e 26, julgou mal, porque tais factos, conforme vêm descritos na matéria provada, estão contrariados pelo depoimento do Prof. M, conforme transcrição supra referida, pelo que esta prova impõe uma decisão diversa da recorrida, por violação pelo tribunal do artigo 410 n.º 2 alínea c) do CPP, devendo a mesma ser renovada em conformidade com o artigo 430 do CPP.
35 - O tribunal violou o art.º 379 n.º 1 alínea c) do CPP.
36 - O tribunal, usando a prorrogativa contida no artigo 127 do CPP, fez apelo às regras da experiencia comum, embora de forma não totalmente explícita, criticou os pareceres técnicos, não os utilizando com o seu conteúdo integral.
37 - O princípio da livre apreciação da prova tem limites, não podendo ser usado com arbítrio, pelo que o uso deste princípio para pôr em causa e desvalorizar o conteúdo de um parecer técnico, sem que esteja devidamente fundamentado por um outro parecer técnico do mesmo valor, inquina a decisão, tornando o acórdão nulo, por força do artigo 379 n.º 1 alínea c) do CPP, que neste caso foi violado.
38 - O tribunal aplicou ao arguido uma pena de prisão de 25 anos, a máxima existente no nosso ordenamento jurídico.
39 - Sem prescindir do supra alegado, e por dever de ofício, esta pena mostra-se exagerada, face às necessidades de prevenção especial e à personalidade do arguido, que é primário e não teve ainda, até hoje, outros problemas com a justiça.
40 - O tribunal não ponderou o vertido no artigo 40 do CP, pelo que foi violado o artigo 71 do mesmo código.
41 - Nestes termos, deve o acórdão ser revogado, procedendo-se à renovação da prova, nos termos do artigo 430 do CPP, por se verificar o vício constante no artigo 410 n.º 2 alínea c) do mesmo código, o que importa decisão de não considerar os factos impugnados como provados, ou:
- remeter-se os autos para repetição de julgamento em primeira instância;
- mandar-se realizar ressonância magnética ao arguido, para se determinar com segurança se existe ou não culpa do arguido face à eventual incapacidade do mesmo para refrear os seus ímpetos;
- considerar-se não verificado o preenchimento do tipo de ilícito contido no artigo 132 n.º 2 alínea j) do CP;
- ou - se assim se não entender, e por dever de ofício - que seja atenuada a pena nos termos dos artigos 40 e 71 do CP.
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3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
a) Foi realizada perícia psiquiátrica e não houve qualquer outra perícia ou “exame” necessários para a decisão que tivessem sido postergados.
b) Só “a prova pericial” tem o seu valor fixado no art.º 163 do CPP, não se incluindo naquela relatórios de eventuais técnicos apresentados pela defesa ou depoimentos de quaisquer testemunhas.
c) Assim, ao contrário do alegado, a decisão recorrida não sofre de qualquer “erro na interpretação do art.º 151 do CPP”;
d) Quer os factos dados por provados no acórdão quer a sua fundamentação não têm qualquer “contradição insanável”, pois a perspetiva do arguido - de discordância quanto aos factos fixados e à sua fundamentação - não significa a efetiva existência de contradições no acórdão.
e) A impugnação da matéria de facto feita pelo arguido, baseada tão-só no depoimento de uma testesmunha, parte do pressuposto de que o tribunal tinha que assumir as avaliações e opiniões dessa testemunha e de que o tribunal contrariou a avaliação que essa testemunha fez sobre a personalidade do arguido.
f) Tais pressupostos são errados, uma vez que – não constituindo o referido depoimento “prova pericial” - o tribunal não tinha que assumir as avaliações e opiniões daquela testemunha e, por outro lado, o tribunal nem sequer contrariou (na sua decisão) a avaliação da personalidade do arguido feita pela testemunha.
g) E o tribunal examinou criteriosamente as provas produzidas, fundamentou de forma lógica e convincente os factos impugnados, factos que têm efetivo suporte probatório adequado, não havendo razões para qualquer alteração da matéria de facto fixada no acórdão.
h) Não houve qualquer “erro de interpretação do art.º 127 do CPP”, pois, como já referido supra, só a “prova pericial” tem o valor fixado no art.º 163 do CPP, sendo o depoimento de todas as testemunhas apreciado nos termos do art.º 127 do CPP, tendo o tribunal respeitado tais comandos.
i) A medida da pena aplicada, em cúmulo, ao arguido – ao que resulta da motivação, só esta “pena” é questionada - está devida e corretamente fundamentada no acórdão, não sendo invocadas no recurso razões que justifiquem uma alteração, pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.
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4. Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, remetendo para a resposta que o Ministério Público apresentara na 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Foram dados como provados, no acórdão recorrido, os seguintes factos:
01) A Hospedaria Rita situa-se numa rua de Vila Nova de Cacela, Vila Real de Santo António.
02) No mês de maio de 2011 funcionava como bar de “alterne” e era explorada por G, ao passo que D aí trabalhava, na data referida em 3), como segurança.
03) O arguido era um dos clientes do estabelecimento, no qual esteve na noite de 24 de maio de 2011, depois da meia-noite.
04) Em momento próximo das 02h30 o arguido, por se estar a masturbar na sala, foi expulso do estabelecimento pela G e pelo D, ajudados por I, empregado do bar, tendo a G e aquele D atingido o arguido com chapadas, por este os insultar e ter tentado agredir o D, dizendo o arguido, ao preparar-se para abandonar o local, que se voltariam a encontrar, que «isto não fica assim», o que levou o D a atingi-lo com pontapés, tendo a situação provocado no arguido um sentimento de ira e de vingança.
05) Formou então a decisão de matar a G e o D nessa noite, utilizando a espingarda de caça, com o cano e a coronha serrados, de marca Remington Wingmaster, modelo 870, calibre 12, com o número de série 799776V, que guardava na sua residência, sita na Rua de Santa Bárbara, n.º 2, Odeleite, desde o óbito do seu pai, a quem a arma pertencera.
06) Em cumprimento dessa resolução, e visto que não possuía meio de transporte, deslocou-se a casa de um conhecido, H, e pediu-lhe boleia até Odeleite e de regresso à hospedaria, dizendo que precisava de ir a casa buscar dinheiro para pagar a despesa que realizara no bar, solicitação que aquele satisfez, ignorando os propósitos do arguido.
07) Chegado à residência, o arguido colocou a caçadeira num oleado escuro e, nas suas algibeiras, colocou pelo menos sete cartuchos.
08) Pelas 03h30, o arguido foi deixado por H nas traseiras da Hospedaria Rita, tendo o arguido conversado com normalidade com aquele durante os dois percursos da viagem, nomeadamente sobre mulheres.
09) De seguida, o arguido tirou a arma do oleado, municiou-a, empunhou-a em posição e condição de disparo e aproximou-se da porta exterior do bar, localizada na zona do rés-do-chão do edifício.
10) Depois de entrar no hall do bar por aquela porta, deparou com D, que, de costas para o arguido (e para a porta da rua), estava encostado à ombreira da porta que dá acesso daquele hall para a sala do bar.
11) Sem qualquer troca de palavras, e a uma distância não superior a dois metros, o arguido visou-o na cabeça com a caçadeira e efetuou um disparo, atingindo-o na zona posterior do crânio.
12) D tombou no solo, sem vida.
13) A G, que estava sentada no balcão do bar, ao ver o sucedido, fugiu para a zona interior do balcão, onde se baixou atrás deste balcão.
14) De seguida, o arguido passou por cima do corpo do D, entrou na sala do bar de espingarda em riste e dirigiu-se à G, entrando para a zona interior do balcão onde ela estava, e aproximou-se até cerca de 50 centímetros da G, apontou-lhe a espingarda à cabeça, ficando a ponta dos canos a cerca de 5 cm desta, disse-lhe «tu és a próxima» e disparou, atingindo-a no crânio, que ficou parcialmente desfeito, matando-a.
15) Temendo pelas suas vidas, as demais pessoas que se encontravam no bar fugiram para os quartos ou para o parque de estacionamento.
16) Por sua vez, o arguido, depois de ir atrás de outras pessoas presentes no bar e que tinham fugido, sem as conseguir alcançar, partiu para casa, a pé, tendo lançado a espingarda para dentro de um poço.
17) No quarto da sua residência tinha uma espingarda de caça, de marca J. Lagoas, calibre 12, com o n.º 10289 (de tiro a tiro e cano de alma lisa) e n.º 514, e duas outras espingardas de caça.
18) A espingarda referida em 5) e a espingarda J. Lagoas referida em 17) não estavam registadas e manifestadas em nome do arguido, estando a arma referida em 17) registada em nome do pai do arguido, que já faleceu, estando pendente na PSP de Vila Real de Santo António um processo, de 2009, de transmissão da arma a favor do arguido.
19) Os seus disparos causaram em G e D lesões traumáticas cranianas que os desfiguraram e causaram a sua morte.
20) O arguido sabia que contra eles disparava uma espingarda de caça com o cano e a coronha serrados, atingindo-os na cabeça, ciente de que a distância a que efetuava o disparo e a zona atingida provocaria a morte das pessoas atingidas, não lhes dando hipótese de fuga, defesa ou redução da gravidade das lesões, ao agir como descrito no respetivo local de trabalho.
21) Tinha consciência de que tirava a vida a duas pessoas com o propósito de se vingar delas, por causa dos factos descritos, atuando sem hesitação e com domínio de si, após ter decidido e amadurecido o propósito inicial de as abater.
22) Sabia também que detinha duas espingardas de caça de calibre 12 mm, não registadas nem manifestadas a seu favor na Polícia de Segurança Pública, sabendo e querendo usar uma delas, cujo cano e coronha foram modificados através de corte.
23) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei (salvo quanto à detenção da arma J. Lagoas), com o propósito de tirar a vida a duas pessoas.
24) Tinha conhecimento da ilicitude da sua atuação e capacidade para se determinar de acordo com essa avaliação.
25) Sofria, à data dos factos (e desde o final da adolescência, início da idade adulta), de perturbação de personalidade, emocionalmente instável do tipo impulsivo/transtorno explosivo - agressivo intermitente, que importa algum deficit no controlo volitivo, sentindo o arguido um impulso para passar ao ato.
26) No caso, o arguido não agiu dominado por um impulso de matar, mas determinado em matar para se vingar.
27) O arguido foi criado pelos pais, sendo o único filho do casal. O pai é descrito como uma pessoa severa e autoritária, infligindo ainda frequentes maus-tratos físicos à mulher e ao filho, situação que se terá mantido até à morte do pai.
Concluiu o 6.º ano de escolaridade sem dificuldade.
Passou a viver em união de facto com cerca de 17 anos, tendo nascido um filho, atualmente com 27 anos de idade. A separação do casal ocorre doze anos depois, tendo o filho ficado a viver com a mãe.
Não manteve desde então um relacionamento do mesmo tipo.
Autonomizou-se na altura da família de origem, mas a ela regressou após a separação e aí se manteve até ser detido, apesar de a sua profissão o manter afastado de casa durante bastante tempo.
Começou a trabalhar com o pai na exploração agro-pecuária, mas o mau relacionamento com aquele impediu a continuação da parceria. Posteriormente trabalhou alguns anos como manobrador de máquinas, tendo, em 1991, começado a trabalhar como motorista internacional para uma empresa espanhola, atividade que manteve até cerca de 2008.
No ano de 2001 esteve envolvido num acidente de viação, no exercício da sua atividade profissional, no qual morreram cinco pessoas. Após um curto período de doença voltou a trabalhar, só tendo interrompido a sua atividade profissional em 2008, altura em que sofreu um acidente de mota, tendo, em consequência do mesmo, estado hospitalizado mais de seis meses e sofrido uma elevada incapacidade para o trabalho.
À data dos factos vivia sozinho, com a mãe, após o falecimento do pai, ocorrido em 11.02.2010. Mantinha com a mãe um relacionamento positivo e afetivamente compensador.
O relacionamento com o pai mostrou-se sempre conflituoso, o que é atribuído ao comportamento extremamente severo do pai para com o filho. Por outro lado, o arguido manteve sempre contactos regulares com o seu filho, parecendo existir entre ambos uma relação positiva e de apoio mútuo.
Encontrava-se desempregado, situação em que se mantinha desde o acidente ocorrido em 2008. Apesar das sequelas sofridas planeava voltar a trabalhar.
A situação económica do agregado assentava na pensão de reforma da mãe, acrescida da pensão por morte do pai. O arguido chegou a receber rendimento social de inserção, mas foi-lhe retirado passados alguns meses.
Após o acidente de viação passou a mostrar-se mais tenso e a irritar-se com alguma facilidade, mas não são referidos quaisquer atos significativos de agressividade. Nunca recorreu a psicólogo ou psiquiatra ou terá sentido necessidade de receber apoio ao nível da saúde mental.
Consome bebidas alcoólicas, mas de forma moderada e ocasional.
No meio residencial é bem considerado e descrito como uma pessoa reservada, mas de bom trato, não havendo notícia de comportamentos violentos ou desajustados. Apresentou, no decurso das entrevistas, algum embotamento afetivo, mas pareceu ser capaz de experimentar emoções e afetos com algum nível de profundidade.
Não tem condenações registadas no seu CRC.
28) B vivia com D, na mesma casa, desde meados de 2008, partilhando com ele cama e mesa.
29) C nasceu no dia 05.09.2010, sendo filho de B e de D, com quem vivia.
30) D não tem outros filhos.
31) Juntamente com a B e D viviam dois filhos da B, à data com 14 e 10 anos.
32) A B não trabalhava, não trabalha e não tinha rendimentos próprios.
33) As despesas comuns eram suportadas pelo D a partir do que auferia com o seu trabalho.
34) D trabalhava como segurança e auferia 70/euros por dia, trabalhando seis dias por semana.
35) A B chorou muito, e ainda chora, por causa da morte do D, ficando triste e desanimada.
36) Passou, e ainda passa, noites sem conseguir dormir.
37) A B e o D eram um casal feliz, com projetos para o futuro.
38) A B ainda vive atormentada com o que sucedeu.
39) D passava bastante tempo com o filho.
40) D nasceu em 18.04.1988.
41) E e F são, respetivamente, mãe e único irmão da G.
42) Nos termos do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros foi declarado que G faleceu sem descendência, com ascendência e sem testamento, sendo sua herdeira a sua mãe, E.
43) F é invisual.
44) E e F recebem pensões mensais de valor não apurado.
45) E, F e G viviam juntos, sendo que esta usava os seus rendimentos, de montante não apurado, para ajudar a sustentar a sua mãe e irmão (em valor também não apurado).
46) A G estava, pelo menos, muito assustada quando os factos ocorreram.
47) A morte da G causou desgosto, angústia e tristeza a E e a F.
48) E teme pelo futuro do seu filho, F.
49) E e F temem pelo seu futuro.
50) E tem dificuldade em dormir por causa do sucedido.
51) G, E e F nasceram, respetivamente, em 18.03.1964, 25.06.1939 e 13.06.1961.
52) O ISS, IP, pagou 2.515,32 euros a F, a título de despesas de funeral por óbito de G, e 2.515,32 euros a C, a título de despesas de funeral por óbito de D.
7. E não se provou:
a) que a hospedaria referida em 1) se situa na Av. Manuel Rosa Mendes;
b) que o arguido esteve na hospedaria logo a partir da meia-noite e consumiu, na hospedaria, bebidas alcoólicas até se embriagar;
c) que a expulsão referida em 4) ocorreu por o arguido estar embriagado;
d) que os factos referidos em 4) ocorreram precisamente às 02h00;
e) que, em 7), o arguido colocou a caçadeira num saco e municiou-a logo, em sua casa, com sete cartuchos;
f) que os factos referidos em 8) ocorreram precisamente às 03h15;
g) que, em 9), o arguido desensacou a caçadeira;
h) que, em 11), o crânio ficou fragmentado;
i) que o arguido, em 14), aproximou-se até cerca de 30 cm da G;
j) que o arguido pensou, ao disparar, na (superior) capacidade de difusão e penetração do chumbo dos cartuchos deflagrados;
k) que, por força da doença referida em 25), a capacidade do arguido avaliar a ilicitude dos factos ou a sua capacidade para se determinar de acordo com tal avaliação estava sensivelmente diminuída;
l) que o arguido sabia que a detenção da arma J. Lagoas era penalmente proibida;
m) que a situação referida em 28) se iniciou no mês de maio de 2008;
n) que G tinha como sonho acompanhar e apoiar a mãe e o irmão;
o) que a pensão que E recebe tem o valor de 245 euros;
p) que a pensão que F aufere ascende a 295 euros;
q) que G achava-se responsável pela mãe e irmão;
r) que F teme que, na falta da sua mãe, não tenha quem cuide dele;
s) que F anda diariamente assustado;
t) que E e F andam ansiosos.
8. O tribunal justificou a sua convicção – conforme consta na fundamentação - nos seguintes termos:
Quanto aos dados (caraterizadores ou introdutórios) descritos em 1 a 3, atendeu-se às declarações do arguido, nesta parte consistentes, e ao depoimento, honesto e verosímil, da testemunha I [empregado de balcão no estabelecimento, no qual se encontrava à data dos factos].
Quanto aos factos descritos em 4 [à exceção da sua parte final, quando se reporta aos sentimentos do arguido], 10, início de 11, 12 a 15 e na primeira parte de 16 [neste com apoio ainda no depoimento da testemunha J, que frequentava o estabelecimento, no qual se encontrava na data dos factos, a qual, quanto a outros aspetos factuais, se revelou reticente e imprecisa, não contribuindo para o seu apuramento], atendeu-se especialmente ao depoimento da referida testemunha I, que presenciou estes factos, dando deles um relato vivido, honesto, credível e verosímil, justificando que se confiasse, sem reservas, nas suas declarações - levando em conta, de forma integrada, também as suas declarações constantes de fls. 58, na parte validamente lida em audiência, quanto a aspetos que a testemunha admitiu terem ocorrido, e ainda as fotografias de fls. 27 e ss. (claras, mormente quanto à localização dos corpos das vítimas ou à posição das cadeiras no balcão, onde a E estava sentada, segundo esta testemunha I).
O arguido admitiu a autoria dos factos e descreveu a sua conduta em termos que, de forma geral ou panorâmica, eram ainda tendencialmente conformes com os factos apurados: ou seja, descreveu a evolução dos eventos em termos genericamente próximos aos que constam dos factos provados, embora, em pontos muito relevantes, a sua versão se afastasse daquela que foi apurada.
Em particular, essa versão distanciou-se bastante dos factos descritos no que concerne ao primeiro disparo, referindo o arguido que o D o viu entrar e procurou fugir (ao ver a arma do arguido), disparando o arguido por impulso e por medo de que aquele reagisse (e sem intenção de matar). Esta versão não mereceu crédito.
De um lado, o depoimento daquele I mostrou-se bem mais sério e convincente, sendo, aliás, a forma como depôs (sincera, mas emotiva) claro sintoma da sua honestidade. Além disso, a sua versão era claramente conforme aos dados objetivos conhecidos, essencialmente colhidos das aludidas fotografias de fls. 27 e ss. e do depoimento, isento e sério, da testemunha K [inspector da PJ que se deslocou ao local e contactou com o arguido], com algum apoio ainda no depoimento da testemunha L [especialista da PJ, que se deslocou ao local]. Assim, em particular, quanto à forma como D é atingido, pois, além de o disparo o ter atingido na nuca (na parte de trás da cabeça), ele encontrava-se caído em local particularmente compatível com a versão desta testemunha, sendo a forma como ocorre o disparo (sem a vítima dele se aperceber) indiciado ainda pela circunstância de a vítima não ter chegado sequer a largar os cartões dos clientes (que mantinha na sua mão).
De outro lado, a versão do arguido era inconsistente. Segundo as suas próprias declarações, disparou a 5 ou 6 metros da vítima, usando cartuchos com chumbos e com uma arma que, por ter o cano serrado, fazia o cartucho abrir cedo e os chumbos espalharem-se muito. Por isso, esperava atingir apenas com um ou dois chumbos a cabeça do D. Ora, os dados recolhidos revelam que o tiro atingiu integralmente a cabeça do D, sendo que no interior do crânio não se encontram apenas «múltiplos chumbos», como a própria bucha do cartucho - a penetração desta bucha, a entrada dos múltiplos chumbos e a pequena dimensão da ferida de entrada (sem sinais de chumbos perdidos, aliás) revelam que o disparo se faz a curta distância e que os chumbos e a bucha estavam ainda concentrados (sem a bucha ter perdido força[1] e sem os chumbos se terem dispersado), sendo que no mesmo sentido concorre também a circunstância de o disparo ter tido força bastante para fraturar os ossos da face da vítima, do outro lado do ponto de entrada [v., sobre o exposto, relatório de autópsia de fls. 313/326 e fotografia de fls. 33/34]. Além disso, também não é crível que um disparo a 5 ou 6 metros, sem fazer pontaria para um alvo em fuga, venha a atingi-lo no meio da nuca - sendo que o disparo mortal até foi realizado de baixo para cima (referida autópsia), o que denota intencionalidade na pontaria. Aliás, o disparo efetuado nas condições que o arguido refere (leva a arma junto ao abdómen, levanta-a e dispara rapidamente quando vê o D em fuga) é instintivamente dirigido ao corpo (a «mancha» que se vê), não à cabeça (e seria preciso muito sangue frio e muita perícia para, nas condições que o arguido repete, se conseguir um disparo de caçadeira que atingisse a vítima no meio da nuca).
De outro lado, ainda, monta também a atuação do arguido face à segunda vítima, dado o paralelismo existente: também aponta à cabeça, a curta distância (esta ainda mais próxima, com reflexos no mais extenso desfiguramento causado) – e aqui sem que a vítima tenha sequer possibilidade de fuga. Também aqui o arguido procurou mitigar a sua atuação, referindo que disparou a alguma distância, mas em termos igualmente desconformes ao resultado do disparo e pouco críveis, face ao depoimento seguro da aludida testemunha.
Estes elementos explicam, aliás, porque se fixou a matéria descrita em 11, quanto às condições do disparo [o arguido teve que apontar à cabeça, a distância relativamente curta, para obter um disparo naquelas condições] e à distância do disparo [a testemunha I refere que o arguido estava mesmo atrás do D; o que se deixou dito sobre a ferida de entrada e a entrada da bucha indicam um disparo muito próximo; a posição do cartucho nas fotografias de fls. 28 e 29 tende a indiciar também essa proximidade; o disparo, de baixo para cima, também indica que o arguido estava muito perto], e em 14, quanto às condições do disparo [o desfiguramento causado só se explica pelo disparo a curtíssima distância, tal como a testemunha I refere].
No mais, e no confronto com as declarações daquele I, deu-se prevalência à versão desta testemunha, mais fiável e verdadeira, sendo evidente as fragilidades da versão do arguido, reveladas, aliás, pelo que se acabou de expor e ainda pela nítida intenção do arguido em minimizar a sua intervenção ou o significado dessa intervenção.
Esclarece-se que, admitida a leitura daquelas declarações (admissão do meio de prova) e submetidas a contraditório em audiência (assunção do meio de prova), daí decorre a possibilidade de valoração de tais declarações, lidas para efeitos de formação de convicção quanto ao objeto do processo (aquisição do meio de prova) [J. Damião da Cunha, O Regime Processual de Leitura de Declarações (…), RPCC, ano 7, julho-setembro 1997, pág. 417].
Nota-se, ainda, quanto ao descrito na parte final de 4 (matéria colhida daquele depoimento de I), que o arguido admitiu ter dirigido uma expressão de caráter semelhante (que teria dito «espera por mim que vou voltar»), o que dava maior consistência ao depoimento daquela testemunha.
Quanto aos elementos objetivos descritos em 5, os dados descritivos da arma foram colhidos dos documentos de fls. 69 (apreensão) e 175 (exame). A morada exata consta do auto de fls. 49.
No que toca ao descrito em 6 e 8, atendeu-se primacialmente ao depoimento, seguro e convincente, da testemunha H [que levou o arguido a casa e o trouxe de regresso à hospedaria], com algum apoio ainda nas declarações do arguido, que foi admitindo parte destes factos, embora aditando referências que esta testemunha não confirmou [referiu, por exemplo, que disse a este H que teria sido sovado no estabelecimento, afirmação que a testemunha não confirmou e que não se mostra coerente com a atitude do arguido, pois, estando este a enganar o H, seria incompreensível dizer-lhe que fora sovado e que mesmo assim ainda queria ir buscar dinheiro para pagar uma despesa… naturalmente, tal suscitaria suspeitas no H, contrariando a conduta manipuladora do arguido, sendo pois evidente a inverosimilhança desta posição do arguido; acresce que nesse momento já o arguido teria tomado a resolução homicida, como se refere a seguir, a qual quereria ocultar ao seu acompanhante (e, assim, ocultar qualquer dado que pudesse alertar aquele)].
A matéria descrita em 7 decorreu das declarações do arguido, que admitiu estes factos, sendo aliás o único meio de prova direta desta matéria (salvo quanto ao oleado, ponto onde se admitiu que o arguido estaria em melhores condições que a testemunha H para definir o meio usado, já que a testemunha não contacta diretamente com este meio[2]). Quanto aos cartuchos, o arguido não foi assertivo, mas é seguro que, tendo ocorrido dois disparos (factos provados) e tendo sido colhidos cinco cartuchos com a arma (apreensão de fls. 69 e testemunha K), ele teria levado ao menos sete cartuchos.
O mesmo vale quanto ao descrito em 9 [embora esta matéria factual seja antecedente necessário dos factos a seguir ocorridos e descritos em 10 e ss: estes só podem ocorrer porque o arguido previamente agiu como descrito em 9] e na segunda parte de 16 [com apoio no depoimento da aludida testemunha K quanto ao local da recuperação da arma e nos elementos de fls. 69 e 66 e ss.].
Os factos reportados em 17 e 18 foram colhidos das declarações do arguido, em articulação com o auto de fls. 49, a fotografia de fls. 48 e a informação de fls. 510.
A matéria descrita em 19 decorre do estado objetivo das vítimas, revelado nos autos (mormente pelas fotografias), e dos relatórios de autópsia (fls. 313/326, 319/331 e 467 e 471).

No que concerne à resolução do arguido referida em 5 (e ainda reportada no início de 6), ela resulta com absoluta segurança dos demais dados conhecidos.
Assim, e em primeiro lugar, é absolutamente seguro, face aos factos descritos em 10 e ss., que o arguido quis matar as vítimas: quem aponta uma caçadeira à cabeça de outra pessoa, a curta distância, e dispara, sabe que o resultado inevitável e incontornável será a morte da vítima. Actuando de forma consciente, segue-se que a sua intenção é seguramente homicida. Por isso, aliás, se fixou a matéria descrita em 20, quanto ao conhecimento e vontade de matar, e referida também em 21 e 23.
Ora, o que se refere em 5 e 6, na parte ora em apreciação, é que essa intenção homicida foi tomada no momento referido. Tal decorre:
- da actuação do arguido logo que é expulso: ameaça os intervenientes, como referido na parte final dos factos descritos em 4, o que indicia a intenção homicida, que o posterior comportamento do arguido confirma;
- da forma como, objetivamente, se desenvolve a conduta do arguido: sai do local, procura transporte para a sua casa, nesta apetrecha-se com a arma de fogo (segundo o próprio arguido, em casa esteve apenas cerca de 5 minutos, o tempo estritamente necessário para preparar a arma e o seu transporte), regressa de imediato ao local e, neste, procura logo os visados, que abate sem qualquer tipo de interação (ou seja, abate-os logo que os vê, sem qualquer aviso, ameaça ou provocação). Isto revela que regressou ao local só para os matar e que a prévia deslocação a casa já visou, e só visou, preparar a execução dessa intenção, que já estava tomada;
- das declarações do próprio arguido, o qual, a dado momento, e a propósito da deslocação que faz a sua casa (e da razão porque disse a H que precisava de ir buscar dinheiro), referiu que não disse à testemunha o que ia fazer porque talvez ela não o levasse, se soubesse, o que revela que o arguido já tinha uma resolução tomada (resolução que era obviamente homicida).
Assim, estes dados permitem afirmar a resolução indicada, tomada no momento descrito, de forma absolutamente segura e com exclusão de soluções alternativas possíveis ou plausíveis.
No que concerne ao descrito na parte final de 4, quanto às emoções reportadas (ira e vingança), eles decorrem, por inferência, e face às regras da normalidade, do conjunto de factos apurados. O mesmo vale para a persistência da intenção vingativa, reportada em 21.
Os demais elementos reportados em 20, 21 [sem prejuízo do que se refere a seguir], 22 e 23 decorriam de forma segura, por inferência, e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido - aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas.
Quanto ao descrito em 24 e 25, atendeu-se ao relatório pericial de fls. 839 e aos esclarecimentos complementares prestados pelo sr. perito [levando em conta o disposto no art. 163 n.º1 do CPP].
No que especificamente respeita ao descrito em 26 e 21 [neste quanto ao domínio de si], esta matéria decorria das apuradas condições de atuação do arguido.
Assim, monta especialmente que:
- após a expulsão, o arguido profere ameaças e toma a resolução homicida – factos provados e respetiva motivação;
- logo a seguir procura um amigo para o levar a casa – factos provados e respectiva motivação;
- oculta a sua intenção, dando uma explicação plausível ao amigo (pagar dívida) – idem;
- na viagem age e fala normalmente, trocando-se nomeadamente comentários sobre mulheres - referida testemunha H e factos provados;
- em casa apenas trata de se apoderar da arma e das munições necessárias, que oculta (para manter escondido o seu plano) - factos provados e sua motivação;
- de entre as quatro armas disponíveis, opta por aquela que é mais pequena e, assim, mais fácil de ocultar e de manusear em espaços fechados (como o interior de casas), e que é particularmente apta para disparos a curta distância - factos 5 e 17 e sua motivação;
- este percurso demora bastante tempo (meia hora para cada lado, segundo a aludida testemunha H), mantendo sempre a dissimulação de intenções;
- assim que regressa dirige-se ao local e, sem tergiversações, contactos, conversas ou hesitações, dispara (a matar) – factos provados e sua motivação;
- a atuação é particularmente fria: abate o D, e é-lhe indiferente: passa por cima dele e dirige-se à G, até ficar quase encostado a ela, e então dispara.
Isto revela que pensou logo no que ia fazer, o planeou e o executou de forma controlada, motivada e calma, exteriorizando uma personalidade calculista, reflexiva e insensível.
Estando o deficit centrado no controlo volitivo normalmente associado a impulsividade, explosividade (segundo a perícia e o sr. perito), verifica-se que tal não ocorre. Ao invés, a situação encontra-se nas antípodas da impulsividade: o arguido não atuou por impulso, que não controla, por explosão emotiva. A intervenção é controlada ao longo de mais de uma hora, de forma rigorosa (pela forma como, sem falhas, manipula o H). Sempre persistindo na vontade de matar. Por isso diz o sr. perito (nos esclarecimentos prestados) que há determinação em matar. É, aliás, sintomático que ao sr. perito o arguido tenha omitido as condições da viagem, que excluem essa impulsividade no caso. O que existe é um controlo sobre o impulso, uma notória capacidade de contenção do ato. Assim, não havia domínio pelas emoções ou perda de controlo da vontade, mas domínio das suas emoções. Estas estavam escondidas, intencionalmente ocultadas e controladas. Podiam ser força motora, mas não eram a força controladora. Neste contexto, não havia um impulso controlador, mas impulsos controlados.
Neste quadro, os depoimentos das testemunhas M e N[3] não conduzem a soluções distintas. Ao invés. Assim, a testemunha M [psicólogo que observou o arguido], pese embora tenha referido que o arguido sofra de distúrbio de personalidade (e tivesse sugerido que os factos podiam ocorrer por um «efeito de acumulação» de traumas pessoais), também foi peremptório em reconhecer que a descrita conduta do arguido, imediatamente anterior ao momento dos disparos, não era compatível com uma atuação sob o efeito de tal perturbação, o que confirma a solução factual exposta. Quanto à testemunha N [psicóloga clínica que visitou o arguido por razões profissionais], mostrou-se mais enfeudada no pré-juízo que inicialmente manifestou - sendo que, confrontada a testemunha com a aparente falta de sintonia entre a conduta objetivamente apercebida do arguido e a existência de uma perda de controlo emotivo, acabou por resolver o problema numa espécie de niilismo relativista: não sabia se tal era possível nem tal era possível de se saber (afirmação esta que, excessiva em si, também contrariava a afirmação inicial da testemunha, privando-a de valor). Donde não ter tal depoimento tido um contributo relevante.
Acresce que não existiam fatores externos (nomeadamente o consumo de álcool em excesso) que justificassem (como o sr. perito referiu) a manutenção prolongada de uma situação de descontrolo (o próprio arguido não confirmou tal consumo em excesso, referindo até que apenas bebeu uma bebida no bar, não chegando a beber uma segunda que pedira).
O próprio arguido, nas suas declarações finais, foi incapaz de explicar como se articulava a sua conduta objetivamente observada, preparatória do regresso ao estabelecimento, com a tensão emocional que (compreensivelmente, porque o favorecia) pretendia ter justificado a sua atuação – e que não se vislumbrava naquela atuação.
Donde se ter fixado a referida matéria. E, simultaneamente, se tenha excluído a matéria descrita na al. k) dos factos não provados, quer pelas razões expostas, que revelam que a atuação do arguido não se compreende por um impulso face à dificuldade em controlar a sua vontade (pois não só a controla como modela os acontecimentos, orientando-os de forma determinada, coerente e reflexiva, durante um período longo de tempo), quer pelos termos da perícia realizada, que refere algum deficit no controlo volitivo, em termos relativos, sem afirmar que esse deficit perturba, e muito menos perturba seriamente (sensivelmente), a capacidade do arguido em passar ao ato (em se determinar de acordo com a avaliação da ilicitude dos factos que efetue).
Neste ponto, nota-se que o tribunal respeitou integralmente o sentido do relatório pericial (à face o disposto no citado art.º 163 n.º1 do CPP), cujas conclusões periciais factuais acolheu. Sucede que o aspeto aqui em discussão, atinente ao apuramento da (in)capacidade de determinação do agente de acordo com a avaliação que efetua (ou, no caso, quanto à eventual diminuição dessa capacidade), a partir da anomalia psíquica diagnosticada (conexão entre a anomalia psíquica e o facto), traduz um momento que cabe ao tribunal aferir (a partir dos dados técnicos vinculados da perícia, que, repete-se, se respeitaram, mas com amplitude de averiguação, no concreto quadro de avaliação e ponderação ditado pelas circunstâncias do caso)[4].
E, tal como a menção à falta de capacidade de avaliação da ilicitude, ou da capacidade de se determinar de acordo com essa avaliação, constitui um juízo subjectivo factual, também a afirmação (ou não) da existência de uma capacidade de determinação limitada, sensivelmente diminuída, constitui igualmente um juízo de facto, e não apenas um juízo valorativo, ou normativo. E o que se pretende deixar claro é que não consta ou decorre dos factos apurados que a capacidade do arguido para se determinar de acordo com a avaliação da ilicitude dos factos estivesse diminuída (nem muito menos sensivelmente diminuída, como refere o art.º 20 n.º 2 do CP).
Os factos reportados em 27 decorreram do relatório social (em que, pelas suas fontes e metodologia, se confiou), em articulação com os depoimentos, isentos e críveis, das testemunhas O [parente afastado, tinha algum conhecimento sobre a situação do arguido], H [conhecia o arguido] e P [mãe do arguido], e do CRC, juntos aos autos.
O apuramento dos factos descritos em 28 e 30 a 39 decorreu das declarações da assistente B, em articulação com os depoimentos de Q [amigo de D, cuja situação por isso conhecia], R, S e T [amigas da assistente, com alguma proximidade, conhecendo por isso a sua situação], que justificaram a confiança do tribunal. Assim, e apesar de ter direto interesse na causa, a assistente depôs de forma emotiva, mas sincera e convincente, sendo ainda a situação reportada com clareza, isenção e consistência pelas aludidas testemunhas. Além disso, as regras da experiência tendiam a corroborar algumas das afirmações factuais em causa.
Quanto ao descrito em 29 e 40 atendeu-se aos documentos de fls. 416 (assento de nascimento) e 529 (cópia de cartão de cidadão).
Quanto aos factos descritos em 41 e 43 a 50 atendeu-se aos depoimentos, honestos, plausíveis e consistentes, das testemunhas U [a G era sobrinha da sua mulher, tendo por isso algum conhecimento da sua situação], V [conhecia a G por razões profissionais, tendo por isso algum conhecimento da sua situação, frequentando a casa dos demandantes após os factos] e X [amiga da G e dos demandantes, cuja situação acompanha].
Em 42 e 51 atendeu-se aos documentos de fls. 792 (habilitação) e 874 e ss.
A matéria descrita em 52 decorreu dos documentos de fls. 617 e ss.
Quanto aos factos descritos nas als. a), b), c) [o arguido, sem contestação por outros meios de prova, negou estar embriagado, como já se referiu], d) a f), g) h), i), j) [não é curial que o arguido se preocupasse, representando-as, com questões de dinâmica ou balística] e l) a t) dos factos não provados, foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram.
Os factos da al. k), não contidos no despacho de acusação (ou em outras peças), foram considerados por, na sequência da discussão da causa, se suscitar a sua inclusão no objeto do processo, devendo por isso ser conhecidos pelo tribunal, nos termos dos arts. 339 n.º 4 e 368 n.º 2 do CPP.
Eliminaram-se:
- a menção «como consequência direca e necessária», pois, como nota A. Varela, tal não constitui questão de facto (in RLJ 114, pág. 73, nota 10);
- a menção «à “queima-roupa”», por conclusiva: traduz uma valoração do acusador, efetuada a partir dos factos descritos;
- a menção «surpreendê-las», por levar contido um juízo valorativo dos factos descritos, que não deve contaminar a descrição fáctica dos eventos (ainda que se trate de eventos de índole subjetiva)”.
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9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 n.º 1 do CPP).
Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 13.03.91, in Proc. 416794, 3.ª Secção, que mantém atualidade, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art.º 412 do Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição).
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões ou fundamentos em que o recorrente baseia a sua pretensão, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.
Feitas estas considerações, e tendo em conta as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:
1.ª – A errada interpretação do art.º 151 do CPP/nulidade do acórdão (art.º 379 n.º 1 al.ª c) do CPP);
2.ª – A existência de erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP/Se o tribunal julgou incorretamente os factos descritos sob os pontos 21 e 26 da matéria de facto dada como provada/violação do art.º 127 do CPP;
3.ª – Se a factualidade dada como provada não permite concluir que se verifica a agravante prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª j) do CP;
4.ª – A violação do art.º 40 do CP (por não ter sido considerado para a determinação da medida da pena).
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9.1. – 1.ª questão
O arguido – na sua contestação – arguiu a nulidade do processado e da acusação, por violação do disposto nos art.ºs 120 n.º 2 do CPP e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP, e requereu que fossem realizado exame neurológico e ressonância magnética ao arguido para determinar “da incapacidade ou não do mesmo” (sic).
Na audiência de julgamento que teve lugar em 9.03.2012 foi decidido:
A nulidade invocada pelo arguido na sua contestação já tinha sido invocada no âmbito da instrução, tendo sido apreciada e desatendida. Resulta com clareza do regime do art.º 310 n.ºs 1 a 3 do CPP que a decisão proferida naquela fase sobre o tipo de nulidade invocada impede que tal questão seja novamente apreciada pelo tribunal de julgamento, formando-se caso julgado formal sobre a questão decidida.
Por essa razão está prejudicado o conhecimento da invocada nulidade”.
Este despacho não foi objeto de recurso, pelo que também ele transitou em julgado, ou seja, não tendo sido impugnado – podendo sê-lo, sendo que o recurso é meio adequado para reagir contra as decisões judiciais consideradas ilegais - não pode aqui e agora questionar-se a bondade do mesmo, sob pena de violação do caso julgado e da estabilidade das decisões que com este se pretende salvaguardar.
Por outro lado, a entender-se que, ainda assim, o tribunal não realizou quaisquer diligências relevantes para a decisão – note-se que o art.º 340 n.º 1 do CPP impõe ao tribunal um poder-dever de efectuar “a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade” – a omissão de tais diligências, não cabendo em qualquer das situações previstas no art.º 119 do CPP (o que, aliás, o recorrente não questiona), poderia configurar, quando muito - o que apenas se admite para efeitos de raciocínio - a nulidade prevista no art.º 120 n.º 2 al.ª d) do CPP, nulidade que, não tendo sigo tempestivamente arguida, nos termos do art.º 105 n.º 1 do CPP, a partir do seu conhecimento, se teria como sanada.
Não obstante, não deixará de se acrescentar que as diligências pretendidas – exame neurológico e ressonância magnética – não se revestem de qualquer interesse relevante para a decisão da causa, concretamente, para aferir da capacidade ou incapacidade do arguido, pois que do relatório pericial junto e dos esclarecimentos complementares prestados pelo senhor perito – sobre os quais o arguido pôde exercer o seu direito de defesa e pedir os esclarecimentos que tivesse como pertinentes - resulta claramente:
- que “à data da alegada prática dos factos o arguido já sofria da perturbação referida no quesito anterior” (perturbação de personalidade emocionalmente instável do tipo impulsivo/transtorno explosivo-agressivo intermitente), facto que, aliás, foi dado como provado;
- que “a anomalia psíquica de que padece não o impedia de avaliar a ilicitude dos factos, mas condicionou algum défice no controlo volitivo, todavia, sem o impedir de se determinar de acordo com essa avaliação”, ;
- que o tribunal – que acolheu na íntegra as conclusões que dessa perícia resultam, complementadas pelos esclarecimentos que o senhor perito prestou em julgamento - respeitou escrupulosamente o disposto no art.º 163 n.º 1 do CPP, designadamente no que respeita à capacidade do arguido para avaliar a ilicitude da sua conduta e para se determinar de acordo com essa avaliação.
Por outro lado, o relatório apresentado pelo arguido (de avaliação psicológica) não constitui qualquer perícia, pelo que a sua valoração não obedece ao disposto no art.º 163 n.º 1 do CPP, antes está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127 do CPP, e como tal foi valorado, sendo certo que o tribunal não deixou de ponderar e analisar criticamente o depoimento da testemunha que o subscreveu, Prof. M (psicólogo que observou o arguido), o qual “embora tenha referido que o arguido sofra de distúrbio de personalidade (e tivesse sugerido que os factos podiam ocorrer por efeito de acumulação de traumas pessoais), também foi peremptório em reconhecer que a descrita conduta do arguido, imediatamente anterior aos disparos, não era compatível com uma atuação sob o efeito de tal perturbação” (sic); do mesmo modo o depoimento da testemunha N (psicóloga que visitou o arguido), a qual não mereceu credibilidade ao tribunal, pois quando confrontada com a “aparente falta de sintonia entre a conduta objetivamente apercebida pelo arguido e a existência de uma perda de controlo emotivo, acabou por resolver o problema numa espécie de niilismo relativista: não sabia se tal era possível nem tal era possível de saber…”.
Não se vê, consequentemente, porque razão, em face destes depoimentos, assim considerados – os quais, independentemente do mérito técnico dos depoentes, não constituem qualquer perícia, mas um meio de prova testemunhal, cuja apreciação e valoração estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova – haveria o tribunal de se afastar o juízo técnico-científico que resulta da perícia efetuada, sob pena de, aí sim, violar o disposto no art.º 163 n.º 1 do CPP.
Diga-se, para terminar, que a valoração de tais depoimentos e do parecer que lhe subjaz – sujeitos que estão ao princípio da livre apreciação da prova, como anteriormente se deixou dito – não constitui qualquer violação do art.º 151 do CPP, sendo certo que, como supra se deixou exposto:
- por um lado, o arguido pôde exercer em toda a plenitude o exercício do contraditório relativamente à perícia efetuada e esclarecimentos prestados quanto à mesma;
- por outro, a entender que outra deveria ser realizada, o meio adequado era a impugnação do despacho que a indeferiu, quando é certo que com ele se conformou;
- por outro, ainda, a valoração de tais depoimentos (ou de quaisquer outras provas) não se confunde com as questões a que alude o art.º 379 n.º 2 al.ª c) do CPP, ou seja, quando o tribunal aprecia e valora as provas não está a decidir qualquer questão, pelo que uma eventual errada apreciação das provas, a existir (o que não se aceita), não tem como consequência a nulidade do acórdão, mas um erro de julgamento, questão que nada tem a ver com a nulidade a que alude o art.º 379 n.º 2 al.ª c) do CPP.
Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.
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9.2. – 2.ª questão
O arguido discorda da prova dos factos dados como provados nos pontos 21 e 26 da matéria de facto dada como provada, onde se escreveu:
21 – Tinha consciência de que tirava a vida a duas pessoas com o propósito de se vingar delas por causa dos factos descritos, atuando sem hesitação e com domínio de si, após ter decidido e amadurecido o propósito inicial de as abater”;
26 – No caso, o arguido não agiu dominado por um impulso de matar, mas determinado em matar para se vingar”.
Entende o arguido que estes factos são contrariados pelo depoimento do Prof. M, que impõe decisão diversa da recorrida, pelo que foi violado o disposto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP.
Não é assim.
O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, existirá e será relevante quando, apreciada a decisão recorrida, na sua globalidade, se necessário com o recurso às regras da experiência comum, dela ressalta com evidência uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos que não podem ter acontecido, isto é, o que se teve como provado está em desconformidade com o que realmente se provou, seja porque se deram como provados factos incompatíveis entre si, seja porque as conclusões são ilógicas ou inconciliáveis, seja porque se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável (Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 76).
Existirá tal erro – escrevem os mesmos autores, in Código Penal Anotado, vol. II, 2.ª edição, 740 – “… quando se dá como provado algo que notoriamente está errado… quando a versão dada pelos factos é perfeitamente admissível não se pode afirmar a verificação do referido vício”.
Assim entendido, é manifesto que não ocorre o invocado erro notório na apreciação da prova, pois que não ressalta da decisão recorrida que o tribunal tenha errado, muito menos manifestamente, na convicção que formou, pois que esta mostra-se perfeitamente coerente e lógica em face da fundamentação que lhe serve de suporte, seja o relatório pericial e esclarecimentos complementares do senhor perito que o subscreveu, sejam os restantes elementos de prova analisados pelo tribunal, nos termos que acima se deixaram transcritos.
Diga-se, aliás, que o recorrente, invocando a existência de tal vício, concretamente, pela invocada violação do art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, o que questiona é a convicção que o tribunal formou – relativamente a tais factos – por entender que o depoimento do Prof. M “impõe uma decisão diversa da recorrida”.
Assim não o entendemos, sendo que esta conclusão é contraditada pela própria argumentação do recorrente, quando defende que o tribunal está vinculado à prova pericial – o que é verdade, com as limitações decorrentes do art.º 163 do CPP n.º 1 – pois foi essa prova (pericial) que, conjugada com os demais elementos de prova, levou o tribunal a formar a sua convicção no sentido em que a formou, uma convicção lógica, coerente, racionalmente justificada, de acordo com as regras da experiência comum, concretamente, no que respeita à consciência da ilicitude e capacidade do arguido para se determinar de acordo com essa avaliação, pelo que não faz qualquer sentido pretender infirmar tal prova com o depoimento da testemunha referida, cujo depoimento – diga-se - contrariamente ao pretendido pelo arguido, vem corroborar a convicção que o tribunal formou, concretamente, quando afirma que a anomalia psíquica de que padece o arguido “não o impedia de avaliar a ilicitude dos seus atos… condicionou algum défice no controlo volitivo, todavia, sem o impedir de se determinar de acordo com essa avaliação” (sic).
Em suma, o depoimento do senhor Prof. M, acima analisado, não só não impõe conclusão diversa da recorrida, como nem sequer permite conclusão diversa, pois que, conforme se deixou dito, e consta da fundamentação, ele próprio reconheceu em julgamento, sem margem para dúvidas, que a conduta do arguido imediatamente anterior aos disparos – descrita na matéria de facto dada como provada e sintetizada na fundamentação - era incompatível com uma atuação sob o efeito de uma perturbação da sua personalidade (ver fol.ªs 27 deste acórdão).
E sendo assim, como é, não faz qualquer sentido a pretensão do arguido quanto à não prova de tais factos, pretensão que não tem suporte na prova testemunhal invocada e colide que a prova pericial realizada.
Consequentemente, é destituída de fundamento a invocada violação do princípio da livre apreciação da prova, pois que as provas produzidas em audiência de julgamento foram criteriosamente analisadas – de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade, no respeito pelo disposto nos art.ºs 127 e 163 do CPP – mostrando-se a convicção do tribunal racionalmente justificada, no rigoroso respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127 do CPP.
Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.
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9.3. – 3.ª questão
Entende o arguido que não se verifica a agravante prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª j) do CP, que o tribunal decidiu pela existência desta agravante, “apesar de todas as incertezas que manifesta na sua fundamentação”, existindo “contradição entre os factos provados e contradição insanável entre a fundamentação e a qualificação jurídica”.
1) Relativamente aos factos provados, não concretiza o arguido nas conclusões quais os factos que, no seu entender, estão em contradição.
Parece, porém, resultar da motivação que entende estarem em contradição os factos descritos nos pontos 25 e 26.
Consta desses pontos:
25 – Sofria, à data dos factos (e desde o final da adolescência, início da idade adulta) de perturbação de personalidade emocionalmente instável do tipo impulsivo/transtorno explosivo – agressivo intermitente, que importa algum deficit no controlo volitivo, sentindo o arguido um impulso para passar ao ato”;
26 – No caso o arguido não agiu dominado por um impulso de matar, mas determinado em matar para se vingar”.
Não se vê onde está a contradição.
A contradição entre os factos provados existirá quando os mesmos se mostram incompatíveis entre si, havendo uma impossibilidade lógica de ambos terem ocorrido nos termos dados como provados.
Não é isso que ocorre no caso em apreço, pois que os factos supra descritos são perfeitamente compatíveis, ou seja, o facto do arguido sofrer de perturbação de personalidade (nos termos descritos no ponto 25) não é incompatível com aquele outro de que naquela situação o arguido “não agiu dominado por um impulso de matar, mas determinado em matar para se vingar”.
2) Pretende o arguido que existe contradição entre a fundamentação (da matéria de direito) e a qualificação jurídica (por considerar que o arguido atuou em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade).
E concretiza dizendo:
A fol.ªs 27 do acórdão escreve-se: “Está, com efeito, provado que o arguido sofre de patologia psíquica, mas também se apura que esta patologia não o impede de avaliar a ilicitude dos factos nem se determinar de acordo com essa avaliação. Assim, o subtrato material da culpa, em termos imediatos, está demonstrado: o arguido revelou, de facto, uma atitude de contrariedade ao bem jurídico protegido, em condições de ação livre, no sentido de que dispunha da liberdade de conformação da sua conduta face aos valores.
Sucede, porém, que também se apura que esta patologia psíquica (personalidade emocionalmente instável do tipo impulsivo/transtorno explosivo – agressivo intermitente) importa algum deficit no controlo volitivo, sentindo o arguido um impulso para passar ao ato. Descrição que poderia sugerir a existência de uma situação de imputabilidade diminuída”.
E mais à frente:
Ora, neste quadro cabe por começar por salientar que não está efectivamente apurado que o arguido sofre de imputabilidade diminuída: ao invés, foi expressamente excluída a possibilidade da sua capacidade de determinação estar sensivelmente afetada. Apura-se que existe algum, relativo, deficit volitivo, mas sem que este tenha reflexos relevantes no caso. Aqui não há dúvida na apreensão da personalidade do arguido projetada no facto”.
Não se vê nestes extratos – aliás, retirados do seu contexto – qualquer contradição.
Logo a seguir, e em jeito de conclusão, fica clara a posição do tribunal quando a esse respeito escreve:
E no caso está demonstrado que o arguido não age num impulso «explosivo», mas em termos que revelam uma atuação calma e ponderada, mantida por mais de uma hora. Aqui não está presente uma fragilidade volitiva, mas o oposto, uma firmeza volitiva sensível, mantida e conservada sem hesitações. Ele não só controlou o impulso como o manteve e estruturou… O aludido deficit volitivo não se traduziu numa menor liberdade, não provocou diferenças relevantes face ao agir esperado do homem médio…
O que exclui qualquer relevo específico nesta sede da exposta situação psíquica do arguido, no sentido de diminuir a sua capacidade de culpa, a sua capacidade de ser portador de um juízo de censura pessoal em condições normais (apreensíveis)”.
Não se vê, consequentemente, onde está a invocada contradição, pois que tal argumentação mostra-se perfeitamente coerente e lógica, não se suscitando quaisquer dúvidas quando à correção do raciocínio que o tribunal seguiu na argumentação que utilizou e, consequentemente, quanto às conclusões que retirou.
3) Quanto à agravante prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª l) do CP, justificou o tribunal a sua existência, dizendo, em síntese:
Mas já se crê ocorrer a frieza de ânimo. Com efeito, vê-se que o arguido, após tomar a decisão homicida, a executa de forma clama, controlada, serena e persistente: obtém transporte até ao seu domicílio, manipulando o transportador (mentindo sobre a sua atuação, ocultando a arma que obtém em casa e mantendo, ao longo da viagem de cerca de uma hora, uma aparência de normalidade e serenidade); no seu domicílio escolhe, de entre as quatro armas aí existentes, a mais adequada à sua atuação (porque mais pequena e assim mais fácil de esconder, primeiro, e mais fácil de manusear, depois, dentro de uma habitação, e para disparara a curta distância)” – o que “dá conta da ponderação e calma preparação dos factos subsequentes”, escreve-se em nota – “no local dos factos, cerca de uma hora depois da sua expulsão, municia a arma, entra no hall do bar e, sem aviso ou qualquer outra atitude, e a curta distância, dispara para matar; passa por cima do corpo da primeira vítima e dirige-se à segunda vítima, que se escondera e, novamente sem compasso de espera ou hesitação, mata com disparo a curtíssima distância. Isto reporta justamente o «estado de serenidade e calma, aberto à ponderação, um estado de espírito que, usando palavras de Eduardo Correia, mostra que o utente teve oportunidade “para se deixar penetrar pelos contra motivos sociais e ético-jurídicos de forma a (…) desistir do seu desígnio” (in Direito Criminal, II, pág. 301), residindo a justificação da agravação na insensibilidade a essas contra motivações, reveladora de uma vontade criminosa particularmente intensa e, portanto, de especial perigosidade», que constitui a frieza de ânimo” (acórdão do STJ, Proc. 494/09.9GDTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt).
E maia adiante escreve-se:
… considera-se que os termos da agressão, já suficientemente caraterizados (atuação calculada, com serena ponderação dos meios – para aceder à arma, no regresso, na forma de consumação da intenção - modeladora e manipulativa das condições presentes, distanciada, culminando numa verdadeira execução das vítimas – disparos à queima roupa, dirigidos à cabeça, sem qualquer hesitação ou perturbação), reflectem, do ponto de vista da frieza de ânimo diagnosticada, uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa (especialmente censurável), «um desrespeito acrescido ou de um desprezo extremo, do autor, pelo bem jurídico protegido», em que «os sentimentos que levaram o arguido à prática do crime são de todo desproporcionados e injustos, e a sua reação não se compreende»”.
Consequentemente, perante a ponderada análise dos factos que se deixa descrita – concretamente, as circunstâncias em que os factos ocorreram e modo como o arguido preparou a morte das vítimas – não pode deixar de se concluir que o arguido atuou efetivamente com frieza de ânimo, em circunstâncias (supra descritas) que revelam uma especial censurabilidade.
A clareza da decisão recorrida e os fundamentos utilizados – aliás, com recurso a doutrina e jurisprudência pertinentes - dispensam outras considerações a este propósito.
Não deixará se de anotar que a agravante prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª j) do CP - concretamente, a atuação com “frieza de ânimo” - não pressupõe, contrariamente ao que o arguido pretende fazer crer, a persistência da intenção de matar por mais de 24 horas (essa é apenas uma das circunstâncias, entre outras, que nesse preceito se enumeram a título exemplificativo, susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que alude o n.º 1 daquele preceito), ela ocorrerá quando o agente “age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana” (acórdão do STJ de 16.05.02, Proc. 585702-5) – como no caso aconteceu – tendo o arguido tomado a decisão de matar, cerca de uma hora antes, planeando e preparando, de modo ponderado e calculado até ao pormenor, a melhor forma de alcançar o objectivo que visava – conforme consta da matéria de facto dada como provada - sem qualquer possibilidades de defesa das vítimas.
Improcede, por isso, a 3.ª questão supra enunciada.
9.4. – 4.ª questão
Entende o arguido que a pena de prisão aplicada, de 25 anos, se mostra exagerada, face “às necessidades de prevenção especial e à personalidade do arguido, que é primário”, que a decisão recorrida “não ponderou o vertido no art.º 40 do CP”, que “foi violado o art.º 71 do mesmo código” (sic).
Ora, não é verdade que o tribunal não ponderou o vertido nos art.ºs 40 e 71 do CP, como bem se vê de fol.ªs 35 e 36 da decisão recorrida (embora sem referência expressa ao art.º 40), onde se deixaram expressas as razões concretas que levaram o tribunal a determinar as penas de prisão concretas que lhe foram aplicadas, por outro lado, ao recorrente que divirja da decisão não basta manifestar a sua divergência, impondo-se que – até pela natureza do recurso – diga concretamente onde é que o tribunal errou e porque razão esta ou aquela pena devia ser outra, o que o recorrente não faz, ficando-se sem perceber porque razão haveria o tribunal de condenar o arguido em penas diferentes.
Não deixará de se acrescentar que na decisão recorrida se ponderaram, para além das exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, todas as circunstâncias consideradas relevantes que militam contra e arguido e a seu favor, designadamente aquelas que o arguido invoca em seu benefício, circunstâncias de diminuto relevo em face da gravidade dos factos, sendo certo que não é verdade que a culpa se ache sensivelmente diminuída, como o arguido pretende fazer crer, pelas razões que antes se deixaram expressas.
Consequentemente, em face do que se deixa dito, não vemos razões para censurar, quer as razões que presidiram à determinação da medida concreta das penas, quer as penas aplicadas, que – não indo além da culpa – se mostram adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Também a pena única (de 25 anos de prisão) – dentro da moldura de 21 anos a 25 anos de prisão, por força do disposto no art.º 77 n.º 2 do CP – se mostra bem ponderada, tendo em conta, por um lado, a globalidade dos factos (o número e a natureza dos crimes praticados, especialmente os crimes de homicídio, as circunstâncias em que foram planeados e executados e a arma utilizada), por outro, a personalidade do agente (uma personalidade vingativa, calculista, insensível ao valor da vida humana, bem indiciadora da falta de preparação para manter uma conduta lícita, em conformidade com as regras de uma sã vivência em sociedade), circunstâncias que bem evidenciam o elevado grau da ilicitude e da culpa e, consequentemente, a necessidade da pena.
Improcede, por nisso, também nesta parte, o recurso.
10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em confirmar na íntegra o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.
(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 2013/01/29
Alberto João Borges
Maria Fernanda Pereira Palma

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[1] Num disparo à distância, a bucha não atinge o alvo
[2] A testemunha H referiu um saco
[3] E não peritos, pois não intervêm em perícias no processo
[4] V. Elisabete Amarelo Monteiro, Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída, Coimbra Editora 2012, pág. 93 e 119