Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
316/14.9 GTABF.E1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
TITULO DE CONDUÇÃO CADUCADO/CANCELADO
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O legislador distingue, no artigo 130.º do Código da Estrada, a caducidade e o cancelamento do título de condução. Enquanto no nº1 se refere que o título de condução caduca o que, naturalmente, inculca que tal situação opera ope legis sem necessidade de qualquer declaração para o efeito, já no nº3 refere-se de forma bem distinta que o título de condução é cancelado (e já não que o mesmo título se considera cancelado), ou seja, nesta segunda situação impõe-se uma tomada de decisão para o efeito.

II – Por isso que o titular de título de condução caducado, mas não cancelado, não incorre no crime de condução sem habilitação legal, mas antes na contra-ordenação prevista no artigo 130.º, n.º7 do Código da Estrada.
Decisão Texto Integral:
Decisão sumária

I- Relatório
O MP veio recorrer da sentença que absolveu FR da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º/1 e 2 do D.L. 2/98 de 3-1 e declarou extinto, por prescrição, o procedimento relativo à contra-ordenação prevista no 130º, nº7 do Código da Estrada.

O recurso apresenta as seguintes conclusões:

“1- Foi o arguido absolvido da prática do crime de condução sem habilitação legal que lhe vinha imputado, por ter entendido a M.ma Juiz recorrida que não estão preenchidos todos os elementos constitutivos deste tipo legal de crime;

2- Discordamos porém, de tal douta decisão, sendo que o que nos separa da douta posição defendida pela M.ma Juiz recorrida é tão só a seguinte questão: o cancelamento do título de condução a que se refere o nº 3 do art. 130º, do Código da Estrada opera automaticamente logo que verificados os elementos aí referidos, ou antes só opera após prolação de decisão administrativa nesse sentido?;

3- Enquanto a M.ma Juiz recorrida entende que o cancelamento do título de condução só se verifica quando a entidade administrativa competente para o efeito, neste caso o IMTT, produz decisão válida e legalmente nesse sentido, já nós defendemos posição contrária;

4- Dos factos apurados nos autos resulta que entre a data em que caducou a carta de condução do arguido – 08.03.2008 – e a data em que o arguido foi interceptado a conduzir um veículo automóvel pela via publica – 27.04.2014 – decorreu um período de tempo superior a 5 anos, não tendo este revalidado a sua carta de condução, e não era detentor ou titular de documento válido com igual valor;

5- Estão, assim, verificadas as circunstâncias previstas na al. d) do nº 3, do art. 130º do Código da Estrada, ou seja, a carta de condução do arguido à data de 27 de Abril de 2014 encontrava-se cancelada, por decurso do tempo, e não apenas caducada;

6- Independentemente de ter sido, ou não, proferida decisão administrativa pela autoridade competente, neste caso o IMTT, no sentido do cancelamento da referida carta de condução;

7- A renovação do título de condução, a sua caducidade, o seu cancelamento operam apenas, e tão só, por força do decurso do tempo, e não pela prolação de qualquer decisão administrativa;

8- Assim, os factos dados como provados na douta sentença recorrida mostram-se integradores da prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº1 e 2, do Decreto Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro;

9- E não se diga que não se verifica o elemento subjectivo;

10- Como resulta do ponto 5 dos factos dados como provados, facto que foi confessado pelo arguido e confirmado pelo agente autuante, o arguido sabia que a sua carta de condução estava caducada, e que não podia conduzir nessas circunstâncias, e ainda assim conduziu;

11- Decidindo-se como se decidiu, verifica-se que foi violado o disposto pelo art. 130º, nº3, al. d), e nº 5, do Código da Estrada.

Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, a douta sentença ora recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que condene o arguido FR pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal”.

O arguido não respondeu ao recurso.

Nesta Relação, a Exª PGA emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

II- Fundamentação
Factos provados

“1) No dia 27 de Abril de 2014, pelas 15 horas e 22 minutos, ao km 715,750 do IC, em São Marcos da Serra, o arguido conduzia o veículo automóvel, matrícula --VX.

2) O arguido é titular da carta de condução n.º E75405, emitida para as categorias B e B1, válida, após a sua revalidação, até 08 de Março de 2018

3) Na data mencionada em 1), o título de condução n.º E75405 encontrava-se caducado desde 08.03.2008.

4) Em 20 de Maio de 2014, o arguido requereu, junto do IMTT, a revalidação do seu título de condução, tendo sido aprovado em exame prático a que foi sujeito em 09.09.2015.

5) O arguido sabia que o seu título de condução estava caducado e que não podia conduzir nessas circunstâncias e ainda assim conduziu.

6) O arguido foi empresário no ramo hotelaria.

7) Encontra-se desempregado há cerca de 4 anos, vivendo de economias e com a ajuda de familiares.

8) O arguido tem como habilitações literárias o 8.º ano de escolaridade.

9) O arguido não tem averbado qualquer condenação no certificado do registo criminal”.

Motivação de facto
“A convicção do Tribunal relativamente aos factos que deu como provados e bem assim aqueles que deu como não provados, assentou, na prova produzida em audiência de julgamento compaginada com a documentação junta aos autos.

Foram desde logo valoradas as

1) declarações do arguido, que disse desconhecer a necessidade de revalidar a carta aos 50 anos, por ter vivido em Espanha, referindo ainda que diligenciou pela regularização da situação tendo obtido carta de condução, cuja cópia foi junta aos autos.

2) o depoimento da testemunha LM, que de forma isenta (sem prejuízo das conclusões jurídicas a que chegou), certificou, as circunstâncias de tempo e lugar em que fiscalizou o arguido, referindo ainda que o mesmo tinha consigo uma licença de aprendizagem, não carimbada (não certificando tal documento, nem a frequência de prova teórica ou de prova pratica), não se encontrado munido de carta de condução. Constatou ainda que o referido depoente, que em face das buscas que fez, que a carta de condução do arguido se encontrava caducada há mais de cinco anos tendo dai concluído, sem que tal informação lhe tivesse sido prestada por qualquer entidade administrativa, pelo cancelamento do título de condução do arguido

Ora, face a prova produzida, no presente caso, dúvidas não temos que o arguido sabia que o seu título de condução estava caducado e que não podia conduzir com o mesmo e daí que até se encontrasse munido de um documento que até era revelador da necessidade de obter um novo título.

A verdade, contudo, é que o referido titulo, embora caducado há mais de cinco anos, não foi objecto de decisão de cancelamento por parte do IMTT.

Bem pelo contrário, o referido titulo embora caducado foi mesmo revalidado pelo IMTT, na sequência de diligências, realizadas em momento posterior aos factos objecto destes autos, pelo arguido.

Veja-se que o IMTT, nas duas comunicações que fez aos autos, utiliza sempre o termo «revalidação».

Com efeito, resulta da informação constante de fls.s 110, prestada pelo IMTT que o arguido é titular da carta de condução E-75405 (ou seja a carta de condução caducado e a carta obtida, posteriormente, mantêm o mesmo número), emitida a 09.09.2015, após ter sido aprovado em exame prático a que foi sujeito em 09.09.2015, na sequência de pedido de revalidação por caducidade das categorias A e B.

Pelo que da prova produzida resulta que o título de condução do arguido estava tão somente caducado (inexistindo cancelamento do mesmo) e que o arguido era conhecedor desse facto e também de que não podia conduzir nessas circunstâncias e que ainda assim conduziu.

Foi ainda valorada a seguinte prova documental:
1- Auto de notícia de fls.3 e ss.
2- Informações do IMTT de fls 15 e de fls110.;
3- Cópia da carta de condução de fls.106;

As condições pessoais do arguido resultaram da tomada em consideração das suas próprias declarações e a ausência de antecedentes criminais do certificado do registo criminal de fls. 105”.

Motivação de direito relevante
“… Nos termos do disposto no artigo 121.º º do Código da Estrada, só é permitida a condução de veículos a motor em via pública a quem estiver habilitado, considerando-se como tal, a carta de condução.

O crime em causa nos autos exige, além do elemento objectivo, o elemento subjectivo, pois trata-se de um crime doloso.

Assim, exige-se que o agente, apesar de saber que não possui habilitação legal para conduzir veículo com motor na via pública, o tenha querido fazer.

Ora, no caso em apreço, resultou provado que o arguido é, actualmente, titular de carta de condução n.º E75405, emitida para as categorias B e B1, válida até 08 de Março de 2018.

Sendo certo que o referido titulo, à data dos factos, se encontrava (indubitavelmente) caducado e sendo ainda certo que apesar de se encontrar nessas circunstâncias há mais de 5 (cinco) anos, o referido titulo não chegou, na verdade, a ser objecto de cancelamento por parte do IMTT, tendo sido, sim, a referida entidade administrativa permitida até a sua revalidação.

Tendo ocorrido revalidação do título de condução do qual o arguido sempre foi titular e tendo presente que de acordo com o preceituado no artigo 130.º n.º5 do Código da Estrada, apenas os titulares do título de condução cancelados se consideram não habilitados a conduzir (hipótese legal que não correu no caso concreto), impõe-se, pois, sem mais considerandos, absolver o arguido da prática do crime que lhe era imputado

Mais se dirá que, no caso concreto, o comportamento do arguido – condução de veículo automóvel, sendo titular de título de condução caducado - consubstanciaria, sim, a prática, pelo mesmo, do ilícito contra-ordenacional., previsto e punido 7.º do art.º. 130.º do Código da Estrada.

Contudo, há que não descurar, in casu, os prazos de prescrição previstos no art. 188º do Código da Estrada.

Prescreve o art. 188º do Código da Estrada que o procedimento da contra-ordenação rodoviária se extingue por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação tenham decorrido dois anos.

Ora, tendo em atenção que os factos em apreciação foram praticados pelo arguido no dia 27 de Abril de 2014 e que o próprio arguido viria a ser notificado da acusação deduzida nestes autos (facto esse a que se poderia reconhecer efeito interruptivo do prazo de prescrição, por via do disposto no art.28.º, n.1, al. a do RGCO) apenas em 02 de Outubro de 2016 – vfr. Fls. 103 (ou seja volvidos mais de dois anos sobre a data dos factos), há, pois, que concluir que o procedimento contra-ordenacional se encontra, prescrito – com referência a data de 28 de Abril de 2016 -, não podendo o arguido ser responsabilizado pela prática do ilícito em questão.

Impondo-se, assim, igualmente, declarar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional pela prática do ilícito de contra-ordenação prevista no artigo 130.º, n.º7 do Código da Estrada”.
*
Apreciando
Entende o recorrente, em síntese, que o cancelamento da carta de condução opera ope legis e verificando-se que a mesma se encontrava caducada há mais de 5 anos, deveria o arguido ter sido condenado pelo crime que lhe vinha imputado.

No seu parecer a Exª PGA invoca o seguinte:
… a Lei distingue entre título caducado (n.º 1), e título cancelado (n.º 3).

O título caducado (n.º 1) é punido como contra-ordenação (n.º 7).

Já o condutor com título cancelado (n.º 3) é considerado não habilitado (n.º 5). E como tal, por efeito da remissão do art.º 3.º do DL n.º 2/98 para o preenchimento da falta de habilitação, incorre na prática do crime.

Nos termos do n.º 5 do preceito, na nova redacção apenas são considerados não habilitados os titulares de títulos de condução cancelados…

Ora, por outro lado, quer a caducidade, quer o cancelamento da licença de condução têm de ser declaradas, já que a sua verificação não automática (vide neste sentido, quanto à declaração de caducidade da carta provisória, o Ac. deste TRE de 19-12-2013-Pº nº 227/11.0PATVR.E1)

Assim, em princípio, preferencialmente deve ser a autoridade administrativa competente a fazê-lo, embora, salvo melhor entendimento, também o possam/devam fazer os tribunais que conheçam processualmente da matéria num caso concreto (vide neste sentido, o Ac. do TRP de 22-04-2015-Pº nº 73/13.6PCVCD.P1).

Porém, tal só poderá acontecer se os factos donde decorre tal caducidade, ou cancelamento, constarem da acusação imputada concretamente ao arguido, caso contrário, poderia entender-se que se extravasava os limites definidos no objecto do processo, limitados pelo P. do Acusatório (vide neste sentido, os Acs. do TRE de 19-12-2013-Pº nº 227/11.0PATVR.E1 e de 11-07-2011- P nº 22/11.6GBCMN.G1)

Ora, no caso sub judice, salvo melhor entendimento, não tinham sido declarados, nem caducidade, nem o cancelamento da licença de conduzir do arguido, embora se tratasse efectivamente, à data dos factos, de um caso de caducidade ocorrida há mais de cinco anos, com as legais consequências (artº 130º nºs 3, al. d) e 5 do CE)

Assim, entende-se, que o próprio tribunal poderia ter declarado a cessação da licença, mas para tal, teriam de ter sido levado à acusação os factos respectivos, e tenho tal sido expressamente requerido.

Ora, não o tendo sido, entende-se que, o tribunal não podia extravasar dos seus poderes no âmbito do P. Acusatório.

Assim, em conformidade, e apesar da boa fundamentação das alegações do recurso interposto, entende-se que este não deve ser procedente, pelo que, não tendo sido violada qualquer norma, deve a decisão em causa ser mantida na íntegra”.

Ora, compulsados os autos, resulta patente a razão que assiste ao Tribunal a quo, subscrevendo-se o respectivo entendimento, onde de forma escorreita e pertinente se esclarece a situação em análise, tornando manifestamente desnecessários grandes acrescentos, ficando, somente, consignadas duas ou três notas, ante a forma como o recurso surge estruturado.

Assim, importa ter presente, desde logo, a própria redacção do art. 130º do Código da Estrada (na redacção decorrente do DL 138/2012, de 5 de Julho, com início de vigência a 2 de Novembro de 2012):

“Artigo 130.º
Caducidade do título de condução

Caducidade e cancelamento dos títulos de condução
1- O título de condução caduca se:
…..
3- O título de condução é cancelado quando:
…”
Enquanto no nº1 se refere que o título de condução caduca o que, naturalmente, inculca que tal situação opera ope legis sem necessidade de qualquer declaração para o efeito, já no nº3 refere-se de forma bem distinta que o título de condução é cancelado (e já não que o mesmo título se considera cancelado), ou seja, nesta segunda situação impõe-se uma tomada de decisão para o efeito.

E, em consonância com o Código da Estrada estabelece o art. 2º, n.º 1, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, publicado em anexo ao Dec. Lei 138/2012, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 37/2014, de 14-3, que “Os títulos de condução, com excepção dos títulos para condução de veículos pertencentes às forças militares e de segurança, são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dois Transportes, IP, nos termos do Código da Estrada e do presente Regulamento”.

Existe assim uma norma legal atribuindo competência à administração (IMIT-IP) para cancelar os títulos de condução, nos termos do Código da Estrada, ou seja, sempre que o Cód. da Estrada preveja a possibilidade desse cancelamento.

Daí que não tendo a carta do arguido - que se encontrava em situação de caducidade - chegado a ser cancelada, tendo, antes pelo contrário, o IMTT permitido a revalidação da mesma (o que não é de estranhar ante o disposto no nº2 do mesmo art. 130º do Cód. Estrada), se imponha como correcta e justa a decisão constante da peça recorrida.

Acresce que perante o teor singelo e meramente conclusivo (ignorando a factologia já apurada nos autos e o direito aplicável) da peça acusatória constante dos autos (fls. 46) que se limitava a referir não ser o arguido titular de carta de condução (o que manifestamente nunca correspondeu ao evidenciado pelos mesmos - vd., desde logo, o auto de notícia), jamais a decisão poderia ser diferente da que foi, simples absolvição.

Finalmente, tão pouco o presente recurso poderia alguma vez chegar ao fim almejado, sem a adequada impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, uma vez terem muito correctamente sido considerados não provados os elementos subjectivos do tipo de crime que vinha acusado e o constante do nº 5 dos factos provados se reportar em exclusivo a situação de caducidade e à inerente contra-ordenação e não ao cancelamento reclamado pelo tipo de crime.

Improcede, em consequência, o presente recurso.

III- Decisão
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Sem tributação.

Évora, 17/10/2017

ANTÓNIO CONDESSO