Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
271/11.7ECLSB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
MODALIDADE AFIM
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A introdução de moedas numa máquina, que podem variar entre € 0,50 e € 2,00, atribuindo a máquina (ou não) pontos (créditos), que, a final, poderão ser transformados em dinheiro (quantias em dinheiro que, no jogo denominado “Colorama”, podem chegar ao limite máximo de € 200, e que, no jogo chamado “Super Colorama”, podem atingir o limite máximo de € 400,00), tudo (a atribuição de prémios) dependendo de a luz das máquinas parar (ou não) em orifício premiado (ou não), e orifício com indicação de pontos (créditos) correspondentes aos prémios em dinheiro (se os orifícios onde a máquina parou forem premiados), não constitui crime, mas sim contraordenação, pois as máquinas de jogo em causa não desenvolvem jogo de fortuna e azar, mas uma “modalidade afim de jogos de fortuna e azar”.

II - Apesar de não possuírem um mecanismo de jogo totalmente idêntico àquele que determinou a prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2010 (proferido pelo S.T.J. e publicado no D.R., Iª Série, de 08-03-2010), as máquinas em causa consubstanciam uma situação que, nos seus contornos essenciais, é coincidente com os jogos sobre os quais se debruçou esse Acórdão do S.T.J..

III - Assim, em vez de os prémios se encontrarem anunciados num cartaz, e em vez de tais prémios corresponderem a um determinado número ou a uma certa referência existente numa bola, são as próprias máquinas que têm assinalados os orifícios a que correspondem os prémios, dependendo a atribuição desses prémios de a luz parar ou não nos aludidos orifícios.[1]
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, com o nº 271/11.7ECLSB, da Comarca de Setúbal (Sesimbra - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 2), realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 22-06-2015, na qual foi decidido nos seguintes termos (em transcrição):

“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decido:

A) Absolver JM, da prática, como coautor, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, alínea g) e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro;

B) Absolver M e MI, da prática, como coautores, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, alínea g) e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro;

C) Condenar M. pela prática, como coautor material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano de prisão e 190 (cento e noventa) dias de multa;

D) Substituir, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão aplicada em C) por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa;

E) Nos termos do artigo 6º, n.º 1 do diploma preambular que aprovou o Código Penal, Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, condenar o arguido M., em cúmulo material das penas referidas em C) e D), na pena única de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito) euros, o que perfaz € 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos euros).

F) Condenar MI pela prática, como coautora material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do mesmo diploma legal, na pena de 3 (três) meses de prisão e 90 (noventa) dias de multa;

G) Substituir, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão aplicada em F) por 90 (noventa) dias de multa;

H) Nos termos do artigo 6º, n.º 1 do diploma preambular que aprovou o Código Penal, Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, condenar o arguido M, em cúmulo material das penas referidas em F) e G), na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito) euros, o que perfaz € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros).

I) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se em 4 UC´s a taxa de justiça, nos termos dos artigos 513º e 514.º do Código de Processo Penal e do artigo 8º, n.º 9, 16.º e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

J) Declarar perdidas a favor do Estado as duas máquinas e/ou utensílios de jogo apreendidos nos autos e ordenar a sua destruição, nos termos do disposto nos artigos 109.º do Código Penal e 116º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, bem como ordenar o perdimento a favor do Fundo de Turismo do dinheiro apreendido nos autos, nos termos do artigo 117.º do mesmo diploma legal”.

Inconformados com tal decisão, interpuseram recurso os arguidos M e MI, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A. No que se refere à factualidade tida como provada, entende, desde logo, o Recorrente, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, estar a douta Sentença ora recorrida inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C. P. Penal), relativamente aos factos dados como provados em 2), 3), 5), 30), 31), 32), 33) e 34), factualidade fulcral para a condenação dos Recorrentes M e MI, a qual parece decorrer de uma interpretação pessoal e própria. Isto porque,

B. Não obstante, tudo o vertido na douta Sentença recorrida, pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, no que à fundamentação da sua convicção sob tais pontos de facto se refere, a verdade é que, a assunção dos mesmos como assentes, teve por base, não uma qualquer prova concreta ou mesmo conclusões irrefutáveis e decorrentes obrigatoriamente de factos tido como provados, mas sim, única e exclusivamente, verdadeiras deduções e juízos de valor [decorrentes da interpretação pessoal e própria da Meritíssima Juiz de Direito que elaborou a aludida sentença, e não porque, sustentados por um qualquer meio de prova legal e de passível aplicação/subsunção ao caso concreto] que, entendem modestamente os Recorrentes não deveriam e não poderiam ter tido lugar, e que culminaram em conclusões prováveis e, aos olhos daquele Tribunal, mais suscetíveis do que outras.

C. Bastando, para tal, aferir do douto raciocínio do Digníssimo Tribunal “a quo” quanto à valoração do depoimento prestado pela testemunha PG, Inspetor da ASAR, e dos documentos de fls. 11 a 16 dos autos, na medida em que, e conforme bem resulta, relativamente à propriedade das máquinas apreendidas, essa testemunha se limitou a confirmar o vertido no Auto de Notícia e relatar ao Tribunal “a quo” aquilo que a ele foi transmitido/dito pelo então suspeito JV e que posteriormente foi constituído arguido, pelo que uma tal valoração daquilo que a nossa lei processual penal chama de “Depoimento Indireto”, valoração essa, a qual, nos termos do preceituado no n.º 1 do art. 129.º do C. P. Penal, não poderia ter ocorrido.

D. Na medida em que, as declarações dessa testemunha, na parte em que confirma o vertido no Auto de Notícia, quanto a uma qualquer identificação do “proprietário” das máquinas dos autos, reproduziu aquilo que lhe havia sido então transmitido pelo então suspeito JV (que posteriormente foi constituído arguido e foi absolvido do crime que lhe era imputado por judicialmente se ter reconhecido que da não prova que o mesmo seria o explorador do “Café V”), e por se reportarem a um autêntico discurso “indireto” do mesmo (que, em sede de audiência, fazendo uso de um seu direito legal, não prestou declarações sobre os factos), não poderiam assumir uma qualquer relevância para a formação da convicção do Tribunal “a quo”.

E. Até porque, sempre se entende que, o “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição” – vertido na alínea b) do n.º 2 do art. 249º do C. P. Penal –, de modo algum poderá ser interpretado de molde a que uma identificação feita por dos “agentes da infração” possa ser entendida e catalogada como um qualquer meio, “legal”, cautelar de obtenção de prova, ainda que mais não seja perante o silêncio, “legalmente válido”, daquele arguido em sede de audiência de julgamento.

F. Pois que, «no que respeita à recolha de informações úteis relativas ao crime, é ressalvado, em relação ao suspeito, o cumprimento do disposto no art. 59º do C. P. Penal – n.º 8º do art. 250º do C. P. Penal. Isto é, sempre que surja fundada suspeita de que a fonte da informação possa coincidir com o arguido de um crime, o órgão de polícia criminal suspende de imediato o pedido de informações, sob pena de tais informações não puderem ser usadas contra ela.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.0YRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt,

G. Donde, a ainda segundo o vertido naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, «No caso dos autos [do recurso em apreço, mas, em situação factual em tudo similar ao caso presente], tendo o arguido usado em audiência o seu direito ao silêncio, não poderiam as suas declarações, prestadas perante os agentes da ASAE, antes ou depois de ter sido constituído arguido, serem usadas, como o foram, para comprovar a prática de qualquer ilícito criminal ou contraordenacional».

H. Sendo de atender ainda, em tudo o melhor exposto naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, no sentido da proibição total de valoração das declarações prestadas, independentemente de o haverem sido antes ou depois da constituição como arguido da pessoa que as presta, designadamente no que alude ao vertido nos Acórdãos do S.T.J., de 11/7/01, de 7/2/01 e de 10/1/01, e Acórdão da Relação de Évora, de 13/1/2004.

I. Da análise do art. 61.º do C. P. Penal, o qual deverá ser entendido como verdadeiro “estatuto do arguido”, dos direitos e deveres daí decorrentes para o mesmo, e da sua aplicação ao caso presente, sempre resulta, que «se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos nºs 1 a 3 do art. 58º, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido, nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.0YRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nossos).

J. No caso presente, e atento todo o circunstancialismo em que se deu a aludida conversa entre o Sr. Inspetor da ASAE e o arguido JV, nunca uma alegada “confissão”/“declaração” – indicação do alegado proprietário das 02 máquinas apreendidas – proferidas por aquele poderiam haver sido valoradas em sede de convicção do Digníssimo Tribunal “a quo” – Cfr., neste sentido, douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, proferido no âmbito do Proc. 3/10.7PCPRT.P1 – 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt),

K. De modo que, e conforme o vertido no já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, atendendo-se ao preceituado no art. 61º, n.º 1 do C. P. Penal, no que se refere aos direitos e deveres processuais do arguido, sempre «do texto da norma entendemos que resulta que se à abordagem pelo OPC preside uma suspeita de prática de ilícito penal, então o indivíduo terá, logo inicialmente, que ser constituído arguido, antes de qualquer declaração sobre os factos.»,

L. Devendo, por isso, concluir-se que, tendo aquele arguido JV prestado declarações sobre os factos, seja, tendo “identificando” o alegado coautor dos factos (reportando para um documento, sem nunca proceder à identificação da concreta pessoa física) que ora se pretendem ver assacados aos Arguidos, enquanto legais representantes da sociedade comercial “Recreativos CR”, em momento anterior à sua constituição como arguido, não podem essas suas declarações ser valoradas pelo Digníssimo Tribunal, porque a isso obsta a lei,

M. O mesmo sucedendo, com as declarações do Sr. Inspetor da ASAE, enquanto OPC (mesmo na parte em que “confirmam expressamente tudo o vertido no Auto de Notícia”), que reproduzem as declarações do arguido JV (então na qualidade de suspeito), pois que, relatam o conteúdo de uma prova ilegal, resultando da sua valoração uma clara violação da lei – Cfr., neste sentido, o já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, proferido no âmbito do Proc. 3/10.7PCPRT.P1 – 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt).

N. De modo que, no que se refere à fundamentação da douta Sentença recorrida quanto aos pontos de facto supra referidos, atento o facto de se haver fundado em verdadeiro “depoimento indireto” prestado pela testemunha e Inspetor da ASAE, não corroborados por uma qualquer forma em sede de audiência, bem como, a essencialidade de tais factos como provados para se concluir pela prática por parte dos ora Recorrentes do crime pelos quais vinham acusados, sempre haverá que concluir-se por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida, bem como, do supra aludido vício do Erro Notório na Apreciação da Prova,

O. Ademais, entendem modestamente os ora Recorrentes pela ausência de prova bastante e suficiente que suportasse os factos tido como provados no que respeita ao preenchimento por si dos elementos constitutivos do crime que lhes é imputado, por referência à apreensão das 02 máquinas no dia 30 de Março de 2011 no estabelecimento comercial “Café V”, pelo que, tem por incorretamente julgados os pontos de facto vertidos sob os nºs 2), 3), 5), 30), 31), 32), 33) e 34) da factualidade provada, em toda a parte em que é referenciada a participação e responsabilidade dos Recorrentes nos factos aí vertidos, nomeadamente quanto a uma qualquer e suposta propriedade e exploração dos bens apreendidos.

P. Na verdade, a douta Sentença recorrida está alicerçada numa prova parcial e incompleta, porquanto, através da análise de toda a prova produzida nos autos apenas se poderia haver concluído pela existência de “meros” factos instrumentais, e nada mais para além disso, os quais, não sendo enquadrados ou coadjuvados por quaisquer outros meios de prova – como efetivamente não sucedeu, pois que, o identificado coarguido JV (a quem não se reconheceu judicialmente a exploração do estabelecimento, a quem se atribui a referência “incriminadora”, por referência aos órgãos estatutários da sociedade “Recreativos CR”, relativamente aos oras Recorrentes M e MI, pois que terá sido o aludido JV quem indicou a sociedade “Recreativos” como proprietária das máquinas apreendidas) não prestou declarações em sede de audiência de julgamento –, não são suficientes, nem por presunção natural, para firmar uma convicção positiva quanto aos factos essenciais que se destinavam a demonstrar.

Q. Assim, no que se refere aos ora Recorrentes M e MI, de referir que, prova alguma, documental ou testemunhal, existe ou foi produzida que permita concluir inequivocamente, ou mesmo por presunção dedutível, pela propriedade e exploração das máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos por parte dos agora Recorrente,

R. Em primeiro lugar, importa uma vez mais destacar que são valoradas declarações de coarguido que é absolvido, não que este facto por si só fosse relevantes para operar qualquer (não) condenação de outros arguidos, mas porque o Arguido JV foi absolvido curiosamente pelo facto de não se ter provado que explorava o estabelecimento comercial identificado nos autos à sua pessoa, perante tal, questionam-se desde logo os ora Recorrente como é possível valorar declarações de um então suspeito, que posteriormente é constituído arguido, que nunca confirma processualmente tais alegações, e por fim o mesmo é absolvido do crime pelo qual vinha acusado [precisamente por não se ter provado qualquer atividade explorativa do referenciado estabelecimento comercial]? Como é possível efetuar uma valoração probatória nos termos realizados pelo Dign.º Tribunal “a quo”?

S. Por outro lado, e em bom abono da verdade, a única testemunha inquirida em sede de audiência de discussão e julgamento, seja do seu concreto depoimento, não resulta a presença de qualquer um dos ora Recorrentes no identificado “Café V” aquando da ação de fiscalização em que foi efetivada a apreensão das máquinas dos autos, tão pouco uma qualquer sua identificação, fosse por nome ou mesmo características físicas (apenas se falou em “Recreativos” por alusão a um determinado documento!), sendo certo que, a testemunha inquirida, ao contrário do que é vertido em sede de Sentença Condenatória (cfr. minuto 11:25 a 11:45 do depoimento do Sr. Inspetor PG, ata de audiência de julgamento de 12-06-2015, inicio da sessão às 09h45m), não sabe se existiam outras máquinas no interior do estabelecimento (como fossem por exemplo de “chocolates” ou tipo “vídeo” e que se relacionassem com os documentos timbrados da sociedade “Recreativos CR”).

T. Mais, também, jamais e em momento algum se poderá retirar a ilação como fez o Dign.º Tribunal “a quo”, que os documentos constantes a fls. 11 a 16 dos autos, apresentam qualquer correspondência com as máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos ou de quaisquer outras que se encontravam no seu interior, sendo que, a única conclusão que poderemos retirar desses documentos, é que os documentos que constam de fls. 11 a 13, corroboram que existia uma relação comercial entre a sociedade “Recreativos CR” e o estabelecimento comercial “Café V”, e uma tal circunstância é absoluta e totalmente legítima e “normal” até porque a sociedade “Recreativos” foi valida e legalmente constituída, pratica atos próprios do seu comércio e, não se pode descurar, que está através do seu pacto social, vedada toda e qualquer possibilidade de prossecução de atividade ilícita e/ou contrária ao seu objeto social.

U. No que concerne aos documentos de fls. 13 a 16, importa referir que nunca e em momento algum foi identificado e/ou constatado que tais documentos resultaram da exploração das 02 máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos, que tais manuscritos eram pertença e/ou propriedade da sociedade “Recreativos CR”, que tais manuscritos eram propriedade dos aqui Recorrentes, tão pouco foi apurado o autor de tais manuscritos e o objeto dos mesmos (poderiam muito bem dizer respeito a quaisquer outras máquinas, ou jogos que não das máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos, e que em concreto efetivamente se desconhece).

V. Acresce que, um qualquer elemento identificativo relativamente ao alegado proprietário das máquinas dos autos adveio aos autos pela testemunha inspetor da ASAE, sendo que, relativamente a tal identificação se limitou aquela testemunha a relatar ao Tribunal, não quaisquer factos presenciais e objetivos que pudessem esclarecer o “papel” dos ora Recorrentes quanto às máquinas dos autos, ou quaisquer elementos físicos caracterizadores, mas, apenas e só, as palavras do coarguido, e então suspeito, JV como fosse, o facto de haver o mesmo identificado a sociedade “Recreativos” como proprietária das máquinas dos autos e não uma qualquer pessoa em concreto, designadamente através de nome ou características físicas,

W. Nada permitirá concluir como certo e seguro, relativamente à exploração dos aqui Recorrentes de quaisquer máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos, cujas identificações nunca foram aquilatadas, vertidas ou caracterizadas, enquanto proprietários das mesmas, até porque, em momento algum, foram os próprios nomes dos Recorrentes suscitados quer pela testemunha inquirida em sede de audiência de discussão e julgamento, quer pelo então suspeito e posteriormente constituído arguido, de seu nome JV, e sobre o qual recaiu sentença absolutória.

X. Na verdade, de toda a prova produzida sempre resulta a “imposição” de decisão diversa da proferida, relativamente à matéria factual em crise nos autos, sendo diversas as provas nesse sentido, é o depoimento da testemunha PG (declarações de 10:59:32 às 11:06:59 e das declarações de 10:07:51 às 10:11:32, ambas do dia 12-06-2011, sessão aberta às 09h45m), – cujos concretos trechos se encontram já identificados em sede de motivação, com a referência às atas de julgamento, e, para os quais, legalmente nos remetemos.

Y. Assim, e porque da correta valoração do depoimento de todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, mormente, dos trechos supra referidos e enunciados, e de toda a demais prova dos autos, sempre deveria concluir-se, ao contrário do decidido, que os ora Recorrentes não tiveram uma qualquer participação ativa na colocação e/ou exploração das máquinas apreendidas no estabelecimento comercial dos autos, devendo a matéria contida nos pontos 2), 3), 5), 30), 31), 32), 33) e 34) da matéria de facto considerada como provada, ser correspondentemente considerada como não provada, absolvendo-se por conseguinte os arguidos do crimes que lhes foi imputado.

Z. Sem descurar, sempre se entende por verificada a existência de uma verdadeira dúvida razoável, insuscetível de ser “ultrapassada”, e, nessa medida, conclui-se pela inconstitucionalidade da douta Sentença proferida, pois que, na sua prolação, não foi, por qualquer forma, observado o princípio constitucional de presunção de inocência, tal qual preceituado no art. 32º da nossa Constituição da República Portuguesa.

SEM PRESCINDIR,
DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS TIDO COMO PROVADOS

AA. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa aos Recorrentes em sede de factualidade tida como provada, entendem modestamente que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente às máquinas apreendidas à ordem dos presentes autos e com os dizeres “Colorama” e “Supercolorama”.

BB. Em primeiro lugar e em bom abono da verdade, poder-se-á definir um jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos fatores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objetivamente estruturada com fatores e elementos pré-determinados e empiristicamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado.

CC. Com efeito, modestamente entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efetivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento direto de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino – Cfr. pontos 17 e 23 da matéria de facto considerada como provada), a que acresce o facto de o valor despendido com a respetiva utilização ser de pouca relevância e não suscetível de lesar uma qualquer família ou património.

DD. É que, o jogo em causa, e para além do valor introduzido nas ditas máquinas, não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, sendo o prémio máximo sempre apenas aquele que nas próprias máquinas se encontram devidamente e previamente determinados (Tabela de Prémios), pelo que qualquer seu potencial utilizador sabe em momento prévio ao da sua utilização qual o limite máximo e mínimo que poderá resultar (tal qual acontece quando se compra uma “raspadinha”, uma “rifa” ou se utiliza uma “tômbola”).

Ou seja, pela utilização das máquinas dos autos, não temos qualquer espécie de incerteza do seu resultado ou obtenção do prémio, porque tudo se encontra predefinido e predeterminado antes de qualquer pessoa as pretender utilizar – lá está, não existe aqui qualquer integração conceptual do conceito “fortuna ou azar”.

EE. Na verdade, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, N.º 46.º, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questionam os Recorrentes de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pelas máquinas dos autos e aquele outro jogo que foi objeto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que as máquinas ora em causa dependem de impulso eletrónico, enquanto aquela outra depende de impulso mecânico?

FF. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2011, de 26-03-2014, de 25-06-2014 (este ainda não publicado) e de 18-03-2015, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11-12-2013, de 12-02-2014 (este ainda não publicado), de 09-07-2014, de 17-09-2014, de 04-02-2015 e de 22-04-2015, e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 31-05-2011 e de 28-02-2012, estão em crer modestamente os Recorrentes que as máquinas em causa nos presentes autos, não poderão ser entendidas/caracterizadas como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

GG. Desde logo porque, não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02-02-2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência concluiu que sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos», ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contraordenação, conforme preceituado no artigo 163.º, pelo que, fulminou referindo que «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República».

HH. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º da “Lei do Jogo”,

II. Sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (artigos 1.º e 4.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redação do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros, pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,

JJ. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias atualmente em vigor (n.º 817/2005, de 13 de Setembro e n.º 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas eletrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir que o alegado jogo desenvolvido pelas máquinas dos autos, nem por semelhança ou proximidade, apresenta qualquer característica dos denominados jogos de casino e previstos nos supra citados diplomas legais.

KK. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1.ª série - N.º 46 - 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime, até porque, em razão da expressão máxima do Princípio da Legalidade, não só na sua feição normal, como essencialmente na sua vertente material (nullum crimen sine lege certa et prior), na tipificação criminal sempre se encontram associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal.

LL. Importando ainda ressalvar uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as ações ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou ativas pelo recurso à analogia (Cfr. Faria Costa, «Construção e Interpretação do Tipo Legal de Crime à Luz do Princípio da Legalidade: Duas Questões ou Um Só Problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e ss. e José de Sousa Brito, «A Lei Penal na Constituição», Estudos Sobre A Constituição, Livraria Petrony, 1978, 2.º Volume, pp. 197 e ss.).

MM. No sentido do supra exposto, de que a máquina dos autos constitui modalidade afim de jogos de fortuna ou azar, veja-se toda a Jurisprudência supra mencionada, importando aqui verter o mencionado no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-02-2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 2084/12.0TAVLG.P1 da 1.ª Secção - não “publicado”), em que refere que, atento o seu funcionamento, «se conclui que o “jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos. Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário».

NN. Também neste mesmo sentido, através de douto Acórdão subscrito por um outro Exmº Desembargador Relator, veio igualmente a pronunciar-se o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 09-07-2014 (proferido no âmbito do Proc. 514/13.2EAPRT.P1 da 1.ª Secção, e disponível in www.dgsi.pt), o qual, após a enumeração de toda uma série de “requisitos/pressupostos” que pudessem então servir para diferenciar uns e outros jogos (os de fortuna ou azar e as suas modalidades afins), conclui que atendendo ao valor do prémio (sempre entre € 1,00 e € 200,00) e ao valor da jogada (sempre de € 0,50, num máximo de introdução de € 2,00), «parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou eletrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar. Pelo que a exploração da máquina por onde o jogo corria não constituía um crime de exploração ilícita de jogo mas uma contraordenação» (negrito e sublinhado nossos).

OO. Por fim, é vertido no recentíssimo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 1.ª Secção, de 22-04-2015, proferido no âmbito do Processo n.º 103/13.1PFVNG.P1, ainda não publicado, em que é afirmado que “O tipo de máquina em causa nos presentes autos, bem como o «jogo» que desenvolvia da forma descrita – cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador – como é claro não se integra em qualquer dos tipos de «jogos de fortuna ou azar» previstos no artigo 4º do cit. DL nº 422/89 (nem a qualquer deles se equipara)” (negrito e sublinhado nosso).

PP. Motivo pelo qual, de referir que, temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos artigos 1.º, 4.º, 108.º e 115.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efetuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,

QQ. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos artigos 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).

OUTROSSIM - AINDA SEM PRESCINDIR
DA MEDIDA DA(S) PENA(S)

RR. Delimitando-se a pena a aplicar aos Recorrentes na culpa destes, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s), na medida em que, extravasam claramente a culpa destes e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor dos mesmos Recorrentes.

SS. Com efeito, e caso uma vez mais não se entenda nos termos supra expostos, o que não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautela, importa referir que analisada atentamente a douta sentença recorrida, cremos, com todo o respeito por opinião contrária, que delimitando-se as penas aplicadas aos Recorrentes na culpa destes, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma de poderá compreender e aceitar as penas de prisão e de multa aplicadas, na medida em que, extravasam claramente a culpa destes e as próprias necessidades de prevenção, e, não têm, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor dos Recorrentes.

TT. Assim, são de todo incompreensíveis, porque desadequadas, exageradas e desproporcionadas, as penas aplicadas aos Recorrentes, tendo em consideração as exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, ainda que mais não seja pelo facto de se tratarem de máquinas com funcionamento rudimentar, apresentarem reduzidas quantias no seu interior, daí resultando patente a inexistência de quaisquer benefícios económicos que para os Recorrentes pudessem ter resultado de qualquer e suposta exploração.

UU. Além do que, de forma alguma se compreende como se afigurou sustentável ao Digníssimo Tribunal “a quo” aplicar, numa moldura penal como a ora em causa, pena de 01 ano de prisão e de 190 dias de multa ao Arguido M, pois que de modo absolutamente injustificado, foi-lhe aplicada pena de prisão que se situa exatamente no meio da pena abstratamente aplicável e a pena de multa de situa praticamente no máximo da respetiva pena de multa abstratamente aplicável.

VV. Por outro lado, já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor dos Recorrentes, é de referir que o Dign.º Tribunal, não valorou corretamente o facto de o Recorrente M. apresentar a sua última condenação à praticamente 10 anos, o facto de a Recorrente MI ser primária em termos penais, bem assim o facto de ambos os Recorrentes se apresentarem inseridos familiar, social e profissionalmente, e o facto de não existir uma qualquer notícia posterior de factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, por qualquer um dos Arguidos.

WW. Acresce que, e também por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. N.º 311/10.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.

XX. Ademais, e na sequência do decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efetivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa dos agentes, ora Recorrente, e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exageradas e desproporcionais as penas de substituição aplicadas, impondo-se a sua aplicação em medida substancialmente inferior.

YY. Também o quantitativo diário, de € 8,00 (oito euros) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte dos Recorrentes, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece haver o Digníssimo Tribunal “a quo” ponderado, o facto de ainda nos encontrarmos num período pós-crise, com dificuldades financeiras para toda a comunidade, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal,

ZZ. Sendo que, não obstante o montantes auferidos por cada um dos arguidos, a verdade é que existem um conjunto de despesas e obrigações financeiras pelos menos assumidos que reduzem de forma abrupta e substancial o rendimento disponível de um tal agregado familiar, sem descurar que os Recorrentes em conjunto têm dois filhos menores dependentes, e que sempre terão que suportar todas e quaisquer despesas relacionadas com a alimentação, saúde, vestuário, educação e transportes dos mesmos, sendo assim sempre de concluir que, nunca o quantitativo diário a aplicar aos Recorrentes nestes autos poderia ser superior ao mínimo legal de € 5,00 (cinco euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente, considerando absolutamente desproporcional o montante de € 8,00 (oito euros) aplicado pelo Dign.º Tribunal “a quo”.

Por tudo o supra exposto, o Dign.º Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 13.º, 14.º, 40.º, 41.º, 43.º, 47.º, n.º 2, 71.º, n.º 1 e n.º 2 e 77.º do nosso Código Penal, os artigos 58.º, 61.º, 125.º, 127.º, 249.º, 410.º, n.º 2, alínea c), e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, os artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e ainda os artigos 13.º, 18.º, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ter-se por verificado a existência de um Erro Notório na Apreciação da Prova, bem como, por padecer a douta Sentença proferida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida, com todas as consequências legais daí advenientes, além do que, e sem conceder, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva os Recorrentes da prática do crime pelo qual foram condenados, ou, caso assim não se entenda, que aplique aos Recorrentes penas substancialmente inferiores, com o que, modestamente se entende, V.as Ex.as farão, como sempre, inteira e sã Justiça”.

O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta, concluindo do modo seguinte (em transcrição):

“1) No caso em apreço, os Recorrentes questionam a apreciação que o Tribunal “a quo” fez da prova produzida em julgamento ou de parte dela e invocam a nulidade da Sentença por ter sido valorado o depoimento da testemunha PG, o qual se traduziu num depoimento indireto, nos termos do artigo 129º, nº 1, do Código de Processo Penal.

2) Não assiste razão aos Recorrentes quanto a esta matéria porquanto, o Tribunal “a quo” fez uma correta análise de toda a prova produzida em julgamento e, como bem explanou a Douta Sentença ora Recorrida, o depoimento da testemunha PG não constitui depoimento indireto.

3) A conjugação dos elementos que resultaram provados na audiência, permitiram que o Tribunal “a quo” formasse a sua convicção e desse como provados e não provados factos que se pretendem atacar, mas que, em nosso entender, nenhum reparo merecem.

4) Vieram também os arguidos recorrer desta sentença condenatória, por discordar da medida da pena que lhe foi aplicada.

5) Por força do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ter em atenção a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo certo que toda a pena tem como suporte axiológico uma culpa concreta, o que envolve uma proporcionalidade entre a pena e a culpa, exarando-se que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa - artigo 40º, nº 2, do Código Penal.

6) À luz destes princípios, entendemos que a Douta sentença recorrida doseou equilibradamente a pena aplicada aos arguidos.

7) Os factos ocorreram da forma como foram considerados pelo Tribunal “a quo”.

8) Da prova produzida em julgamento, não vemos possibilidade de explicar os factos de forma diferente daquela que está consagrada na sentença recorrida.

9) Posto isto, e porque nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, dúvidas não temos de que o Tribunal “a quo” andou bem ao condenar os arguidos nos moldes em que o fez.

10) A sentença condenatória está em conformidade com a prova produzida em julgamento, não padece de vícios e fez uma correta subsunção jurídica dos factos em apreciação, razão pela qual pugnamos pela sua manutenção.

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (fls. 473 a 478), pronunciou-se também pela total improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, os recorrentes apresentaram resposta (fls. 481 a 489), reafirmando, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Delimitação do objeto do recurso.

Cinco questões, em muito breve síntese, são suscitadas no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - Erro notório na apreciação da prova.

2ª - Impugnação alargada da matéria de facto (relativamente aos factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 2, 3, 5, 30, 31, 32, 33 e 34).

3ª - Nulidade da sentença, por valoração proibida de prova.

4ª - Errado enquadramento jurídico dos factos (os factos em apreço não constituem crime, mas sim contraordenação).

5ª - Medida concreta das penas aplicadas (as penas são desadequadas, exageradas e desproporcionadas).

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (no que concerne aos factos, provados e não provados, e à fundamentação da decisão de facto):

“A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A.1) FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:

1. Os arguidos M e MI são desde 29-01-2001, sócios-gerentes da sociedade “Recreativos CR -…, Lda.” (adiante designada apenas por “Recreativos CR”) pessoa coletiva n.º ----, com sede na Rua…, Parque Industrial de Santa Marta de Corroios, …Amora, sendo que todas as decisões relativas ao funcionamento da aludida sociedade eram e são tomadas por ambos os sócios e gerentes, os arguidos M e MI.

2. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 4 de Janeiro de 2011, a sociedade “Recreativos CR” instalou no estabelecimento comercial de café denominado “O V”, sito na Rua …Quinta do Conde, duas máquinas de jogo denominadas “Supercolorama” e “Colorama”, pertencentes à sociedade “Recreativos CR”, a fim de que os jogos desenvolvidos por tais máquinas fossem explorados em tal estabelecimento de café.

3. Foi acordado que o lucro obtido com a exploração de tais máquinas fosse dividido entre quem explorava o aludido café e a sociedade “Recreativos CR” na proporção de 50% para cada uma das partes, o que ocorreu, pelo menos, no período compreendido entre Janeiro de 2011 e Março de 2011.

4. No dia 30 de Março de 2011, pelas 15h40m, inspetores da A.S.A.E. efetuaram uma ação de fiscalização no café denominado “O V”, sito na Rua …,Quinta do Conde.

5. Nessa ocasião e local, no interior do referido café, estavam duas máquinas eletrónicas pertencentes à sociedade “Recreativo CR” denominadas “Supercolorama” e “Colorama”, ligadas à corrente elétrica e prontas a ser utilizadas por qualquer jogador que ali se deslocasse, sendo que a primeira das máquinas se encontrava colocada sobre a vitrine de frio que se encontrava defronte da porta de entrada do estabelecimento e a segunda máquina referida encontrava-se sobre o balcão de serviço do estabelecimento na zona mais afastada da porta de entrada do estabelecimento.

6. A máquina denominada “Colorama” continha no seu interior, designadamente no cofre moedeiro, a quantia de €22,50, distribuída em moedas e a máquina denominada “Supercolorama” continha no seu interior, também no cofre moedeiro, a quantia de €109,00, distribuída em moedas e notas.

7. A máquina denominada “Supercolorama”, atrás referida, é uma máquina eletrónica inserida num móvel tipo portátil, sendo a estrutura do referido móvel em aglomerado de madeira, sem qualquer referência exterior quanto à origem ou fabricante.

8. Na parte lateral direita da máquina encontra-se o mecanismo de introdução e eventual devolução de moedas rejeitadas, no qual se encontra a indicação de que a máquina aceita moedas de 0,50€, 1€ e 2€.

9. Na parte traseira da máquina, sobre uma porta de acesso ao mecanismo eletrónico da mesma, existe um interruptor “on/off” que permite ligar e desligar a máquina e uma tomada de alimentação à corrente elétrica.

10. Na base da parede lateral esquerda localiza-se o cofre da máquina, bem como dois parafusos metálicos cujo contacto com uma moeda ou qualquer outro material condutor permite fazer “reset”, ou seja, desmarcar os créditos obtidos no decurso das jogadas. Sobre o cofre está instalado o “bill acceptor” (aceitador de notas).

11. No canto inferior direito da parte frontal da máquina está instalado um pequeno botão que permite atribuir um bónus ao jogador dando-lhe a possibilidade de efetuar duas jogadas, por conta dos pontos ganhos, arriscando apenas um desses critérios.

12. Ao centro do painel frontal da máquina “Supercolorama” visualiza-se um círculo com um número indeterminado de pequenas lâmpadas (leds), que se vão iluminando, estando oito delas destacadas das restantes, com um pequena circunferência e identificadas com os seguintes números: 2; 100; 4; 200; 10; 40; 400; 20.

13. No interior do círculo encontra-se uma janela digital (display) onde surge a pontuação obtida e acumulada no decurso das jogadas premiadas e, à direita desta, entre os números 10 e 1, uma outra janela regista os créditos introduzidos.

14. Quanto ao funcionamento da máquina “Supercolorama”:

Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, automaticamente os “leds” que formam o círculo iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório.

15. Esse movimento termina no momento em que apenas um deles permanece aceso. Neste ponto uma de duas situações pode ocorrer:

1ª - O “led” que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados com números e, neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 400 (€1 e €400). Estes pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas, no “display” (mostrador) central, os quais, após pagos, são eliminados através dos dois parafusos metálicos instalados para o efeito;

2ª - O “led” em que se fixa a luz não se encontra destacado dos restantes, nem identificado com nenhum número, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio.

16. Em ambas as situações as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas.

17. No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes corresponde, ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

18. Em suma, o jogo acima referido apresenta, como resultados, pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1€ por cada ponto, sendo certo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, ou seja, o jogador não pode, por sua intervenção, condicionar o resultado final.

19. A máquina denominada “Colorama”, atrás referida, é uma máquina eletrónica inserida num móvel tipo portátil, sendo a estrutura do referido móvel em aglomerado de madeira, sem qualquer referência exterior quanto à origem ou fabricante.

20. Na parte lateral direita da máquina encontra-se o mecanismo de introdução e eventual devolução de moedas rejeitadas, no qual se encontra a indicação de que a máquina aceita moedas de 0,50€, 1€ e 2€.

21. Na parte traseira da máquina, sobre uma porta de acesso ao mecanismo eletrónico da mesma, existe um interruptor “on/off” que permite ligar e desligar a máquina e uma tomada de alimentação à corrente elétrica.

22. Na base da parede lateral esquerda localiza-se o cofre da máquina, bem como dois parafusos metálicos cujo contacto com uma moeda ou qualquer outro material condutor permite fazer “reset”, ou seja, desmarcar os créditos obtidos no decurso das jogadas. Sobre o cofre está instalado o “bill acceptor” (aceitador de notas).

23. No canto inferior direito da parte frontal da máquina está instalado um pequeno botão que permite atribuir um bónus ao jogador dando-lhe a possibilidade de efetuar duas jogadas, por conta dos pontos ganhos, arriscando apenas um desses critérios.

24. Ao centro do painel frontal da máquina “Colorama” visualiza-se um círculo com um número indeterminado de pequenas lâmpadas (leds), que se vão iluminando, estando oito delas destacadas das restantes, com um pequena circunferência e identificadas com os seguintes números: 1; 50; 2; 100; 5; 20; 200; 10.

25. No interior do círculo encontra-se uma janela digital (display) onde surge a pontuação obtida e acumulada no decurso das jogadas premiadas e, à direita desta, entre os números 10 e 1, uma outra janela regista os créditos introduzidos.

26. Quanto ao funcionamento da máquina “Colorama”:

Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, automaticamente os “leds” que formam o círculo iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório. Esse movimento termina no momento em que apenas um deles permanece aceso. Neste ponto uma de duas situações pode ocorrer:

1ª - O “led” que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados com números e, neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 (€1 e €200). Estes pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas, no “display” (mostrador) central, os quais, após pagos, são eliminados através dos dois parafusos metálicos instalados para o efeito;

2ª - O “led” em que se fixa a luz não se encontra destacado dos restantes, nem identificado com nenhum número, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio.

27. Em ambas as situações as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas.

28. No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador quantia monetária que lhes corresponde, ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

29. Em suma, o jogo acima referido apresenta, como resultados, pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1€ por cada ponto, sendo certo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, ou seja, o jogador não pode, por sua intervenção, condicionar o resultado final.

30. Os arguidos M e MI utilizaram os jogos desenvolvidos pelas máquinas “Supercolorama” e “Colorama” por forma a angariar clientes que neles jogassem e assim obter proveito económico com a sua exploração.

31. Os arguidos não possuíam qualquer licença que lhes permitisse desenvolver e explorar os referidos jogos, quer através da sociedade “Recreativos CR”, quer no estabelecimento comercial “O V”.

32. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, tendo colocado os referidos jogos à disposição dos clientes que frequentavam o estabelecimento denominado “O V”, também com o propósito, de angariar clientes que neles jogassem, conseguindo, dessa forma, receitas com a sua exploração, o que, efetivamente, conseguiram para si próprios e para a sociedade “Recreativos CR”.

33. Sabiam ainda os arguidos que os jogos inseridos nas máquinas denominadas “Supercolorama” e Colorama” desenvolviam temas de jogo de fortuna ou azar e que, por isso, não os podiam nem deviam explorar, tanto mais que não tinham qualquer autorização das autoridades competentes para o efeito.

34. Atuaram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas supra descritas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou quanto ao arguido JM:

35. O arguido reside com a esposa e filha de 40 anos de idade.

36. O Café “V” é explorado pela família.

37. O arguido está reformado e aufere € 303,23 de pensão de reforma.

38. O arguido tem o 4.º ano de escolaridade.

39. Do certificado do registo criminal do arguido não constam antecedentes criminais.

Mais se provou quanto ao arguido M:

40. O agregado familiar do arguido é composto pela mulher, coarguida MI, e dois filhos de 14 e 18 anos de idade.

41. O arguido declara à Segurança Social o rendimento de € 2121,35 como órgão estatutário da firma Recreativos CR…, Lda.

42. O arguido tem €300,00 de despesas mensais.

43. O arguido tem o 11.º ano de escolaridade.

44. Por sentença proferida 12.06.2002, transitada em julgado a 08.07.2002, pelo (extinto) Tribunal Judicial de Bragança, no âmbito do processo comum singular n.º --/00.4FABBGC, o arguido foi condenado pela prática, em 08.08.2000, de um crime de jogo ilícito, na pena de 6 meses de prisão substituída por igual período de multa e na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.

45. Por sentença proferida 11.03.2003, transitada em julgado a 30.03.2005, pelo (extinto) 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, no âmbito do processo comum singular n.º ---/97.4TASXL, o arguido foi condenado pela prática, em 01.09.1997, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena de 260 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi declarada extinta por efeito da prescrição.

46. Por sentença proferida 07.01.2004, transitada em julgado a 12.07.2005, pelo (extinto) 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, no âmbito do processo comum singular n.º ---/00.7FBALM, o arguido foi condenado pela prática, em 12.10.2000, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena de 4 meses de prisão substituída por 195 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.

47. Por sentença proferida 20.07.2006, transitada em julgado a 14.09.2007, pelo (extinto) 2º. Juízo do Tribunal Judicial da Moita, no âmbito do processo comum singular n.º ---/05.8FAMTJ, o arguido foi condenado pela prática, em 23.05.2005, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa e na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.

Mais se provou quanto à arguida MI:

48. O agregado familiar da arguida é composto pelo marido, coarguido M, e dois filhos de 14 e 18 anos de idade.

49. A arguida declara à Segurança Social o rendimento de € 2.117,08 como órgão estatutário da firma Recreativos CR…, Lda.

50. A arguida tem €300,00 de despesas mensais.

51. A arguida tem o 12.º ano de escolaridade.

52. A arguida desloca-se esporadicamente às instalações da sociedade “CR”.

53. Do certificado do registo criminal da arguida não constam antecedentes criminais.

A.2) FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram os seguintes factos:

I. O estabelecimento referido em 2) era, à data, explorado comercialmente pelo arguido JM.

II. As máquinas referidas em 2) foram instaladas pelo arguido M.

III. O arguido JM aceitou a proposta referida em 3) e permitiu que as referidas máquinas ficassem instaladas no estabelecimento de café “O V”, passando a explorar os lucros de tais máquinas e entregando metade desses lucros à sociedade “Recreativos CR.

IV. O arguido JM utilizou os jogos desenvolvidos pelas máquinas “Supercolorama” e “Colorama” por forma a angariar clientes que neles jogassem e assim obter proveito económico com a sua exploração.

V. O arguido JM agiu de forma livre, voluntária e consciente, tendo colocado os referidos jogos à disposição dos clientes que frequentavam o estabelecimento denominado “O V”, também com o propósito, de angariar clientes que neles jogassem, conseguindo, dessa forma, receitas com a sua exploração, o que, efetivamente, conseguiu para si próprio.

VI. Sabia ainda o arguido JM que os jogos inseridos nas máquinas denominadas “Supercolorama” e Colorama” desenvolviam temas de jogo de fortuna ou azar e que, por isso, não os podia nem devia explorar, tanto mais que não tinha qualquer autorização das autoridades competentes para o efeito.

VII. O arguido JM atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas supra descritas eram proibidas e punidas por lei.

A.3) MOTIVAÇÃO DE FACTO

De acordo com o artigo 205.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

Por sua vez, o Código de Processo Penal explicita, nos seus artigos 97º, nº 4 e 374º, nº 2, que a sentença deve especificar os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: deve o Tribunal lançar se à procura do "realmente acontecido" conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade (s) do processo.

Conforme decorre do Código de Processo Penal, um dos princípios que rege a audiência de discussão e julgamento, é o princípio da imediação que, como se afere do artigo 355º, se traduz no facto de a convicção do Tribunal, em audiência, resultar da prova examinada ou que nela se produza.

Por seu turno, tal prova está sujeita ao princípio da livre apreciação, segundo o qual aquela é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora (cfr. art. 127º do CPP). Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

Todavia, não podemos esquecer que, pese embora este princípio seja a regra geral, existem algumas exceções, nomeadamente: o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169º do CPP), a confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344º do CPP) e a prova pericial (art. 163º do CPP).

Em suma, a convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta, porém, o princípio da presunção da inocência, o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente – cfr. art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

Importa, pois, desta forma, proceder a uma fundamentação de facto que permita alcançar o raciocínio seguido pelo Tribunal na sua decisão.

A.3.1) Quanto ao ilícito penal

Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada, no conjunto da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127º do Código de Processo.

Os arguidos exerceram o direito ao silêncio.

O facto provado em 1), quanto à gerência e representação da sociedade “Recreativos CR, Lda resulta do teor de fls. 85 a 88 (certidão de matrícula da sociedade).

No que concerne às circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e, bem assim, às características, ao modo de funcionamento, à localização e ao proprietário das máquinas em causa (factos provados em 2) a 5)) o tribunal atendeu, desde logo, ao auto de notícia e apreensão de fls. 2 a 6 e respetivos fotogramas de fls. 7 a 10, aos documentos de fls. 11 a 16, e, ainda, ao depoimento prestado de forma séria, objetiva, desinteressada e coerente e, como tal, credível, da testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento, inspetor da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) PG que, por ter participado na ação de fiscalização em apreço e observado as máquinas em funcionamento, pode descrevê-las, assim como o estabelecimento onde se encontravam, e explicar que as mesmas estavam acessíveis ao público.

“Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua atuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas diretas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura “ (J.M Asencio Melado, Presunción de inocência y prueba indiciária “ , 1992 - autores citados por Euclides Dâmaso Simões , in Prova Indiciária , Revista Julgar , n.º 2 , 2007 , pág. 205) .

Importa distinguir o depoimento indireto, previsto no artigo 129º, do Código de Processo Penal, da prova indireta.

Para além das provas diretas, existem as denominadas provas indiretas ou indiciárias (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II Volume, pág. 99 ss). Enquanto a prova direta se refere diretamente ao tema da prova, a prova indireta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.

A prova indireta (ou indiciária) não é um "minus" relativamente à prova direta. No entanto, a prova indireta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto “probando” do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.

A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objetivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.

A utilização deste tipo de provas (indiretas) exige:

a) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários;

b) em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes;

c) em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos.

“E sobre a prova indiciária entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que se é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso.

Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência” (vg. Acórdão do STJ, de 12.09.2007, proc. 07P4588, in www.dgsi.pt).

Em suma, para que a prova indireta, circunstancial ou indiciária possa ser valorada autonomamente deve exigir-se: uma pluralidade e factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com o mesmo; a racionalidade da inferência e expressão, na motivação da decisão, de como se chegou à inferência (neste sentido, Acórdão do TRC, de 18-08-2004, proc. 1937/04, in www.dgsi.pt).

As testemunhas podem e, em regra, devem, depor sobre os factos criminosos que presenciaram e, nomeadamente, sobre o que então ouviram dizer ao arguido, mesmo que ele não queira falar na audiência de discussão e julgamento. Este não é verdadeiramente um depoimento indireto, antes se trata de prova direta do facto criminoso (Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit. Pág. 345). Aquilo que não vale como prova é o depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido fora da comissão dos factos criminosos a que assistiu porque, isso sim, consubstancia um depoimento indireto.

No caso sub judice, quanto à propriedade das máquinas apreendidas e sua instalação no café “V” importa atender aos documentos apreendidos no decurso da ação inspetiva e junto aos autos a fls. 11 a 13, dos quais consta documento com o nome “Recreativos CR”, datado de 04.01.2011, o nome do cliente (“V”), o local (“Pinhal General”) e a repartição do total obtido entre o cliente e a firma. Para além desse documento, com a identificação objetiva da sociedade gerida e representada pelos arguidos M e MI, outros documentos manuscritos foram apreendidos dos quais consta a contabilidade dos proventos obtidos com a exploração das duas máquinas (aliás as únicas encontradas na ação inspetiva), datados de 14.03.2011, 28.03.2011, 29.03.2011, 21.03.2011 e 28.03.2011, com a repartição dos lucros obtidos por essa exploração na proporção de 50%.

À mencionada prova documental, acresce o depoimento do referido inspetor PG o qual afirmou que JM, aquando da ação inspetiva, afirmou que as referidas máquinas eram propriedade da sociedade “Recreativos CR”, afirmação, aliás, consignada no auto de notícia de fls. 2 a 4.

Quanto à valoração de tal informação prestada por JM em momento prévio à sua constituição como arguido (vide hora do auto de notícia – fls. 2 – e hora do termo de constituição de arguido – fls. 17), atente-se no explanado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.02.2009, proc. 736-08.8GAEPS.G1, relator: Carlos Barreira, disponível em www.dgsi.pt: “I – No nosso ordenamento processual penal, a regra é a da invalidade do depoimento por ciência indireta, o qual só depois de confirmado se torna válido como meio de prova.

II – Não corresponde a depoimento indireto o relato feito em audiência de julgamento pelas testemunhas que se limitam a constatar factos e reações que presenciaram de outrem.

III – Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detetados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

III – Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatado pelas testemunhas.

IV – Pressuposto desse direito ao silêncio do arguido é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

V – De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art.º 249º do C.P. Penal).

VI – Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VII – Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende suprimir o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

VIII – O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática de providências cautelares a que se refere o art. 249º do C. P. Penal.

IX – Por outro lado, o testemunho de ouvir dizer não se confunde com o depoimento indireto. Quando uma testemunha refere o que ouviu dizer ao arguido, que está presente, não se pode qualificar tal como testemunho de ouvir dizer, só porque o arguido optou pelo direito ao silêncio.

X – Não constitui depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da sua boca, da sua voz, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, a afirmação de uma testemunha, seja ela agente da autoridade (e no exercício das suas funções ou não) ou um outro cidadão comum, de que ouviu o arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação, pelo que um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127º do C. P. Penal.

XI – Aliás, o Tribunal Constitucional tem entendido o seguinte:

a) No Ac. n.º 213/94, DR., II Série, de 23.08.1994, e no BMJ 435, pág. 155 e ss, julgou inconstitucional a norma do n.º1, parte final, do artigo 129º do Código de Processo Penal, enquanto interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de admitir que possa servir como meio de prova o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada quando a inquirição desta pessoa não for possível por impossibilidade de ser encontrada, mesmo que esta pessoa seja um coarguido e o depoente seja um agente da polícia judiciária que com ela contactou quando, na situação de detida, aguardava o primeiro interrogatório judicial.

b) No Ac. n.º 440/99, DR., II Série, de 09.11.1999, e no BMJ 489, pág. 5, decidiu:

“Há, assim, que concluir que o artigo 129º, n.º 1 (conjugado com o artigo 128º, n.º 1, do Código de Processo Penal), interpretado no sentido que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um coarguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.

Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional.”

XII - Quer dizer: de facto, o que o agente autuante relata é por ele presenciado diretamente, quando refere que o condutor do referido veículo assumiu perante ele essa qualidade (de condutor) e perante ele também realizou, voluntariamente, o exame efetuado ao álcool, o mesmo se passando com o depoimento da testemunha … que referiu, além do mais, que o arguido lhe confidenciou que estava cansado e por isso é que foi embater contra o muro da residência” (em sentido convergente: Ac do TRE, de 04.06.2013, proc. 40/11-4GTPTG.E1, relator: João Gomes de Sousa; Ac. do TRG, de 25.02.2009, proc. 736-08.8GAEPS.G1; relator: Carlos Barreira; Ac. do TRC, de 11.09.2013, proc. 71/11.4GCALD.C1, relator: José Eduardo Martins, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Assim, no que respeita às pessoas que beneficiavam do aproveitamento das máquinas apreendidas, a conjugação dos mencionados indícios probatórios, levam-nos a concluir que eram os arguidos M e MI, na qualidade de gerentes da sociedade “Recreativos CR”, proprietária das máquinas em causa.

Já no que concerne à exploração do estabelecimento comercial pelo arguido JM, a prova não foi concludente.

Efetivamente, da prova documental junta aos autos, designadamente da conjugação do talão expedido pela máquina registadora em funcionamento no café aquando da ação fiscalização, a fls. 14, com a fatura de compra de produtos na “MAKRO” em nome de NV, e da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento (o inspetor afirmou que a exploração do estabelecimento estava a cargo da mulher do arguido, facto atestado pelo auto de noticia de fls. 2 a 4), resulta que a pessoa que explorava o aludido estabelecimento não era o arguido mas sim a sua mulher.

Para efeitos de incriminação pelo crime em causa é manifestamente insuficiente a mera qualidade de proprietário do estabelecimento onde é encontrado material destinado à prática ilícita desse tipo de jogos.

Mister é que o agente desenvolva uma atividade económica, visando a obtenção de lucros através da exposição ao público de uma ou mais máquinas que desenvolvam jogos de fortuna ou azar, proporcionando aos eventuais interessados a respetiva utilização (neste sentido, Ac. do TRP, de 29.02.2012, proc. 128/08.9FBAVR.P1; relator: Eduarda Lobo, disponível em www.dgsi.pt).

É um facto que o arguido estava no estabelecimento, a servir ao balcão, aquando da ação inspetiva e que sabia, por exemplo, onde estavam as chaves dos cofres moedeiros das máquinas em causa, tal como resulta evidente que a exploração do estabelecimento está a cargo da sua esposa, mas tais circunstâncias não são suficientes para, de per si, imputar a exploração do estabelecimento ao arguido quando a pessoa responsável por essa exploração e desenvolvimento da atividade económica inerente está devidamente identificada nos autos, não se aderindo à orientação de que, por via do casamento, se possa presumir o proveito comum (o que aliás, é contra legem) ou o aproveitamento dos lucros obtidos pelas máquinas por ambos os membros do casal.

Os factos provados quanto à localização e condições de funcionamento em que as máquinas se encontravam, resultam do depoimento da testemunha PG, o qual foi esclarecedor e convergente com o auto de notícia, confirmando, portanto, o libelo acusatório.

Quanto às características das máquinas de jogo apreendidas e seu modo de funcionamento, valorou o tribunal a prova pericial junta aos autos a fls. 49 a 52 (exame pericial a material de jogo).

Os factos não provados resultam da análise da prova nos termos sobreditos e de nenhuma prova concludente quanto aos mesmos ter sido proferida.

“O valor da prova pericial é acrescido em relação aos outros meios na medida em que «[o] juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador», o qual, se dele divergir, deve fundamentar a sua discordância (artigo 163.º, n.ºs 1 e 2).

A descrição que o relatório pericial faz das máquinas apreendidas e do seu modo de funcionamento resulta do conhecimento especializado do perito sobre o tipo de máquinas em causa, sendo certo que nenhum elemento de prova foi apresentado ao tribunal a quo que lhe permita divergir do juízo contido no relatório pericial (neste sentido, Ac. do TRC, de 04.03.2015, proc. 4/13.3TBSAT.C1; relator: Fernando Chaves, disponível em www.dsgi.pt).

No que respeita aos elementos subjetivos do tipo temos por certo que o dolo - ou o nível de representação ou de reconhecimento que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico - pertence, por natureza, ao mundo interior do agente. Por isso ou é revelado pelo arguido, sob a forma de confissão, ou tem de ser extraído dos factos objetivos – isto é, inferido através da consideração de determinado circunstancialismo objetivo com idoneidade suficiente para revelá-lo.

Porque o teor daqueles factos [factualidade típica objetiva] está de acordo com as regras da experiência comum e de inferir que os arguidos M e MI, proprietários e gerentes da sociedade Recreativos CR, entidade responsável pela colocação das máquinas de jogo aptas a desenvolver jogos de fortuna ou azar em exploração num estabelecimento comercial com as ditas características, atuaram de forma intencional, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, sabido, como é, que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida.

A.3.2) Quanto às condições pessoais e sócio económicas dos arguidos

As condições pessoais e sócio económicas dos arguidos resultam das suas declarações, as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos, conjugadas com os documentos de fls. 233, 234 e 237, quanto á situação contributiva junto da Segurança Social.

A.3.3.) Quanto aos antecedentes criminais

A ausência de antecedentes criminais dos arguidos JM e MI resulta do teor dos certificados de registo criminal juntos a fls. 205 e 206 dos autos, respetivamente.

Os antecedentes criminais do arguido M. resultam do respetivo certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 238 a 244”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.
a) Do erro notório na apreciação da prova.

Invocam os recorrentes que a sentença revidenda enferma de erro notório na apreciação da prova, relativamente aos factos dados como provados sob os nºs 2, 3, 5, 30, 31, 32, 33 e 34, uma vez que, e em síntese, o tribunal a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha PG - Inspetor da ASAE -, e, bem assim, não podia ter atendido ao teor dos documentos juntos de fls. 11 a 16 dos autos.

Cabe apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova”.

Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

O erro notório na apreciação da prova é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

Ora, percorrendo a motivação de recurso neste ponto, facilmente se vislumbra que, em substância, os recorrentes questionam, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, esquecendo-se da norma vertida no artigo 127º do C. P. Penal, segundo a qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz.

Ou seja, nos seus traços marcantes, as alegações dos recorrentes, nesta vertente, apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a dos próprios recorrentes.

No dizer de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77), existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias.

Tal vício não tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta, face à prova produzida; ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

Os recorrentes consideram ter existido erro notório na apreciação da prova na medida em que o tribunal recorrido não valorou as provas produzidas no sentido que os recorrentes entendem ser o correto.

Simplesmente, com isso, os recorrentes limitam-se a trazer aos autos a perceção que tiveram da prova.

Vista a motivação de recurso neste aspeto, constata-se, pois, que os recorrentes, em boa verdade, questionam não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal valorou as provas produzidas na audiência de discussão e julgamento.

Essa discordância dos recorrentes, relativamente à forma como o tribunal de primeira instância apreciou e prova e fixou os factos, não se confunde, repete-se, com o vício do erro notório na apreciação da prova (vício prevenido no artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal).

Soçobra assim, manifestamente, e nesta primeira vertente, o recurso.

b) Da impugnação alargada da matéria de facto.

Alegam os recorrentes que não existe prova (válida e suficiente) para se poder dar como provada a factualidade descrita sob os nºs 2, 3, 5, 30, 31, 32, 33 e 34 da sentença sub judice.

Entendem os recorrentes, nesta sede, que foi desrespeitado o princípio da livre apreciação da prova, que foi feito um uso indevido de presunções judiciais, e que foi violado o princípio da presunção de inocência.

Cumpre decidir.

Em primeiro lugar, o tribunal a quo podia ter valorado (como valorou) o depoimento da testemunha PG, Inspetor da ASAE, bem como podia (e devia) ter valorado os documentos juntos de fls. 11 a 16 dos autos.

Os arguidos, ao abrigo de um direito processual que lhes assiste, remeteram-se ao absoluto silêncio.

Assim, relativamente às circunstâncias de tempo e de lugar, às características, ao modo de funcionamento, à localização e à propriedade das máquinas apreendidas nos autos, o tribunal atendeu, como devia, ao auto de notícia (elaborado pela testemunha PG - Inspetor da ASAE -), ao auto de apreensão (elaborado pela mesma testemunha), às fotografias das máquinas em causa, e, bem assim, aos documentos de fls. 11 a 16 (obtidos, no local, pela aludida testemunha).

Em suma: a testemunha PG, Inspetor da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), por ter participado na ação de fiscalização em apreço e observado as máquinas em funcionamento, pôde descrevê-las, assim como o estabelecimento onde se encontravam, pôde explicar que as mesmas estavam acessíveis ao público, e pôde ainda recolher elementos documentais atinentes à propriedade de tais máquinas (tudo a partir de uma sua concreta atuação, tudo com base naquilo que viu e percecionou, tudo tendo ficado devidamente explanado nos autos - cfr. fls. 02 a 16 -, e tudo tendo sido confirmado em audiência de discussão e julgamento).

Em segundo lugar, e ao contrário do que entendem os recorrentes, o tribunal a quo não usou, indevidamente, de presunções judiciais, nem o uso de tais presunções é proibido.

Com efeito, o julgador pode (e deve) recorrer à prova por presunção judicial (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 349º do Código Civil -).

Como bem escreve o Prof. Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1986, Vol. II, págs. 289 e 290), “(...) a verdade final, a convicção, terá que se obter (neste caso) através de conclusões baseadas em raciocínios, e não diretamente verificadas; a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando (…). Por outro lado, um indício revela com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes”.

O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis: num primeiro aspeto, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Tal depende substancialmente da imediação e aqui intervêm até elementos não absolutamente explicáveis (por exemplo, a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).

Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Agora, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.

Neste segundo nível, é legítimo o recurso às referidas presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º do C. P. Penal), e o artigo 349º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º deste mesmo diploma legal).

Aliás, e bem vistas as coisas, as presunções simples ou naturais são meros meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indireta se faz valer através desta espécie de presunções.

As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção.

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras da experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.

Ora, e retomado o caso destes autos, não vislumbramos, minimamente, e visto o concreto conteúdo das provas produzidas em audiência (prova testemunhal e prova documental), onde (e como) a Mmª Juíza se tenha socorrido, indevidamente, do uso de presunções.

Este tribunal de recurso, como, aliás, qualquer cidadão de média formação e de são entendimento, subscreve, com total segurança, as ilações, retiradas na decisão revidenda, quer quanto à propriedade das máquinas de jogo em discussão nestes autos, quer relativamente à autoria dos factos em questão por parte dos ora recorrentes.

Ou seja, não ocorre, na sentença recorrida, qualquer uso indevido das presunções judiciais (em violação do preceituado no artigo 349º do Código Civil).

Em terceiro lugar, na sentença revidenda não ocorre qualquer violação do preceituado no artigo 127º do C. P. Penal (qualquer desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova).

Dispõe o artigo 127º do C. P. Penal que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

A propósito desse princípio da livre apreciação da prova, escreve, e bem, o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 202), que “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida”.

E acrescenta o mesmo autor (ob. citada, págs. 202 e 203) que a liberdade de apreciação da prova tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - , de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo”.

A convição do juiz tem, pois, de seguir critérios transparentes e racionalmente explanáveis, capazes de convencer os sujeitos processuais e o público em geral.

Ora, no caso destes autos, a Mmª Juíza, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.

Como bem se salienta no Ac. do S.T.J. de 08-11-1995 (in BMJ, nº 451, pág. 86), “um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes”. E acrescenta o mesmo acórdão que “as regras da experiência a que alude o artigo 127º têm um importante papel na convicção do tribunal”.

Os recorrentes consideram ter existido errada apreciação da prova, uma vez que o tribunal recorrido não valorou certos aspetos nos termos em que o devia ter feito.

Simplesmente, com tal alegação os recorrentes limitam-se a trazer aos autos a perceção que eles próprios tiveram (ou melhor: dizem ter tido) da prova.

Da leitura da sentença recorrida verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Em conclusão: não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, nem, à luz deste princípio, os factos apurados na sentença sub judice nos merecem qualquer reparo ou censura.

Por último, também não se configura na sentença recorrida a violação do princípio da presunção de inocência.

Olhando à concreta alegação dos recorrentes, o invocado princípio da presunção de inocência surge aqui articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo.

Além de ser uma garantia subjetiva dos arguidos, o princípio da presunção de inocência, nesta vertente, é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável aos arguidos, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Significa isto, por outras palavras, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 205).

Quando o tribunal não forma convição, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, dispõe a Constituição da República Portuguesa (no nº 2 do seu artigo 32º) que, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

No caso destes autos, e lendo a sentença recorrida, facilmente se dá conta que não ocorreu a invocada violação do princípio da presunção de inocência ou do princípio in dubio pro reo.

Só haveria violação de tais princípios quando da decisão resultasse que, em caso de dúvida, o tribunal tivesse decidido contra os arguidos, o que não é o caso agora em apreço, pois que da leitura da fundamentação da matéria de facto não resulta que o tribunal tivesse ficado com a menor dúvida a respeito dos factos dados como provados.

O tribunal a quo não teve dúvidas na valoração da prova, fazendo um juízo seguro acerca dos factos imputados aos recorrentes, nem tais dúvidas existem para este tribunal ad quem (que, em valoração própria, formulada nesta instância recursória, subscreve integralmente a decisão fáctica tomada pelo tribunal de primeira instância).

Posto tudo o que precede, o recurso interposto é, em toda esta vertente, de improceder.

c) Da nulidade da sentença.

Arguem os recorrentes a nulidade da sentença, por se basear em prova de valoração proibida (o depoimento indireto prestado pela testemunha PG).

Cabe decidir.

Preceitua o artigo 129º do C. P. Penal (sob a epígrafe “depoimento indireto”):

1 - Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.

3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos”.

Segundo este normativo legal, o juiz não poderá valorar o depoimento das testemunhas que se limitem a reproduzir o que lhes foi comunicado por uma outra pessoa, a não ser que chame a depor a pessoa que presenciou os factos diretamente.

Esta última exigência não será possível, caso a testemunha presencial tenha falecido, padeça de anomalia psíquica superveniente, ou seja impossível encontrá-la.

Ora, a nosso ver, não estamos, in casu, perante a existência de qualquer depoimento indireto, ao contrário do que alegam os recorrentes.

Na verdade, a testemunha PG apenas confirmou, em audiência de discussão e julgamento, o teor do auto de notícia e o teor do auto de apreensão constantes do presente processo (e os documentos que então foram juntos), não acrescentando mais nada de efetivamente relevante (nem podendo, obviamente, acrescentar, sob pena de ser a testemunha a fazer o julgamento do caso posto nos autos).

Isto é, a testemunha PG só relatou o que viu, o que ouviu e o que presenciou (relatando também, nesse estrito âmbito, a informação que lhe foi comunicada, na altura, por JM, em momento prévio à constituição deste como arguido).

Assim, o relato feito, em audiência de discussão e julgamento, pela testemunha PG, não corresponde, de modo algum, a um testemunho de “ouvir dizer” (ou seja, a um “depoimento indireto”), tratando-se, isso sim, e resumidamente, de um depoimento de um agente de autoridade que se limitou a descrever as diligências efetuadas no âmbito dos autos.

Face ao exposto, não ocorre a invocada (pelos recorrentes) nulidade da sentença sub judice, por valoração, legalmente proibida, de um “depoimento indireto”.

Por conseguinte, o recurso, em todo este segmento, não merece provimento.

d) Do enquadramento jurídico dos factos.

Alegam os recorrentes que o enquadramento jurídico dos factos, tal como consta da sentença revidenda, está errado, porquanto os factos em apreço não constituem crime, mas sim contraordenação, pois as máquinas de jogo aqui em causa não desenvolvem jogo de fortuna e azar, mas, isso sim, uma “modalidade afim de jogos de fortuna e azar” (invocando os recorrentes, em apoio da sua opinião, e para além de abundante jurisprudência, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2010, proferido pelo S.T.J. e publicado no D.R., Iª Série, de 08-03-2010).

Há que apreciar e decidir.

Na busca de um critério orientador, que nos permita a correta qualificação jurídica da situação posta nestes autos, começamos por deixar assinalado que o referido Acórdão do S.T.J. (nº 4/2010) fixou jurisprudência no seguinte sentido (e jurisprudência da qual não temos razão para divergir):

Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos do artigo 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.

Nos jogos sobre os quais se debruçou esse Acórdão do S.T.J. (ou seja, nos jogos descritos nas decisões em conflito), as máquinas de jogo, mediante a introdução de uma moeda (100$00 - € 0,50), atribuíam uma bola que poderia ou não corresponder a prémios monetários anunciados num cartaz (prémios variáveis entre 500$00 e 10.000$00 - € 2,50 e € 50).

Nos jogos em causa nos presentes autos, as máquinas, mediante a introdução de moedas, que podem variar entre € 0,50 e € 2,00 (as apostas possuem, assim, o valor de € 0,50 a € 2,00), atribuem (ou não) pontos (créditos), que, a final, poderão ser transformados em dinheiro (quantias em dinheiro que, no jogo denominado “Colorama”, podem chegar ao limite máximo de € 200, e que, no jogo chamado “Super Colorama”, podem atingir o limite máximo de € 400,00), tudo (a atribuição de prémios) dependendo de a luz das máquinas parar (ou não) em orifício premiado (ou não), e orifício com indicação de pontos (créditos) correspondentes aos prémios em dinheiro (se os orifícios onde a máquina parou forem, obviamente, premiados).

Ou seja, em vez de os prémios se encontrarem anunciados num cartaz, e em vez de tais prémios corresponderem a um determinado número ou a uma certa referência existente numa bola, são as próprias máquinas que têm assinalados os orifícios a que correspondem os prémios, dependendo a atribuição desses prémios de a luz parar ou não nos aludidos orifícios.

Trata-se, assim, a nosso ver (e com o devido respeito por diferente opinião), de uma forma de “sorteio” que tem como característica essencial o conhecimento prévio, pelo jogador, dos prémios a que se pode habilitar, caso jogue.

Em face do que vem de assinalar-se, e em nosso entender, as máquinas em causa nos autos, apesar de não possuírem um mecanismo de jogo totalmente idêntico àquele que determinou a prolação do acima citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (a distinção, substancialmente, encontra-se ao nível do valor dos prémios, que, numa das máquinas em causa nos presentes autos, pode ser de valor até 8 vezes superior, e ao nível do “modo de funcionamento” do mecanismo de jogo, que, in casu, é eletrónico, e, na situação tratada pelo S.T.J., era puramente mecânico), tratam de uma situação absolutamente idêntica.

Desde logo, os prémios estão previamente determinados (nestes autos não em cartaz, mas nas próprias máquinas).

Depois, as máquinas aqui em causa atribuem prémios primariamente expressos em pontuações, que são substituíveis por dinheiro, o que coincide, na sua essência, com o tipo de jogo tratado no caso decidido pelo S.T.J..

É certo que, no caso dos autos, e ao contrário da situação que foi objeto de apreciação pelo S.T.J., os jogos prescindem de qualquer atividade do jogador, para além, obviamente, da introdução de moedas pela ranhura indicada para esse efeito, pois que, logo que isso ocorre, automaticamente é disparado um ponto luminoso, que percorre, num movimento circular uniformemente desacelerado, os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem, ao passo que, na situação tratada pelo S.T.J., se exigia que o jogador rodasse um manípulo.

Contudo, e a nosso ver, tudo isso é secundário, não se podendo definir, criminalmente, uma modalidade de jogo (saber se a mesma constitui crime, ou se, pelo contrário, constitui mera contraordenação) com base em simples (insignificantes) diferenças de acionamento e de funcionamento.

O essencial reside (tem de residir) num outro tipo de considerações, mais ligadas à natureza das coisas, aos preceitos legais aplicáveis, e, bem assim, à consideração dos bens jurídicos aqui protegidos.

Neste outro tipo de considerações, vejamos, pois, a fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acima citado, a fim de averiguar se, não obstante as pequenas diferenças por nós salientadas, a situação em causa nos autos deve ou não merecer igual tratamento jurídico.

Escreve-se em tal Acórdão de Uniformização de Jurisprudência prolatado pelo S.T.J. (sobretudo na parte concernente à análise dos preceitos legais aqui implicados, análise essa que, assim, nos dispensamos de fazer autonomamente, remetendo para esse aresto): “a lei (art. 1º e 4º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na redação do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art. 4º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados ­ alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados ­ alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g). No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g). A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1º, são os que estão especificados no art. 4º, nº 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido art. 4º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar ( ...), enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades (alíneas a) a d); os não bancados, também concretamente especificados (alínea e) e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas (as alíneas f) e g). Ora, o que a redação do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Refere, aliás, o nº 3 do art.º 4º que «compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção-Geral de Jogos». E o art. 5º, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspeção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias». As portarias que atualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos são as Portarias 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei nº 422/89, na redação do Decreto-Lei nº 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria, visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei ou de decreto-lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (art. 165º, nº 1, alínea c), e nº 2 da Constituição da República. Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia. Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei nº 422/89, na redação do Decreto-Lei nº 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento. No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar: - Os jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas; - Os jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do art. 159º, nº 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 22/85, de 17 de janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do art. 1º do DL 21/85, também de 17 de Janeiro. Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra 6.1. e 6.2)., se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam diretamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei nº 422/89, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas. É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161º, nº 3, do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento direto em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim. Acresce que a tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra 7.1.1.), em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coação) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar. Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.

Ao que concluímos, o critério hermenêutico primordial que preside à fundamentação deste Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2010, para permitir qualificar ou não um determinado comportamento como crime, é um critério material, reconstruindo o tipo legal de crime em causa a partir das próprias categorias definidas especificamente pelo legislador, tratando-se, no fundo, de um critério de interpretação teleológico, ou seja, perspetivado para a proteção do bem jurídico, como emanação, em concreto, dos princípios da legalidade e da tipicidade, a que estão associados princípios de natureza constitucional, nomeadamente o da dignidade penal (o da carência de tutela penal, o da máxima restrição penal - a tipificação de uma conduta como crime só pode respeitar ao mínimo ético/social fundamental -).

À luz da doutrina do citado Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010, e subscrevendo o critério hermenêutico que (julgamos) aí se erigiu como fundamental, não devem ser consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas (puramente mecânicas - na situação tratada pelo S.T.J. -, ou até eletrónicas - na situação posta nestes autos -), ainda que conferindo prémios monetários de pequena monta e de natureza pré-definida.

Assim, não merece a qualificação de crime a exploração de jogos como os desenvolvidos pelas máquinas em apreço nestes autos, ainda que as mesmas atribuam prémios em dinheiro e ainda que as mesmas desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar.

Dito de outro modo: analisando as máquinas destes autos, e mesmo não sendo elas totalmente coincidentes com o mecanismo retratado no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2010 (como acima se deixou assinalado), verifica-se que as mesmas desenvolvem jogos com identidade substancial, pois que, nas suas características típicas relevantes, correspondem ao mecanismo de jogo que foi objeto da apreciação efetuada pelo aludido Acórdão do S.T.J. (na situação posta nestes autos, e em breve resumo, o jogador introduz uma moeda, assim fazendo uma roda girar, de forma aleatória, até a roda se fixar num dos números nela inscritos, dos quais apenas alguns dão direito a prémio).

Ou seja, o entendimento que está (quanto a nós) subjacente ao Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010 deve também ser aplicado às máquinas em discussão nos presentes autos.

À luz desse entendimento, e com o devido respeito pelos argumentos de direito utilizados na douta sentença recorrida, as máquinas “Colorama” e “Super Colorama” (as máquinas aqui em discussão) apenas permitem uma exploração de modalidade afim de jogo, modalidade que está prevista como ilícito contraordenacional, tal como definido pelo artigo 159º do D.L. nº 422/89, de 02/12, assistindo, por conseguinte, inteira razão aos recorrentes nesta parte da motivação do recurso (a conduta apurada nos autos constitui apenas contraordenação, cujo conhecimento não compete a este Tribunal da Relação, como decorre do disposto no artigo 164º do citado D.L. nº 422/89, e, ainda, do preceituado no artigo 38º, nº 1 - a contrario -, do Regime Geral das Contraordenações - D.L. nº 433/82, de 27/10 -).

Ocorre, pois, na sentença revidenda, uma errada qualificação jurídica dos jogos “Colorama” e “Super Colorama”, não constituindo os mesmos, a nosso ver, jogos de fortuna ou azar, mas sim meras “modalidades afins” do jogo (cfr., neste mesmo sentido, o Ac. desta R.E., de 28-02-2012, relatado por Ana Bacelar, e o Ac. da R.C., de 02-02-2011, relatado por Pilar de Oliveira, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Em face do exposto, é de proceder o recurso nesta vertente, tendo os arguidos de ser absolvidos do crime (exploração ilícita de jogo) pelo qual vêm condenados em primeira instância.

E, assim sendo, fica, obviamente, prejudicado o conhecimento da última questão suscitada na motivação do recurso (relativa à medida concreta das penas aplicadas na sentença revidenda).

Impõe-se, pois, e sem mais, absolver os arguidos, merecendo provimento o recurso.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença condenatória revidenda e absolvendo-se os arguidos/recorrentes da imputada comissão de um crime de exploração ilícita de jogo.

Sem tributação.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 10 de maio de 2016

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)

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[1] - Sumariado pelo relator