Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVA TESTEMUNHAL PROVA POR RECONHECIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/20/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A existência de divergências entre os depoimentos produzidos por pessoas que presenciaram uma mesma factualidade não é necessariamente sintoma do carácter inverídico do respetivo conteúdo, podendo ser, bem pelo contrário, demonstrativa da sua natureza não estereotipada e da sua espontaneidade. II - O ato de uma testemunha, na audiência, identificar o arguido como sendo um dos autores dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da “prova por reconhecimento” (não sendo aplicável nessa situação, por conseguinte, o disposto no artigo 147º do C. P. Penal). | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO. Nos autos de processo comum (tribunal coletivo) com o nº 1243/11.7PBFAR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, em que é arguido D M C, foi decidido: “1. Absolver o arguido D M C do crime de furto qualificado de que vem acusado, mas procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos para um crime de furto previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f) e nº 4 do Código Penal, homologar a desistência da queixa e, em consequência, declarar extinto o procedimento criminal deduzido contra o arguido no caso do apenso NUIPC 1492/11.8PBFAR; 2. Absolver o arguido D M C do crime de furto qualificado de que vem acusado, mas procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos, condená-lo como autor de um crime de furto previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f) e nº 4 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [caso de V D do apenso NUIPC 1480/11.4PBFAR]; 3. Condenar o arguido D M C como autor material de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [caso do apenso NUIPC 1519/11.3PBFAR]; 4. Condenar o arguido D M C como autor material de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [caso do apenso NUIPC 1481/11.2PBFAR]; 5. Condenar o arguido D M C como autor material de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [caso o apenso NUIPC 1479/ 11.0PBFAR]; 6. Condenar o arguido D M C como autor material de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [caso de M C do apenso NUIPC 1479/ 11.0PBFAR]; 7. Condenar o arguido D M C como coautor de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nº 1, 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão [caso do apenso 1238/12.3PBFAR]; 8. Procedendo ao cúmulo jurídico das penas acima aplicadas, condenar o arguido D M C na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; 9. Suspender na sua execução a referida pena pelo período de 2 anos e 6 meses sob a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova e de concluir o tratamento no âmbito da Comunidade Terapêutica do Azinheiro, seguindo todas as orientações terapêuticas que lhe forem dadas; 10. Condenar o arguido D M C a pagar as custas relativas ao processo criminal, fixando-se a taxa de justiça e 3 unidades de conta; 11. Ordenar a entrega dos telemóveis apreendidos a quem demonstrar ser seu proprietário, devendo-se notificar editalmente os proprietários para procederem ao seu levantamento com a advertência de que se o fizerem após o prazo de 90 dias poderão ter que suportar os custos do depósito. Caso não procedam ao levantamento das coisas no prazo de 1 ano serão as mesmas declaradas perdidas a Favor do Estado”. * Não se conformando o arguido com a decisão condenatória, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:1ª - A matéria de facto relativa ao NUIPC 1238/12.3PBFAR (crime de roubo) está mal julgada. 2ª - A testemunha C M prestou um depoimento não verdadeiro e não credível, estando essa testemunha desavinda com o arguido. 3ª - O depoimento de tal testemunha contém evidentes discrepâncias com o depoimento da vítima (a testemunha O V A). 4ª - Nomeadamente, a vítima (testemunha O V A) disse que foi “assaltada” por um só indivíduo, e a testemunha C M referiu que o “assalto” foi feito por duas pessoas. 5ª - Por conseguinte, não se apurou quantos “assaltantes” seriam, e, bem assim, se um desses “assaltantes” seria o ora arguido. 6ª - Na audiência de discussão e julgamento não foi efetuado o reconhecimento do arguido, nem foi lido e/ou examinado, em tal audiência, o “auto de reconhecimento” existente no NUIPC 1238/12.3PBFAR, pelo que esse “auto de reconhecimento” não pode ser valorado na decisão (artigo 355º, nº 1, do C. P. Penal). * O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):“a) Não há discrepâncias entre os depoimentos das testemunhas O A e C M, depoimentos que têm que ser apreciados na sua globalidade, de forma compreensiva, abrangente, e cruzada com os restantes elementos probatórios, tal como faz o acórdão recorrido; b) O ataque do recorrente à credibilidade do depoimento de C M é infundado, e, face à conjugação dos princípios da livre apreciação da prova e da imediação, não poderia o Tribunal de Recurso sindicar, neste concreto, a valoração das provas feita pelo Tribunal Recorrido, posto que tal valoração foi feita nos limites da livre apreciação de provas não proibidas; c) A convicção que o Tribunal Recorrido formou sobre a verificação do ocorrido está devida e logicamente fundamentada, com respeito pelas regras da aquisição das provas e da experiência, não invocando o recorrente razões que permitam alterar a decisão sobre a matéria de facto fixada; d) O reconhecimento existente no processo não precisava de ser (re)produzido, examinado ou lido em audiência de julgamento para ser valorado na decisão, mas, de todo o modo, foi efetivamente examinado na audiência; e) Pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido”. * Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta. Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO. 1 - Delimitação do objeto do recurso. Tendo em conta as conclusões acima enunciadas pelo arguido, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma, em breve síntese, a questão que vem suscitada no presente recurso: a fixação da matéria de facto (e tão-só no tocante ao crime de roubo - Processo apenso nº 1238/12.3PBFAR). 2 - A decisão recorrida. O acórdão revidendo (quanto aos factos provados, aos factos não provados, e à motivação da decisão fáctica) é do seguinte teor: “Factos provados Mostram-se provados os seguintes factos: Processo principal NUIPC 1519/11.3PBFAR 1. No dia 27 de outubro de 2011, cerca das 15:30 horas, o arguido introduziu-se, de modo não concretamente apurado, no cais das cargas e descargas do Mercado Municipal de Faro, sito no Largo Dr. Francisco Sá Carneiro, em Faro e dirigiu-se à cave do edifício do Mercado de Faro, local reservado para pessoas que trabalhem no mercado (pessoal da Câmara Municipal de Faro e pessoas que fazem cargas e descargas), onde estão situados os gabinetes dos vigilantes e seguranças do mercado; 2. Já no piso desse edifício, o arguido D M C entrou num dos gabinetes e dirigiu-se a uma secretária; 3. De uma gaveta da referida secretária o arguido D M C retirou um telemóvel da marca Nokia, modelo Express Music, com o número se serie de IMEI 352045029809828, pertencente ao Mercado Municipal de Faro; 4. De seguida, o arguido D M C saiu do local levando com ele o referido telemóvel apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do respetivo dono; 5. O referido telemóvel tinha, nessa data, valor inferior a € 100,00; 6. O telemóvel foi apreendido pela polícia e, mais tarde, foi restituído ao proprietário; NUIPC 1481/11.2PBFAR 7. No dia 27 de Outubro de 2011, cerca das 23:00 horas, o arguido D M C introduziu-se, de modo não concretamente apurado, na arrecadação da loja denominada Made in Green do centro comercial Fórum Algarve, sito na Estrada Nacional nº 125, em Faro; 8. O acesso à referida arrecadação apenas é permitido a funcionários da aludida loja; 9. Na arrecadação, o arguido retirou do interior de uma gaveta o telemóvel da marca Nokia, modelo 3 200, pertencente a A F; 10. De seguida, o arguido D M C saiu daquele local levando com ele o referido telemóvel apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do respetivo dono; 11. O telemóvel tinha, naquela data, valor inferior a € 100,00; NUIPC 1479/ 11.0PBFAR 12. No dia 28 de outubro de 2 011, cerca das 18:00 horas, o arguido D M C dirigiu-se ao centro comercial Fórum Algarve e introduziu-se no espaço reservado aos funcionários onde se encontram as arrecadações das lojas e os gabinetes dos funcionários de segurança; 13. Já no interior desse espaço reservado, o arguido entrou num dos gabinetes e retirou uma carteira que continha documentos pessoais e dinheiro pertencentes a E G e um telemóvel da marca Sony, modelo Ericsson X de cor preta com o número de serie 01244800864499-6 , pertencente ao E G; 14. Após, o arguido ausentou-se do local levando com ele a carteira (e seu conteúdo) e o telemóvel apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do respetivo dono; 15. No dia 30 de outubro de 2 011, a Policia de Segurança Publica de Faro recuperou a carteira e os documentos pessoais de E G, que estava escondida junto de uns arbustos na Urbanização Horta das Figuras, em Faro, e entregou-a ao proprietário; 16. O telemóvel, carteira e documentos tinha valor não apurado, mas inferior a € 100,00; NUIPC 1480/11.4PBFAR 17. No dia 30 de outubro de 2 011, cerca das 9H 50m, o arguido D M C dirigiu-se ao centro comercial Fórum Algarve e introduziu-se no espaço reservado apenas aos funcionários onde se encontram as arrecadações das lojas e os gabinetes dos funcionários do centro comercial; 18. Já no interior desse espaço reservado, junto da porta da arrecadação da loja denominada Molduras e Companhia, o arguido retirou uma carteira que continha documentos pessoais e uma nota de cinco euros pertencentes a M R C; 19. Em seguida, o arguido dirigiu-se à arrecadação da loja denominada Made in e retirou uma carteira que continha um telemóvel da marca LG, cor branca, com o numero de serie 357121039399111, pertencente a V D, funcionária dessa loja; 20. O telemóvel da V D, valia nessa data, menos de € 100,00; 21. O arguido ausentou-se do local levando com ele os referidos objetos apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos respetivos donos; 22. Posteriormente, nesse mesmo dia, cerca das 12:00 horas, a Policia de Segurança Publica de Faro recuperou a carteira com os documentos pessoais e a nota de cinco euros de M C, tendo os mesmos sido entregues à proprietária; NUIPC 1492/ 11.8PBFAR 23. No dia 2 de novembro de 2 011, cerca das 9:30 horas, o arguido D M C dirigiu-se ao Teatro Municipal de Faro, sito na Estrada Nacional nº 125, em Faro e introduziu-se na régie do teatro (espaço reservado apenas a pessoas que trabalham no Teatro Municipal de Faro) e retirou uma consola de jogos da marca Sony, modelo Play Station Portátil pertencente a L S, a qual valia, naquela data, menos de € 100,00; 24. De seguida, o arguido abandonou o local levando com ela a referida consola de jogos apesar de saber que a mesma não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do respetivo dono; 25. O arguido D M C atuou de forma livre e voluntária e consciente, visando apropriar-se das coisas e valoras supra referidos; 26. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei; Processo apenso 27. No dia 14 de outubro 2012, cerca das 20:30 horas, O V A e D M C e outro indivíduo cuja identidade não se apurou encontravam-se na rua da Cruz das Mestras, em Faro; 28. Nessa circunstância de tempo e lugar, D M C dirigiu-se a O V A e agarrou-lhe ambos os braços por trás, de passo que o seu acompanhante tentava introduzir as mãos nos bolsos da roupa de O A com a intenção de retirar objetos que o último tivesse na sua posse; 29. D M C e seu acompanhante só não lograram obter os seus intentos porquanto O A começou a gritar e ao local acorreu C M, o que fez com que o arguido e seu acompanhante fugissem por terem medo de ser detidos; 30. Como consequência da ação descrita, O A sofreu ferida inciso-contusa no antebraço direito e ligeiro hematoma; 31. O A nasceu no dia 20 de outubro de 1931 e quando foi agarrado pelo arguido tinha na sua posse uma carteira com € 50,00; 32. O arguido e seu acompanhante quiseram fazer seus os objetos que O A tinha na sua posse apesar de saberem que os mesmos não lhe pertenciam e que atuavam contra a vontade do respetivo dono; 33. O arguido e acompanhante recorreram à força física para o poderem concretizar os seus intentos só não tendo conseguido por terem sido surpreendidos com a reação de O A e pela aproximação de C M; 34. O arguido e seu acompanhante agiram livre, deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços e mediante plano entre eles gizados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei. Outros factos resultantes da discussão 35. D M C abandonou o agregado familiar cerca do ano de 2011, não tendo voltado a estabelecer contacto com a família; 36. O relacionamento apresentava-se conflituoso, não apresentando a mãe do arguido capacidade para controlar o comportamento daquele, queixando-se de vários furtos; 37. Nestas circunstâncias foi expulso de casa; 38. D C nunca conheceu o pai, tendo sido inicialmente criado pela mãe e durante largos períodos de tempo, a partir dos 10 anos, por uma tia; 39. A mãe desconhecia que D C sofreu prisão desde 25 de Janeiro de 2013; 40. Frequentou a escola na idade própria, nunca tendo aprendido a ler ou a escrever, sendo assinaladas dificuldades ao nível da aquisição de conhecimentos. Neste contexto foi referida a existência de um significativo atraso mental, no entanto D C não parece ter sido diagnosticado ou acompanhado no âmbito de tal problemática; 41. Nunca desenvolveu qualquer atividade profissional ou formativa. 42. Na data dos factos, D C vivia em situação de sem abrigo há mais de um ano após sair do agregado familiar; 43. No Estabelecimento Prisional de Faro foi seguido/acompanhado em psiquiatria, sendo avaliado e medicado; 44. D C apresentava um discurso empobrecido e fantasioso, mostrando dificuldade em compreender a intervenção do sistema de justiça criminal; 45. Atualmente, e desde o dia 26 de novembro de 2013, o arguido está acolhido na Comunidade Terapêutica do Azinheiro (instituição do GATO) a fazer um tratamento à dependência de substâncias psicoativas; 46. O programa do tratamento tem a duração de 18 meses; 47. No período inicial do seu acolhimento institucional o arguido revelou grande dificuldade de integração já que não tinha noção das regras mais básicas da educação; 48. Porém, conseguiu, com sucesso, superar tais dificuldades; 49. O arguido está a terminar a primeira fase do tratamento; 50. Quando iniciar a segunda fase poderá ter contactos com o exterior; 51. O arguido mantém-se abstinente do consumo de drogas; 52. Por sentença de 20 de junho de 2011, transitada em julgado no dia 11 de julho de 2011, proferida no âmbito do processo comum singular nº (…..) do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão da Restauração, foi o arguido condenado pela prática, em 29 de novembro de 2009, de um crime de furto qualificado, na pena de 200 dias de multa. O arguido cumpriu esta pena em regime de prisão subsidiária; Factos não provados Não se provaram os demais factos constantes das acusações, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações de conclusivas, de direito, meramente probatórias ou argumentativas, que deverão ser ponderadas em sede própria deste acórdão. Reputam-se de conclusivas alegações segundo as quais: - O “local não é livremente acessível ao público”; - “O arguido subtraiu” coisas; - “O arguido apoderou-se” de coisas, “integrando-as no seu património”. Concretamente, não se provaram os seguintes factos: NUIPC 1519/11.3PBFAR I . O arguido colocou-se em fuga; II. O telemóvel valia, nessa data, cerca de quarenta euros; NUIPC 1481/11.2PBFAR III. O arguido colocou-se em fuga; NUIPC 1479/ 11.0PBFAR IV. O arguido colocou-se em fuga para local desconhecido; NUIPC 1480/11.4PBFAR V. O telemóvel da V D valia, nessa data, a quantia de cento e cinquenta euros; VI. O arguido colocou-se em fuga para local desconhecido; NUIPC 1492/ 11.8PBFAR VII. A Play Station Portátil valia, naquela data, cerca de duzentos e sessenta euros; VIII. O arguido colocou-se em fuga para local desconhecido; Fundamentação da decisão de facto O decidido em matéria de facto funda-se em todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento e bem assim nos documentos e autos que constam do processo, valorados (cada um de per si e no confronto com os demais meios de prova) de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum. Relativamente à prova pericial, teve-se em consideração o princípio que emana do artigo 163º, nº 1 daquele Código, segundo o qual “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.” Sem embargo, não deixou o Tribunal de fazer um exame crítico de tal meio de prova. Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos e exames periciais de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção foram. O recurso aos autos constantes do processo respeitou as exigências legais, não tendo o Tribunal consultado, analisado ou ponderado em autos cujo acesso, em julgamento, lhe está vedado. Relativamente ao processo principal, o arguido não confessou os factos de que vem acusado, muito embora tenha assumido a prática da maior parte deles. Assim, no caso do NUIPC 1519/11.3PBFAR, o arguido confessou os factos que lhe são imputados na acusação, explicando como os cometeu e o local preciso onde estava o telemóvel que retirou. No caso do NUIPC 1481/11.2PBFAR o arguido declarou recordar-se apenas que entrou na loja referida nos factos provados e de lá ter retirado um telemóvel. No mais, referiu que o telemóvel que retirou da loja lhe foi apreendido pela polícia em Lisboa. No caso do NUIPC 1479/ 11.0PBFAR, o arguido confirmou ter praticado os factos que lhe são imputados, tendo esclarecido o local onde se encontravam o telemóvel e a carteira. Explicou ainda como acedeu ao gabinete de onde retirou aquelas coisas. Referiu por fim que as coisas foram recuperadas, sendo que disse à polícia o local preciso onde tinha escondido a carteira. No que respeita ao caso do NUIPC 1480/11.4PBFAR, o arguido demonstrou recordar-se de ter retirado a carteira de senhora que continha dinheiro. Porém, declarou não recordar-se de ter retirado um telemóvel do local referido nos factos provados. Por fim, no caso do NUIPC 1492/ 11.8PBFAR o arguido demonstrou recordar-se bem dos factos, tendo explicado como acedeu ao local onde estava a Playstation. Já quanto ao processo apenso, o arguido negou a prática dos factos ou qualquer participação nos mesmos. Relativamente aos casos do processo principal, o arguido admitiu ter praticado os assaltos em causa, muito embora o mesmo não se recorde de alguns factos importantes (tal como se deixou referido). Os factos descritos na acusação proferida no processo principal foram confirmados pelos depoimentos de várias testemunhas (que demonstraram ignorar apenas a autoria dos mesmos). Assim, V D explicou que estava na loja onde trabalhava (Made In) a atender um cliente quando o seu colega (chegado da arrecadação) lhe perguntou pelo telemóvel e carteira. A V D disse-lhe que não os tinha visto mas que iria fazer uma chamada do seu telemóvel para o telemóvel do colega a fim de este o localizar. Nessa altura, apercebeu-se que também o seu telemóvel tinha desaparecido. Esclareceu que a pessoa que tirou os telemóveis e carteira não tinha entrado pela loja, pelo que só poderia ter acedido ao local através do corredor de acesso às arrecadações das lojas (espaço reservado apenas a pessoas que trabalham no centro comercial). Referiu que o seu colega recuperou a carteira e descreveu o seu próprio telemóvel. Confirmou o teor de folhas 69 do apenso respetivo, sendo certo que o telemóvel em causa já não estava novo. E G era o colega da V D. Quanto ao modo como detetou o desaparecimento da sua carteira e do seu telemóvel o seu depoimento foi coincidente com o de V D. Esclareceu que o a marca e modelo do seu telemóvel, referindo que o mesmo tinha custado, em novo, € 99,99. Indicou também o que a carteira continha. Por fim, referiu já ter recuperado o telemóvel e a carteira com todo o seu conteúdo, com exceção do dinheiro. Confirmou o teor de folhas 182 do processo principal. M C era a empregada da loja Molduras e Companhia, explicou que no dia e hora a que se referem os factos abriu a loja pelo lado do corredor de acesso apenas acessível a pessoas que trabalham no centro comercial e à beira da porta deixou a sua mala. De seguida, dirigiu-se ao armazém da loja (tendo deixado a porta desta aberta). Quando regressou viu que a sua mala tinha sido remexida e do seu interior tinham retirado a carteira com documentos pessoais e € 5,00 em dinheiro. Referiu ainda a mesma testemunha que a carteira e todo o seu conteúdo foram recuperados no próprio dia pela Polícia de Segurança Pública. L S é funcionário da Câmara Municipal de Faro e, na data dos factos, trabalhava no Teatro Municipal de Faro. Declarou que tinha pousado no local referido na acusação a mochila do seu filho que continha, entre o mais, a Play Station Portátil. No dia seguinte apercebeu-se que do interior da mochila alguém tinha retirado aquele aparelho. Referiu ainda que tal aparelho tinha custado pouco mais de € 100,00. K M, também funcionário da Câmara Municipal de Faro explicou que do cais de cargas e descargas (onde apenas têm acesso as pessoas referidas nos factos provados) retiraram o telemóvel do Mercado Municipal de Faro que estava distribuído a K M. Identificou o telemóvel pela marca e cor e referiu que o mesmo não estava em estado novo (aliás, alguns componentes estavam seguros com fita-cola). S R, administradora do Mercado Municipal de Faro, confirmou que o telemóvel que foi apreendido tinha pertencia ao Mercado Municipal de Faro e estava distribuído (como telemóvel de serviço) a K M. S R confirmou o teor de folhas 65 do apenso NUIPC 1519/11.3PBFAR afirmando que o mesmo respeita à aquisição do telemóvel em causa e bem assim de outros. O telemóvel (que ainda estava apreendido), depois de reconhecido por K M e S R, foi devolvido ao Mercado Municipal de Faro. Após terem sido observadas as formalidades prescritas no artigo 356º do Código de Processo Penal, o Tribunal procedeu à leitura (e valorou como meio de prova), na audiência, do depoimento que A F prestou no inquérito (e que está exarado no auto que constitui folhas 65 do apenso NUIPC 1480/11.4PBFAR. Dos depoimentos anteriormente analisados resulta que os assaltos ocorreram do modo como está descrito nos factos provados e que em tais assaltos, o respetivo agente retirou as coisas que estão identificadas nos factos provados. A autoria dos factos apenas pode ser imputada ao arguido. Desde logo, D M C assumiu a autoria de todos os factos. Para além do que se deixou referido, o arguido declarou que todos os telemóveis que lhe foram apreendidos foram por si furtados (pois nunca teve nenhum telemóvel seu). Ora, resulta do teor dos autos de apreensão que constituem folhas 40 do apenso NUIPC 1519/11.3PBFAR (salientando-se que o arguido declarou que todos os telemóveis que lhe foram apreendidos em Lisboa tinham sido por si furtados. De resto, o arguido revelou que se deslocou a Lisboa para vender os telemóveis que tinha furtado), folhas 7 do apenso NUIPC 1479/ 11.0PBFAR, folhas 17 e 18 do apenso NUIPC 1480/11.4PBFAR, que as coisas ali identificadas foram apreendidas na posse do arguido ou por indicação do arguido. Dos registos fotográficos juntos aos autos (designadamente, a folhas 49 do apenso NUIPC 1519/11.3PBFAR, folhas 9 do apenso NUIPC 1481/11.2PBFAR, folhas 13 do apenso NUIPC 1479/ 11.0PBFAR) resulta os locais por onde o arguido acedeu às coisas que subtraiu. O teor das fotografias foi confirmado pelo arguido na audiência. É, pois, inequívoco que o arguido foi o autor dos factos descritos na acusação. De nenhum meio de prova resulta que o arguido se ausentou dos locais de onde retirou as coisas referidas nos factos provados em fuga. Do depoimento das testemunhas e dos documentos já referidos resulta claro que os telemóveis (e outras coisas retiradas pelo arguido) não eram novos e que tinham valor inferior a € 100,00. Anote-se, a este propósito, que as testemunhas não foram capazes de indicar o valor das coisas à data da subtração. Como tal e em homenagem ao princípio segundo o qual a dúvida sobre um facto deve ser resolvida do modo mais favorável ao arguido, o Tribunal julgou provado que as coisas tinham valor inferior a € 100,00. Relativamente ao caso do processo apenso, o arguido negou a prática dos factos. Em face do depoimento de O V A (que relatou os factos em que foi interveniente de modo correspondente aos factos provados), o Tribunal não tem qualquer dúvida de que o mesmo foi vítima do comportamento referido nos factos provados e que a pessoa que os praticou queria apoderar-se de coisas de valor que o mesmo transportava consigo. As lesões que O V A sofreu resultam do teor do relatório do episódio de urgência que constitui folhas 7 e do relatório pericial médico-legal de avaliação do dano corporal em direito penal que constitui folhas 64 e seguintes do aludido apenso. A questão que, de imediato se suscita consiste em saber quem foi o autor de tais factos: o arguido ou terceira pessoa. C M conhece o arguido por ambos terem partilhado a casa onde a testemunha vive. Declarou ter presenciado a tentativa de assalto de que O V A foi vítima (indicando o local e a hora a que os mesmos ocorreram). C M declarou ter visto que uma pessoa estava a agarrar a vítima pelas costas de passo que outra pessoa tentava introduzir as mãos nos bolsos de O A. A pessoa que estava a agarrar O A era o arguido. No mais, confirmou o teor do reconhecimento pessoal documentado no auto respetivo que constitui folhas 19 e 20 do apenso 1238/12.3PBFAR. Não obstante C M ter referido ter tido um desentendimento com o arguido (no tempo em que os mesmos moravam na mesma casa) não se descortina no depoimento da referida testemunha qualquer falta de isenção no relato que fez. A testemunha explicou a razão pela qual estava naquele local àquela hora. Esclareceu que, por acaso, olhou para o local onde o assalto estava a decorrer (negando que tivesse olhado por ter ouvido a vítima a gritar). Ao ver que um dos assaltantes era o arguido, dirigiu-se-lhe dizendo “o que estão a fazer ao homem?” Foi nessa altura que os dois assaltantes (o arguido e seu acompanhante) fugiram do local. O depoimento de C M foi claro, preciso, completo, isento de contradições, sendo, pois, merecedor de credibilidade. No que tange aos factos atinentes ao modo de vida pessoal, familiar e económico do arguido, o Tribunal valorou as suas próprias declarações, o teor do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais e o depoimento de C D. Esta testemunha é também utente da Comunidade Terapêutica do Azinheiro, sendo orientador (“padrinho”) do arguido (que, atualmente, também ali está acolhido). O Tribunal valorou ainda o teor do documento junto ao processo pelo arguido no decurso da audiência. Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal valorou positivamente o certificado do registo criminal do arguido”. 3 - Apreciação do mérito do recurso. Da impugnação da matéria de facto. Toda a pretensão recursiva se resume à impugnação alargada da decisão sobre a matéria de facto, no que concerne ao crime de roubo (Processo apenso nº 1238/12.3PBFAR) - ou seja, estão impugnados os factos dados como provados sob os nºs 27 a 34 do acórdão revidendo (em que é vítima O V A). Alega o recorrente, em apertada síntese, que a testemunha C M já andava desavinda com o arguido, que prestou um depoimento nada credível, que existem discrepâncias entre os depoimentos das testemunhas C M e O V A (vítima), e, por último, que a “prova por reconhecimento” não pode ser valorada (já que não foi lida e examinada na audiência de discussão e julgamento). Cumpre decidir. A fundamentar a sua pretensão, o recorrente transcreve algumas passagens dos depoimentos das testemunhas C M e O V A, depoimentos que, no entendimento do recorrente, imporiam que o tribunal a quo decidisse como por si preconizado. Porém, cabe a este tribunal ad quem proceder não só à audição das passagens indicadas na motivação do recurso, como também à audição de todas as outras que sejam relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, conforme disposto no artigo 412º, nº 6, do C. P. Penal. Do mesmo modo, não está afastada a possibilidade de nos socorrermos do princípio da livre convicção na apreciação/valoração das provas. Perante o que vem alegado na motivação do recurso, e após audição dos suportes/registos técnicos relativos aos depoimentos das testemunhas C M e O V A, concluímos que a nossa convicção acerca dos factos em apreciação não diverge daquela que o tribunal a quo alcançou e exprimiu no acórdão recorrido. Também nós, que estamos privados da imediação (importante para captar pormenores de expressão, de olhar, de maneira de estar, e outros que ajudam a credibilizar ou não determinadas declarações ou certos depoimentos), procedendo a avaliação autónoma da referida prova, ficamos seguros dos factos dados como provados no acórdão revidendo. Procedendo, pois, a ponderação e convicção autónomas, e autonomamente formuladas nesta instância de recurso, e sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta mesma instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e pelos termos, modelo e modo de impugnação inerentes ao recurso em análise, constatamos, sem dificuldade, que a prova produzida em audiência impõe uma decisão inteiramente conforme com a que foi tomada pelo tribunal a quo. Há que concretizar. A testemunha O V A (nascida em 1931), após ter saído de um estabelecimento comercial onde tinha estado a jogar “snooker”, e já em plena rua, sentiu-se, de repente, “agarrado” pelas costas, tendo-lhe sido apertados e imobilizados os braços. De imediato, começou a gritar (“acudam”), e, perante isso, o indivíduo (que o estava a “agarrar”) largou-o, fugindo do local. Virou-se para trás, e viu dois indivíduos a fugir, além de ter visto também, próximo do local, a testemunha C M. Tem a certeza absoluta que eram duas pessoas a fugir (e não apenas uma). A testemunha C M já conhecia o arguido antes dos factos em apreço (pois tinham morado na mesma casa). Quando ia a passar numa rua junto ao local dos factos (uma “travessa” dessa rua), viu um senhor (o ofendido O A) a ser “assaltado” por dois indivíduos, um deles a “atacar” o ofendido pelas costas (agarrando-lhe, por detrás, os braços), e outro a tentar colocar as mãos nos bolsos do ofendido. Entretanto, um desses indivíduos virou-se para si, encarando-o, e logo a testemunha reconheceu, nitidamente, o ora arguido. Ambos de colocaram em fuga. Após os factos, e perante as autoridades policiais, a testemunha C M reconheceu o arguido, tendo sido feito um “auto de reconhecimento” (auto este constante de fls. 19 e 20 do Processo apenso nº 1238/12.3PBFAR). As testemunhas C M e O V A relataram os factos de forma clara, pormenorizada, sequencial, sem hesitações ou pontos obscuros, apresentando ambas uma versão dos factos, não apenas coincidente (naquilo que é essencial), como também verosímil e inteiramente credível, nada existindo que nos permita duvidar, minimamente, da veracidade daquilo que relataram em audiência de discussão e julgamento. Em jeito de síntese: ouvindo (como ouvimos, na íntegra) os relatos feitos, em audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas C M e O V A, verificamos, sem dificuldade, que tais relatos são de tal modo claros, espontâneos e pormenorizados, que nenhuma dúvida nos resta sobre a inteira credibilidade dos mesmos. Improcede, pois, este primeiro aspeto da impugnação da decisão fáctica. * Numa segunda vertente, invoca o recorrente a existência de contradições entre os depoimentos prestados pelas duas testemunhas em causa, nomeadamente tendo a testemunha O V A referido que foi “assaltada” por um só indivíduo, e tendo a testemunha C M dito que o “assalto” foi feito por duas pessoas.Ora, e com o devido respeito, tal alegação é incorreta, já que o ofendido O A nunca disse que foi “assaltado” por apenas uma pessoa (disse, isso sim, que foi “agarrado” por uma pessoa), tendo até referido que viu dois indivíduos a fugir. De todo o modo (e como é de esperar em depoimentos isentos e não previamente combinados), verifica-se que, em alguns pormenores, os depoimentos das testemunhas C M e O V A não são integralmente coincidentes (não são cópia um do outro). Porém, e ao contrário do que invoca o recorrente, a existência de divergências entre os depoimentos produzidos por pessoas que presenciaram uma mesma factualidade não é necessariamente sintoma do carácter inverídico do respetivo conteúdo, podendo ser, bem pelo contrário, demonstrativa da sua natureza não estereotipada e da sua espontaneidade. Manifestamente, a nosso ver, é perante um contexto probatório com essas características que nos encontramos no caso em apreço, pelo que as discrepâncias (de pormenor, repete-se) existentes entre os depoimentos das testemunhas C M e O V A não são de molde a pôr em causa a credibilidade que o acórdão recorrido lhes atribuiu, e que este tribunal ad quem também lhes atribui (sem qualquer dúvida). Com efeito, indo ao seu núcleo essencial (àquilo que mais releva), a descrição dos factos feita pelas aludidas testemunhas é a mesma. Na verdade, ambas as referidas testemunhas (C M e O V A) relataram, em termos inequívocos, convincentes e coincidentes entre si, que dois indivíduos abordaram, na rua, o ofendido, tendo um agarrado o ofendido (em ambos os braços, e por trás das costas) e tendo o outro tentando introduzir as mãos nos bolsos da roupa do ofendido, com intenção de retirar bens que aí se encontrassem, o que só não sucedeu porque o ofendido começou a gritar, acorrendo a testemunha C M, e fugindo os dois indivíduos do local. Ou seja, tais testemunhas descrevem, de modo coincidente, a conduta do arguido e do seu acompanhante (naquilo que ela teve de essencial). Por conseguinte, nenhuma razão assiste ao recorrente neste segundo aspeto da impugnação da decisão fáctica. * Por fim, alega o recorrente que a “prova por reconhecimento” não pode ser valorada, porquanto não foi examinada na audiência de discussão e julgamento.Sempre com o devido respeito, tal alegação carece totalmente de sentido. Com efeito, ouvido (por nós) o depoimento (integral) da testemunha C M (prestado na audiência de discussão e julgamento), constatamos que a mesma não teve quaisquer dúvidas que o arguido era um dos indivíduos que abordaram o ofendido, nos precisos termos dados como provados no acórdão sub judice. É que, na altura dos factos, a testemunha C M já conhecia o arguido, e conhecia-o muito bem, pois ambos tinham morado, anteriormente, numa mesma casa. Assim, logo nessa altura, a testemunha pôde verificar quem era o autor (um dos coautores) dos factos, não existindo qualquer necessidade de proceder ao “reconhecimento” do arguido (conforme decorre do disposto no artigo 147º, nº 1, do C. P. Penal). Seria até absurdo: a testemunha iria “reconhecer” uma pessoa, quando é certo que já, muito claramente, conhecia essa pessoa. Dito de outro modo: desde o início do processo que a testemunha C M não teve qualquer dificuldade em identificar o arguido, pelo que a questão suscitada pelo recorrente diz respeito, em substância e bem vistas as coisas, à prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento (para identificar o arguido como coautor dos factos), e não, como parece entender-se na motivação do recurso, à “prova por reconhecimento” (artigo 147º do C. P. Penal). É que, o ato de uma testemunha, na audiência, identificar o arguido como sendo um dos autores dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da “prova por reconhecimento” (não sendo aplicável nessa situação, por conseguinte, o disposto no artigo 147º do C. P. Penal). Em consequência, não tinha que ser lido e/ou examinado, na audiência de discussão e julgamento, qualquer auto de reconhecimento feito perante uma entidade policial, e, por isso, omitindo-se essa leitura e esse exame, não foi violado o disposto no artigo 355º, nº 1, do C. P. Penal. Assim sendo, nenhuma incorreção ou erro existiu na apreciação da prova (sobre a autoria dos factos) por parte do tribunal de primeira instância. Na verdade, em relato claro, assertivo e totalmente convincente, a testemunha C M (na própria audiência de discussão e julgamento, repete-se) disse conhecer o arguido (por ambos terem partilhado a mesma casa), relatou os factos nos termos dados como provados, e referiu, sem margem para dúvidas, que um dos coautores era o arguido. Aliás, e conforme se escreve na motivação do recurso (cfr. fls. 314 dos autos), a testemunha C M não só viu (e reconheceu) o arguido no momento da prática dos factos, como até lhe dirigiu a palavra: “eu disse, o que é que estão a fazer ao homem?! Foi quando o D foi o primeiro a encarar com a minha cara, e eu: olha, já te conheço a ti!” Os factos foram, pois, praticados pelo arguido, em coautoria, da forma que foi dada como provada no acórdão sub judice, e conforme o relato, circunstanciado e seguro, da testemunha C M, a qual identificou inteiramente, logo no momento dos factos, e sem hesitações ou dúvidas, o arguido como sendo um dos dois autores dos factos ora em discussão. Em suma: nenhuma razão assiste ao recorrente nesta parte do recurso. À luz do exposto, a apreciação que o tribunal a quo fez da prova produzida em audiência de discussão e julgamento merece a nossa inteira concordância, não existindo qualquer elemento de prova que tenha sido mal avaliado, indevidamente sopesado, mal interpretado, ou erradamente validado. Bem pelo contrário: todos os elementos de prova impõem, com inteira segurança, a manutenção da decisão fáctica proferida em primeira instância. Perante tudo o que fica dito, é de manter a decisão revidenda, sendo de improceder, na sua totalidade, o recurso interposto pelo arguido. III - DECISÃO. Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso do arguido, mantendo-se, consequentemente, o douto acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.. * Texto processado e integralmente revisto pelo relator.Évora, 20 de Janeiro de 2015. João Manuel Monteiro Amaro Maria Filomena de Paula Soares |