Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | DECISÃO INSTRUTÓRIA JULGAMENTO EM AUDIÊNCIA PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS CRIME DE EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DEVER DE GARANTE | ||
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Data do Acordão: | 01/19/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - O julgamento dos recursos penais em audiência só pode ser solicitado pelo recorrente, quando a decisão recorrida tenha a natureza de uma sentença no sentido técnico-jurídico do termo, o que exclui as decisões instrutórias, ainda que se trate de uma decisão de não pronúncia. II – O artigo 126.º do Código de Processo Penal não define, de forma exaustiva, o elenco das proibições probatórias em processo penal, estando, nesta matéria, os tribunais igualmente vinculados a normas proibitivas avulsas, como sejam, a título de exemplo, o n.º 5 do art. 58.º do CPP e o n.º 7 do art. 147.º do CPP, que proscreve a valoração como meio de prova do reconhecimento de pessoas, que não tenha obedecido aos formalismos exigidos pelos nºs 1 a 6 do mesmo artigo. III - O vigente sistema de processo penal é reconhecidamente avesso a que se valorem meios de prova pessoal com origem no arguido, a partir do momento em que deva ser considerado investido neste estatuto, que tenha sido por ele prestado em diferente qualidade processual, não rodeada das garantias e das imunidades que são apanágio do estatuto de arguido. IV - O n.º 5 do artigo 58.º do CPP, aplicável às situações previstas no art. 57.º por via da remissão feita no n.º 3 deste artigo, proíbe inequivocamente a valoração de um depoimento prestado enquanto testemunha, num momento inicial do processo, por alguém que venha, posteriormente, a assumir a qualidade processual de arguido, a menos que o depoente, depois de constituído arguido, tenha prestado declarações com observância das formalidades legais, confirmando expressamente o depoimento testemunhal anteriormente produzido. V - Tendo-se o arguido remetido ao silêncio, quando ouvido na fase da instrução, não pode ser valorado o depoimento que prestou, como testemunha, em fase de inquérito. VI - O tribunal não deve acolher na pronúncia factos que não tenham relevo directo, por si próprios ou conjugados com outros, para definição dos contornos da responsabilidade criminal do arguido, mas que revistam interesse meramente instrumental para prova indirecta de outros factos. VII - O Juiz de instrução tão pouco deve formular juízo de indiciação sobre as alegações contidas na peça processual, à qual cumpra delimitar o objecto da sua cognição, que constituam reprodução do conteúdo de meios de prova, juízos de valor ou conclusivos, comentários ou considerações, matéria de direito – em suma, tudo aquilo que não for alegação de facto empiricamente verificável, ainda que de natureza subjectiva. VIII - O tipo criminal do n.º 1 do artigo 138.º do Código Penal comporta duas modalidades de acção típica, uma descrita na al. a) deste dispositivo, a que poderemos chamar «exposição» e outra prevista na al. b), que corresponde ao «abandono». IX - O crime p. e p. pelo artigo 138.º do Código Penal, em qualquer das suas variantes, só é passível de punição a título de dolo e não de mera negligência. X - Quando o agente passivo do crime seja uma pessoa maior de idade e não portadora de uma deficiência ou debilidade, que o afecte de forma relevante no uso da sua vontade ou na sua capacidade de defesa perante o agente activo, a modalidade de acção típica prevista na al. a) só se verifica quando o agente activo tenha lançado mão de meio idóneo a coagir a vontade do agente passivo ou adequado a falsear ou adulterar a formação desta. Dito por outras palavras, nunca poderá haver «exposição» sempre que o agente passivo permaneça no uso livre e esclarecido da sua vontade. XI - A conduta do arguido só poderia relevar para preencher o tipo criminal do artigo 138.º, n.º1, do Código Penal se ele se tivesse apercebido de que a capacidade de avaliação e decisão das vítimas se encontrava perturbada e tivesse conscientemente tirado partido disso, no sentido de as sujeitar ao perigo de serem arrastadas pelo mar e morrerem por afogamento. XII - Não obstante a subordinação hierárquica das vítimas ao arguido, no organismo promotor da praxe, e o facto de o segundo ter sido o «mentor» das actividades desenvolvidas no fim-de-semana fatídico, não faz sentido dizer que o arguido se encontrava então constituído nalgum dever de garante da segurança dos seus colegas, que o acompanhavam, pois estes em nada haviam abdicado da sua autonomia jurídica, sendo cada um deles responsável pela garantia da sua própria segurança perante os perigos que na altura pudessem ameaçar a sua integridade física ou a sua vida. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1.Relatório Na instrução nº 51/13.5MASTB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Setúbal, Instância Central, Secção de Instrução Criminal, pelo Exmº Juiz desse Tribunal foi proferida, em 4/3/15, a seguinte: «DECISÃO INSTRUTÓRIA A., B., C., D., E. e F., assistentes nos autos, vieram, após notificação do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos presentes autos por entender não decorrerem dos mesmos indícios da prática de qualquer ilícito criminal, requerer a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes do respectivo requerimento – constante de folhas 1739 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido – com a consequente imputação ao arguido G. da prática de seis crimes de exposição ou abandono, previsto e punível nos termos do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal. * Alegam os assistentes, em súmula, ter o arguido assumido uma posição, no âmbito da organização de praxe universitária em que detinha, na sua hierarquia, um lugar de topo – designado por dux –, de domínio, controle, garante da segurança dos jovens que vieram a falecer. E ter sido por causa de ações concretas deste que os mesmos se expuseram, fragilizados e diminuídos na sua vontade e capacidades, à ação de elementos não controláveis. O que acabou por originar os seus falecimentos, submersos num mar impiedoso. Entendem ainda os assistentes existirem indícios de que o arguido, confrontado com o ocorrido, tenha abandonado o local e, posteriormente, procurado simular o que apelidam de pré-afogamento - i.e., simulado ter também o arguido sido surpreendido e passado por semelhantes dificuldades no mar e, por sorte, melhor condição física ou maior discernimento, conseguido escapar com vida. Entendem ainda que a fuga do arguido aquando da submersão dos seus colegas dificultou ou impossibilitou qualquer tentativa de salvamento. Concluem, assim, dever o arguido ser acusado da prática de seis crimes de exposição ou abandono, previsto e punível nos termos do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal. Foram requeridos múltiplos atos de instrução, conforme adiante se especificará. O Tribunal admitiu e determinou a realização de alguns deles. O arguido exerceu o seu direito de não prestar declarações, alegando nada mais ter a acrescentar aos depoimentos proferidos em sede inquérito, na qualidade ainda de testemunha. Prescindiu do seu direito de estar presente nas diligências. Realizaram-se os atos instrutórios admitidos. Após, o debate instrutório. Ministério Público e ilustres mandatários dos demais intervenientes processuais formularam uma síntese das suas conclusões sobre a (in)suficiência dos indícios e sobre matéria de direito. Cumpre então apreciar e decidir o requerimento sub judice. * I. DA FACTUALIDADE INDICIADA Expurgadas as considerações, conceitos de direito e conclusões constantes do requerimento de abertura de instrução, cumpre, em resultado da conjugação dos atos de instrução realizados neste sede com os elementos probatórios resultantes do inquérito, dar como indiciada, e em síntese, a seguinte factualidade: 1. Em dezembro de 2013, o arguido G. e ainda JR., AC., TC., CA., PN. e AG. eram alunos da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia; 2. No âmbito dessa universidade, foi criado, em 2003, o Conselho Oficial de Praxe Académica (adiante apenas “COPA”); 3. O arguido e demais jovens identificados no ponto 1. eram elementos do “COPA”; 4. Os elementos do “COPA” regiam-se e organizavam-se nos termos e de acordo com um "Código da Praxe Académica" (adiante apenas “Código da Praxe”); 5. Verte o artigo 5.º do Código da Praxe: "1. Só os estudantes da universidade lusófona de Humanidades e Tecnologias poderão estar na Praxe Académica desta Universidade, estando vinculados ao respectivo código de Praxe Académica. 2. São considerados vinculados à praxe académica: a) Traje académico; b) B.I. da Besta ou do caloiro - Apenas reconhecido a alunos com uma matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias devidamente assinado pelo representante de curso ou o Dux; 3. Os estudantes de qualquer outro estabelecimento de ensino, aquando da sua passagem pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e usando o traje académico, devem ser recebidos como convidados da Academia. Durante a sua permanência no Campus Universitário ou em eventos académicos, estes não podem ter uma participação ativa na praxe académica, podendo ser aceite pelo Maximum Praxis Concilium o cumprimento das suas próprias tradições académicas"; 6. Nos termos do artigo 8.º do Código da Praxe, o “COPA” encontrava-se organizado com a seguinte hierarquia: 1ª honoris dux; 2ª dux; 3ª veteranos; 4ª doutores; 5ª pastranos; 6ª paraquedistas; 7ª caloiros; 8ª bestas; 7. De acordo com o artigo 8.º do "Código da Praxe", a “hierarquia das categorias da Praxe Académica em escala ascendente é a seguinte: "a) Besta - Pertencem a esta categoria todos os alunos que efetuem pela primeira vez uma matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, mesmo que tenham estado matriculados em qualquer outro estabelecimento de ensino superior, desde que não possuam grau académico comprovado, e que queiram aderir à Praxe Académica; b) Caloiro - Pertencem a esta categoria todos os alunos que tenham sido praxados e batizados por académico reconhecido pela Academia, segundo o disposto no artigo 6º (Estar na Praxe) e que queiram aderir à Praxe Académica; c) Paraquedistas - Pertencem a esta categoria todos os estudantes vinculados à praxe académica, que efetuem a sua primeira matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, embora possuam grau académico comprovado, de outro estabelecimento de ensino superior. Cabe ao Maximum Praxis Concilium o reconhecimento desta categoria a cada individuo. Caso o Maximum Praxis Concilium não a reconheça o individuo assume a categoria de caloiro; d) Pastranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, com duas matrículas na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; e) Doutores -Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuem três matrículas na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, permanecendo assim até atingirem o estatuto de veterano; f) Veteranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuam mais matrículas do que o número de anos do curso; g) Dux - O que tiver sido eleito pelo Maximum Praxis Concilium de ente os seus elementos; h) Honoris-Dux - Tem categoria vitalícia de Honoris-Dux, aquele a quem lhe for atribuída tal distinção pelo Maximum Praxis Concilium;” 8. O “COPA” reunia e preparava as respectivas ações e intervenções nas instalações da Universidade ou zonas adjacentes; 9. No âmbito do “COPA”, cada curso elegia um representante o qual teria sempre que estar na categoria de veteranos; 10. Nos termos do artigo 7º do Código da Praxe: "1. A hierarquia da estrutura do Conselho Oficial de Praxe Académica em escala ascendente é: a) Comissão de Praxe Académica dos cursos - Cada representante dentro do seu curso escolhe a sua comissão de praxe académica; b) Maximum Praxis Concilium - Conselho Composto por um representante de cada curso, pelo dux e por um representante de cada tuna académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (cada representante de curso assume a responsabilidade da forma como nomeia o seu sucessor). Cabe ao Maximum Praxis Concilium aceitar ou não o representante proposto por cada um dos cursos;" 11. Em dezembro de 2013, os representantes dos vários cursos eram os seguintes: AC. (alcunha "Arruaceira", representante do curso de Turismo); AG. (alcunha "Haka" representante do curso de Engenharia Biotecnológica); CA. (alcunha "Pocahontas", representante do curso de Design); JR. (alcunha "Guedes", representante do curso de Serviço Social); PN. (alcunhas "Survivor ou Negrão", representante do curso de Gestão de Empresas); TC. (alcunha "Bilu", representante do curso de Comunicação Aplicada); FS. (alcunha "Mostar", representante do curso de C.C.C.); PC. (alcunha "Hot Sauce", representante do curso de Arquitetura); GS. (alcunha "Songoku", representante do curso de Informática); 12. E, nessa medida, todos os jovens referidos em 1. – com excepção do arguido – detinham, em dezembro de 2013, a qualidade de veteranos no âmbito da Organização da Praxe Académica, enquanto representantes dos respectivos cursos; 13. O arguido tinha a qualidade Dux, tendo para tal sido eleito em outubro desse ano; 14. Nos termos do n.º 1, alínea b), do artigo 7.º do “Código da Praxe”: "b) Maximum Praxis Concilium - Conselho Composto por um representante de cada curso, pelo dux e por um representante de cada tuna académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (cada representante de curso assume a responsabilidade da forma como nomeia o seu sucessor). Cabe ao Maximum Praxis Concilium aceitar ou não o representante proposto por cada um dos cursos;" 15. O Maximum Praxis Concilium (adiante apenas “MPC”) constituía o conselho máximo do COPA; 16. Nele participavam os representantes de cada curso, o dux e os honoris-dux; 17. Nos termos do artigo 39.º do “Código da Praxe”: “1. Aos veteranos é permitida a mobilização qualquer grau hierárquico inferior, nunca desautorizando outro de grau hierárquico superior. 2. Um veterano pode fazer parte da Comissão de Praxe do seu curso ou representá-lo no Maximum Praxis Concilium." 18. Nos termos do artigo 40º, do referido código, são deveres dos veteranos, nomeadamente: “c) honrar e respeitar o Código de Praxe Académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; (...) e) exercer presença, quando convocados, nas reuniões gerais do Conselho Oficial de Praxe Académica e nas reuniões do seu curso”; e “Quando um veterano infringir qualquer preceito da Praxe Académica, ser-lhe-á aplicada uma sanção”; 19. Como elemento integrador do “MPC”, cada um dos jovens falecidos tinha, nos termos do artigo 61º do “Código da Praxe”, o dever de comparecer às reuniões do “MPC”; 20. Pelo menos uma vez por ano, eram marcados “fins de semana M.P.C.”, que serviam para colocar à prova os representantes dos cursos, de modo a que o Dux e Honoris-Dux percebessem se eles tinham qualidades para continuar a representarem os respectivos cursos; 21. Nos termos do artigo 42.º, 43.º e 45.º do “Código da Praxe”: “1. O Dux é eleito pelo Maximum Praxis Concilium de entre os seus pares. 2. O Dux é chefe máximo da Praxe Académica dentro da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. “Ao Dux compete liderar todos aqueles que estejam vinculados a este Código de Praxe Académica.”; “O Dux preside às reuniões do Maximum Praxis Concilium.”; “O Dux assume a responsabilidade máxima sobre os destinos do Conselho Oficial de Praxe Académica e da Academia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias"; "O Dux não pode ser alvo de mobilização ou de praxe académica"; 22. O fim-de-semana de 14 e 15 de dezembro de 2013 era o primeiro fim-de-semana de M.P.C. com o arguido na qualidade de Dux; 23. No dia 06/12/2013, CA. enviou a seguinte mensagem a um colega: “Tou cansada do Dux… lol qnd sair disto vou po psicólogo! Loool” (sic); 24. Os representantes de curso efetuavam relatórios mensais de atividades para o Dux; 25. Existiam fichas individuais de cada membro do “COPA” onde iam sendo anotados aquilo que os superiores hierárquicos consideravam pontos fracos e fortes; 26. O representante de cada curso era escolhido em MPC por votação de todos os outros cursos, sendo analisados os pontos fracos e fortes, e dando-se preferência a características de liderança e capacidade de praxe; 27. Cada elemento que entrava para o “COPA” assinava um documento denominado "Termo de Responsabilidade", o qual referia, nomeadamente, o seguinte: "Eu, (nome), portador/a do B.I. número (número do documento), aceito orgulhosamente vincular-me à Praxe, no curso de (nome do curso) pertencente ao Conselho Oficial da Praxe Académica (“COPA”) da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (U.L.H.T.), e responsabilizo-me pelos meus atos, riscos e danos que possam ocorrer"; 28. Durante as praxes efectuadas pelos membros do “COPA”, os praxados eram sujeitos a comer alhos; andar de olhos vendados; andarem atados dois a dois ou três a três; rastejarem; efetuarem flexões e “periquitos”; andarem a pé na escuridão; cuspirem para a parede e limparem a sujidade com o seu traje; ficarem “em prancha” junto a lagos, rios ou lagoas; 29. Os fins-de-semana de encontro entre elementos do “COPA” tinham como principal objectivo o fortalecimento do grupo, através da submissão e praxe dos de categoria inferior aos de categoria superior; 30. AG. tinha o contacto do seu amigo Sérgio gravado no telemóvel como "Mariana"; 31. O uso de telemóveis em momento de praxe era, em regra, proibido; 32. No dia 05/11/2013 reuniu o M.P.C., tendo como um ponto da ordem de trabalhos a escolha da "Casa para tertúlia e Fim-de-semana de MPC. A primeira tertúlia para comissões de praxe será dia 13 de Novembro, quarta - feira, com ponto de encontro na Universidade às 18 horas. Esta deverá realizar-se na casa da Comissão de Design, Bora - Bora”; 33. Nessa reunião, o arguido afirmou que “o fim-de-semana de MPC é algo muito importante, dando assim bases para um possível um fim-de-semana de curso"; 34. Nessa reunião havida em 05/11/2013 esteve presente, como convidado, um ex-representante do curso de Turismo, de nome Guilherme, que afirmou: “Os tempos mudaram, somos cada vez menos. Somos cada vez menos trajados na faculdade. Com o passar do tempo perde-se mais, fala-se mais e age-se menos. Mais vale poucos e bons do que mais e maus. É preciso fazer coisas com mais sentido. Não estamos aqui para sermos amigos"; 35. Consta ainda da referida ata o seguinte: "DUX disse que está cá para melhorar e que andamos cá todos para corrigir os erros do passado. Disse também que tem como compromisso proporcionar um baptismo e enterro bons de maneira a fazê-los (bestas) sentir mais."; 36. No dia 13/11/2013, reuniu novamente o “MPC”, constando do ponto 5 da referida ata o seguinte: "Assunto: Fim-de-semana de MPC. O fim-de-semana de MPC será nos dias 13, 14 e 15 de Dezembro de 2013. DUX diz que um dos papéis de um representante é melhorar para fazer evoluir o seu curso, ou seja, quem não for é sinal de que não quer o melhor para o seu curso. Isto sem haver uma razão bastante plausível"; 37. No dia 25/11/2013, voltou a reunir o “MPC” constando da ata o seguinte: "Assunto: Fim-de-semana de MPC. O fim-de-semana de MPC irá realizar-se nos dias 13, 14 e 15 de Dezembro, sendo que a hora de encontro será por volta das 18/19 horas de dia 13. Até dia 1 de Dezembro, domingo todos os representantes terão que confirmar por telemóvel a sua presença, ao excelentíssimo DUX. Na próxima reunião, todos os representantes terão que ter organizado o que cada um leva de comida, o que cada um leva a nível de utensílios (fogão, etc.). Mais tarde, saber-se-á qual o outro utensílio. O transporte será na volta de 5 €. O COPA pagará a carne, a bebida e o alojamento. Por cada representante, terão que levar pijama, bolsa de higiene, camisas, manta, caso cama." 38. Coube a CA o arrendamento da casa em Aiana de Cima, onde os jovens se hospedaram na noite de 13/12/2013; 39. Foi elaborada uma ementa específica para os três dias; 40. O grupo adquiriu diversos artigos, incluindo uma garrafa de WH Golden Lochs; três garrafas de amêndoa amarga; um recipiente com vinte litros de vinho; 41. O arguido não tinha, na qualidade de Dux, que levar talheres nem tinha que pagar qualquer montante pelo fim-de-semana; 42. Nos termos do artigo 133.º n.º2 do Código da Praxe: "O desrespeito grave pela hierarquia terá como consequência a descida de um grau hierárquico por parte do prevaricador por tempo a determinar pelo Maximum Praxis Concilium ou pelo Tribunal de Praxe." 43. Não participaram no fim-de-semana de MPC. PC, FS. e GS; 44. Em 03/12/2013, pelas 22:53, o número 966--- (Alicia) trocou as seguintes mensagens com JR (917---): “Dia 13 é a gala da minha Uni xD”; pelas 22:54, JR: “uii, onde??!"; Alicia: “Main lol”; JR, pelas 22:55: “não tou ca, vou fds de mpc das praxes… que merda”; Alicia: “Ai que chique”; JR: “De chique não tem nada, sermos praxados pelo mamute e mais outros mamutes lool”; Alicia: “Ahh, é isso? Bela merda lol”; JR: "Yaa lolp” (sic); 45. No dia 13/12/2013, pelas 18:43:03, o número 962---- (FS.) envia uma mensagem a JR. com o seguinte conteúdo: “Pessoal espero que tenham alto fds, aproveitem ao máximo” (sic); 46. No dia 13/12/2013, pelas 19:52:05, JR. enviou uma mensagem a FS., com o seguinte conteúdo: “Oh que lindo, tou para ver se sobrevivo lol” (sic); 47. Para continuarem a representar os respectivos cursos teriam que ser submetidos pelo Dux a praxes com fim de atestar as suas capacidades; 48. As praxes no fim-de-semana dos factos começaram ainda a 13 de dezembro; 49. Já na madrugada do dia 14/12/2013, pelas 02:56, CA. enviou uma mensagem ao arguido com o seguinte conteúdo: “puto obriga a a comer e a gente bebe por ela … nem que lhe faca um cha ela precisa d comer” (sic); 50. No dia 14/12/2013, pelas 14:32, AG. recebeu uma mensagem no seu telemóvel do arguido, com o seguinte conteúdo: "Hora do penalti" (sic); 51. AG., dia 14-12-2013, pelas 00:04:53, enviou a seguinte mensagem para "Mariana": "Já estou bêbada!"; dia 14-12-2013, 01:30:59 para "Mariana": "Estamos a fazer o jantar. E eu super bêbada. Das tarefas que temos, eu sou a que que tenho que supervisionar todos"; dia 14-12-2013, 02:03:31 para "Mariana": "Isto esta péssimo migo"; dia 14-12-2013, 02:33:09 para "Mariana": "Pussy isto esta horrível"; dia 14-12-2013, 02:52:47 para "Mariana": "Estou tão mal" Dia 14/12/2013, pelas 03:39:29 para "Mariana": "Isto esta tão mau puto" (sic); 52. CA. enviou e recebeu as seguintes mensagens: no dia 14/12/2013 recebeu uma mensagem do número 917--- (Tigresa) com o seguinte conteúdo: “Entaooooooo essa pinga!? XD”; no dia 14/12/2013 pelas 00:27 recebeu uma mensagem do arguido: “Ficam lol”; no dia 14/12/2013 recebe uma chamada do número 917--- (Tigresa) com o seguinte conteúdo: “Tao a tua espera… Bebe xD”; no dia 14/12/2013, pelas 00:30 envia uma mensagem para o numero 917--- (tigresa): “Isto ta tudo na descontra lol”; no dia 14/12/2013, pelas 01:15, CA. enviou uma mensagem para o número 912--- (Lara ): “Mpc esta todo alegre minha amora: p”; e no dia 14/12/2013 pelas 01:17 enviou uma mensagem ao número 912--- (Lara): “O teu puto ta bem alegre já aliás tão todos”; No dia 14/12/2013 pelas 02:41 recebeu uma mensagem do G. com o seguinte conteúdo: “Isso já ta há muito com o álcool é que se nota” (sic); 53. Durante o dia 14, os jovens consumiram alguns litros de cerveja, uma quantidade não determinada de amêndoa amarga e uma quantidade não determinada de vinho; 54. Da autópsia do TC.– única que permitiu efetuar exames toxicológicos –, resultou "...quantificação de etanol no sangue... sangue periférico... resultado 0,63 g/L ... triagem de voláteis ... humor vitreo ... resultado: positivo... Etanol ... Humor vitreo ... Resultado: 0,85 g/L ..."; tendo ainda sido detectada ainda a presença de canabinóides; 55. Concluiu o INML que: "Aquelas conclusões periciais permitem admitir que o consumo de tetrahidrocanabinoides, pelas características qualitativas e quantitativas do seu aparecimento no sangue periférico do cadáver, tivesse ocorrido” (...) “algumas horas antes da morte."; 56. E mais esclareceu: "Nesta conformidade, tendo presente a similaridade de metabolização individual, tanto do THC como do etanol no corpo humano e a assunção clássica de que o THC possui características endógenas que potenciam a ação sedativa de substâncias psicotrópicas como o álcool, neste caso concreto, em função da presença cumulativa destas duas substâncias em circulação no corpo de TC., é de admitir um certo grau de perturbação da coordenação motora da percepção e das funções cognitivas e afetivas com interferência "na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco para a sua integridade física ou vida, tendo em conta a hipotética situação de aproximação à linha de água na Praia do Meco, na noite de 15/12/2013"; 57. Na manhã do dia 14/12/2013, os jovens veteranos referidos em 1. – com exceção da CA. – foram, na qualidade de representantes de curso, colocados em quartos fechados, sem saberem uns dos outros, onde lhes foi pedido pelo arguido que refletissem sobre as atividades a desenvolver nos cursos; 58. Aqueles jovens trocaram então mensagens entre si, com vista à partilha de ideias sobre as atividades a desenvolver; 59. Após, receberem instruções do arguido para saírem dos quartos e falaram durante algum tempo sobre atividades pensadas; 60. Ao longo do dia, os jovens efetuaram variados exercícios físicos como flexões e “periquitos”; 61. O arguido observava e fiscalizava a execução dos exercícios, não efetuando ele próprio qualquer um; 62. A meio da tarde do dia 14/12/2013, os jovens a praxar foram para um terreno descampado existente nas imediações da casa arrendada; 63. Nesse terreno, em cumprimento de praxe, os jovens veteranos rastejaram, alguns com pedras amarradas aos tornozelos; 64. No dia 14/12/2013, pelas 15:53, CA. enviou uma mensagem para o namorado J., com o seguinte conteúdo: “Já fiz 150 piriquitos sozinha, o resto a olhar para mim. Filhos da puta"; 65. Por volta das 22h30, os sete jovens saíram de casa com destino à Praia do Moinho de Baixo, no Meco; 66. Entre a casa arrendada pelos jovens, em Aiana de Cima, e a praia do Moinho de Baixo, distam cerca de 5,2 quilómetros; 67. Foram a pé; 68. O arguido entregou a cada um dos colegas um ovo que representava o respectivo curso, tendo estes que zelar pelo mesmo para que nada lhe acontecesse; 69. O arguido, por seu lado, transportava pelo menos três ovos, referentes aos cursos em falta; 70. O arguido fazia-se acompanhar do seu telemóvel e de um Código da Praxe; 71. Os telemóveis dos demais jovens, com exceção do de AC, ficaram na casa de Aiana de Cima; 72. As vítimas levavam cada uma delas um objecto que representasse o respectivo curso; 73. TC. transportou um pequeno pinheiro de natal, devidamente ornamentado com lâmpadas de natal e bolas de arame; 74. As condições do mar eram visíveis e audíveis muito antes de se entrar na zona de praia; 75. O mar estava bastante agitado com ondas de 3 a 4 metros de altura, e com sequências de 12 (doze) a 15 (quinze) segundos; 76. As ondas eram colapsantes; 77. O céu estava pouco nublado; 78. Existia boa visibilidade; 79. O arguido foi praticante de bodyboard durante vários anos; 80. Quando entraram no areal da praia, pousaram os objetos que transportavam, a algumas dezenas de metros da linha de água, sendo que entre esses objetos ficou o pinheiro de Natal transportado por TC; 81. O arguido pousou também aí o seu gorro contendo no seu interior dois telemóveis - o seu e o de AC – e as chaves da viatura de TC, bem como ainda quatro maços de tabaco; 82. TC. tinha uma taxa de álcool no sangue superior a 0,85 g/l; 83. Os demais tinham uma quantidade não apurada de álcool no sangue; 84. Quando os jovens se encontravam no areal, uma onda colheu-os, arrastando-os para o mar; 85. Os jovens foram arrastados para uma zona de agueiro – i.e., local onde mar apenas exerce a sua força para dentro e nunca para a praia; 86. A melhor forma de se sair de uma zona de agueiro é nadar-se paralelamente à costa; 87. Após terem sido atingidos por uma primeira onda, os jovens foram posteriormente fustigadas com ondas sucessivas, todas com dimensão de cerca de 3 a 4 metros; 88. Não conseguindo JR., AC, TC, CA., PN. e AG. sair da água, acabaram todos por falecer por submersão; 89. O arguido ligou para o 112, dando o alerta do sucedido, pela 01h10m; 90. Pela 01h50m, chegaram à praia os primeiros elementos da Polícia Marítima tendo encontrado o arguido no areal da praia; 91. Pelas 02h27m, foi acionado o INEM pelos Bombeiros Voluntários de Sesimbra; 92. Pelas 04h08m, deu o arguido entrada no Hospital Garcia de Orta; 93. Na triagem apresentava uma frequência cardíaca de 120 batimentos por min e glicemia de 113 mg/dl; 94. Não existe registo de o arguido apresentar sinais de ter ingerido água do mar por via aérea; 95. Às 05h08m, foi medicado com 500 mg de paracetamol; 96. Pelas 06h31m, teve alta médica; e pelas 07:45, alta administrativa; 97. Após, o arguido dirigiu-se para a casa de Aiana de Cima onde tomou um banho, arrumou a casa bem como as pertenças dos seus colegas; 98. O arguido, no dia 15/12/2013, pelas 15 horas, e na companhia do seu cunhado – Alexandre –, abandonou a moradia em Aiana de Cima. * 99. No dia 16/01/2014, pelas 21:18, RO., Honoris Dux, recebeu uma mensagem do número 910--- (Vanda Mia) com o seguinte conteúdo: “Mas não estamos a conspirar, mas tentamos perceber o que se passou! Que ela me disse que ele tava com sede dos praxar que era o que precisavam, disse… Mas não sei… Até pode ser uma coincidência, mas porque não levaram os telemóveis? Não percebo”; em resposta, RO.: “Isso dos tlm é o que mais parece lógico … nos fins de semana era mais q normal deixarem os tms eu próprio fiquei sem tlm e eu próprio os tirei.” 100. No dia 24/01/2014, pelas 00:33, PC. enviou uma mensagem a RO. com o seguinte conteúdo: “Ok, e já falaste com os outros para arranjarmos uma maneira de acabar com o “pacto de silêncio”? Podíamos aproveitar esta reunião para falar sobre isso, sobre o que acam e ideias…”. * Não resultaram indiciados quais outros factos relevantes para a presente decisão, nomeadamente que: a) Um elemento “trajado” do “COPA” seja desincentivado a estabelecer uma relação amorosa com um colega “não trajado”; b) Durante as praxes, os membros do “COPA” fossem obrigados a ingerir alimentação para gato; c) Os elementos do “COPA” tenham especial gosto no exercício de atividades praxistas junto do elemento água, como piscinas ou lagos; d) Os jovens falecidos tenham, durante o dia 14 de dezembro, sido incitados pelo arguido a consumirem bebidas alcoólicas; e) Do dia 13 para 14 de dezembro não tenham os jovens dormido; f) Os exercícios físicos – nomeadamente flexões e “periquitos” – fossem realizados na ordem das 150 repetições por cada exercício; g) Um percurso de 5,2 km a andar não demore mais de uma hora e meia a percorrer; h) Os jovens tenham chegado à praia por volta da meia noite; i) Tenha o arguido ordenado aos seus colegas que se deslocassem para a zona da linha de água e aí ficassem de costas para o mar e de frente para si; j) Os jovens falecidos se tenham colocado uns ao lado dos outros, paralelamente à linha de mar; k) O arguido se tenha mantido mais recuado, de frente para as vitimas; l) Os jovens falecidos se encontrassem com sono e exaustos; m) Não tenha o arguido sido embatido pela onda que levou as vitimas; n) Fosse impossível a qualquer ser humano sobreviver a uma entrada no mar naquele local e naquelas condições; o) As vítimas estivessem a ser praxadas – ou se preparassem para tal – pelo arguido quando foram colhidas pelas ondas; p) O arguido, após os seus colegas serem colhidos pelo mar, tenha pegado no seu telemóvel e fugido do local; q) O arguido tenha sido auxiliado por terceiro a montar uma simulação de “pré afogamento” dele próprio; r) O arguido tenha regressado à Praia do Moinho de Baixo, após a 01:20, e simulado o seu “pré afogamento”; s) O arguido não se encontrasse no areal da Praia do Moinho de Baixo quando ligou para o número de emergência 112. * * II. DA FUNDAMENTAÇÃO Os assistentes assentam a tua tese de responsabilização do arguido em múltiplas circunstâncias que, segundo os próprios, inequivocamente indiciam a prática pelo arguido da factualidade que lhe imputam. Justificam a circunstância de não ter o Ministério Público concluído, em sede de inquérito, como eles próprios devido, sobretudo, a deficiências na investigação – diligências indevidamente não encetadas; e outras apenas deficientemente. Não vislumbramos, contudo, e desde logo, tais omissões ou deficiências. A investigação teve início poucas horas após os trágicos eventos e, não obstante nunca terem existido, desde então, indícios da prática de factos – fosse por quem fosse – susceptíveis de consubstanciarem a prática de um ilícito criminal, quase todas as diligências foram realizadas no sentido de esclarecer – sem, que se vislumbre, preconceitos ou parcialidades – o sucedido. Com efeito, múltiplas foram as diligências encetadas na sequência de notícias, entrevistas ou mesmo conjeturas trazidas a público pelos vários órgãos de comunicação social. Explicita com detalhe o despacho final de arquivamento as opções e o modo como se procurou realisticamente esgotar as diligências na procura de indícios de crime. Relativamente ao raciocínio elaborado pelo Ministério Público naquele seu despacho que determinou a opção de arquivamento dos autos, se não pode deixar de entender – o Tribunal e, julga-se, qualquer interessado isento – ser o mesmo claro, coerente, razoável. Pelo que desde já se dá, nessa parte, o mesmo por reproduzido, dispensando-nos de repetir argumentos ali expendidos. Mas terão sido realizadas rigorosamente todas as diligências susceptíveis de esclarecer o sucedido? A resposta, no absoluto rigor dos princípios, e conforme se deixou supra, é evidentemente negativa. Com efeito, e em particular num caso relativamente ao qual todo um país teceu considerações, especulações, elaborou perguntas, procurou respostas, são quase infindáveis as diligências suscetíveis de se prosseguir – umas, muitas vezes, na sequência de outras. E chegará sempre o momento em que, ante a consistente falta de indícios de crime, uma ponderação sobre a razoabilidade do prosseguimento dos esforços levará à opção de os dar por findos. Mas que outras diligências potencialmente úteis no esclarecimento da verdade seriam então susceptíveis de serem realizadas? Este Tribunal entendeu admitir algumas das diligências requeridas pelos assistentes no seu requerimento de abertura de instrução: transcrição de mensagens e registos relativos a localizações celulares; registos de portagens; Identificação de números de telemóvel, localização celular das chamadas e mensagens da irmã do arguido e averiguação da detenção pelo arguido de um segundo telemóvel; inquirição de testemunhas as em fase não de inquérito (não obstante a muito pobre enunciação da matéria relativamente à qual as mesmas poderiam contribuir para o esclarecimento dos factos); esclarecimentos relativos à perícia realizada pelo LPC e exame de cultura diatomácia (micro organismos unicelulares aquáticos) para se procurar apurar terem as roupas do arguido estado – ou não – submersas em água do mar. Outras diligências vieram a ser posteriormente requeridas (conferir folhas 2175): pedido de confirmação da existência de uma cabine telefónica perto do local dos factos e as chamadas nela realizadas na noite dos factos; notificação da entidade que gere a Ponte 25 de Abril para juntar aos autos imagens de todas as travessias efetuadas na noite em questão, entre as 23.30 e as 3.00. A primeira foi admitida; a segunda não já (conferir folhas 2192). Outras vieram a revelar dificuldades práticas na sua efetivação – o que lhes retirou exequibilidade (conferir despacho de folhas 2156 e 2157). Resulta comum a todas aquelas diligências a circunstância de nenhuma ser, por si só, susceptível conferir suficientes indícios da prática pelo arguido de factos susceptíveis de integrar o crime de exposição ou abandono. Mas entendeu o tribunal que a eventual conjugação de alguns possíveis resultados seria susceptível de ter essa virtualidade: concretamente, poderiam tais diligências propiciar indícios de uma personalidade do arguido particularmente fria, dominadora, maquiavélica ou perturbada; e, pelo contrário, frágeis e influenciáveis personalidades dos demais jovens; a que se poderiam somar indícios de nunca ter o arguido estado submerso, ou sequer em contacto com a água. Este conjunto de circunstâncias seriam, então, susceptíveis de criar um verosímil cenário distinto daquele por que concluiu o Ministério Público. Nessa eventualidade, importaria esclarecer quanto tempo teria efetivamente decorrido desde o afogamento das vítimas e o pedido de ajuda do arguido; as razões de um eventual postergar, por parte do arguido, desse pedido; qual o papel que o uso do telemóvel teria, ainda nesse contexto, tido e, em resultado e finalmente, apurar sobre uma eventual participação ou auxílio de terceiros. E realizaram-se, assim, os referidos atos de instrução. Contribuíram, de alguma forma e derradeiramente, os resultados para o surgimento de indícios que pudessem alicerçar aquele – ou, na realidade, qualquer outro – cenário susceptível de consubstanciar factos criminosos? Colocaram em causa o entendimento explanado em sede de despacho final de inquérito? Vejamos. a) Das testemunhas inquiridas A primeira dessas testemunhas – TD., professora de direito do trabalho na Universidade Lusófona – nenhum sequer remotamente relevante conhecimento demonstrou ter sobre as atividades do “COPA, qualquer um dos jovens falecidos, o arguido e, menos ainda, o fim de semana fatídico. Já a segunda testemunha – SA., representante do curso de design no “COPA” à data dos factos, acabou por, relativamente a vários aspectos, contribuir de modo sensível para o esclarecimento da personalidade do arguido e de, pelo menos, da de uma das jovens falecidas – CA.. Denotou isenção, convicção e verosimilhança nas suas palavras, não se abstendo de, sem hesitações, partilhar o entendimento mais ou menos generalizado de ser o arguido algo “radical”. Mas, logo instada a esclarecer o específico significado desse radicalismo, a testemunha esclareceu que esta procurava, de modo veemente e frequentemente inflexível, impor o seu entendimento relativamente às práticas e opções no âmbito do “COPA”. Denotou mesmo – e do mesmo modo descomprometido – pouca simpatia para com o arguido (em parte, assumiu, por ter ele sido o vencedor nas eleições ao lugar de Dux, quando com ele concorria CA., amiga próxima da testemunha). Também esclareceu nunca ter tido conhecimento ter o arguido sujeito quem quer que fosse a praxes susceptíveis de serem reputadas como perigosas; e, sobretudo e muito relevante, denotou elevada confiança na forte personalidade de CA. que, em quaisquer circunstâncias, nunca permitiria, estando ela presente qualquer abuso ou colocação de alguém risco. (CA. esteve, claro, presente no fatídico fim de semana. Queixou-se – entre risos e desabafos – do arguido. Mas, resulta, naquele específico contexto de voluntarismo e diversão! Vejam-se, nesse sentido, os repetidos sorrisos transmitidos via mensagens.) Esclareceu ainda a testemunha, do mesmo modo lúcido, credível, simples e sentido, as suas relatadas dúvidas sobre o sucedido após a perda dos colegas – dúvidas que mais consubstanciam, entendeu-se, uma (natural) incredulidade na possibilidade de se perder assim seis colegas e amigos. A este propósito, convirá acrescentar que o mote deste depoimento acompanha o dos demais realizados em sede de inquérito – com as variações próprias que resultam das rigorosamente naturais diferenças na natureza das pessoas e das suas relações com o arguido ou os jovens falecidos! b) Dos esclarecimentos relativos à perícia realizada pelo LPC Pretenderam ver os assistentes esclarecidas pelo Laboratório de Polícia Científica as seguintes questões referentes à perícia realizada e com relatório a folhas 843: “Quando no seu relatório se refere a fluido orgânico (tipo vómito) que fluido orgânico é esse?; é possível que o denominado "fluído orgânico" sejam complementos de ovo?; é possível determinar a data desses fluxos orgânicos? Em caso afirmativo qual a data dos mesmos?; qual o período médio de secagem de roupa idêntica àquela que foi entregue por G., se tivesse sido imersa em água do Mar?; após a imersão em água do mar, colocada num saco de plástico fechada, quais os efeitos dessa situação na roupa?; a roupa apresenta vestígios de bolor?; o cloreto de sódio existente na água do mar é diferente do cloreto de sódio do sal comum de cozinha? Em que medida?” As respostas daquele Laboratório – constantes de folhas 2573 e seguintes - são não apenas relativamente mas antes plenamente compatíveis com a versão dos factos relatada pelo arguido: o LPC respondeu que o fluido orgânico referido é semelhante a vómito, com um ph semelhante ao do suco gástrico, mas de data não concretizável; também assumiu não poder concluir qual o período médio de secagem da roupa do arguido (porquanto é fortemente condicionado pelas condições ambientais). Mais esclareceu que a roupa do arguido apresentava vestígios de bolor e não ser o cloreto de sódio existente na água do mar diferente do cloreto de sal comum de cozinha. Muito esclarecedor? Não. Mas regista-se naturalmente a compatibilidade entre o ph das manchas e o do suco gástrico, tornando-se verosímil ser proveniente de vómito do arguido – como este alegou logo aquando da sua primeira inquirição. c) Da sujeição de sapatos e roupa do arguido a exame de cultura diatomácea Os exames realizados foram inconclusivos – i.e., os resultados apresentados admitem como possível (mas não qualquer grau de probabilidade) ter o vestuário e sapatos do arguido estado submersos em água do mar. Os esclarecimentos prestados pelas duas peritas que procederam aos trabalhos e elaboraram o relatório constante de folhas 2568 e seguintes permitiram expressa e inequivocamente concluir nesse sentido – sendo que a circunstância de se não terem detectadas diatomáceas de água salgada nas roupas e sapatos do arguido não permite retirar qualquer conclusão porquanto, e ademais, se desconhece se o mar, no local e dia dos factos, teria diatomáceas em número suficiente para a recolha posterior de vestígios naqueles bens. d) Dos esclarecimentos do perito forense relativamente a afogamentos ou “pré-afogamentos” O perito – JF, médico, consultor de medicina legal, chefe do serviço de medicina legal e coordenador do gabinete médico legal e forense da península de Setúbal, começou por esclarecer não existir algo chamado “pré-afogamento”, no sentido que ou alguém falece em virtude de uma submersão – e ocorre então um afogamento –; ou não falece. E, neste último caso, não existe afogamento algum, nem algo que se possa apelidar de “pré-afogamento”, por aquele nunca ter ocorrido. Mas por “pré-afogamento” queriam, evidentemente, os assistentes fazer referência às circunstâncias que - pelo menos habitualmente - antecedem uma situação de afogamento. O Tribunal e os demais intervenientes processuais perceberam o significado da expressão – e isso é, na realidade, o que importa. Terminologia à parte, o perito esclareceu, de modo muito claro e isento, os (poucos) minutos que antecedem um afogamento, composto por distintas fases. E foi claro ao afirmar não saber – não poder saber – se o arguido passou pelo que, como se disse, se designou de “pré-afogamento”. Com efeito, limitou-se a dar como verosímeis e compatíveis com o que conhece das referidas fases que antecedem um afogamento a descrição que o próprio arguido – relatada pelos assistentes – faz dos minutos em que afirma ter esteve na água (como ter visto “tudo negro” ser compatível com a fase denominada dispneica ou convulsiva). Apreciou outras questões com que foi – fundamentalmente – pelos assistentes confrontado: a temperatura do arguido – 34 graus aquando da chegada à Praia do INEM e depois 36 no hospital –, compatível com uma situação de hipotermia (o que, sublinhou, não implica que o arguido tenha estado na água, mas apenas que o seu corpo tivesse perdido muita temperatura), tendo esclarecido serem 34 graus de temperatura corporal uma temperatura particularmente baixa e perigosa; confirmou ser o procedimento de cobrir o arguido com uma manta térmica – e, após a subida da temperatura do corpo, fundamentalmente nada mais – um procedimento ou tratamento que vê como adequado; entender como natural a circunstância de o médico na urgência nada ter registado relativamente a sintomatologia típica de submersão, porquanto, esclareceu, médicos sem específica formação médico-legal – como a do próprio perito – não estão para tal vocacionados. Também o registado númeno de batimentos cardíacos do arguido – 120 por minuto – e as (pelo arguido alegadas) tonturas são, explicou, perfeitamente compatíveis com um estado de hipotermia. A falta de pormenores na documentação elaborada pelo INEM é também, entendeu, compatível com a prática daquele serviço de emergência médica que visa, fundamentalmente, salvar pessoas e não priorizar a elaboração de completos relatórios médicos – por mais relevantes que se venham, mais tarde, a revelar. O perito médico não conferiu certezas a quaisquer dos factos alegados pelo arguido ou dúvidas suscitadas 0pelas partes – sendo que, esclareceu, essa impossibilidade resulta da própria natureza das coisas e não possui, em si, qualquer especial significado. Mas, e em todo o caso, entendemos inequivocamente ter conferiu verosimilhança à posição do arguido – no sentido que nada persiste que torne impossível, improvável ou duvidosa a sua versão – e, pelo contrário, nada adiantou que pudesse fortalecer o entendimento dos assistentes, mormente o que diz respeita à alegada simulação de “pré-afogamento” do arguido e ausência de contacto com a água. e) Dos esclarecimentos da operadora Vodafone referente às antenas activadas A resposta da operadora Vodafone às questões suscitadas relativamente às antenas são inequívocas, e compatíveis com a própria experiência dos tribunais que sabem ser a informação que as antenas disponibilizam para a investigação criminal subtil e, frequentemente, mesmo enganadora, porquanto é determinante a influência que a geografia, meteorologia, equipamento telefónico e número de equipamentos em utilização simultânea têm na sua ativação, e em grau e proporção não rigorosamente previsível. Mais concretamente, esclarece a operadora em questão ser possível serem as antenas de “Oeiras Centro”, “Oeiras Norte”, “Oeiras Substituição”, “Nova Oeiras”, “Quinta de S. Gonçalo”, “Parede” e “Forte de Santo António” ativadas por um telemóvel sito na Praia do Moinho de Baixo. Não se vislumbra, pois, qualquer estranheza nas múltiplas ligações das diferentes antenas susceptíveis de serem ativadas – algumas delas a muitos quilómetros de distância do local dos factos e na outra margem do Tejo. A factualidade dada como indiciada resulta de elementos probatórios que julgamos inequívocos (registos de mensagens, documentos de veracidade não questionada), das declarações do arguido (único sobrevivente presente no local) prestadas em sede de inquérito e ainda na qualidade de testemunha. A dada, pelo contrário, como não indiciada resulta da ausência de quaisquer elementos probatórios: a) conforme descrito no despacho final de inquérito, esclarecido ficou que a “comida para gato” dada aos praxados o não é verdadeiramente (já o não era há décadas atrás, do que se recorda o signatário então também praxado... A imaginação não melhorou com o passar das décadas. A sofisticação também não); b) a proibição de relacionamentos amorosos entre trajados e não trajados não tem qualquer consubstanciação em elementos probatórios minimamente credíveis nem mostra ser compatível com a experiência comum e a natureza dos jovens; c) nada nos autos permite concluir por uma qualquer preferência pela execução de praxes junto de água – embora a água sempre tenha, genérica e inequivocamente, feito parte das praxes, porquanto permite importunar de forma fácil, barata, eficaz e relativamente segura qualquer praxado!); d) rigorosamente nada existe nos autos que permita concluir por um qualquer incitamento do arguido ao consumo, pelos seus colegas, de álcool. Pelo contrário, tem-se como relativamente expectável, atenta a idade adulta destes jovens, e os contornos dos hábitos modernos, que o consumo de bebidas alcoólicas tenha ocorrido. Do mesmo modo, não se pode realisticamente calcular a quantidade de álcool que os jovens teriam no sangue quando foram arrastados para o mar. Entende-se, contudo, como provável e até natural que, pelo menos, a maioria dos jovens tivessem ingerido álcool. E tivessem ainda, em resultado, alguma percentagem no sangue quando foram arrastados para o mar. e) Nada permite concluir não terem os jovens dormido na noite de 13 para 14 de dezembro. Admite-se, pelo depoimento do arguido e, uma vez mais, pela idade destes jovens, que tenham dormido pouco ou mal. O consumo de álcool, mesmo regrado, também induz o sono (embora impeça uma elevada qualidade deste). f) Cinco quilómetros e duzentos metros podem ser realizados, a pé, – na idade destes jovens –, numa hora; em duas; ou três. Ou mais. Ou menos. Arguido e os seus colegas terão feito parte do percurso a correr, em jeito de brincadeira? Terão decidido parar para conversar sobre a natureza do universo, dos namoros, da faculdade, do COPA? Não sabemos! Portanto, ficam apenas com as palavras do próprio arguido que, sobre isso, explicita de modo genérico (mas nem por isso pouco credível) o modo fizeram tal percurso. E não se sabendo, com rigor, quanto tempo demoraram os jovens a efetuar o percurso em questão, se não pode calcular a que horas chegaram à praia. g) As ordens que os assistentes alegam ter o arguido dado aos seus colegas; a forma como terão ficado de costas para o mar, com o arguido, de frente, mais afastado; a praxe que alega teria lugar, a sua exaustão – resumem-se a especulações sem qualquer suporte probatório. h) Rigorosamente nenhum suporte científico conhecido – pelo menos nos autos – permite concluir ser a um ser humano impossível sobreviver a uma entrada no mar naquele local. Pelo contrário, é explicitada a forma como se pode sobreviver a um agueiro. i) A prática, durante anos, pelo arguido de bodyboard permite perspetivar um particular à vontade com o meio aquático que poderá – talvez de modo decisivo – ter contribuído para o diferente destino do arguido. j) A alegada fuga do arguido, o envolvimento de terceiros no auxílio a uma alegada “simulação de pré-afogamento” apenas, entendemos, poderia encontrar algum suporte indiciário se a ativação das antenas de comunicações tivessem o significado atribuído pelos assistentes. O que não é, como vimos, o caso. Entende não poder este Tribunal atender a meros comentários anónimos de notícias de jornal, pelo que excluiu da matéria a atender o realizado a uma notícia do “Jornal de Notícias”. Os esclarecimentos do perito em medicina legal, por outro lado, e os elementos juntos aos autos que descrevem o estado do arguido quando recolhido pelo INEM e depois já no hospital, em nada contrariam, também como se viu, o contacto do arguido com o mar. Discutir se esteve lá vinte segundos ou cinco minutos é um exercício fútil, porquanto se não vislumbra como alcançar qualquer outra resposta que extravase – acredite-se ou não – a dada pelo próprio. Na realidade, não tivesse o arguido sequer sido arrastado pelo mar – e tivesse inventado tal circunstância para mais facilmente explicar o sucedido – continuaria a se não poder concluir, como fazem os assistentes no seu requerimento de abertura de instrução, ter o arguido sido responsável pela morte dos jovens falecidos. Com efeito, alegam os assistentes que a responsabilidade do arguido advém de: a) ter dado ordens de praxe às vítimas, levando a que os mesmos se encontrassem num estado tal que tornava impossível a reação a qualquer situação de perigo; b) Ao dar ordens para que as vítimas entrassem naquela praia, o arguido tinha consciência que, face ao estado do mar existente, colocava em perigo a vida dos mesmos; c) O arguido era, nos termos do Código pelo qual se regiam durante aquele fim-de-semana, o líder e responsável pelas vítimas. d) Ao fugir do local e ter dado o alerta de que as vítimas tinham sido colhidas por uma onda apenas dezenas de minutos depois do sucedido, o arguido sabia dificultar o salvamento; Contudo, se não alcança, atenta a factualidade indiciada e não indiciada, como se pode concluir – como concluem os assistentes –, ter o arguido levado os seus colegas a um estado que tornasse impossível a reação a qualquer situação de perigo; como se pode concluir terem os falecidos jovens menos consciência do perigo ao entrarem na praia do que o próprio arguido. Se não alcança, finalmente, e tendo em conta os poucos minutos que por regra antecedem um afogamento – conforme explicitado pelo perito –, que diferença faria, a final, o arguido ter telefonado de imediato a pedir ajuda ou uma hora depois a pedir um auxílio que, manifestamente, nunca chegaria a tempo! Mas – e sobretudo – se não alcança como concluem os assistentes ter sido o arguido, nesse fim de semana, “o líder e responsável pelas vítimas” por tal resultar, simplesmente, do texto de um código de praxe académica. * Se apreciados isoladamente, acabam os atos de instrução realizados por ou nada contribuir para a descoberta da verdade, não contrariarem o entendimento expendido pelo Ministério Público em sede de despacho final de inquérito ou indubitavelmente o consolidar. Mas vejamos então se uma necessária visão global de todos os elementos probatórios constantes dos autos - independentemente do momento da sua realização – tem resultados distintos. * Procuram os assistentes – logo no seu requerimento de abertura de instrução – dar enfâse às práticas de praxe, mas fizeram-no e fazem-no esquecendo o contexto, a idade, o propósito dos jovens naquelas envolvidos. Esquecem, sobretudo, a voluntariedade dos atos, o prazer que manifestamente retiravam de comportamentos que, visto de modo descontextualizados, se poderiam facilmente ter por tontos, absurdos ou humilhantes (como rastejar). E, nesse mesmo contexto, se naturalmente integra a proibição de uso de telemóveis, o consumo de álcool. E, inevitavelmente e a final, não se duvida, cansaço e desgaste. Terão estes – se contextualizados – voluntários comportamentos de extraordinário ou censuráveis? De facto, cumprirá a todos nós recordarmo-nos da nossa infância e juventude, das nossas brincadeiras, tontices, clubes secretos, segredos e sacrifícios por causas que agora temos como tolas, para enquadrarmos aquelas circunstâncias de forma adequada – não complacente, note-se, mas necessariamente compreensiva! De facto, as muitas mensagens transcritas pelos assistentes e trocadas entre os telemóveis dos jovens falecidos e amigos ou colegas revelam isso mesmo – um manifesto divertimento na sujeição a práticas de praxe que individualizadamente se terão necessariamente por desagradáveis – até incompreensíveis! E – tal como expressamente referido em sede de despacho final pelo Ministério Público – disso são prova inequívoca as caras, sorrisos e gargalhadas transmitidas em linguagem emoji ou acrónimos muito comuns entre os jovens do tipo “LOL” (com o significado de “laugh out loud), mesmo que após queixas ou desabafos que ficam, assim, reduzidos à sua verdadeira dimensão lúdica! E isso não significa, evidentemente, que os jovens não mostrassem desagrado, contragosto, saturação ou mesmo antipatia por este ou aquele colega, independentemente da sua posição na “COPA”, ou mesmo pelo arguido: significa apenas que o conjunto, a sensação de pertença a um grupo fechado, unido, com um propósito definido, lhes era, manifestamente, apelativo! E, também neste contexto, são perfeitamente ajustadas e lógicas as palavras de um convidado (Guilherme) numa reunião do MPC, ao alegar ser “preciso fazer coisas com mais sentido. Não estamos aqui para sermos amigos”! Na idade destes jovens, a procura de sentido para as coisas é, naturalisticamente, mais intensa, ainda que os caminhos trilhados para tal não sejam, eventualmente, os mais adequados a tal propósito! Antigo é o provérbio que “quem corre por gosto não cansa”. Na realidade quase qualquer tarefa ou provação, quando executada num ambiente de voluntarismo, companheirismo, cumplicidade, festa, se pode realizar de modo profundamente compensatório – embora esta sensação seja evidentemente subjetiva e não facilmente compreensível do exterior! Também as mensagens de estupefação e especulação que jovens da Universidade, depois do dia dos factos, trocaram entre si, mais não são do que um reflexo do que coletivamente somos: uma nação onde proliferam comentários de mesa de café, onde a especulação, ainda que desprovida de qualquer base factual ou conhecimento de causa, preenche o vazio da mesa ou o silêncio entre cafés! Concretizando: no dia 16/01/2014, pelas 21:18, RO., honoris-dux recebeu uma mensagem de Vanda Mia com o seguinte conteúdo: “E diz-me RO, o que achas tu que aconteceu? É que a mim passam me realmente poucas hipóteses pela cabeça, e sou-te sincera que me custa mesmo a acreditar na versão que sabemos até agora”. E que dizer da “sede de praxar” do arguido? Nada de muito especial, porquanto nos parece natural: o mesmo ocupava um lugar de topo numa organização que tem como seu principal objetivo a praxe; e seria o primeiro fim de semana de daquele género com o arguido na qualidade de Dux. Dificilmente consegue, enfim, este Tribunal imaginar diálogos mais naturais, espontâneos e, na realidade, livres. E de que descoberta da verdade falamos afinal? Não a teremos já? Quereremos, enfim, a verdade ou uma realidade que nos permita melhor aceitar o sucedido? Importa esclarecer, com efeito, se existirá afinal uma verdade a descobrir, no sentido de algo não sabido ou esclarecido! E a resposta é que não há! Existirão pormenores que os pais destes jovens gostariam de saber, de perguntar. Cremos que tivesse o arguido optado por falar com estes familiares, tê-los-ia possivelmente conseguido esclarecer, elucidar logo após o sucedido; e, nessa medida, teria possivelmente contribuído para alguma paz - aquela que, não duvidamos, os mesmos não sentem ou encontram. Mas, realisticamente, seria realmente expectável esse comportamento pelo arguido? Um jovem com vinte e três anos confrontar as famílias de seis colegas falecidos, perante os seus olhos, numa noite de um fim de semana em que ele assumia, inequivocamente, um papel de liderança e responsabilidade? Com toda a atenção de um país colocada nas causas da morte absurda, inesperada, chocante, de seis jovens saudáveis numa conhecida praia do país? Poderá qualquer um de nós acreditar honestamente que, no seu lugar, com a sua idade, teria comportamento distinto? Entende-se que não. E, em todo o caso, não cabe a este Tribunal emitir juízos de valor sobre quaisquer opções do arguido que não possuam relevância criminal. * Nos termos do artigo do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal. 1. Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: a) Expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se; ou b) Abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir é punido com pena de um a cinco anos. 2. (...) 3. Se do facto resultar: a) (...) b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. Ora como se viu, não se vislumbram indícios de que: a) Tenha o arguido sujeitado, pelo menos conscientemente, os colegas falecidos a um perigo que não pudessem eles próprios, do mesmo modo, avaliar e evitar: as características – e perigos – do estado do mar eram, como os próprios assistentes admitem, audíveis, notórias antes mesmo de se entrar na praia; e nada permite concluir que o cansaço do dia, o álcool consumo (em medida não quantificável, sendo que a taxa apurada no corpo de TC o inibiria de conduzir, mas constituiria, como referência, ilícito de mera ordenação social e não crime, que requer uma taxa de álcool no sangue consideravelmente superior) ou qualquer outra circunstância incapacitasse alguns dos jovens, ou todos, de se aperceberem das características do mar; b) Mantivesse o arguido sobre os colegas falecidos um qualquer efetivo dever de guarda, vigia ou assistência e os tenha, já no mar, deixado à sua sorte, daí resultando um aumento dos riscos que corriam: o ascendente que o arguido poderia ter sobre os seus colegas era apenas o que resultava da Comissão de Praxe, no âmbito daquilo que ela constituía. Não extravasava, na realidade, o âmbito da praxe, e do significado construtivo que teria para aqueles jovens. Repare-se que nem todos os representes de curso compareceram naquele fim de semana, e não consta que isso tivesse gerado qualquer reação por quem quer que seja. Não existem quaisquer indícios de que tenha o arguido fugido para onde quer que seja, e depois regressado. De qualquer modo, tivesse o arguido podido ou conseguido ligar para o número de emergência no preciso instante em que os seus colegas foram arrastados para o mar, que tipo de salvamento seria realisticamente de esperar? A polícia marítima demorou 40 minutos a chegar ao local depois de contactada. Mas tivesse demorado metade, ou mesmo um quarto desse tempo, a tragédia estaria necessariamente consumada... Assim, concluiu-se necessariamente não estarem indiciados factos susceptíveis de consubstanciarem ilícito de natureza criminal, nomeadamente o de exposição ou abandono previsto e punível nos termos do artigo 138.º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal. * O Mar Mata. Num país de exploradores oceânicos e pescadores, com metade do território virado para o mar e dois arquipélagos relevantes no oceano atlântico, poder-se-ia ter esta observação como – pelo menos – desnecessária. Temo-la, contudo, como essencial - e, por isso incontornável: resume, de modo extraordinariamente simples mas rigoroso, a factualidade em apreço. * Persistirá, necessariamente, quem continue a invocar as supostas peças que não encaixam, rumores não esclarecidos, conspirações; ou, de outra modo, diligências não realizadas, testemunhas não (re)inquiridas. A natureza humana isso propicia. Tais convicções propiciam permitem atenuar, de algum modo, a estranheza e a dor, na medida em que insistem em causas humanas, malévolas, criminosas para uma tragédia que, com raízes meramente fortuitas ante pouco precavidos jovens, se torna particularmente triste, fria. Este Tribunal não tem a pretensão de a todos convencer do seu entendimento. Mas tem como sua fundamental obrigação a todos disponibilizar, de modo acessível, o seu raciocínio – e, a final, conclusão e decisão. Julga-se que a decisão que cumpre anunciar surpreenderá poucos, porquanto o processo é, há vários meses, de acesso público, e a prova angariada ao longo das suas cerca de três mil páginas permite um juízo pessoal, esclarecido e isento sobre a exaustão das diligências e a ausência de indícios de crime. As decisões judiciais esperam-se, ao invés de dramáticas ou surpreendentes, o mero e lógico corolário da prova produzida, dos indícios recolhidos. Expectáveis, numa palavra. Esperamos que a que agora se anuncia se insira nesse contexto de normalidade. E, conforme se aventou em sede de debate instrutório, também o arguido será uma vítima, na medida em que se não vislumbra como não possa todo este processo ter um impacto profundamente negativo e traumatizante neste jovem. Está vivo. Cumpre resistir à absurda tentação de o culpar, se por nada mais, por isso apenas. * O Mar Mata. Todos os anos. Todos os dias. Matou, in casu, seis jovens. Se tivermos, contudo, a coragem de reduzir a factualidade à sua efetiva dimensão – profundamente trágica, sem dúvida, mas também relativamente cristalina e inteligível – talvez possamos, coletiva e finalmente, aceitar a absurda fragilidade da Vida, o reduzidíssimo controle dos elementos de que ela depende, a desconcertante aleatoriedade das circunstâncias que, a cada dia, hora, segundo, determinam se vivemos ou morremos. Um conhecido humorista nacional afirmou uma vez que vislumbra apenas um momento onde o humor não tem de todo lugar: o da morte de um filho. Este entendimento, partilhado por quem dedica a divertir, espelha categoricamente o drama subjacente à perda de um filho. O homem responsável pela presente decisão elabora-a na qualidade de Juiz – afortunadamente não na de pai, porquanto, nessa, ser-lhe-ia consideravelmente mais doloroso imaginar, sequer, a dor dos assistentes. E, na qualidade de alguém cuja função é, tão distanciadamente quanto humanamente possível, apreciar factos, indícios ou provas à luz de uma Lei que se tem como espelho relativamente fiel e digno da moral social vigente, deixam-se as palavras finais a quem mais sofre – os pais dos jovens falecidos: Procurem o mais difícil, o impossível até: a objetividade que o vosso coração quer, precisa, suplica afastar. E, quando tão perto dela conseguirem estar, não olhem apenas. Vejam. E, a seu tempo, assimilem e aceitem as evidências, a realidade – que não é extraordinária, maléfica, conspiratória. Apenas profundamente dolorosa. III. DA DECISÃO Assim, e sem necessidade de mais considerações, determina-se a não pronúncia do arguido G. pela prática de seis crimes de exposição ou abandono, previsto e punível nos termos do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal, e o consequente arquivamento dos autos. * Após trânsito, restituam-se os objetos apreendidos aos seus proprietários». Da transcrita decisão instrutória o assistente C. veio interpor recurso devidamente motivado, que requereu fosse julgado em audiência oral, nos termos dos arts. 411º nº 5 e 423º do CPP, formulando as seguintes conclusões: I A decisão proferida pelo Tribunal "a quo" é nula porquanto assenta em prova proibida; II Na sua decisão o Tribunal "a quo" para decidir como decidiu socorreu-se de declarações que não podia utilizar; III O arguido veio informar os autos que não prestava declarações e que, nos termos do artigo 300º, n.º3 do C.P.P., renunciava ao direito de estar presente no debate instrutório; IV Tendo-se o arguido recusado a prestar declarações não poderia o Tribunal "a quo" socorrer-se para fundamentar o despacho de não pronuncia das declarações que o mesmo prestou enquanto testemunha; V Na página 17, segundo parágrafo do seu despacho, o Senhor Juiz de Instrução refere o seguinte: "A factualidade dada como indiciada resulta de elementos probatórios que julgamos inequívocos (registos de mensagens, documentos de veracidade não questionada), das declarações do arguido (único sobrevivente presente no local) prestadas em sede de inquérito e ainda na qualidade de testemunha." (Negrito e Itálicos Nossos) VI Assim, o Tribunal "a quo" tomou em conta e pronunciou-se sobre matéria que não podia apreciar, pelo que o despacho em crise encontra-se ferido de nulidade, nos termos dos artigos 379º, n.º1, alínea c), parte final; VII O Tribunal "a quo" não apreciou correcta e convenientemente a prova constante dos autos, quer documental quer testemunhal, cometendo por isso erro na apreciação da prova; VIII Em face da abundante prova documental e testemunhal constante dos autos, cuja referência se faz nos próprios artigos, para além dos factos indiciariamente dados como provados pelo Tribunal "a quo" o mesmo deveria ainda ter considerado os seguintes factos constantes da imputação dos Assistentes no seu Requerimento de Abertura de Instrução: 40º A propósito do Pacto de Silêncio, no dia 24/01/2014, pelas 00:33, o número 966--- (P. Hot Sauce) envia uma mensagem ao RO., telemóvel n.º 918295755, com o seguinte conteúdo: “Ok, e já falate com os outros para arranjarmos uma maneira de acabar com o “pacto de silêncio”? Podiamos aproveitar esta reunião para falar sobre isso, sobre o que acam e ideias…” ... (Resulta de uma mensagem de telemóvel enviada por PC, um dos representantes de curso, a RO., Honoris Dux, conforme consta do CD, perícia ao telemóvel deste ultimo página 2348 de 5905) 46º Num relatório elaborado pelo PN, ainda antes de ser representante de curso o mesmo refere: "Afirmo que é mais duro do que eu pensava mas ... "A praxe é dura mas é praxe." (Resulta do doc.28 junto com a queixa crime) 47º No fim-de-semana de 16 de Dezembro de 2011 realizou-se um encontro de Praxe do curso de Serviço Social, no qual participou JR. (Guedes), na categoria de Pastrana, o referido encontro segundo relatório elaborado pela representante do Curso de Serviço Social ocorreu nos seguintes termos: Passavam poucos minutos das 20Horas e estava tudo preparado para seguir Viagem, presentes estavam: Representante de Curso: Piaduxa, a Comissão e Praxe: Fox, Tigreza e Chinese, uma Veterana: Spider, um Doutor: T.V e duas Pastranas: Guedes e Pescadora. A Comissão e Representante foi num carro e Veterana Spider o Doutor T,V e as Pastranas foram noutro. Em pleno caminho a Spider pediu para as Pastranas fazerem uma música sobre o fim-de-semana e que expectativas tinham elas do mesmo. A meio caminho enganamos as Pastranas alegando que estaríamos quase a chegar e que tinham de fazer o caminho a pé. Mas estávamos apenas no meio da lezíria do Tejo e escondemos os carros. Elas muito assustadas, no escuro, com cães a ladrar vieram ao nosso encontro. Foi-lhes explicado que ainda estávamos longe e que nunca as iríamos abandonar visto que somos todo um. ... Depois do jantar, a Spider deu uma ideia para fazer às Pastranas: "vamos testar os conhecimentos delas e como é que elas reagem em pressão", então fomos para uma sala em que iria estar completamente às escuras, Spider e a Piaduxa estavam sentadas numa mesa, a comissão de praxe estava escondida no escuro a bater com a capa nas portas, no chão, nas paredes, fazer barulho com os sapatos andar a volta das Pastranas. Primeira a entrar foi a Guedes: Spider pergunta: Porque que estas aqui? O que é para ti a base do Academismo? A Guedes no meio daquela pressão enorme atrapalhou-se (normal) e lá foi dando algumas respostas na sua grande maioria erradas! Até que a Spider fez mais questões: se tivesses sozinha em frente a um grupo de bestas o que farias? Se a Representante e a Comissão se atirassem pelo um poço também te atiravas? As respostas foram muito renitentes chegou ao ponto de dizer que não se atirava ao poço, ou seja ainda não tinha percebido o sentido figurado e ainda estavam muito "cruas" a nível académico. Após isto deixamo-las a pensar reflectir e até mesmo chorar. E vieram ter connosco para termos uma conversa com elas sobre o que se passou. Pois elas teriam de mudar a atitude, pois foi-lhes dito que elas são o futuro do curso e da academia. Até que o Chinese e a Fox as levaram para a beira da piscina e disseram: "se eu me atirasse para dentro da piscina vinham comigo?" E mais uma vez houve hesitação da resposta e de atitude. ... Onde foi-lhes dado a garrafa para a mão onde foi dito: "levem o curso para a frente" elas ajoelharam-se e levaram a garrafa para trás. Aprenderam que o caminho não é fácil e que para levar um curso para a frente não há caminhos fáceis e não é para quem quer é para quem pode, para quem realmente acredita, para quem realmente vive. Depois do almoço quando já se estava a preparar tudo, para ir embora de Curso e a Comissão de Praxe, a Veterana Spider e o Doutor T.V entraram para dentro da piscina para ver a reacção das Pastranas, se realmente hesitavam ou entravam por esse ser o caminho. E fizeram o esperado, entraram sem hesitações o que fez com que tudo o que lhes foi feito e dito fez sentido. Assim o primeiro fim-de-semana do curso de Serviço Social correu perante o planeado, todos os objectivos dele foram atingidos. Dando motivação para voltar a fazerem-se vários em breve." (Negrito, Itálico e Sublinhado Nossos) (Resulta do doc.27 junto com a queixa crime) 48º Posteriormente, num encontro de "Fim-de-Semana" do COPA ocorrido em Sesimbra/ Arrábida foram realizadas, conforme documento escrito que se encontrava nas coisas da JR., por um dos participantes o seguinte: "1º dia - Encontro às 18 horas ... - Tentar parar num sitio, tapar-lhes a cabeça e ir para o sitio onde estava a rede o ano passado. - transportar tudo p/ dentro e montar tendas. - amarrá-los entre cursos diferentes e jantar (própria comida); - praxá-los lá perto, falar c/ eles sobre o facto de estarem presos c/ outro curso (darem-se bem p/ o curso p/ trabalharem bem). Irem tbm para perto da cova e pô-los em prancha. - Cansá-los e mandá-los dormir! Alcóol - Irem a rastejar até ao portão! Dar foto do lago! 20 min/ exup! - O lago é o centro da vossa união!! - Cama??? 2º Dia - Alvorada P/ eles 8h 9h Pequeno Almoço - R.C Dux - 10h; Perguntas: - Dux; - Honoris; - ...; - Condição; - Cargo; - Chefe; - Lider; - Fundadores: - Pq. traje é ...? Caminho 2 - Fazendo perguntas (Cabeças c/ Capa); - Fazer Supor 3 (1 normal, 2 tapados); ... - Igual ao outro praxar na relva dps do portão, fazer o caminho pela serra, cemitério) - Ir para o coliseu e comer comida de gato..." (Resulta do doc.25 junto com a queixa crime) ... 51º Num relatório elaborado pelo representante do Curso de Arquitectura referiu-se o seguinte: "De um ponto de vista estritamente sobre os doutores podiam ter feito melhor, como não serem tão pacivos na altura de praxar e deixarem-se relaxar seja por cansaço ou falta de ideias." (Resulta do doc. 29, junto com a queixa crime) ... 56º Para compreender, que as Praxes do COPA, já não era a primeira vez que tinham consequências graves, vejam-se as seguintes mensagens retiradas do telemóvel da AG., cujo relatório pericial se encontra junto aos autos: • No dia 06/12/2013, pelas 23:09:27 a AG., telemóvel n.º 964--- envia uma mensagem para "Mariana": "Tive que cancelar a actividade aconteceu uma cena muita grave" • "Mariana" responde, 06-12-2013 23:09:59:"Tao?" • Andreia responde, 06-12-2013 23:18:23: "Uma pastrana "desmaiou" ate ligamos pro 112." (Resulta do Relatório de mensagens do telemóvel 964----, o qual pertencia à jovem AG.) 57º A AG. tinha o nome do seu amigo Sérgio gravado no telemóvel com o nome de "Mariana", para que, em virtude das conversas que os mesmos mantinham, este não viesse a sofrer represálias no âmbito do C.O.P.A., uma vez que era expressamente proibido falar sobre a Praxe com estranhos ao COPA e ou comunicar com elementos estranhos ao MPC o que se passava neste; (Resulta do Relatório de mensagens do telemóvel 96---, o qual pertencia à jovem AG. e ainda declarações da testemunha SL, cujo depoimento se encontra a fls. 1215, linhas 32 a 36) 58º O uso de telemóveis em momento de praxe era também, em regra, proibido; 59º Os telemóveis chegavam mesmo a ser retirados aos praxados para que não contactassem com ninguém, enquanto estavam em praxe; (Resultam do depoimento das testemunhas: AM, fls. 1104, linhas 78 a 80 e de 83 a 86; DP, fls. 1042, linhas 12 a 14; A. , fls. 232, linhas 44 a 46, Andreia, fls. 924, linhas 13 a 15; e ainda das mensagens retiradas do telemóvel de RO., Honoris Dux, constante do CD, página 2248 a 5905) 60º Resulta do "Planeamento da Actividade para pastranas de dia 14/11/2013", do Curso de Serviço Social: "Durante o percurso iríamos retirar-lhes os telemóveis para elas estarem focadas nas tarefas que lhes demos, pois durante a semana de praxe verificamos que muitas vezes elas descoravam das bestas e mexiam nos telefones." (Resulta do doc.30, junto com a queixa crime) 61º As próprias vitimas tinham perfeito conhecimento, no fim de semana de 13 a 15 de Dezembro de 2013, que a qualquer momento poderiam ser impedidos de utilizar os telemóveis, vejam-se, a título de exemplo as seguintes mensagens: • No dia 14/12/2013, pelas 00:04:53 a AG. envia uma mensagem a “Mariana” com o seguinte conteúdo: “Já estou bêbada!” • No dia 14/12/2013, pelas 00:39:50 "Mariana" envia uma mensagem a AG.com o seguinte conteúdo: "Actividades em telemóvel?!" • No dia 14/12/2013, pelas 01:01:42 a AG. envia uma mensagem a "Mariana" com o seguinte conteúdo: “Até agora não disseram nada” • No dia 14/12/2013, pelas 10:50:26 a AG. recebe uma mensagem de “Bro” com o seguinte conteúdo: “Sim bro, ainda n te mandei sms a prgntar como ta a correr pq pensei que alguém te tivesse tirado o tlm ou isso.” 62º No dia 16/01/2014, pelas 21:18, RO., Honoris Dux recebeu uma mensagem do numero 910--- (Vanda Mia) com o seguinte conteúdo: “E diz me RO, o que achas tu que aconteceu? É que a mim passam me realmente poucas hipóteses pela cabeça, e sou-te sincera que me custa mesmo a acreditar na versão q sabemos até agora” (Os artigos acima referidos resultam dos seguintes elementos de prova: Mensagens Trocadas entre AG. e SL, conforme relatório de mensagens de telemóvel; Mensagens trocadas entre RO. e Vanda, folhas 2246 do relatório do telemóvel de RO.) … 68º Numa reunião havida no dia 16/10/2013 ficou consignado em ata: "O excelentíssimo DUX começa por referir que os decretvs e /ou qualquer decisões tomadas em MPC terão no máximo 48 horas para serem afixadas devidamente, isto de modo a melhorar os erros do ano passado. DUX diz também que se o MPC faltar à sua responsabilidade (não transmitiu algo, não trouxe algo que lhe foi antecipadamente pedido) terá uma sanção grave. O relatório do mês terá sempre que ser entregue na primeira reunião de todos os meses. Comunica também que quer ser avisado em reunião e por mensagem de todas as actividades do curso." (Vide doc. 31 junto com a queixa crime) ... 93º No dia 14/12/2013, a JR. recebe uma mensagem do número 925---- (Filipa) com o seguinte conteúdo: “Tas em Lisboa?” 94º No dia 14/12/2013, pelas 17:34, a JR. envia uma mensagem para o número 925----: “não, tou a ter fds de praxe.” (Resultam da análise ao telemóvel, Folhas 92, do Exame ao telemóvel de JR.) ... 96º No dia 16/01/2014, pelas 21:18, o RO., Honoris Dux, recebeu uma mensagem do número 910---- (Vanda Mia) com o seguinte conteúdo: “Mas não estamos a conspirar, mas tentamos perceber o que se passou! Que ela me disse que ele tava com sede dos praxar que era o que precisavam, disse… Mas não sei… Até pode ser uma coincidência, mas porque não levaram os telemóveis? Não percebo” (Declarações da testemunha Vanda, prestadas no dia 02/02/2015, conforme Cd ùnico, passagens 24:50 a 27:30; Relatório do telemóvel de RO., folha 2246) ... 102º No dia 14/12/2013, pelas 14:32, a vitima AG. recebe uma mensagem no seu telemóvel n.º 964----, do numero 916-----, pertencente ao arguido, com o seguinte conteúdo: "Hora do penalti" 103º E pelas 14:35:12, recebe nova mensagem do mesmo número: "Ja ta?" ... (Mensagens retiradas do telemóvel de AG.com o n.º 964----, conforme relatório junto aos autos, resumo a fls. 489 do Apenso) 116º Enquanto estavam fechadas as vítimas trocaram algumas mensagens entre si, com o seguinte conteúdo: • Dia 14-12-2013, pelas 10:49:41, a AG.(912----) recebe uma mensagem da JR., telemóvel número (917----): Tou aqui em baixo" • Dia 14/12/2013, pelas 10:50:17, a AG. envia uma mensagem para JR.: "Eu estou ca em baixo. Que actividade faço para debater o assunto das tuas pastranas?" • Dia 14/12/2013, pelas 10:50:26, recebe uma mensagem de "Bro" (AR) telemóvel número (916----): Sim bro, ainda n te mandei sms a prgntar como ta a correr pq pensei que alguem te tivesse tirado o tlm ou isso.." • AG. responde pelas 10:51:00: "Ajuda me. Tenho q fazer uma actividade para debater os problemas das pastranas de serviço social, c duração de 2 horas. Da ai ideias" • Dia 14/12/2013 recebe uma mensagem de "Bro" (AR) telemóvel número 916----: "E foi essa a ideia que a pocahontas achou 5estrelas n foi? Mas dcrteza q so pra ser do contra agr vai dizer que n concordou.. Mas sim a ideia e essa, puxar pela confianca das miudas, como nos fizemos c os nossos na 4f mais ou menos.." • Dia 14/12/2013, pelas 10:59:19 envia uma mensagem para a JR.: "Yaya. Já saíste do quarto?" • Dia 14/12/2013 pelas 10:59:57 recebe uma mensagem da JR.: "Nao... É para sair quando quisermos?" (Mensagens retiradas da análise dos telemóveis de AG. e JR, resumo a fls. 489 do Apenso) ... 123º O arguido, enquanto as vítimas rastejavam, permanecia de pé a andar lentamente ao mesmo ritmo que estes rastejavam; 124º Durante a tarde, o arguido foi visto a conversar várias vezes com as vítimas estando estas sempre de frente para ele; (Estes factos retiram-se do depoimento das seguintes testemunhas: Etelvina, depoimento de fls. 349, linhas 37 a 50; Cidália, depoimento de fls. 372, linhas 1 a 9 e 21 a 42; JB., depoimento de fls. 598, linhas 6 a 9 e 16 a 21; Maria de Jesus, depoimento de fls. 600; Samuel, depoimento de fls. 54 a 67; Ana, fls. 654, linhas 1 a 21; ... 136º Apesar da AC aparentemente transportar o seu telemóvel consigo, a partir das 22:06, não atendeu qualquer chamada, nem respondeu a nenhuma das mensagens que posteriormente recebeu. 137º Apesar de transportar consigo o seu telemóvel com o número 916---- o arguido entre as 19 horas do dia 14/12/2014 e as 07:00 horas do dia 15/12/2014 só tem dois registos na listagem fornecida pela operadora uma chamada efectuada à 01:10 e outra recebida à 01:20. (Resultam da analise do registo de chamadas e mensagens recebidas e efectuadas referente ao telemóvel da vítima, conforme resulta da informação fornecida pela operadora Vodafone); 138º O telemóvel do arguido, com o número 916---, quando em 05/02/2014, foi entregue à polícia judiciária, não tinha quaisquer registos de chamadas ou mensagens, recebidas ou enviadas, com data anterior a 28/01/2014; (Conforme resulta da análise efectuada ao telemóvel do arguido, constante do CD) ... 143º Os jovens chegaram à praia por volta da meia noite; (Este facto é possível retirar da conjugação do depoimento das testemunhas: Alcino, cujo depoimento se encontra a fls. 1203; Fernando, depoimento de fls. 1408) 150º Na zona da entrada da praia era possível ver a própria formação das ondas e a sua rebentação; (Este facto decorre do depoimento das seguintes testemunhas: Ricardo depoimento de fls. 402, página 3, linhas 6 a 12, página5, linhas 16 a 18 e 26 e seguintes; Tiago, depoimento de fls. 406 e seguintes; Elísio, depoimento de fls. 409 e seguintes, linhas 4 a 12; Fernando, depoimento de fls. 1048, linhas 48 a 53; Luis, depoimento de fls. 1102, linhas 2 a 14 da página 4) ... 166º Atendendo à força e dimensão das ondas naquela noite era impossível a qualquer ser humano sobreviver a uma entrada no mar naquele local; ... 169º Uma onda com 3 a 4 metros, como era o caso naquela noite atinge uma força de embate entre 2 a 3 (três) toneladas; 170º A onda circulando a uma velocidade de cerca de 16 km/h atinge uma pressão equivalente a ventos na ordem dos 435 km/h!!!! (A prova destes factos resulta da própria ciência, estudos científicos existentes e bem assim das declarações da testemunha: Comandante SM, depoimento de fls. 1238 e seguintes dos autos) ... 177º No dia 24/02/2014 foi efectuada pela Polícia Judiciária uma diligência externa que consistiu: "... na noite de ontem, dia 23 de Fevereiro de 2014, desloquei-me à localidade de Aiana de Cima, em Sesimbra, no intuito de efetuar o trajeto percorrido pelo grupo de estudantes da universidade Lusófona que, na madrugada de 15 de Dezembro, acabariam por perder a vida na Praia do Meco, desde a moradia que haviam arrendado, na citada localidade, até à praia. Com um aparelho de telecomunicações dotado de "NET MONITORING", foi possível verificar quais as antenas de telecomunicações acionadas junto da moradia arrendada, de um muro localizado a cerca de 200 metros da mesma e onde o grupo havia estado durante a tarde de dia 14 de Dezembro, na Rotunda de Alfarim, junto ao antigo restaurante denominado "AMO-TE MECO" e na Praia dos Moinhos, onde se deu o acidente. Junta-se em anexo, a listagem das antenas acionadas para cada uma das operadoras de telecomunicações móveis, nos locais indicados." (Negrito, Itálico e Sublinhado Nossos) 178º Segundo a investigação da Polícia Judiciária, qualquer chamada ou SMS, recebida ou enviada, da rede Vodafone, no percurso efectuado pelo arguido e vitimas accionaria as seguintes antenas: • Na Moradia de Aiana de Cima: - ZAMBUJAL DE CIMA 268-01-4-39463; - ALFARIM 268-01-4-2132; • No Muro perto da Moradia: - ALFARIM 268-01-4-2132; • Na Rotunda de Alfarim: - ALFARIM 268-01-4-2133; • Restaurante Amo-te Meco - ALFARIM 268-01-4-2133; • PRAIA DOS MOINHOS - ALDEIA DO MECO 268-01-4-21193 (Estes factos resultam do próprio auto de diligencia efectuado pela Polícia Judiciária de fls. 603 e seguintes dos autos) 179º Da análise do CD, contendo o registo de chamadas recebidas e enviadas e mensagens recebidas e enviadas constata-se o seguinte: • No dia 15/12/2013, pela 01:10:31, na chamada para o 112, o telemóvel com o número 916----, pertencente ao arguido, accionou a antena COSTA DA CAPARICA; 180º No dia 15/12/2013, pelas 01:20:08, o telemóvel com o número 916---, pertencente ao arguido, recebeu uma chamada do número 918----, tendo accionado a antena de ALFARIM; 181º Mas veja-se agora os registos de localização celular do telemóvel da AC n.º 919----: • No dia 15/12/2013, pelas 01:15, recebeu uma mensagem do número 919---, pertencente a João tendo accionado a antena ALDEIA DO MECO; • No dia 15/12/2013, pelas 02:57, recebeu uma mensagem do número 919---, pertencente a João --- tendo accionado a antena OEIRAS NORTE; ... 184º Pelas 04:33:36, do dia 15/12/2014, o telemóvel da AC, recebe uma mensagem do número 919----, tendo accionado a antena Hospital Garcia de Horta; ... (Estes factos resultam dos relatórios das localizações celulares remetidos pela operadora Vodafone constantes dos CDS juntos aos autos) 194º Pelas 06:30, do dia 15/12/2013, foram vistas estacionadas à porta da casa de Aiana de Cima duas viaturas um CITROEN e um RENAULT MEGANE; (Declarações da testemunha Samuel, depoimento de fls. 734 e seguintes, linhas 81 a 96) 195º A irmã do arguido, AG, é proprietária de um veículo da marca CITROEN, matrícula --- (Vide doc.2) (Certidão da Conservatória do Registo Automóvel junta como doc.2 com o Requerimento de Abertura de Instrução) 196º O cunhado do arguido AC é proprietário de um veículo da marca RENAULT modelo MEGANE com a matrícula ---; (Declarações da testemunha AC, depoimento de fls. 903 e seguintes, linhas 15 e 16) ... 200º Nos dias seguintes, foram vistas na praia diversas cascas de ovos; 201º Foram recuperados da areia da praia copos de curso bem como um gorro de AG. contendo no seu interior um bloco de notas e um ovo intacto; 202º O "Pinheirinho de Natal" transportado para a praia por TC. permaneceu na areia vários dias sem que a água o atingisse;" (A prova destes factos decorre do depoimento das seguintes testemunhas: Gonçalo, depoimento de fls. 671, linhas 75 a 79; Fábio, depoimento de fls. 755, linhas 117 a 121; João, depoimento de fls. 863, linhas 132 a 135 e 148 a 153; Hugo, depoimento de fls. 883, linhas 32 a 46 e 72 a 76; Ailton, depoimento de fls. 1002 e seguintes, linhas 43 a 49; Ana, depoimento de fls. 1115, linhas 93 e 94) IX Para além do que acima se encontra exposto, entende o Recorrente que, em face da prova constante dos autos, se mostravam indiciariamente demonstrados os seguintes factos que o tribunal "a quo" entendeu não verificados: c) Os elementos do "COPA" tinham especial gosto no exercício de atividades praxistas junto do elemento água, como piscinas ou lagos; (Resulta do depoimento das testemunhas: Ailton, fls. 1002, linhas 16 a 20; Ana, fls. 1011, linhas 64 a 69; Mário, fls. 1056, linhas 50 e 51) d) Os jovens falecidos durante o dia 14 de dezembro foram incitados pelo arguido a consumirem bebidas alcoólicas; (Resultam das mensagens trocadas entre o Arguido e os jovens falecidos, nomeadamente, AG.e CA.) e) Do dia 13 para 14 de dezembro os jovens não dormiram; (Resulta das mensagens trocadas entre todos os jovens, as quais se prolongam por toda a noite, madrugada e manhã do dia 14/12/2013; igualmente depoimento da testemunha Samuel, fls. 731, linhas 4 a 7, testemunha Ana, fls. 1115, linhas 78 a 83) f) Os exercícios físicos - nomeadamente flexões e "periquitos" - eram realizados na ordem das 150 repetições por cada exercício; (Este facto resulta da mensagem enviada pela AC, no dia 14/12/2013, pelas 15:53, conforme análise ao seu telemóvel, e bem assim do depoimento das testemunhas Samuel, fls. 731 e segs., Etelvina, fls. 349, linhas 41 a 44) g) Um percurso de 5,2 km a andar não demora mais de uma hora e meia a percorrer; (Resulta indiciado pela própria matéria de facto dada como provada, conjugado com as declarações das testemunhas Fernando, fls. 1048 e Alcino, fls. 1203) h) Os jovens chegaram à praia por volta da meia noite; (Resulta das declarações das testemunhas Fernando, fls. 1048 e Alcino, fls. 1203) i) O arguido ordenou aos seus colegas que se deslocassem para a zona da linha de água e aí ficassem de costas para o mar e de frente para si; j) Os jovens falecidos colocaram-se uns ao lado dos outros, paralelamente à linha de mar; (Resultam indiciados de toda a matéria de facto dada como demonstrada, e bem assim dos relatórios periciais, depoimento das testemunhas: Ricardo, fls. 402, linhas 20 a 22; Bruno, fls. 998, linhas 35 a 39; Ailton, fls. 1002, linhas 36 a 38 e 69 a 71; Andreia, fls. 1084, linhas 60 a 64; Ana, fls. 1111, linhas 54 a 58; k) O arguido manteve-se mais recuado, de frente para as vitimas; l) Os jovens falecidos encontravam-se com sono e exaustos; m) O arguido não foi embatido pela onda que levou as vítimas: n) Era impossível a qualquer ser humano sobreviver a uma entrada no mar naquele local e naquelas condições; o) As vítimas estivessem a ser praxadas - ou se preparassem para tal - pelo arguido quando foram colhidas pelas ondas; (Resulta igualmente indiciado da conjugação de todos os factos demonstrados, da análise das condições do mar, cultura de diatomáceas efectuada à roupa do arguido, fls. 844, 2570, depoimento do perito Dr. JF, depoimento prestado na audiência de 06/02/2015, conforme Cd único, passagens 12:50 a 16:50 e 18:50 a 22:10; Dr. MR, fls. 818; Ficha de Observação Médica do INEM, fls. 1330 do Apenso; Depoimento da testemunha Susana, fls. 807, linhas 14 e 28 a 30; Depoimento Dr. MM, fls. 802 e seguintes; continuação do depoimento fls. 1164 e seguintes; depoimento da testemunha Alexandre, fls. 903, linhas 87 a 93; depoimento da testemunha Ricardo, fls.402, linhas 21 a 24.) p) O arguido, após os seus colegas serem colhidos pelo mar, pegou no seu telemóvel e fugiu do local; q) O arguido foi auxiliado por terceiro a montar uma simulação de "pré afogamento" dele próprio; r) O arguido regressou à Praia do Moinho de Baixo, após a 01:20, e simulou o seu "pré afogamento"; s) O arguido não se encontrava no areal da Praia do Moinho de Baixo quando ligou para o número de emergência 112." (Resulta da diligência da PJ, fls. 603 e seguintes dos autos; Da informação da Vodafone sobre as localizações celulares e células activadas referentes aos telemóveis do arguido 916--- e da vítima AC, 919----). X Do decurso da Instrução resultou ainda demonstrado um facto que, a nosso ver, tem também alguma relevância para a discussão dos presentes autos: • “Nos fins-de-semana de "MPC" era o DUX quem definia as praxes que iriam ser executadas, não tendo os representantes de curso conhecimento a que iriam ser sujeitos”; (Tal facto resulta do depoimento da testemunha Vanda, prestado no dia 02/02/2015, cujo depoimento se encontra gravado no CD único, passagens 08:00 a 08:55 e bem assim das declarações da testemunha Ana, cujo depoimento se encontra a fls. 1016: -“O programa das praxes estava um pouco na cabeça do líder dos encontros, não havendo um anúncio prévio do programa.”) XI Dos factos indiciariamente provados é possível concluir: • O Arguido colocou e, posteriormente, não afastou os jovnes que faleceram de uma situação de perigo; • O arguido tinha exacta noção do perigo; • O arguido era o responsável/ lider dos jovens que faleceram; • Os jovens faleceram em consequência de praxe levada a cabo pelo arguido; • Os jovens que faleceram tinham as suas capacidades manifestamente diminuídas, quer pelo desgaste físico quer pelo consumo de bebidas alcoólicas decorrentes de ordens do arguido; • No estado em que se encontravam, conforme relatório pericial, os jovens não estavam em condições, nem tinham capacidades para reagir naquela situação de perigo; XII No caso Sub Júdice, atenta a complexidade e singularidade dos presentes autos é forçoso partir de factos conhecidos para, com elevada probabilidade, se darem outros como verificados, o que como é jurisprudência pacífica é permitido e admitido: • "IV - As regras da experiência não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de resultados produzidos.” AC. Do STJ Processo n.º 420/06.7GAPVZ.P1.S2, de 22/01/2013, disponível em www.dgsi.pt; • "O indício apresenta-se de grande importância no processo penal porque nem sempre se tem ao alcance a prova directa que autoriza a perseguir a conduta, sendo necessário, pelo recurso ao esforço lógico-jurídico, partir de factos certos para inferir outros.” Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 347/10.8PATNV.C1, de 09/05/2012, disponível em www.dgsi.pt; • "I – Na ausência de prova directa nada impede que o tribunal deduza racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indiciária (prova artificial ou por concurso de circunstâncias). "Acórdão do Tribunal da relação de Coimbra, processo n.º 1056/05, de 11/05/2005 disponível em www.dgsi.pt; XIII Ao proferir despacho de não pronuncia o Tribunal "a quo" violou os artigos 292º, 307º, n.º1 e 308º, n.º1 do C.P.P. XIV Em face dos factos indiciariamente dados como provados e perante aqueles que deveria ter dado como indiciados o Tribunal "a quo" deveria ter proferido despacho de pronúncia. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser recebido e, em consequência: a) Ser o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” declarado nulo; ou b) Ser o mesmo substituído por outro que pronuncie G, ---, pela prática em concurso real efectivo de 6 (seis) crimes de exposição ao abandono, p. e p. pelo artigo 138º do C.P., por se mostrarem suficientemente indiciados os factos que se encontram vertidos no RAI dos Assistentes. O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos. O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, mas sem formular conclusões. O arguido G. respondeu também à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Todas as provas constantes do inquérito, nomeadamente as declarações do ora arguido, na qualidade de testemunha podem e devem ser tomadas em consideração pelo juiz de Instrução na decisão final. 2. Não tem razão o recorrente ao invocar, a proibição de leitura das declarações, invocando os arts 144º nº1, 343º, 345º e 356º nº6 do CPP. 3. Assim, o despacho ora recorrido não enferma de qualquer nulidade. 4. Não foram apenas as declarações prestadas pelo arguido, na qualidade de testemunha, que fundamentaram o despacho final de não pronúncia. 5. Quanto ao erro na apreciação da prova também não tem qualquer razão o invocado pelo recorrente. 6. Conforme se alcança do aliás douto despacho de arquivamento e do despacho de não pronúncia, foram tidas em consideração e apreciadas todas as provas relevantes para o apuramento da verdade. 7. Acresce que, não tem relevância para a decisão destes autos, qualquer dos factos e provas invocados pelo Assistente, quanto ao que se passou em data anterior ao trágico acidente ocorrido na praia. 8. Também não resulta indiciariamente provado, como alega o recorrente, que o arguido tenha colocado e, posteriormente, não tenha afastado os jovens falecidos, da situação de perigo. 9. Da factualidade dada como provada resulta a total inexistência de indícios de qualquer tipo de crime. NESTES TERMOS e nos demais de Direito deve o presente recurso ser considerado improcedente por não provado e mantida a decisão de não pronúncia. A Digna Procuradora-Geral Adjunta em funções junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso admitido, no sentido de não ser merecedor de provimento. Tal parecer foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, tendo o recorrente exercido o seu direito de resposta em eros de reafirmar, no essencial, as posições assumidas na motivação do recurso. Pelo Desembargador relator foi proferido o seguinte despacho: «No instrumento de interposição do recurso, que interpôs da decisão instrutória de não pronúncia, o assistente C. requereu que o mesmo fosse julgado em audiência oral, invocando disposto nos arts. 411º nº 5 e 423º do CPP. O nº 7 do art. 417º do CPP dispõe: Quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária, o relator decide no exame preliminar: a) Se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso; b) Se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas. Ainda que o normativo legal acabado de transcrever não faça referência expressa aos pedidos de realização de audiência, o mesmo confere ao relator poderes para dirimir questões interlocutórias que se coloquem a propósito do recurso, entre as quais deverá incluir-se, de acordo com a interpretação que defendemos, o ajuizamento da admissibilidade do julgamento do recurso em audiência, quando tenha sido formulado pedido nesse sentido pelo recorrente. O nº 5 do art. 411º do CPP é do seguinte teor: No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos. Por sua vez, o nº 3 do art. 419º do CPP estatui: O recurso é julgado em conferência quando: a) Tenha sido apresentada reclamação da decisão sumária prevista no n.º 6 do artigo 417.º; b) A decisão recorrida não conheça, a final, do objecto do processo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º; ou c) Não tiver sido requerida a realização de audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º Finalmente, o nº 1 do art. 97º do CPP reza: Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior. O art. 423º do CPP, que o recorrente também invoca, dispõe sobre a tramitação da audiência em sede de recurso, não relevando para o ajuizamento dos pressupostos de admissibilidade desse procedimento. É certo que o nº 5 do art. 411º do CPP prevê a possibilidade de o recorrente peticionar que o recurso seja julgado em audiência, aparentemente sem estabelecer distinções com base na natureza ou no conteúdo da decisão recorrida. Contudo, tal norma terá de ser interpretada em conjugação com as restantes, mormente, a do nº 3 do art. 419º do CPP, cujas als. a) e b) definem duas categorias de recursos que não são passíveis de ser julgados em audiência e relativamente aos quais o procedimento da conferência é obrigatório. Podendo abstrair-se do caso previsto na al. a) (decisão sumária), que aqui não está em causa, importa reter a hipótese a que se refere a alínea subsequente, que são as decisões que não conheçam a final do objecto do processo, nos termos da al. a) nº 1 do art. 97º do CPP. O nº 1 do referido art. 97º estabelece a tipologia dos actos decisórios dos Juízes, dividindo-os em duas grandes categorias: por um lado, aqueles que conhecem a final do objecto do processo e têm o nome de sentenças (al. a); por outro lado, todos os demais, que se subsumem na designação de despachos (al, b)). A conjugação de normas legais, que temos perante nós, não parece permitir outra conclusão senão que o julgamento dos recursos penais em audiência só pode ser solicitado pelo recorrente, quando a decisão recorrida tenha a natureza de uma sentença no sentido técnico-jurídico do termo, o que exclui, à partida, decisões instrutórias. Aqui chegados, poder-se-á colocar a questão de saber se o regime de julgamento dos recursos de sentenças ou acórdãos finais poderá ser considerado por alguma via extensivo às decisões instrutórias, quando estas assumam o sentido de um despacho de não pronúncia. Com efeito, existe um certo grau de homologia entre a sentença e a decisão instrutória de não pronúncia, quanto aos seus efeitos, já que tanto uma como a outra põem termo ao processo. No entanto, não se nos afigura que a figurada extensão do regime do julgamento dos recursos em audiência aos despachos de não pronúncia tenha sido pretendida pelo legislador histórico do CPP, quando fixou a actual redacção do nº 3 do art. 419º. A vigente redacção do identificado normativo foi introduzida com a reforma da lei processual aprovada pela Lei nº 48/07 de 29/8, a qual veio, nomeadamente, consagrar como regime-regra do julgamento dos recursos perante as Relações a conferência, em vez da audiência, a qual passou a só ter lugar quando pedida. Reproduzimos a redacção do nº 4 do art. 419º do CPP anterior à mencionada reforma legislativa (que era a disposição equivalente ao nº 3 da versão actual): O recurso é julgado em conferência quando: a) Deva ser rejeitado; b) Exista causa extintiva de procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo de recurso; c) A decisão recorrida não constitua decisão final; ou d) Não houver lugar a alegações orais e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º. Em nosso entender, mostra-se concludente o confronto entre a al. c) da antiga redacção e a al. b) da versão actual. Com efeito, a redacção anterior fazia referência a «decisões finais» sem outra especificação, enquanto o texto presentemente em vigor remete para as decisões que conheçam a final do objecto do processo, ou seja, sentenças em sentido estrito, donde deve extrair-se a conclusão lógica que foi intenção do legislador da reforma de 2007 do CPP, excluir do julgamento em audiência os recursos interpostos de outras decisões, que, tendo o condão de pôr termo ao processo, não revestem a natureza de sentenças, como seja uma decisão instrutória de não pronúncia. Nesta conformidade, importa concluir que não é legalmente admissível o julgamento do presente recurso em audiência, em razão da natureza jurídico-processual da decisão recorrida. Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido formulado pelo recorrente no sentido de o presente recurso ser julgado em audiência, determinando-se o respectivo julgamento em conferência. Notifique aos sujeitos processuais, aguardando-se, quanto ao recorrente, o prazo da reclamação para conferência prevista no nº 8 do art. 417º do CPP». O despacho transcrito foi notificado aos sujeitos processuais, não tendo o recorrente dele reclamado para a conferência. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. O presente recurso foi interposto pelo assistente C. de uma decisão instrutória, concretizada num despacho de não pronúncia do arguido G., proferida no termo de uma instrução por requerida pelo ora recorrente e outros assistentes, tendo em vista a pronúncia do mesmo arguido pela prática de seis crimes de exposição ou abandono p. e p. pelo art. 138º nº 1 als. a) e b) e nº 3 al b) do CP. A sindicância da decisão recorrida, que emerge das conclusões do recorrente, pode resumir-se nas seguintes questões: a)Arguição da nulidade da decisão; b)Impugnação do juízo probatório indiciário formulado pelo Exmº Juiz «a quo», em termos de se julgar suficientemente indiciada a prática pelo arguido de factos susceptíveis os crimes que lhe eram imputados no requerimento de abertura de instrução (RAI). Iremos conhecer as questões suscitadas pelo recorrente, pela ordem por que foram enunciadas, que é também a ordem lógica da sua apreciação. O recorrente faz basear a arguição da nulidade da decisão recorrida na circunstância de o Tribunal «a quo» ter considerado um meio de prova proibido, qual seja o depoimento prestado pelo ora arguido G. na fase de inquérito, na qualidade de testemunha, tendo-se ele remetido ao silêncio uma vez investido no seu actual estatuto processual. Por essa razão, diz o recorrente, a decisão sob recurso estaria inquinada da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 379º do CPP. Ora, o nº 1 do art. 379º do CPP tipifica as nulidades de sentença e, por essa razão, não é aplicável, de um modo geral, às decisões instrutórias. Diferentemente, temos vindo a entender que o regime de cognição previsto no nº 2 do mesmo artigo, seguindo o qual as nulidades podem ser alegadas e conhecidas em sede de recurso, é aplicável por analogia às decisões instrutórias quando estas assumam o conteúdo de um despacho de não pronúncia – vd., nomeadamente, Acórdão desta Relação de Évora de 26/2/13, proferido no processo nº 348/11.9T2ODM.E1, subscrito pelo relator e pelo adjunto do presente aresto, disponível em www.dgsi.pt. De todo o modo, o elenco das nulidades privativas da decisão instrutória é o que resulta da conjugação dos normativos do nº 2 do art. 308º e do nº 3 do art. 283º do CPP, cujo teor é o seguinte: - Nº 2 do art. 308º: É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do nº 1 do artigo anterior. - Nº 3 do art. 283º: A acusação contém, sob pena de nulidade: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis; d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco; e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação; f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer; g) A data e assinatura. É certo que os requisitos prescritos no nº 3 do art. 283º foram pensados directamente em função de um acto determinativo da introdução do feito em juízo (acusação ou pronúncia), pelo que a extensão deste regime ao despacho de não pronúncia terá de ser efectuada com as devidas adaptações. Ainda assim, em caso algum poderá resultar dos requisitos em apreço que a consideração pelo Juiz de Instrução de qualquer meio de prova nulo ou proibido tem como consequência a nulidade da decisão instrutória, sendo que, em matéria de nulidades processuais, vigora o princípio da tipicidade consagrado no art. 118º do CPP, de acordo com o qual a inobservância de normas da lei de processo só é geradora de nulidade nos casos especialmente previstos. Indo mais longe, diremos mesmo que a consideração de um meio de prova inválido ou ilícito em qualquer acto decisório de um Tribunal não tem por consequência a invalidade do acto em si, mas antes acarreta a obrigatoriedade da «desconsideração» ou a proibição de valoração do meio probatório inquinado. Assim sendo, e independentemente de saber se a valoração feita pelo Tribunal «a quo» de um depoimento testemunhal prestado pelo ora arguido, na fase de inquérito, foi ou não lícita à face das normas relevantes da lei de processo, a decisão instrutória sob recurso não se encontra afectada de nulidade, pelas razões invocadas pelo assistente recorrente. O ajuizamento da validade do descrito procedimento, seguido pelo Tribunal recorrido terá cabimento mais adiante quando apreciarmos a vertente da pretensão recursiva dirigida contra o juízo indiciário. Por ora, importa apenas concluir pela improcedência da arguição da nulidade da decisão recorrida. As finalidades da fase processual de instrução são definidas pelo nº 1 do art. 286º do CPP, nos termos seguintes: A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. O nº 1 do art. 308º do CPP faz depender a prolação de uma decisão de pronúncia da existência de indícios suficientes da verificação dos pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança. O conceito legal de «indícios suficientes» é fornecido pelo nº 2 do art. 283º do CPP, aplicável à decisão instrutória por remissão do nº 2 do art. 308º: Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Conforme resulta da disposição do CPP acabada de transcrever, a decisão de pronunciar o arguido não pressupõe a prova definitiva da prática do crime, mas tão somente um juízo de existência de indícios suficientes dos pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, entendendo-se como tal os indícios por força dos quais subsista uma possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado, em sede de julgamento, o que implica, na orientação interpretativa que vimos seguindo, a formulação pelo Juiz de Instrução de um juízo de prognose no sentido de uma ulterior condenação do arguido se antever, em face da prova produzida, como o desfecho mais provável do julgamento. Aqui chegados, interessará então ajuizar da admissibilidade da valoração para efeitos probatórios, no actual estado do processo, do depoimento prestado pelo ora arguido G., na qualidade de testemunha durante a fase processual de inquérito. Sobre a aquisição da qualidade processual de arguido dispõe o art. 57º do CPP: 1 - Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal. 2 - A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo seguinte. Por sua vez, o art. 58º CPP estatui: 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que: a) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal; b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial; c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.º; ou d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada. 2 - A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º que por essa razão passam a caber-lhe. 3 - A constituição de arguido feita por órgão de polícia criminal é comunicada à autoridade judiciária no prazo de 10 dias e por esta apreciada, em ordem à sua validação, no prazo de 10 dias. 4 - A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º 5 - A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova. 6 - A não validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária não prejudica as provas anteriormente obtidas. O ora arguido G. foi inquirido, no decurso do inquérito na qualidade de testemunha e nunca foi investido no estatuto de arguido, nem interrogado enquanto tal, na medida em que foi sempre entendimento do MP, ao longo de toda essa fase processual, que não existam elementos susceptíveis de justificar um juízo de suspeita por parte dele de factos integradores de ilícito criminal, no âmbito dos acontecimentos ocorridos na noite de 14 para 15/12/13, na Praia do Moinho de Baixo, no Meco, que culminaram na morte dos estudantes universitários JR., AC, TC, CA, PN e AG.. Conforme manifestamente transparece dos autos, tal entendimento não era compartilhado pelos assistentes que apresentaram contra G. uma queixa-crime, pela situação em causa, que deu origem ao inquérito nº 104/14.2TASSB, posteriormente anexado aos presentes (fls. 450 e segs. do «anexo»). De todo o modo, a aludida divergência ficou ultrapassada a partir do momento em que os seis assistentes, entre os quais o ora recorrente C., vieram requerer a abertura de instrução contra G., pedindo a pronúncia deste pela prática de seis crimes p. e p. pelo art. 138º nºs 1 als. a) e b) e 3 al. b) do CP (fls. 1739 e segs. do processo principal). Com o pedido de abertura de instrução contra si deduzido, G. ganhou «automaticamente» a qualidade de arguido, por força do disposto no nº 1 do art. 57º do CPP. O nº 5 do art. 58º do CPP, aplicável às situações previstas no art. 57º por via da remissão feita no nº 3 deste artigo, proíbe inequivocamente a valoração probatório de um depoimento prestado enquanto testemunha, num momento inicial do processo, por alguém que venha, posteriormente, a assumir a qualidade processual de arguido, a menos que o depoente, depois de constituído arguido, tenha prestado declarações com observância das formalidades legais, confirmando expressamente o depoimento testemunhal anteriormente produzido. No caso presente, não existiu semelhante confirmação do depoimento prestado em inquérito na qualidade de testemunha pelo ora arguido G, porquanto este, na actual fase processual de instrução, se remeteu ao silêncio, conforme já aludimos, exercendo um direito que enquanto arguido lhe assiste (art. 61º nº 1 al. d) do CPP). No douto parecer que emitiu sobre o recurso em presença, a Digna PGA veio sustentar que o depoimento testemunhal prestado por G., na fase processual de inquérito pode ser livremente valorado, nos termos do art, 127º do CPP, não obstante a posterior assunção pelo depoente da qualidade processual de arguido, pois não integra qualquer das proibições de prova previstas no art. 126º do mesmo Código. O art. 126º do CPP é do seguinte teor: 1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. 4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo. Se bem compreendemos, o normativo agora transcrito não define, de forma exaustiva, o elenco das proibições probatórias em processo penal, estando, nesta matéria, os Tribunais igualmente vinculados a normas proibitivas avulsas, como sejam, a título de exemplo, o já referido nº 5 do art. 58º do CPP e o nº 7 do art. 147º do CPP, que proscreve a valoração como meio de prova do reconhecimento de pessoas, que não tenha obedecido aos formalismos exigidos pelos nºs 1 a 6 do mesmo artigo. Assim, o nº 5 do art. 58º do CPP contém em si uma proibição probatória autónoma, que se impõe ao julgador independentemente da interposição do normativo do art. 126º do CPP. No caso concreto, a questão agora em apreço poderá não ter muita relevância prática, na medida em que, tanto quanto vislumbramos, o arguido, no depoimento que prestou em inquérito, não efectuou declarações confessórias, isto é que envolvam a admissão de factos susceptíveis de o constituir em responsabilidade criminal. Ainda assim, o vigente sistema de processo penal é reconhecidamente avesso a que se valorem meios de prova pessoal com origem no arguido, a partir do momento em que deva ser considerado investido neste estatuto, que tenha sido por ele prestado em diferente qualidade processual, não rodeada das garantias e das imunidades que são apanágio do estatuto de arguido. Consequentemente, e independentemente da questão, pomo de discórdia entre o MP e os assistentes, de saber se G. devia ter sido constituído arguido ainda na fase processual de inquérito, não poderá o depoimento testemunhal prestado pelo ora arguido ser valorado como prova, na actual fase de instrução. A pretensão do recorrente em matéria de facto pode ser sintetizada no sentido de o Tribunal «ad quem» julgar indiciados os factos, aparentemente não considerados na decisão recorrida, descritos nos arts. 40º, 46º, 48º, 51º, 56º, 57º, 58º, 60º, 61º, 62º, 68º, 93º, 94º, 96º, 102º, 103º, 116º, 123º, 124º, 136º, 137º, 143º, 150º, 166º, 169º, 170º, 177º, 178º, 179º, 180º, 184º, 194º, 195º, 196º, 200º, 201º e 202º da «acusação» constante do RAI, sob a epígrafe «D – DOS FACTOS ILÍCITOS (DA PRONÚNCIA» (FLS. 1912 A 1954) e nas alíneas c), d), e), f), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r) e s) da matéria julgada não indiciada pelo Tribunal recorrido, ou seja, toda a matéria não indiciada, menos as alíneas a), b) g) e h). Entende ainda o recorrente que resultou indiciado da instrução o facto descrito no ponto X das conclusões da motivação do recurso. Alguns dos factos alegados na «acusação» constante do RAI, que o recorrente pretende sejam julgados indiciados em sede de recurso foram já considerados na decisão instrutória recorrida, o que acontece com os artigos 40º, 58º, 96º e 150º da peça que faz as vezes de libelo acusatório, cujo conteúdo corresponde aos pontos 100, 31, 99 e 74, respectivamente, da matéria indiciada. De igual modo, o teor do artigo 143º da «acusação» do RAI equivale ao da alínea h) da matéria julgada não indiciada e que o recorrente, paradoxalmente, não impugnou directamente, pelo que terá de considerar-se indirectamente impugnada. A sucessão de mensagens de telemóvel enunciada no artigo 116º da peça processual que serve de acusação encontra-se traduzida, de forma genérica e resumida, no ponto 58 da factualidade indiciada, não vislumbrando nós que as finalidades da instrução exijam uma maior pormenorização. Aquilo que ficou dito não inibe este Tribunal de, se assim o entender, fazer apelo directo ao conteúdo de qualquer das referidas mensagens de telemóvel, no processo de formação da sua convicção indiciária. Os factos alegados nos arts. 59º, 60º e 61º da «acusação» contida no RAI encontram-se de alguma forma prejudicados pelo teor do ponto 71 da matéria indiciada. Na verdade, a alegação de que, durante as actividades de praxe académica, os telemóveis dos estudantes intervenientes eram-lhes retirados, como prática corrente e que, no caso em apreço, as vitimas estavam conscientes dessa possibilidade perde interesse perante o facto concreto de os jovens, que vieram a falecer, terem sido privados dos respectivos telemóveis – mas só nessa altura – quando saíram da casa onde permaneceram no fim-de semana de 13 a 15/12/13, para o percurso final de que viria a resultar o seu falecimento, com excepção de AC, que terá conservado o seu. A presente instrução tem por finalidade a eventual pronúncia do arguido G. pela prática de seis crimes p. e p. pelo art. 138º nºs 1 1 als. a) e b) e 3 al. b) do CP. O normativo incriminador em causa é do seguinte teor: 1 - Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: a) Expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se; ou b) Abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir; é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 2 - ... 3 - Se do facto resultar: a) …; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Neste ponto, importa que o Tribunal emita juízo indiciário sobre os factos relevantes para o preenchimento do tipo fundamental dos crimes imputados e da agravante qualificativa que os onera, bem como aqueles que possam contribuir para agravar ou atenuar a responsabilidade criminal do arguido, em termos gerais. Os factos, que culminaram no falecimento das vítimas, tiveram lugar e poderão eventualmente ser censurados ao arguido no quadro da actividade de uma organização, de que faziam parte o arguido e os jovens falecidos, devotada ao exercício da chamada praxe académica. Assim sendo, terá cabimento num eventual despacho de pronúncia do arguido a factualidade relativa àquilo a que poderemos chamar o «contexto relacional» entre o arguido e as vítimas, sobre o qual, de resto, a decisão recorrida se pronunciou em termos muito abrangentes. Pelo contrário, e segundo vimos repetidamente defendendo, não deve o Tribunal acolher na pronúncia (que é como quem diz, também na sentença) factos que não tenham relevo directo, por si próprios ou conjugados com outros, para definição dos contornos da responsabilidade criminal do arguido, mas que revistam interesse meramente instrumental para prova indirecta de outros factos. Finalmente, o Juiz de instrução tão pouco deve formular juízo de indiciação sobre as alegações contidas na peça processual, à qual cumpra delimitar o objecto da sua cognição, que constituam reprodução do conteúdo de meios de prova, juízos de valor ou conclusivos, comentários ou considerações, matéria de direito – em suma, tudo aquilo que não for alegação de facto empiricamente verificável, ainda que de natureza subjectiva. Antes de proceder à exposição da matéria de facto, que julgou, respectivamente, indiciada e não indiciada, o Exmº Juiz de Instrução declarou ter previamente expurgado «as considerações, conceitos de direito e conclusões constantes do requerimento de abertura de instrução. Ainda assim, escapou ao crivo (em geral eficaz) do Exmº Juiz «a quo» um juízo conclusivo, que é o que consta da alínea n) da matéria de facto julgada não indiciada, que o recorrente impugnou e que corresponde, por seu turno, ao teor do artigo 166º da «acusação» que integra o RAI. Abreviando razões diremos que apenas os factos vertidos nos artigos 56º, 57º e 123º da peça que faz as vezes de libelo acusatório se nos afiguram susceptíveis de relevo autónomo para o preenchimento pelo arguido dos ilícitos criminais pelos quais o assistente recorrente pretende que ele seja pronunciado. O conteúdo dos artigos 177º e 178º da peça processual a que nos vimos reportando reconduz-se essencialmente à reprodução de meios de prova. Os factos alegados nos demais artigos da «acusação» do RAI enunciados no ponto VIII das conclusões da motivação do recurso, com excepção dos artigos 200º, 201º e 202º, poderão assumir um interesse instrumental, para o efeito da prova indirecta de outros factos e nessa estrita medida ser investigados por este Tribunal. Quanto aos factos narrados nos referidos artigos 200º, 201º e 202º não vislumbramos outra utilidade para a sua alegação que a de denunciar aquilo que foi, na perspectiva dos assistentes, a inércia da parte das autoridades a quem incumbe o dever legal de investigar no sentido de recolher e preservar a prova indispensável ao apuramento da responsabilidade criminal emergente da morte de seis estudantes universitários, na Praia do Meco, na noite de 14 para 15/12/13. A este respeito, importa dizer que, no estádio em que o processo se encontra, não incumbe a este Tribunal emitir juízos de valor sobre a forma como a investigação foi conduzida, tanto na fase de inquérito como na de instrução (na admissão que esta, pelo menos quando requerida pelo assistente, comporta também um momento investigatório), a não ser na perspectiva de uma eventual invalidação do processado, o que não parece estar em causa, mesmo do ponto de vista do recorrente. Como tal, os factos alegados nos artigos 200º a 202º da «acusação» a que nos referimos carecem de interesse para decisão a proferir. Resumindo, importa que este Tribunal emita juízo de indiciação sobre os factos alegados nos arts. 56º, 57º e 123º da peça que faz as vezes de libelo acusatório e no ponto X das conclusões da motivação do recurso e ajuíze da eventual reversão do juízo emitido pelo Exmº Juiz «a quo» acerca dos factos descritos nas alíneas c), d), e), f), h), i), j), k), l), m), o), p), q), r) e s) da matéria julgada não indiciada. Procedemos à audição do registo sonoro da prova produzida oralmente na fase de instrução. Antes de mais, teremos de reconhecer razão ao recorrente quanto à possibilidade de emissão de um juízo afirmativo de indiciação sobre alguns dos factos que não foram considerados na decisão recorrida e que o recorrente pretende sejam julgados indiciados. Tal é o caso do facto alegado no ponto X das conclusões da motivação do recurso, o qual foi efectivamente confirmado pelo depoimento da testemunha Vanda, inquirida nesta fase de instrução, convergindo, neste ponto, com a testemunha Ana, ouvida durante o inquérito. Diferentemente sucede em relação ao facto alegado no artigo 56º da peça processual, que nesta instrução desempenha o papel de uma acusação, pois as mensagens SMS, invocadas pelo recorrente a este propósito, que foram trocadas entre AG. e o seu amigo Sérgio no dia 6/12/13, entre as 23h09m59s e as 23h18m, apenas permite que, no decurso de uma actividade de praxe, sobre a qual aquela estudante tinha aparentemente poder decisório, uma estudante nela interveniente desmaiou, não sendo possível saber se o desmaio foi originado pelas características da actividade levada a efeito ou se ficou a dever-se a outras causas. Quanto ao artigo 57º da mesma peça processual, o depoimento testemunhal prestado pelo referido Sérgio é de molde a que se dê como indiciado que, no MPC, era proibido aos representantes dos cursos informarem os outros membros do curso do que se passava nos fins-de-semana de praxe. No que se refere ao artigo 123º da «acusação» do RAI, importa verificar que as testemunhas Etelvina (fls. 349), JB (fl. 598) e MB (fls. 600) relataram ter observado um cena que evoca de forma inequívoca os jovens, que vieram a falecer, rastejando e o arguido junto deles, caminhando a pé, mas resulta claro de todo o contexto por elas referido que esse facto ocorreu durante a tarde do dia 14/12/13 e não durante o percurso efectuado na noite de 14 para 15, que havia de terminar com o decesso das vítimas. Como tal, pode essa factualidade ser julgada indiciada, mas com a referida «correcção» temporal. Reportando-nos agora à factualidade sobre a qual o Tribunal «a quo» emitiu juízo negativo de prova indiciária e que o recorrente pretende seja julgada indiciada, diremos que existem elementos suficientes para que possa formular-se um juízo afirmativo de indiciação acerca do facto descrito na alínea c) daquela enumeração factual, na medida em que as testemunhas Ailton (fls. 1002 e segs.), Ana (fls. 1011 e segs.) e Mário (fls. 1051 e segs.), todos estudantes da Universidade Lusíada envolvidos em actividades de praxe, relataram experiências de actividades desta natureza junto do meio aquático. Diferentemente sucede com a matéria vertida na alínea e). Na verdade, de entre as várias mensagens SMS trocadas entre o arguido e os estudantes que vieram a falecer, durante o fim de semana de 13 a 15/12/13, a única que poderá ser interpretada como «incitamento» ao consumo de bebidas alcoólicas por parte do arguido às pessoas que o acompanhavam, é a referida no ponto 50 da factualidade indiciada, que foi enviada pelo ora arguido a AG., em 14/12/13, pelas 14h32m. Como é sabido, a palavra «penalti», fora do seu significado futebolístico original, designa um copo relativamente alto, contendo vinho. No entanto, a factualidade indiciada, de um modo geral, deixa transparecer que as actividades de praxe levadas a efeito no decurso do fim-de-semana em questão foram acompanhadas de um consumo significativo de bebidas alcoólicas, conforme se encontra resumido no ponto 53 dessa matéria de facto. Mais ainda, a generalidade da prova pessoal produzida nos autos, com origem em estudantes da Universidade que era frequentada pelas vítimas e pelo arguido, aponta claramente no sentido de as actividades conotadas com a praxe académica serem associadas a consumos alcoólicos, o que, de resto, corresponde à percepção do comum das pessoas, dispensando-nos nós de maior especificação, por inútil. Assim, no fim-de-semana fatídico, os jovens que vieram a falecer consumiram bebidas alcoólicas, porque isso, de algum modo, fazia parte do «programa» dos chamados fins-de-semana de praxe e não porque a isso tivessem sido concretamente incitadas pelo arguido. Como tal, e sem prejuízo do que consta do ponto 50 da matéria indiciada, não existem indícios de que, no contexto evocado, o arguido tenha especificamente incitado os seus colegas a consumir bebidas alcoólicas e muito menos que o tenha feito como estratagema para impor a sua vontade à deles, tanto mais que não há sinal de que o arguido tenha ficado excluído desses consumos de álcool. Quanto à factualidade descrita na alínea e), temos a dizer que existe notícia do envio e recepção de mensagens SMS entre os jovens que tomaram parte no fim-de-semana em causa, arguido incluído, durante grande parte da madrugada do dia 14 (vd. Pontos 51 e 52 da matéria indiciada) e as testemunhas SG e AD, nos respectivos depoimentos, fizeram à presença de três rapazes (aparentemente, o arguido e os falecidos TC. e PN), no exterior da casa, onde os jovens se alojaram pelas 5h30m do dia 14/12/13. De todo o modo, também não está excluído que os jovens possam ter descansado noutra parte do dia, nomeadamente, durante a manhã, não vislumbrando que o arguido tenha tido então mais oportunidades de descanso do que os seus colegas que então o acompanhavam, pelo que o desgaste físico e psicológico terá sido idêntico. Relativamente à matéria vertida na alínea f), a prova invocada mostra que a estudante CA. teve que levar a efeito 150 «periquitos», mas não que esse número de repetições tenha valido para todos os estudantes presentes e todos os exercícios efectuados. Em relação ao facto constante da alínea h), impõe-se verificar que os depoimentos das testemunhas FC (fls. 1048 e segs.) e AR (fls. 1203 e segs.) não são esclarecedores, sequer por via indirecta, sobre a hora de chegada do arguido e das vítimas à praia onde ocorreu o desenlace fatal. Para o período que medeia entre a chegada do arguido e das vítimas à Praia do Moinho e o momento em que o primeiro contactou o número nacional de emergência 112 não dispomos qualquer elemento de prova pessoa presencial, a não ser o já mencionado depoimento, que o arguido produziu em inquérito, na qualidade de testemunha. Contudo, pelas razões que deixámos expressas supra, mesmo o depoimento testemunhal prestado pelo ora arguido terá de ser «desconsiderado». Na falta de meios de prova pessoal directa dos factos ocorridos no período a que nos reportamos, a tese que factual que os assistentes, no requerimento de abertura de instrução, e o recorrente, na motivação do recurso, pretenderam fazer valer apoia-se em primeira linha, se bem compreendemos, na afirmação da impossibilidade de o arguido ter conseguido escapar com vida, no caso de ter sido colhido pelo mar, juntamente com os seus colegas que o acompanhavam. Na sequência disso, defendem os assistentes, o arguido, depois de ter ligado para o nº 112, logrou simular, perante as pessoas que então o contactaram, o seu «pré-afogamento». Ora, não vislumbramos que, da restante prova produzida, nomeadamente de natureza pericial, possa ser inferido qualquer apoio à tese sustentada pelo recorrente. Em primeiro lugar, conforme se salientou na fundamentação da decisão instrutória recorrida, o resultado do exame de cultura diatomácea efectuado ao vestuário e calçado do arguido foi inócuo para o efeito que nos interessa, tendo permitido apenas admitir como possível que o objecto da perícia tenha estado submerso em água do mar. Seguidamente, de mesmo modo que o Tribunal a quo», não descortinamos nos extensos esclarecimentos prestados em sede de instrução pelo perito médico-legal Dr. JL qualquer sugestão, sequer, de que fosse impossível ao arguido escapar ao afogamento, na hipótese de ter sido arrastado para o mar, juntamente com os seus colegas que faleceram, conforme se julgou indiciado na decisão recorrida. Nesta conformidade, a sobrevivência do arguido a ter sido colhido pelo mar, na companhia das vítimas mortais, pode ter ficado a dever-se, de acordo com na experiência comum, à pura sorte, à vantagem que lhe adveio do facto de ter sido praticante de bodyboard ou ainda a eventualidade, não indiciada, mas também não excluída, de o arguido se encontrar menos próximo da linha da água do que os seus colegas que então o acompanhava, sem que desse facto tenha de resultar a responsabilização criminal do arguido pelas mortes ocorridas. Para além daquilo que é debatido na fundamentação da decisão sob recurso, o perito médico-legal teve ainda ocasião de salientar que a circunstância de o médico, que assistiu o ora arguido na urgência do Hospital Garcia de Orta (HGO), quando este ali foi transportado na sequência dos factos, não ter salientado nele a presença dos sinais exteriores reveladores de ter estado dentro de água em risco de afogamento, não é demonstrativa de que tais sinais não existissem, sucedendo apenas que o médico em causa, Dr. MM não estava sensibilizado para a importância de tal realidade, por não possuir formação específica no domínio da medicina legal. Pelo contrário, a prova pessoal produzida sobre os factos ocorridos posteriormente a ter o arguido contactado o nº 112 aponta claramente no sentido de confirmar a versão factual tido como boa na decisão recorrida. Neste aspecto, afiguram-se-nos particularmente impressivos os depoimentos testemunhais prestados pelos agentes da Polícia Marítima R (fls. 402 e segs.) e T (fls. 406 e segs.), que foram as primeiras pessoas que contactaram com o ora arguido na sequência de este ter accionado o dispositivo do nº 112. Os depoimentos dos referidos agentes da autoridade, que não há razão para não termos por isentos e imparciais, convergem sem margem para dúvidas com a hipótese de o arguido ter acabado de passar por um «pré-afogamento», falando sem rigor científico, ou seja, ter o arguido entrado ou permanecido na água contra a sua vontade, ter corrido perigo de se afogar e ter conseguido escapar com vida, no caso, sem a ajuda de terceiros. Por muito grande que possa ser a capacidade de fingimento do arguido, e não sabemos se o é, custa-nos a acreditar que ele tenha conseguido iludir sobre o seu verdadeiro estado os dois agentes da Polícia Marítima em causa, para mais tratando-se de pessoas com experiência no contacto com esse tipo de situações. O recorrente invoca em apoio da sua pretensão a prova decorrente da diligência efectuada pela PJ, documentada a fls. 603 a 609, da qual resulta que o arguido, ao efectuar com seu telemóvel a chamada para o nº 112, não fez accionar a antena correspondente à zona da Praia do Meco, o que, segundo o assistente, seria demonstrativo de que o arguido não se encontrava naquele local quando levou a efeito essa comunicação telefónica. Todavia, conforme o Tribunal recorrido também justamente salientou, esta última conclusão probatória não é legítima, se tivermos em atenção a informação prestada pela operadora de telecomunicações «Vodafone», segundo a qual a utilização de um telemóvel no local em questão nem sempre tem por consequência accionar a mesma antena, podendo até verificar-se o accionamento de antenas na zona de Oeiras, o que depende de diversos factores. A este propósito, interessará ter presente o nexo de imputação subjectiva ao arguido, na hipótese factual acolhida na «acusação» constante do RAI, da morte por afogamento dos falecidos estudantes. Em nenhum momento, os assistentes imputam ao arguido o ter agido movido para intenção caracterizada de tirar a vida aos seus seis colegas, que o acompanhavam naquele fim-de-semana, fazendo-os, calculadamente, chegar junto da linha da água da Praia do Moinho de Baixo, no Meco, em circunstâncias tais que eles não puderam evitar ser arrastados pelo mar e perecer por afogamento. Se assim tivesse sido, não estaria o arguido a responder por eventuais crimes do art. 138º do CP, mas sim pela prática de outros tantos crimes de homicídio doloso p. e p. pelo art. 131º do CP, eventualmente qualificados nos termos do artigo subsequente. Como tal, na tese dos assistentes, a morte das vítimas é sempre preterintencional em relação à conduta do arguido, pelo que o resultado letal previsto na al. b) do nº 3 do art. 138º do CP, não incluído no tipo propriamente dito, só dá origem à agravação qualificativa cominada nessa disposição legal, quando for censurável ao agente a título de negligência, de acordo com o princípio estabelecido pelo art. 18º do mesmo Código. Na hipótese em que o arguido arquitectado dolosamente as mortes dos falecidos estudantes, o que, devido ao «modus operandi» seguido, lhe exigiria uma longa preparação e reflexão sobre os meios, não surpreenderia que ele se tivesse dado ao trabalho de também urdir uma encenação no sentido de afastar de si as suspeitas de ser o perpetrador dessas mortes, procurando passar também ele por vítima. Independentemente de o desfecho letal dever ser ou não censurado não ao arguido, ao nível jurídico-criminal, o certo é que ele não o desejou e, segundo toda a lógica, não terá preparado a sua forma de reagir caso viesse a ocorrer. Num tal contexto, normal teria sido que o arguido, caso pretendesse livrar-se de responsabilidades, tivesse procurado, antes de mais, passar despercebido e não tivesse, por sua própria iniciativa, alertado as autoridades para o sucedido, como o arguido fez, ao ligar para o nº 112. Por conseguinte, teremos de concluir que não existe fundamento indiciário no sentido de o arguido ter encenado o seu próprio «pré-afogamento», como defendem os assistentes. A restante prova pessoal que incidiu sobre os factos praticados pelo ora arguido depois de ter sido retirado do local de tragédia, concretamente, os depoimentos testemunhais de SA (fls. 807 e segs.) e Dr, MM, respectivamente, enfermeira e médico do HGO, para onde o arguido foi transportado e os do subchefe ES e do chefe JP, ambos da Polícia Marítima (fls. 409 a 415), que acompanharam o arguido à casa onde ele tinha passado o fim-de-semana com os seus malogrados colegas, também é de molde a conferir apoio à narrativa factual da decisão instrutória recorrida, não havendo razões para pôr em causa o poder de convicção atribuído a estes meios de prova. Acima de tudo, a tese factual propugnada pelos assistentes depara-se com uma grande dificuldade, qual seja a de pressupor, pelo menos implicitamente que o arguido, agindo isoladamente, logrou impor a sua vontade à dos seus seis colegas, que o acompanharam no fim-de-semana fatídico, para os expor ao perigo de que veio a resultar a morte deles, em termos de anular ou falsear por completo a vontade das vítimas. De acordo com a experiência comum e a lógica das coisas, um indivíduo isolado só consegue impor a sua vontade ao um maior número de pessoas, em termos de as obrigar a fazer ou a consentir naquilo que não desejam, se tiver à sua disposição meios de coacção ou de adulteração da vontade alheia, pressupondo que não estão em causa pessoas menores de idade ou portadoras de uma qualquer debilidade. A decisão recorrida, na sua fundamentação, fez referência ao facto de as vítimas mortais serem maiores de idade, ainda que dela não se tenha feito constar as respectivas datas de nascimento ou a idade que tinham ao tempo dos factos. Na motivação do recurso, o assistente recorrente não parece pôr em causa tal realidade. De todo o modo, e para que não restem dúvidas, resulta do teor das certidões de assento de óbito das vítimas juntas a fls. 458 a 477 do «Anexo», que mesmas contavam as idades a seguir indicadas, ao tempo do respectivo decesso: - JR., 21 anos; - AC, 22 anos; - TC, 21 anos; - CA, 23 anos; - PN., 24 anos; - AG., 21 anos; verificando-se, assim, que haviam todas atingido a maioridade civil, fixada em 18 anos pelo art. 122º do CC. Desde logo, diremos que a prova produzida e factualidade indiciada não nos fornecem indícios, sequer por via indirecta, de que os estudantes falecidos não tenham estado, durante a sucessão de acontecimentos que veio a culminar nas suas mortes, no uso livre e esclarecido da sua vontade. Assim, foi carreado para os autos um vasto universo de prova consistente em mensagens SMS, que enviadas e recebidas pelos estudantes falecidos, durante o fim-de semana de praxe decorrido entre 13 e 15/12/13. O referido acervo de mensagens SMS reflecte estados de espírito diferenciados da parte dos estudantes que as enviaram, em relação àquilo por que estão a passar, o qual, em alguns casos, é de franco desagrado, como sucede nas mensagens enviadas por AG., reproduzidas no ponto 51 da factualidade indiciada. Todavia, em nenhuma das mensagens carreadas para o processo, transparece a mais leve suspeita de que algum dos estudantes, que vieram a falecer, estivesse a ser coagido no livre uso da sua vontade ou que estivesse de alguma forma iludido ou enganado sobre as características e os propósitos da actividade de que estava a tomar parte. Ainda a propósito das mensagens SMS, não se nos afigura que o conteúdo da comunicação reproduzida no ponto 46 da matéria de facto indiciada seja revelador de que a estudante JR., que a enviou, estivesse a recear pela sua vida, no fim-de-semana em que veio a falecer. Na referida mensagem, enviada em 13/12/13, pelas 19h52m, a mesma estudante escreveu «Tou para ver se sobrevivo». Ora, quando alguém tem razões sérias para acreditar que um perigo ameaça a sua vida, o normal que procure, por todos os meios ao seu alcance, colocar-se ao abrigo desse perigo ou, se tal não estiver dentro das sua possibilidades, mas podendo a pessoa contactar à distância com terceiros, tentar obter a ajuda de terceiros, mas não tece «considerações» sobre as suas expectativas de sobrevivência. Neste contexto, não pode deixar de ser atribuída conotação humorística e irónica à mensagem reproduzida no ponto 46 da factualidade indiciada. A este respeito, importa ainda que tenhamos presente que todos os estudantes falecidos, sem excepção, exerciam, no quadro da organização dedicada ao exercício da praxe académica na Universidade Lusófona, o cargo de representante do respectivo curso, o que os colocava, dentro da hierarquia do organismo, logo abaixo do «Dux», posto que incumbia ao ora arguido. Como tal, poderemos afirmar, sem receio de erro, que os estudantes falecidos se encontravam profundamente integrados no espírito, nas práticas e nos objectivos da praxe académica, pelo que não eram, longe disso, estudantes inexperientes («caloiros» na acepção corrente do termo) que os «praxistas» tivessem decidido unilateralmente tiranizar ou maltratar, sem que esta constatação envolva o mínimo juízo negativo sobre as suas pessoas ou seu comportamento. No entanto, o evocado enquadramento torna ainda mais inverosímil, se possível, que o arguido tenha conseguido impor a sua vontade aos seus colegas, que então o acompanhavam, em termos de os levar a fazer ou a aceitar coisas que, em circunstâncias normais, não fariam ou não aceitariam. Dos pontos 54 a 56 da matéria de facto resulta que a autópsia feita na pessoa de TC. revelou que este era portador de um grau de alcoolemia de 0,85 g/l, além da presença de canabinóides no sangue, sendo de admitir, por efeito destas substâncias, um certo grau de perturbação da coordenação motora da percepção e das funções cognitivas e afetivas com interferência na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco para a sua integridade física ou vida, tendo em conta a hipotética situação de aproximação à linha de água na Praia do Meco, na noite de 15/12/13. Relativamente aos restantes estudantes, apenas se indiciou que tinham uma quantidade não apurada de álcool no sangue, sem referência canabinóides (ponto 83 da matéria indiciada) Perante o descrito circunstancialismo, apenas se nos oferece dizer que a factualidade indiciada nos autos e a prova produzida não nos dão razões para acreditar que o eventual risco acrescido para integridade física e para a vida dos estudantes, que vieram falecer, decorrente do consumo de bebidas alcoólicas por parte deles e, no caso de TC., também de canabinóides, não tenha sido por eles livre e conscientemente assumido, como pessoas autónomas e responsáveis que são. Nesta ordem de ideias, teremos de manter inalterado o juízo de negativa de indiciação emitido pelo Tribunal «a quo» sobre os factos descritos nas alíneas i), j), k), l), m), o), p), q) r) e s) da matéria não indiciada. Consequentemente, julgamos suficientemente indiciados os factos a seguir enunciados, que não foram considerados na decisão recorrida ou nela foram julgados não indiciados: - Nos fins-de-semana de "MPC" era o DUX quem definia as praxes que iriam ser executadas, não tendo os representantes de curso conhecimento a que iriam ser sujeitos; - Era proibido aos representantes dos cursos informar o que se passava nos fins-de-semana de praxe; - Na tarde de 14/12/13, o arguido, enquanto as vítimas rastejavam, permanecia de pé a andar lentamente, ao mesmo ritmo em que estes rastejavam; - Os elementos do «COPA» tinham especial gosto no exercício de actividades praxistas junto do elemento água como piscinas e lagos. Cumpre agora averiguar se a alteração da matéria de facto indiciada implica a alteração da decisão de direito, tomando como referência o normativo incriminador do art. 138º nºs 1 als. a) e b) e 3 do CP, que oportunamente deixámos transcrito. Para o efeito, seguiremos de perto a doutrina expendida por J. M. Damião da Cunha, em «Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo I, págs. 116 a 125. O tipo criminal do nº 1 do art. 138º do CP comporta duas modalidades de acção típica, uma descrita na al. a) deste dispositivo, a que poderemos chamar «exposição» e outra prevista na al. b), que corresponde ao «abandono». Se bem entendemos, quando o agente passivo do crime seja uma pessoa maior de idade e não portadora de uma deficiência ou debilidade, que o afecte de forma relevante no uso da sua vontade ou na sua capacidade de defesa perante o agente activo, a modalidade de acção típica prevista na al. a) só se verifica quando o agente activo tenha lançado mão de meio idóneo a coagir a vontade do agente passivo ou adequado a falsear ou adulterar a formação desta. Dito por outras palavras, nunca poderá haver «exposição» sempre que o agente passivo permaneça no uso livre e esclarecido da sua vontade. Veja-se, nesse sentido, a opinião doutrinária a que fizemos apelo (aut. cit., op. cit., pág. 120): «A forma como se verifica a exposição é indiferente: não é necessária a violência, bastando a ameaça, o ardil ou a astúcia que motive a vítima a aceitar a deslocação de lugar. Pode também a exposição resultar do aproveitamento de uma incapacidade da própria vítima». Conforme já aflorámos, a factualidade indiciada não inclui qualquer acto da parte do arguido idóneo a obrigar, por meio de violência, ameaça ou outro meio semelhante, os seus colegas que vieram a falecer a sujeitarem-se, contra a sua vontade, ao perigo de morrerem afogados, como efectivamente veio a acontecer, na Praia do Moinho de Baixo, na noite de 14 para 15/12/13. Tão pouco ficou indiciado que o arguido, no mesmo contexto espácio-temporal, tenha tido algum comportamento susceptível de induzir nos estudantes que então o acompanhavam alguma falsa representação sobre a situação de facto, em termos de adulterar a formação da sua vontade. Poderá colocar-se a questão de saber se o facto de todas as vítimas se encontrarem, na altura, alcoolizadas em maior ou menor grau é de molde a funcionar como uma «incapacidade» das mesmas, com ao preenchimento da modalidade de acção típica que nos ocupa. Como já referimos, a autópsia feita ao estudante TC. revelou um grau de alcoolemia de 0,85 g/l e a presença de canabinóides no sangue. Com base nessa constatação, o perito do INML admitiu, como possibilidade e não como certeza, um certo grau de perturbação da capacidade intelectual e decisão de TC. em sede de avaliação do risco para a sua integridade física e a sua vida, aquando dos factos que culminaram na sua morte por afogamento. Relativamente às restantes vítimas, o Tribunal recorrido julgou indiciado apenas que tinham uma quantidade não apurada de álcool no sangue. Nesta conformidade, aquilo que indiciariamente se apurou sobre o estado de influenciado por álcool e canabinóides, em que TC. se encontrava, na noite em que veio a falecer, não é suficientemente preciso nem detalhado, em termos de poder concluir-se que a sua capacidade de avaliação e decisão estava afectada ao ponto de ter aceite expor-se ao perigo de morrer afogado, e que não teria aceite se estivesse no seu estado normal. O raciocínio agora formulado para TC. vale, por maioria de razão para as demais vítimas, já que, em relação a elas a factualidade indiciada é ainda menos concludente. A isto acresce que, tendo as vítimas falecido, não se nos afigura plausível que, caso o processo houvesse de prosseguir para julgamento, viesse a ser possível a obtenção, nessa fase processual, de um melhor conhecimento probatório da eventual influência perturbadora do álcool e de outras substâncias de efeito semelhante sobre a capacidade de avaliação e decisão das vítimas em relação aos perigos que os ameaçavam, na noite fatídica. O crime p. e p. pelo art. 138.º do CP, em qualquer das suas variantes, só é passível de punição a título de dolo e não de mera negligência. Neste contexto, a conduta do arguido só poderia relevar para preencher o tipo criminal se ele se tivesse apercebido de que a capacidade de avaliação e decisão das vítimas se encontrava perturbada e tivesse conscientemente tirado partido disso, no sentido de as sujeitar ao perigo de serem arrastadas pelo mar e morrerem por afogamento, o que, para além de não constar da factualidade indiciada, não é de modo algum evidente, pois não está excluído que também o arguido se encontrasse então sob a influência do álcool. Tudo visto, teremos de concluir que a matéria de facto indicada não integra a modalidade de acção típica prevista na al. a) do nº 1 do art. 138º do CP, incluindo na vertente do aproveitamento de uma incapacidade da vítima. No que se refere à modalidade de acção tipificada na al. b) do mesmo normativo, o seu preenchimento afigura-se-nos à partida comprometido, porquanto da sequência factual indiciariamente apurada não resulta que o arguido tenha tido a oportunidade e a possibilidade de tentar salvar algum dos estudantes que o acompanhavam, na Praia do Moinho de Baixo, na noite de 14 para 15 /12/13, quando os mesmos foram arrastados pelo mar, sendo que, fora dessa hipótese, não se concebe o «abandono». Com efeito, ninguém pode ser censurado por não ter salvo alguém a quem não teve a oportunidade ou a possibilidade de salvar, independentemente de saber se estava ou não constituído no dever específico de o fazer. No entanto, tendo em atenção que o recorrente, nesta parte, colocou a tónica da sua argumentação no dever que impenderia sobre o arguido, aquando dos factos, de zelar pela segurança das vítimas, analisaremos também esta questão. De acordo com a matéria julgada indiciada na decisão recorrida, a sequência de acontecimentos, que veio a culminar na morte de seis estudantes da Universidade Lusófona, teve lugar no quadro de um fim-de-semana dedicada a actividades de praxe académica (entre 13 e 15/12/13) organizado pelo COPA, que era, naquela Universidade, o organismo vocacionado para a promoção e o exercício dessas actividades e do qual faziam parte tanto as vítimas mortais como o arguido. Na estrutura do COPA ao tempo dos factos, o arguido ocupava o cargo de «Dux», o que o tornava chefe supremo do organismo, e as vítimas eram representantes dos respectivos cursos, o que lhes conferia uma posição de dirigentes, mas subordinados ao «Dux». Com eventual interesse para a questão que nos ocupa, este Tribunal julgou indiciado que as actividades dos fins-de-semana eram determinadas exclusivamente pelo «Dux». Tanto quanto sabemos, pelo menos na vigência do actual regime constitucional, as práticas estudantis correntemente denominadas «praxe académica», bem como os grupos de estudantes mais ou menos organizados que se dedicam ao exercício desta, não foram objecto de tratamento legal, seja para as legitimar, seja para as reprimir, seja para as regular. Apesar disso, não é correcto dizer-se que nos encontramos perante um «espaço livre de direito» pela simples razão de que tais «espaços», num Estado de Direito, não podem existir, pura e simplesmente. Como tal, as referidas actividades mostram-se sempre limitadas pelas leis gerais: penais, civis e outras. Conquanto não violem os limites impostos pelas leis gerais, as actividades de praxe académica serão lícitas, ao abrigo do princípio geral de liberdade, que também vigora na nossa ordem jurídica, segundo o qual aos indivíduos é permitido fazer aquilo que a lei lhes não proíbe. Dito isto, não significa que os «Códigos» aceites pelos estudantes que se dedicam a actividades de praxe académica e as declarações por eles emitidas nesse contexto possam ser instrumento idóneo de constituição de direitos e deveres com dignidade jurídica (sem prejuízo, naturalmente, dos direitos e deveres que decorrem da própria lei), porquanto o fenómeno da praxe se situa indubitavelmente no terreno do lúdico e da brincadeira, não estando vinculado à prossecução de uma finalidade social séria. Nesta ordem de ideias, não obstante a subordinação hierárquica das vítimas ao arguido, no organismo promotor da praxe, e o facto de o segundo ter sido o «mentor» das actividades desenvolvidas no fim-de-semana fatídico, não faz sentido dizer que o arguido se encontrava então constituído nalgum dever de garante da segurança dos seus colegas, que o acompanhavam, pois estes em nada haviam abdicado da sua autonomia jurídica, sendo cada um deles responsável pela garantia da sua própria segurança perante os perigos que na altura pudessem ameaçar a sua integridade física ou a sua vida. Consequentemente, também por não estar o arguido investido no dever de garante da segurança das vítimas, fica inviabilizada o preenchimento da modalidade de acção típica da al. b) do nº 1 do art. 138º do CP. Assim, considerada a prova indiciária no seu conjunto, teremos de concluir que, caso o processo tivesse de prosseguir para julgamento, uma ulterior absolvição do arguido dos seis crimes de exposição e abandono, que lhe são imputados no RAI dos assistentes, se antevê como francamente mais provável do que a sua condenação. Nesta conformidade, não poderia o Tribunal «a quo» ter deixado de proferir decisão instrutória de não pronúncia, estando recurso votado à improcedência. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça. Notifique. Évora, 19/01/16 (processado e revisto pelo relator) Sérgio Bruno Povoas Corvacho João Manuel Monteiro Amaro |