Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1416/04-1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 03/08/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário:
No caso de os arguidos produzirem e comercializarem um modelo industrial que imita o modelo industrial registado pelo INPI a favor da assistente, entre a violação do direito privativo protegido pela previsão do art.º 263.º al.ª c), do CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, e a concorrência desleal p. e p. pelo art.º 260.º do mesmo diploma ou actualmente mais favoravelmente ao agente prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, há um concurso aparente, a resolver em termos de subsidiariedade. As normas valorativas da concorrência desleal, no caso a al.ª a) do art.º 260.º cederá perante as regras mais precisas da tutela do direito privativo acautelado pela previsão do art.º 263.º al.ª c).
Decisão Texto Integral:
Processo nº 1416/04-1

I
Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular n.º…, do Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, responderam os arguidos A, B e C, acusados de terem cometido um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c) e um crime de concorrência desleal, p. e p. pelo art.º 260.º al.ª a), ambos do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1.
D e E, constituíram-se assistentes nos autos.
Realizado o julgamento, foram os arguidos condenados, além do mais:
-- Os arguidos A., C. e B., , pela prática de um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, na pena de duzentos dias de multa à razão de quatro euros por dia, o que perfaz a multa de oitocentos euros;
-- A arguida A.,.. , pela prática da contra-ordenação de concorrência desleal, prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, de 5-3, na coima de 3.000 euros; e
-- Cada um dos arguidos C. …, e B. …, pela prática da contra-ordenação de concorrência desleal, prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, de 5-3, na coima de setecentos e cinquenta euros.
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Inconformados com o assim decidido, os arguidos interpuseram o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 1 a 22, inclusive, não pode ser aplicado o dispositivo legal da Concorrência Desleal aos arguidos, porquanto o direito privativo previsivelmente lesado pelos arguidos tem salvaguarda específica contemplada no CPI, prolatado no art°. 322, al. a), do CPI (263° anterior);
2°.- Existe um único bem jurídico salvaguardado por dois dispositivos distintos. O acto presumivelmente violador de um direito privativo é o mesmo que presumivelmente viola a leal concorrência, sendo a sanção a aplicar correspondente à violação daquele - funcionando, deste modo - o afastamento da norma geral pela norma especial;
3°.- Não existe pedido de indemnização civil por parte dos assistentes, remetendo-se a operatividade do art°. 317° e 331° (260° anterior) para o campo das respostas civis, defendendo-se o carácter inconstitucional da sua dimensão penal;
4°.- No que concerne aos actos susceptíveis de criar confusão, independentemente do meio utilizado, o facto de não haver no art°. 317° do CPI (260° antigo) a descrição típica das condutas que a originam afasta a tutela penal, independentemente da descriminalização da conduta;
5°.-- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 30 a 44, 52, 53, 82 e 83, não existe imitação, em qualquer dos subtipos apontados pela doutrina dominante, do modelo industrial licenciado à E. …, por parte dos arguidos, pelo que, inexistindo imitação, inexiste confundibilidade;
6°.- Não foi feita prova que, embora os produtos de A. …, e E. …, sejam semelhantes, dela resultaram equívocos ou trocas no consumidor;
7°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 87 e 89, não foi feita prova que os consumidores confundiam ambos os modelos, aliás, a prova produzida foi em sentido oposto, uma vez que todas as testemunhas foram unânimes em referir que as peças, embora semelhantes, não eram de todo iguais;
8°.- Em conclusão ao que foi referenciado no artigo nº 90, não foi feita prova que os consumidores associavam as empresas E. …, e A. …, , pelo facto de haver dois produtos semelhantes no mercado;
9°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 45 a 47, a figura da imitação é posta de lado, logo a confundibilidade entre os modelos, pelo facto de ambas as peças se apresentarem no mercado diferenciadas pelas respectivas marcas de quem as fabrica e comercializa - " Uma das formas mais importantes dos actos de confusão consiste na chamada imitação servil, que se traduz na exacta reprodução dos produtos dum concorrente, quanto às suas características peculiares de formato, confecção ou apresentação (..). A maioria dos autores entende, porém, que a imitação servil só é proibida enquanto acto susceptível de criar confusão entre os produtos, e, por isso, tem de provar-se a verificação deste perigo de confusão, sempre que ele não existir, porque, por exemplo, os produtos, ainda que formalmente idênticos, estão diferenciados por marcas distintas, não se verifica aquela imitação" (sublinhado nosso) (Jorge Paúl, Concorrência desleal, 162/165).
10°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 54 a 64 e 88, ambos os modelos foram diferenciados pelos peritos médios, critério objectivo de distinção entre modelos subjectivamente semelhantes;
11 °.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 66 a 68, 71 a 76, o modelo licenciado à E. …, carece de originalidade, uma vez que caiu há muito no domínio público;
12°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 69, 70 e 84, a A. … comercializa calçada portuguesa desde 1984, e calçada de encaixe na imitação da calçada portuguesa desde 1995.
13°.- Todos os modelos apresentados em juízo são na imitação da calçada portuguesa;
14°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 85 e 86, a regra geral do comércio e sã concorrência é a da livre imitabilidade, no sentido de obstar a que se criem situações de mercado monopolistas, de tipo corporativas;
15°.- Em conclusão ao que foi referenciado nos artigos n°s 92 a 94, existe, pelo menos desde 1984, um modelo industrial registado em Espanha que ilustra e reproduz o mesmo licenciado à E. …;
16º.- A A. …, existe como fábrica de mosaicos desde 1974, e sempre se dedicou ao fabrico de mosaicos e peças em betão para pavimento e revestimento. O objecto de fabrico e comercialização sempre foi as placas de betão, e, como se disse, fabrica calçada portuguesa desde 1984. A maquinaria, moldes e outros factores de produção não foram adquiridos nem ajustados para elaborar a "imitação", não foram copiadas formas de fabrico, não foram feitas pesquisas de espionagem.
17°.- A placa de encaixe tipo A. …, surge naturalmente, por força da evolução das placas, das suas próprias placas que ainda comercializa, como em tudo no comércio e indústria. Não aceitar a evolução, seria não aceitar a evolução da tecnologia e excluir a revolução industrial da história do mundo.
18°.- Ao invés do que se afirma no factos provados n°s 7 e 8, não foi provado qualquer tipo de benefício, muito menos ilegítimo - Daí existir uma grave contradição entre a prova produzida e aquela firmada como provada;
E já depois de, em epílogo, ter dito que pretendia a absolvição dos arguidos, ainda acrescentou o seguinte:
Quanto à matéria de facto dada como provada nos art°s 7 e 8, requer-se, nos termos do art°.690°-A, n° 2, por remissão para o art°. 522-C, ambos do CPC, que sejam indicados pelo Mm°. Juiz "a quo" os depoimentos de onde conste de onde foi retirada a prova, porquanto não vislumbramos em qualquer depoimento o alcance de benefício dos arguidos em detrimento da assistente, muito menos ilegítimo.
Requer-se que sejam ouvidos os meios áudio em articulação com a acta de audiência de onde conste de onde foi retirada a prova, porquanto não vislumbramos em qualquer depoimento o alcance de benefício dos arguidos em detrimento da assistente, muito menos ilegítimo.
Para prova dos factos dados como não provados com os n°s. 27 a 29, constantes da contestação, e que os arguidos consideram como provados, requer-se que, com recurso à acta, nos termos do prolatado nos art°s. 890°-A, n°2 e 522°-C, sejam ouvidas os seguintes depoimentos das testemunhas: … que de seguida descriminou, com referência à gravação da prova.
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O Ex.mo Procurador Adjunto do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:
1- Dispõe o nº do art° 412° do Código de Processo Penal:
«versando sobre matéria de direito, as conclusões do recurso indicam ainda, sob pena de rejeição:
a) as normas jurídicas violadas...»
2 - Fazendo a devida análise ao teor das conclusões finais do recurso apresentado pelos arguidos, verifica-se que no seu âmbito não são indicadas quais as normas violadas pelo tribunal "a quo". Aliás, em nenhuma parte do texto do recurso se faz alusão a tais normas ou preceitos legais.
3 - O acórdão nº 320/2002 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República - Série I - A , de 7/10/2002, veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do art° 412° nº 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tenha como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.
4 - Face ao exposto entendemos que "in casu", antecedendo a efectiva apreciação da questão de mérito do recurso, deverão os arguidos ser notificados para, no prazo que lhes for designado, suprirem o suscitado vício de falta de indicação das normas jurídicas violadas (alínea a do nº 2 do art° 412°), sob pena de rejeição parcial (apenas em sede da matéria de direito) do recurso apresentado.
5 - O que se protege com a incriminação da reprodução ou imitação de modelo ou desenho industrial - art° 263 alínea c) do C.P.I. é a "propriedade" de tais modelos ou desenhos, enquanto que o que se visa defender, em primeira instância, no ilícito contra-ordenacional p. e p. pelos art°s. 317° e 333° do D.L. 36/03, de 5/3 - concorrência desleal -é o interesse geral do comércio ou industria se processarem em termos de regular concorrência.
6 - Sendo diferentes os bens jurídicos tutelados por cada um dos ilícitos supra-referidos, os arguidos, com as suas condutas, violaram dois bens jurídicos distintos e de diferente natureza, pelo que, em nosso entender, verifica-se "in casu" uma situação de concurso efectivo de normas.
7 - Bem andou, pois, a Mm.ª Juiz "a quo" ao condenar os arguidos pela prática de ambos os ilícitos, não tendo sido violado o disposto no nº 1 do art° 30° do Código Penal.
8 - O vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art° 410 n°2 alínea a) do Código de Processo Penal, para além de ter que resultar do texto da decisão recorrida, deve ser de tal forma evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, ao homem médio.
9 - Dito por outras palavras, o conceito de erro notório na apreciação das provas tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observada pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório.
10 - Tem ainda sido entendido por alguma doutrina - cfr. Simas Santos e Leal Henriques "in" Código de Processo Penal Anotado - que o vício de erro notório na apreciação da prova verifica-se, por exemplo, "quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica e notoriamente violadora das mais elementares regras da experiência comum."
11 - Ora, com tal amplitude, não vislumbramos o apontado vício no texto da douta sentença recorrida.
12 - Para concluir no sentido da verificação do requisito "reprodução ou imitação total ou parcial de um modelo industrial", exigido pelo tipo legal do ilícito p. e p. no art° 263° alínea c) do C.P.I., melhor dizendo, para dar como assente que os arguidos "imitaram" o modelo industrial à E…, sem autorização desta, e que tinham plena consciência desse acto, baseou-se a Mmª juiz "a quo" nos seguintes elementos de prova:
- As declarações dos arguidos singulares prestadas em audiência de julgamento, os quais confirmaram peremptoriamente terem produzido e comercializado a partir de 1998 o modelo de encaixe identificado a fls. 31 dos autos afirmando ainda que sabiam que o registo do modelo em causa havia sido recusado por confundibilidade com o modelo da E. …, identificado a fls. 25 dos autos
- Os depoimentos das próprias testemunhas de defesa,…, …,…, …. e …, os quais, para além de, confirmarem o fabrico e comercialização dos referidos modelos por parte da A. …, admitiram unanimemente que as "placas" em causa, embora não fossem de todo iguais, eram semelhantes.
- Análise comparativa entre as "placas" ou modelos produzidos e comercializados pela E. …, e pela A. …, retratados de forma claramente visível, nas figuras constantes de fls. 25 e 31 dos autos, respectivamente. (Do simples exame comparativo entre os dois modelos, resulta, a nosso ver, que as formas de ambos, sob o ponto de vista geométrico ou ornamental, são efectivamente confundíveis, apresentam, tal como refere a Mma Juiz a quo, "mais semelhanças do que diferenças)
- O teor do documento constante de fls. 52 a 57 dos autos requerimento datado de 17/6/1998, através da qual a A. …, solicita ao I.N.P.I. o registo do modelo industrial nº … .
- O teor do documento constante de fls. 87 dos autos - certidão emanada do Instituto da Propriedade Industrial, comprovativa da atribuição, em 16/10/1998, à E. …,, de licença para exploração do modelo industrial nº …, registado em nome de F. ….
- O teor do documento constante de fls. 208 a 215 dos autos certidão emanada do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, comprovativa da decisão de recusa do registo do modelo industrial nº …, por confundibilidade com o modelo industrial …, bem como da publicação de tal decisão no Boletim da Propriedade Industrial nº .../…, editado em … de….
- Fotografia de fls. 670 dos autos, onde consta fotografado o stand que a A. … apresentou no certame comercial de …, sendo ali visível a exposição ao público das "placas" que aquela pretendeu registar.
13 - Dos elementos probatórios atrás referidos, conjugados entre si e com as regras de normalidade e da experiência comum, resultam a nosso ver, vários factos ou dados materiais que evidenciam claramente a verificação "in casu" do requisito "imitação total ou parcial de modelo industrial, sem consentimento do seu titular ", exigido pelo crime p. e p. no art° 263° do D.L. 16/95.
14 - Dito de outra forma, tais elementos de prova complementam-se entre si de forma racional e lógica, demonstrando nitidamente a prática de actos objectivos dos arguidos que preenchem o tipo de infracção em análise, ou seja que revelam quer a existência de "imitação" do modelo industrial licenciado à E. …, quer a vontade conscientemente dirigida dos arguidos de imitarem ou reproduzirem esse modelo, sem autorização daquela empresa, quer, por último, o alcançar pelos mesmos de um beneficio ilegítimo, com o inerente prejuízo da E. …,.
15 - E não é o facto das testemunhas de defesa terem apontado ou referenciado a existência de diferenças entre os ditos modelos que impede ou prejudica tal conclusão, uma vez que é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência portuguesa que para se constatar a prática de imitação de modelo industrial deve atender-se fundamentalmente às semelhanças entre o modelo protegido e o modelo infractor, deve averiguar-se se as semelhanças suplantam as diferenças, através de uma observação geral e não de pormenor - cfr. a titulo de exemplo o Acórdão da Relação de Lisboa de 01/051965, publicado no B.M.J. nº 12 /1965, bem como Justino Cruz "in" C. Propriedade Industrial Anotado - 2' edição.
16 - Com efeito, tal como sabiamente se refere pelo I.N.P.I. na fundamentação do despacho de recusa do pedido de registo do modelo …, solicitado pelos arguidos: «o modelo registando relativamente ao M.I… nenhum elemento novo apresenta, e as novas disposições ou combinações de elementos conhecidos e já usados não lhe imprimem um aspecto geral distinto. No caso em apreço... há mais repetição que inovação.
... A existência de topos iguais nas extremidades do modelo registando ao contrário do M.I. …, bem como a apresentação naquele de menos um gomo entre as extremidades, parece-me não serem dissemelhanças suficientes para conferirem ao modelo registando um aspecto geral distinto, quando comparado com o M.I. …, uma vez que no modelo registando houve uma repetição dos elementos mais caracterizadores do M.I. ….
17- Da análise do documento de fls. 1126 e sgs., verifica-se que o mesmo se reporta a um pedido de registo de modelo industrial apresentado em … na Oficina Espanhola de Patentes Y Marcas, o qual tem por objecto um paralelepípedo tridimensional, com uma forma claramente especificada, realidade bem diferente do objecto do modelo industrial nº …, que é constituído por uma placa de encaixe em betão, de forma irregular, tal como se descreve no respectivo certificado de registo.
18 - Assim sendo, é fácil concluir que o referido modelo industrial espanhol não é susceptível de prejudicar a originalidade ou novidade do modelo licenciado à E. …, nem de afectar a presunção de exclusividade que a este último é conferida pelo respectivo registo.
19 - Os recorrentes apreciaram a prova produzida nos autos de uma forma distorcida, ignorando tudo quanto não se encaixava na lógica da absolvição e ultrapassando todos os obstáculos de prova e da lógica para atingirem o resultado pretendido "a Absolvição" .
20 - Deve pois o recurso apresentado ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a douta sentença, a qual, a nosso ver, não merece censura nem violou qualquer disposição legal.
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Também a assistente E. …, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1ª. A douta sentença recorrida não merece reparo ou censura, não incorrendo nem em violação de normas jurídicas aplicadas nem em erro notório na apreciação da prova.
2ª. A verdade é que foram as próprias testemunhas dos arguidos que se perderam em depoimentos cujo teor não é susceptível de abalar a convicção do julgador quanto à prática dos crimes por que foram acusados, pronunciados e julgados.
3ª. O que resulta provado, e que a douta sentença corrobora, é que os arguidos sabiam estar a infringir um modelo industrial registado, o que, não obstante, não os inibiu quanto à apresentação de um pedido de registo semelhante ao já registado.
4ª. Vindo porém esse pedido de registo a ser recusado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por confundibilidade com o modelo industrial do qual a assistente é licenciada.
5ª. Ainda assim, continuaram os arguidos a produzir e comercializar placas de encaixe em betão que imitavam as placas que constituíam objecto do modelo industrial registado nº ….
6ª. Os meios legais utilizados e os elementos carreados para o presente processo com vista a demonstrar a falta de novidade do modelo industrial nº … não procederam, pelo que este se tem de considerar válido e, como tal, plenamente oponível a quaisquer outros objectos que o imitem ou que por qualquer forma lhe estejam próximos.
7ª. Nos modelos industriais protege-se a forma dos objectos ou a sua aparência, sob o ponto de vista geométrico ou ornamental, sendo que as placas produzidas e comercializadas pelos arguidos terão de ser comparadas apenas sob este aspecto.
8ª. Os arguidos trouxeram ao processo a discussão sobre outras características das placas, que em nada relevam para a discussão da questão em apreço, qual seja a de saber se quanto à forma dos produtos, as referidas placas são ou não semelhantes
9ª. Na verdade, a calçada à portuguesa, o sistema de encaixe, o efeito de junta, o modo de aplicação, nada tem que ver com a forma das placas.
10ª. Quando muito, tais características, que no fundo se prendem com a melhoria ou a utilidade do objecto, poderiam ser consideradas em sede de modelos de utilidade... mas a discussão é sobre modelos industriais, que são duas figuras distintas.
11ª. Todas as testemunhas indicadas pelos arguidos são pessoas que, por dever de ofício, conhecem à exaustão as placas em causa, de uma e outra empresa, estando assim particularmente habilitadas a ver as suas diferenças.
12ª. Para mais, essas diferenças assinaladas incidem sobre pormenores ou características relacionadas com a sua utilização e/ ou aplicação, não sobre a forma das placas.
13ª. Para indagarmos sobre a imitação de modelos industriais, devemos ater-nos às semelhanças que resultam do conjunto, e não sobre pormenores isoladamente considerados.
14ª. Em qualquer caso, e no que à forma diz respeito, todas acabaram por concluir que a mesma é semelhante.
15ª. Decidiu correctamente a douta sentença recorrida, dando por praticados o crime de violação de direitos exclusivos relativos a modelos industriais e a contra-ordenação por concorrência desleal, pelo que não há qualquer violação das normas jurídicas aplicadas.
16ª A verdade é que estamos perante realidades diferentes, sendo o propósito das respectivas normas incriminadoras dar protecção a diferentes bens jurídicos.
17ª. Num caso estamos perante o direito de propriedade sobre um bem imaterial, na perspectiva em que através dele se protege uma determinada utilização exclusiva desse bem, e noutro na tutela da concorrência em si considerada, de modo a que esta se processe de uma forma leal e honesta.
18ª. Estamos assim perante um concurso real e efectivo de crimes ou infracções, e não perante um concurso aparente de normas.
19ª. Assim, praticaram os arguidos o crime de violação de direitos exclusivos relativos a modelos industriais, p. e p. no art. 263° do CPI de 1995, pois provou-se que de facto as placas por si produzidas e comercializadas eram confundíveis com aquelas que constituem objecto do modelo industrial da assistente.
20ª. Não procedeu a tentativa dos arguidos de afastar a presunção legal de exclusividade do modelo industrial nº 26997, já que a acção judicial tendente a obter a declaração da respectiva nulidade foi considerada improcedente.
21ª Os arguidos praticaram ainda a contra-ordenação de concorrência desleal, pois provou-se que comercializaram e publicitaram placas que imitam o modelo industrial nº …, o que constitui acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade.
22.ª Do mesmo modo, não há erro notório na apreciação da prova, simplesmente, a prova que os arguidos produziram, porque inócua e irrelevante, não foi suficiente para afastar a convicção do julgador, alicerçada em todos os demais elementos probatórios constantes do processo
23.º Isto não é erro notório na apreciação da prova.
24° As motivações dos arguidos são desprovidas de qualquer fundamento, insusceptíveis de abalar a douta sentença recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.
II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:
1) A sociedade arguida dedica-se ao fabrico e comércio de mosaicos hidráulicos e outros produtos derivados de betão, sendo os arguidos B. …, e C. …, sócios gerentes, competindo-lhes como tal, e nomeadamente, decidir que produtos são fabricados e comercializados pela sociedade, bem como tomar as diligências necessárias a que tal seja possível.
2) No âmbito dessa sua actividade, os arguidos, desde pelo menos 1998, começaram a fabricar e a comercializar lajes para pavimentos em blocos de encaixe em betão, com as características descritas a fls. 54 - laje para pavimentação por encaixe que apresenta como motivo decorativo e geométrico o facto de ser atravessada por traços largos, descontínuos e irregulares, em baixo relevo liso e cor de destaque, com superfície rugosa, com relevos irregulares - tendo em 17 de Junho de 1998 requerido ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo daquele Modelo Industrial.
3) Tal registo de Modelo Industrial, ao qual coube o n° …, foi recusado por confundibidade com o Modelo Industrial n° …, nos termos da al. a) do art. 158, com referência à al. c) do art. 143, al. a) e c) do n° 2 do art. 144 e art. 139, todos do Código da Propriedade Industrial, tendo o respectivo aviso de recusa sido publicado no Boletim da Propriedade Industrial n° …. .
4) Foi, nomeadamente, considerado que o modelo registado não apresentava nenhum elemento novo relativamente ao MI …, e que as novas disposições ou combinações de elementos conhecidos e já usados não lhe imprimiam um aspecto geral distinto.
5) O Modelo Industrial … foi concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial por despacho de 28 de Julho de 1997 a D. …, tendo sido concedida licença de exploração em 16 de Outubro de 1998 à assistente E. …,.
6) Pese embora os arguidos tivessem perfeito conhecimento de que o registo do Modelo Industrial … havia sido recusado e qual o motivo de tal recusa, continuaram a fabricar e comercializar as lajes em betão correspondentes ao mencionado Modelo Industrial.
7) Bem sabiam os arguidos que estavam, assim, a imitar e reproduzir totalmente um modelo industrial já registado sem consentimento do seu titular, tendo querido e conseguido alcançar um benefício ilegítimo.
8) Bem sabiam, igualmente, os arguidos que o fabricarem, comercializarem e publicitarem as referidas lajes em betão era susceptível de criar confusão com as lajes cujo modelo se encontra registado a favor dos assistentes e que tal era um acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, e ainda assim o fizeram com o intuito de alcançarem para si um benefício ilegítimo.
9) Os arguidos B. …, e C. …, em tudo agiram em nome e no interesse da arguida sociedade e em comunhão de esforços e de vontades.
10) Em tudo agiram livre e conscientemente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
11) O arguido B. …, é sócio-gerente da sociedade arguida, auferindo mensalmente, cerca de 1247 euros de retribuição pelo exercício das referidas funções.
12) Vive com a esposa, doméstica.
13) Tem dois filhos maiores.
14) Tem como habilitações literárias um Curso de Serralheiro Mecânico.
15) Não tem antecedentes criminais.
16) O arguido C. …, é sócio-gerente da sociedade arguida, auferindo mensalmente, cerca de 1247 euros de retribuição pelo exercício das referidas funções.
17) Vive com a esposa, doméstica.
18) Com dois filhos maiores, uma de 21 anos, estudante, outro de 25 anos que trabalha nas … e uma cunhada, menor, que sustenta.
19) Tem como habilitações literárias um Curso de Electricista.
20) Não tem antecedentes criminais.
21) A Sociedade arguida encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Montemor-o-Novo desde 1974, sob o n°… ..
22) Tem como objecto o fabrico e comércio de mosaicos hidráulicos e outros produtos derivados do betão.
23) Tem um capital social de 5 000 000$00.
24) Os arguidos singulares exercem as funções de gerência da sociedade arguida desde 1-6-1990.
Mais se provou o seguinte, da contestação:
25) A A. …, desde o ano de 1995 produz e comercializa o modelo de encaixe identificado a fls. 841 dos autos.
26) Os modelos de encaixe comercializados pela A. …,. e pela E. …, não encaixam um no outro.
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-- Factos não provados:
Não se provaram os seguintes factos da contestação:
27) É o desenho aposto na parte visível do modelo industrial que permite fazer o efeito de calçada tradicional portuguesa.
28) O encaixe não serve para anular o efeito de junta entre placas.
29) O efeito de junta só se pode anular com recurso ao betume.
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Fundamentação da convicção:
Quanto aos factos descritos nos n°s 1 a 10 considerámos as declarações dos próprios arguidos singulares que admitiram ter produzido e comercializado a partir de 1998 0 modelo de encaixe identificado a fls. 31 dos autos e que era do seu conhecimento que o registo do modelo em causa foi recusado por confundilidade com o modelo da E. …, identificado a fls. 25 dos autos.
Considerou-se ainda o depoimento das testemunhas …, empregada da sociedade arguida há 19 anos que confirmou o fabrico e comercialização das referidas peças, bem como de …,…,… e … que revenderam as peças comercializadas pela A. …, e, nesta parte, responderam com isenção.
Consideraram-se ainda os seguintes documentos juntos aos autos: fls. 24 a 33, 52 a 57, -670 e 758, 87, 208 a 216.
No que respeita aos factos atinente à condição sócio-económica dos arguidos singulares (n°s 11 a 14, 16 a 19) considerou-se o respectivo depoimento que nos pareceu credível.
Em relação aos antecedentes criminais dos arguidos singulares (factos articulados nos n°s 15 e 20), considerámos o teor do CRC dos arguidos, coincidente com as declarações do mesmo.
Em relação aos factos descritos nos n°s. 21 a 24 considerámos o teor da certidão de fls. 146 a 150.
O facto descrito no n° 25 tem como suporte as declarações credíveis dos arguidos e o teor de fls. 830 a 841.
O facto descrito no n° 26 foi confirmado com firmeza pelas testemunhas …, …, … e … que revenderam as peças comercializadas pela A. … e, nesta parte, responderam com isenção.
Os factos referidos nos n°s 27 a 29 não se deram como assentes porquanto resultou dos depoimentos das testemunhas … e …, que depuseram com rigor em relação a esta matéria que, é precisamente da conjugação entre três factores que é possível dissimular de forma quase perfeita o efeito junta entre as peças de encaixe comercializadas pela arguida e assistente.
Os factores em causa são os seguintes: forma rendilhada das peças, desenho aposto nas mesmas (calçada portuguesa) e betume aposto entre as peças.
Esclareceram estas testemunha que não é o betume, por si só, que elimina o efeito das juntas, pois, nas peças de formato quadrado, ainda que betumadas, tal efeito vê-se claramente, após a aplicação no pavimento.

III Na 1.ª Instância, o Ex.mo Procurador Adjunto suscitou como questão prévia a de que os recorrentes deviam ser convidados a suprir a falta de indicação das normas jurídicas violadas e assim cumprirem, pois, o estipulado no art.º 410.º, n.º 2 al.ª a), do Código de Processo Penal, sob pena de rejeição parcial do recurso, na parte referente à matéria de direito. Actualmente, como se sabe, deve-se obediência à jurisprudência obrigatória fixada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 320/02, em 9-7-02 proferido no processo n.º 754/01 e publicado na I Série –A do D.R. n.º 231, de 7-10-02, segundo o qual o recorrente tem que ser convidado a, querendo, completar as suas conclusões de forma a as mesmas acatarem o disposto no n.º 2 do art.º 412.º, do Código de Processo Penal. Só no caso de não acatamento de tal convite é que o recurso será rejeitado por incumprimento do referido art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Contudo, as questões que se colocam no presente recurso são perceptíveis aos sujeitos processuais nela interessados, como flúi das conclusões das contra-alegações apresentadas quer pelo M.º P.º, quer pela assistente, os quais tiveram o conhecimento exacto do objecto do recurso.

De modo que se dispensa a pretendida notificação do recorrente para aperfeiçoar o recurso.

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No tocante ao presente caso, esta Relação conhecerá de facto e de direito, nos termos do disposto nos art.º 428.º, n.º 1 e, à contrário, n.º 2 e 364.º, do Código de Processo Penal.

De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo de se conhecerem oficiosamente os vícios enumerados no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

De modos que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª -- Se os dois ilícitos pelos quais os recorrentes foram condenados (o crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, e a contra-ordenação de concorrência desleal, prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, de 5-3 – a que corresponde a previsão do art.º 263.º al.ª c), do CPI de 95) estão entre si numa relação de concurso aparente, pelo que os arguidos deviam ter sido apenas condenados pelo crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do CPI;
2.ª -- Se a circunstância de os assistentes não terem deduzido pedido cível impede a verificação do ilícito da concorrência desleal prevista pelo art.º 260.º do CPI anterior e pelo 317.º al.ª a) do novo CPI;
3.ª -- Se o art.º 260.º do CPI anterior e o art.º 317.º al.ª a) do novo CPI serão inconstitucionais por ausência de tipificação das condutas integradoras do ilícito da concorrência desleal, estando assim afastada a possibilidade de enquadrar a conduta dos arguidos pela sua previsão;
4.ª -- Que não se provou que os consumidores confundiam os modelos de calçada fabricada pelos arguidos e pela assistente;
5.ª -- Se o modelo industrial licenciado à assistente carece de originalidade, pelo que deve ser declarado nulo, não usufruindo assim da protecção concedida pela previsão do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, constante do art.º 263.º, al.ª c), do CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, do que resultaria não terem os arguidos praticado tal crime; e
6.ª -- Se existe contradição entre a prova produzida e a na sentença dada como provada, por não se ter provado que os arguido alcançaram um benefício ilegítimo.
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Quanto à 1.ª das questões, a de se os dois ilícitos pelos quais os recorrentes foram condenados (o crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, e a contra-ordenação de concorrência desleal, prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, de 5-3 – a que corresponde a previsão do art.º 263.º al.ª c), do CPI de 95) estão entre si numa relação de concurso aparente, pelo que os arguidos deviam ter sido apenas condenados pelo crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do CPI:
A propósito do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, o art.º 263.º al.ª c), do CPI aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, estabelece o seguinte:
«Quem, obtendo um beneficio ilegítimo, ou causando intencionalmente prejuízo a outrem:
c) Reproduzir ou imitar totalmente ou em algumas das suas partes características um modelo ou desenho industrial sem consentimento do seu titular …
... será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.»
Por sua vez, a propósito do crime de concorrência desleal, o art.º 260.º al.ª a) do CPI aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, estabelecia o seguinte:
«Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente:
a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue…
... será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.»
Com a entrada em vigor do novo CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, o mencionado segmento de concorrência desleal passou a ser punível apenas a titulo contra-ordenacional, estando prevista no art.º 317 ° al.ª a) e punida e 331° daquele diploma legal nos termos seguintes:
Art.º 317.º al.ª a):
«Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrária às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:
a) os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue».
Art.º 331.°:
«É punido com coima de € 3.000 a € 30.000, caso se trate de pessoa colectiva , e de € 750 a € 7.500, caso se trate de pessoa singular, quem praticar qualquer dos actos de concorrência desleal definidos nos arts. 317° e 318°».
Para integrar a tipologia de cada um destes dois ilícitos, existe na sentença recorrida apenas o facto, provado, de os arguidos produzirem e comercializarem um modelo de encaixe que imita o modelo industrial registado sob o n.º … pelo INPI a favor da assistente, que os arguido pretenderam registar no INPI sob o n.º … e foi recusado por se parecer com o da assistente, o referido ….
O CPI vigente à data dos factos previa violações de direitos industriais privativos e matérias afins como tipos penais nos art.º 261.º a 268.º.
Pelo que a hipótese de concurso que se suscita é a de concurso entre a violação de um direito privativo e a das regras da concorrência desleal por uma só e única acção violadora – a de os arguidos produzirem e comercializarem o tal modelo de encaixe que imita o modelo industrial registado sob o n.º … a favor da assistente.
Ora acompanhando de perto o entendimento que sobre tal questão tem Oliveira Ascensão, em “Concorrência Desleal”, Almedina, ed. de 2.002, a pág. 348-353 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-96, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 462, pág. 448 e ss., a tutela por um direito privativo esgota a tutela que pudesse ser outorgada pela concorrência desleal.
A disciplina da concorrência desleal – escreve Oliveira Ascensão no local e obra assinalados – é uma disciplina de condutas; os direitos industriais realizam porém a outorga de direitos absolutos.
A tutela pela concorrência desleal é uma tutela imprecisa, porque depende de uma valoração (acto de concorrência contrário às normas e usos honestos); a tutela pelo direito privativo é uma tutela taxativa, porque basta o preenchimento da descrição típica.
A concessão de um direito privativo configura um direito exclusivo; a tutela contra a concorrência desleal só se cifra num interesse juridicamente protegido.
De tudo resulta que o direito privativo esgota realmente, e destina-se a esgotar, a tutela que pudesse ser outorgada pela concorrência desleal.
Representa um estádio reforçado de protecção, em que basta a violação (formal neste sentido) de um exclusivo para que logo a tutela ocorra.
Direitos privativos e concorrência desleal são círculos secantes. Na medida porém em que se sobrepõem, a tutela plena do direito privativo passa sempre à frente da tutela valorativa, por isso menos precisa, própria da concorrência desleal.

a prevalência da tutela pelos direitos privativos não é um mero princípio ordenador.
Por um lado, esta implica que a penalidade aplicável seja a do direito privativo e só ela, sempre. O que terá consequências que podem ir, mais ou menos casualmente, no sentido do abrandamento ou do agravamento da pena aplicável, em relação à da concorrência desleal. Mas essa casualidade é uma consequência da falta de coerência do CPI.
Por outro lado, temos de admitir que o sistema da valorações da concorrência desleal irá ser afastado, em proveito dos interesses que se prosseguem com os tipos específicos.

Em conclusão: ao conteúdo da concorrência desleal, mesmo penal, podem pertencer actos violadores de direitos privativos. Mas nesse caso a tutela pela concorrência desleal cede sempre, porque é subsidiária em relação à tutela pelo direito privativo.
Do exposto, retiramos pois que entre a violação do direito privativo protegido pela previsão do art.º 263.º al.ª c), do CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, e a concorrência desleal p. e p. pelo art.º 260.º do mesmo diploma ou actualmente mais favoravelmente ao agente prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, há um concurso aparente, a resolver em termos de subsidiariedade. As normas valorativas da concorrência desleal, no caso a al.ª a) do art.º 260.º cederá perante as regras mais precisas da tutela do direito privativo acautelado pela previsão do art.º 263.º al.ª c).
Termos em que será revogada a condenação dos arguidos efectuada pelo tribunal a quo pela concorrência desleal, constante dos itens 2 e 3 da parte decisória da sentença recorrida e constantes de fls. 1.153 dos autos mantendo-se apenas a condenação de cada um dos arguidos A…, C. … e B. …, pela prática de um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, na pena de duzentos dias de multa à razão de quatro euros por dia, o que perfaz a multa de oitocentos euros.
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O afastamento da condenação pelo crime de concorrência desleal leva ao esvaziar das 2.ª e 3.ª questões postas pelos recorrentes e que eram:
2.ª -- Se a circunstância de os assistentes não terem deduzido pedido cível impede a verificação do ilícito da concorrência desleal prevista pelo art.º 260.º do CPI anterior e pelo 317.º al.ª a) do novo CPI; e
3.ª -- Se o art.º 260.º do CPI anterior e o art.º 317.º al.ª a) do novo CPI serão inconstitucionais por ausência de tipificação das condutas integradoras do ilícito da concorrência desleal, estando assim afastada a possibilidade de enquadrar a conduta dos arguidos pela sua previsão.
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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que não se provou que os consumidores confundiam os modelos de calçada fabricada pelos arguidos e pela assistente:
Para tanto, avocam os recorrentes as declarações prestadas pelas testemunhas de defesa …, …, ….,… e …..
Mas estas pessoas não se podem considerar “consumidores”, pois são é comerciantes retalhistas de materiais para a construção civil, portanto gente que conhece de cor e salteado as placas em causa e, por conseguinte, com facilidade as distinguem, que vendem, isso sim, aos “consumidores”, sendo até que os seus depoimentos foram unânimes em que as "peças" em causa, embora não fossem de todo iguais, eram semelhantes - cfr. cassete n° 1 da audiência de 16/12/2003, Lado A e Lado B (integrais) e cassete n° 2 da mesma audiência - Lado A (integral) e Lado B ( de 0 a 165).
De resto, há a fls. 223 dos autos uma factura que se refere à aquisição num retalhista de 1 m2 de "Calçada", que na factura em causa é expressamente identificada como "Calçada do tipo …, o que é assaz demonstrativo da confundibilidade entre o produto fabricado pelos arguidos com o da assistente.
Por isso que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, consoante consta do documento que faz fls. 208 a 215 dos autos, recusou o registo do modelo industrial n° …(que é o modelo de calçada fabricado pelos arguidos), por confundibilidade com o modelo industrial …. (que é o modelo de calçada fabricado pela assistente), recusa que foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial n° .
Da fundamentação do despacho de recusa, elaborado pela técnica examinadora do I.N.P.I., constam as seguintes considerações, que com pertinácia se podem invocar para realçar a sem razão dos arguidos sobre esta questão:
... o modelo registando relativamente ao M.I … nenhum elemento novo apresenta, e as novas disposições ou combinações de elementos conhecidos e já usados não lhe imprimem uma aspecto geral distinto.
No caso em apreço, as semelhanças suplantam as diferenças, há mais repetição que inovação.

A existência de topos iguais nas extremidades do modelo registando ao contrário do M.I. 26.997, bem como a apresentação naquele de menos um gomo entre as extremidades, parece-me não serem dissemelhanças suficientes para conferirem ao modelo registando um aspecto geral distinto quando comparado com o M.I. …, uma vez que no modelo registado houve uma repetição dos elementos mais caracterizadores do M.I. …».
Não têm, pois, os recorrentes razão a respeito da questão em apreço.
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No tocante à 5.ª das questões postas, a de se o modelo industrial licenciado à assistente carece de originalidade, pelo que deve ser declarado nulo, não usufruindo assim da protecção concedida pela previsão do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, constante do art.º 263.º, al.ª c), do CPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, do que resultaria não terem os arguidos praticado tal crime:
Os recorrentes alicerçam esta pretensão em duas ordens de objecções:
A 1.ª, de que a calçada tradicional à portuguesa já existe há que tempos, não é um produto original e já caíu há muito no domínio público.
A 2ª, a de que, segundo consta da certidão junta a fls. 1.126-1.135, já desde 23-5-84 que está registado na Oficina Espanola de Patentes y Marcas o modelo industrial que recebeu o n.º 106.157, o qual afasta a novidade do modelo industrial n.º …, registado em Portugal no INPI pela assistente.
Mas também quanto a estes assuntos não têm os recorrentes razão.
No que toca à 1.ª das objecções, o que está registado pela assistente no INPI sob o mencionado modelo industrial n.º … não é a calçada tradicional à portuguesa, mas antes, como consta das certidões de fls. 23-24, 87 e 88, uma “placa para pavimentos em blocos de encaixe”, constituída, segundo o resumo constante de fls. 24, por “modelo de forma irregular com reentrâncias de 63 milímetros. Na face superior, apresenta-se o desenho com vários compartimentos, simulando pedras de calçada”.
Quanto à 2.ª das objecções, da análise do documento junto a fls. 1.126-1.135 verifica-se que o mesmo se reporta a um pedido de registo de modelo industrial apresentado em … na Oficina Espanhola de Patentes Y Marcas, o qual tem por objecto um paralelepípedo tridimensional, com uma forma claramente especificada, realidade bem diferente do objecto do modelo industrial n° …, que é constituído por uma placa de encaixe em betão, de forma irregular, tal como se descreve no respectivo certificado de registo.
Assim sendo, é fácil concluir que o referido modelo industrial espanhol não é susceptível de prejudicar a originalidade ou novidade do modelo licenciado à E. …,, nem de afectar a presunção da exclusividade que a este último é conferida pelo respectivo registo.
Na verdade, o que sob o modelo industrial espanhol n° …registado é o seguinte, constante de fls. 1.133:
"Um paralelepípedo de cimento armado constituído por um corpo com faces superior e inferior rectangulares e paralelas, separadas entre si em relação à peça vertical, de tal forma que apresenta duas faces laterais adjacentes inclinadas num sentido, ou salientes, e as outras faces laterais inclinadas no outro sentido, estando encaixadas as arestas horizontais a estas últimas, terminando inferiormente em partes inclinadas no sentido contrário, estando igualmente encaixada a aresta comum de cada um dos ditos pares de faces laterais. Os paralelepípedos combinam-se entre si conjugadamente, enlaçando-se por intermédio de cabos, para formar um revestimento. Tudo o que acaba de se dizer vem representado na figura em anexo, reivindicando-se apenas as características da forma" .
Por sua vez, de novo aqui se recorda que o modelo industrial n° …, de que a assistente é licenciada, apresenta como epígrafe "Placa para pavimentos em blocos de encaixe", sendo descrita do seguinte modo:
"Modelo deforma irregular, com reentrâncias de 63 milímetros.
Na face superior, apresenta-se o desenho com vários compartimentos, simulando pedras de calçada".
Estamos pois perante realidades diferentes.
O modelo industrial espanhol n° … tem por objecto um paralelepípedo tridimensional, que tem uma forma claramente especificada.
As figuras ilustradas na publicação deverão entender-se como demonstrativas daquilo que poderá fazer-se com o paralelepípedo, mas não como variantes do modelo industrial, o que significa que a sobreposição poderá ser uma finalidade do modelo industrial, mas não constitui o seu objecto.
Ou seja, não se descrevendo como variantes do modelo industrial as várias figuras ilustradas na publicação, indicando-se tão só na descrição que a finalidade do paralelepípedo é a combinação entre si para se formar uma sobreposição, terá de se entender que essa sobreposição poderá ter infinitas formas, o que não se poderá considerar como base para definir o alcance e objecto do referido modelo industrial.
É pois bem diferente do objecto do modelo industrial português n.º ….
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Resta a 6.ª e última questão, a de se existe contradição entre a prova produzida e a na sentença dada como provada, por não se ter provado que os arguido alcançaram um benefício ilegítimo:
Ora o que a tal respeito e com interesse à resolução desta particular questão se provou, advém aliás da contestação dos arguidos e foi que a A. …. desde o ano de 1995 produz e comercializa o modelo de encaixe identificado a fls. 841 dos autos.
O modelo de fls. 841 é o tal que imita o modelo industrial registado sob o n.º … pelo INPI a favor da assistente.
O tal que os arguido pretenderam registar no INPI sob o n.º … e foi recusado por se parecer com o da assistente, o n.º ….
Ou seja, de cada vez que a arguida A. …, vende 1 metro quadrado do seu modelo de encaixe é menos 1 metro quadrado que a assistente E. …, vende do seu, o que está registado sob o n.º … pelo INPI.
Assim, o benefício que de tal resulta para a arguida A. …, é o equivalente ao prejuízo que de tal resulta para a assistente.
Donde que aquele benefício da A. …, seja claramente ilegítimo, o que aliás constitui o fim pelo qual vale a pena aos arguidos andar a violar os direitos exclusivos de outrém relativos a modelos e desenhos industriais, p. e p. pelo mencionado art.º 263.º do CPI vigente à data dos factos.
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Termos em que se decide conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:
1.º -- Revoga-se a condenação dos arguidos efectuada pelo tribunal a quo pelo crime de concorrência desleal, prevista pelo art.º 317.º al.ª a) e punida pelo art.º 331.º, ambos do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/03, de 5-3, constante dos itens 2 e 3 da parte decisória da sentença recorrida, a fls. 1.153 dos autos.
2.º -- Mantém-se a condenação de cada um dos arguidos A. …,, C. …, e B. …,, pela prática de um crime de violação dos direitos exclusivos relativos a modelos e desenhos, p. e p. pelo art.º 263.º, al.ª c), do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24-1, na pena de duzentos dias de multa à razão de quatro euros por dia, o que perfaz a multa de oitocentos euros.
3. -- Também se mantém, no mais, a decisão recorrida.
Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em quatro UCs (art.º 87.º, n.º 1 al.ª b), do Código das Custas Judiciais).


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Évora, 8/3/2005

(elaborado e revisto pelo relator)

Martinho Cardoso