Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
575/02-2
Relator: GAITO DAS NEVES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DEPÓSITO DA RENDA
Data do Acordão: 10/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
Contrato de arrendamento para comércio:
a - Resolução do contrato por falta de pagamento de rendas;
b - Depósito de rendas na C.G.D., sem motivo.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 575/02
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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A..., casado, proprietário, residente na ..., instaurou, na Comarca de Elvas a presente acção, com processo sumário, contra

B..., comerciante, residente ..., alegando:

O Autor é dono do prédio urbano, sito ..., inscrito na matriz, sob o artigo ..., da freguesia de ..., que está descrito na Conservatória a seu favor, sob o número ...

Por contrato escrito, deu de arrendamento tal prédio a C, para comércio, aos 01.08.1986, mediante a renda de 4.500$00, hoje actualizada para 9.190$00. Por falecimento do arrendatário, passou a ora Ré a ser titular da cedência.

Desde Novembro de 1997, inclusive, que a Ré deixou de pagar a renda, nos moldes contratuais e, ao que parece, entendeu passar a depositá-la, o que não é liberatório e fez entrar a Ré em mora, estando rendas em dívida no montante de 165.420$00.

A falta de pagamento de rendas é fundamento para a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo.

Termina pedindo a procedência da acção e a condenação da Ré a entregar-lhe o locado livre e desocupado, bem como no pagamento das rendas em atraso, vencidas e vincendas na pendência da acção, acrescidas de juros.

Citada, contestou a Ré, alegando:

Pelo menos desde 1995, que as rendas eram liquidadas ao balcão do Banco ..., conforme o Autor pretendeu.
Em Dezembro de 1996, porém, o Autor retirou o respectivo recibo do Banco, sem comunicar o facto à Ré, pelo que esta se viu confrontada com o incumprimento por parte do Autor e, consequentemente, viu-se na obrigação de depositar o respectivo montante na CGD, embora para além do prazo legal e sem o legal acréscimo de 50%, situação criada pelo próprio Senhorio. E nos meses seguintes, pagou a renda pontualmente.

Termina, concluindo pela improcedência da acção, por caducidade.

Respondeu o Autor à contestação, alegando que outras rendas foram pagas fora de prazo e sem o legal acréscimo, que também não foi cumprido até à contestação, pelo que não se operou a caducidade invocada.
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Seguiram-se os demais termos processuais e procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.

Na Primeira Instância foram dados como provados os seguintes factos:

1 - O Autor é dono do prédio urbano sito ..., inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana daquela freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...

2 - Por contrato escrito de 01 de Agosto de 1986 o então proprietário do prédio D deu de arrendamento a C o prédio identificado em 1, para comércio, pela renda de 4.500$00, actualmente de 9.170$00, paga em casa do proprietário ou em local a combinar até ao dia 8 do mês imediato ao vencido.

3 - Por falecimento do primitivo arrendatário o arrendamento passou para a Ré.

4 - A Ré depositou na Caixa Geral de Depósitos as rendas respeitantes aos meses de Novembro de 1997 e seguintes.

5 - Em tempo o Autor dirigia-se ao domicílio da Ré.

6 - O Autor depositou recibos de renda no Banco ...
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Perante a descrita factualidade, na Primeira Instância foi a acção julgada procedente, a Ré condenada a entregar o locado, livre e desocupado, bem como a pagar as renas vencidas à data da propositura da acção, no valor global de 165.420$00, bem como as vincendas na pendência da acção, acrescidas de juros à taxa legal, desde o dia seguinte ao oitavo dia do mês imediato ao vencido e até integral pagamento.
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Não concordou a Ré com tal decisão, tendo interposto o respectivo recurso, onde formulou as seguintes CONCLUSÕES:

1 - Não se configura o fundamento com base no qual foi decretada a resolução do contrato de arrendamento - não pagamento de rendas.

2 - O senhorio foi informado por escrito em Janeiro de 1997, pela Recorrente de que os depósitos das rendas estavam a ser feitos na Caixa Geral de Depósitos, conforme doc. 1 que se solicita a admissão da sua junção nos presentes autos, nos termos do artigo 524º, nº 2 do CPC. Assim como dos docs. 2 e 3 que vão também no sentido de provar o conhecimento que o senhorio tinha dos depósitos que estavam a ser efectuados.

3 - A Recorrente informou o Senhorio relativamente aos depósitos que estava a efectuar na Caixa Geral de Depósitos, não tendo este em tempo impugnado tais depósitos, ou proposto acção de despejo, nos termos referidos no art. 26º, nº 2 do RAU, caducando assim o direito do Senhorio a propor a acção de despejo com fundamento no não pagamento de rendas.

4 - No caso em apreço, a acção de despejo com fundamento no não pagamento de rendas, consubstancia uma situação de abuso de direito, exerce o direito em contradição com uma conduta anterior em que fundamentadamente a outra parte tinha confiado. É legítimo pelo decurso do tempo, o convencimento da Recorrente de continuação do contrato, sem causa de resolução imputável às rendas.

6 - Logo a acção de despejo com fundamento no não pagamento de rendas é abusivo.

Deve ser revogada a sentença e a acção julgada improcedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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As conclusões de recurso limitam o objecto do mesmo - artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Do contrato de arrendamento celebrado aos 01 de Agosto de 1986, junto a folhas 5, consta que a renda deveria ser “paga em casa do proprietário ou em local a combinar até ao dia 8 do mês imediato ao vencido”.

Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes - artigo 406º, nº 1, do Código Civil.

Atentando ao artigo 342º do Código Civil, constatamos:

Nº 1 - Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Nº 2 - A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

Diz o artigo 1º do R.A.U. que “Arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, ..., mediante retribuição”. No caso concreto, o contrato ora ajuizado destinava-se a comércio, nos termos do artigo 110º do mesmo Diploma, tal como resulta do documento de folhas 5 e provado ficou sob o número 2 da matéria factual.

Segundo o artigo 64º, nº 1, alínea a), o senhorio tem direito a resolver o contrato de arrendamento se o inquilino “Não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório”.

Teremos, pois, que atentar ainda, no artigo 22º do R.A.U; “O arrendatário pode depositar a renda, quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito...”, conjugado com o artigo 841º do Código Civil: “O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:
a) - ...
b) - Quando o credor estivar em mora”.

E não poderá duvidar-se que o senhorio entra em mora quando se recuse a receber a renda ou a passar recibo - conf. Ac. R.C, de 14.06.88, in BMJ 378-794.

Com base nos preceitos legais acabados de referir, vejamos a conduta das partes e o respectivo enquadramento.

O Senhorio instaurou a presente acção de despejo alegando que a sua inquilina e ora Ré, desde Novembro de 1997, deixou de pagar a renda no lugar contratualmente estipulado, isto é, em casa do Autor.

A Ré contesta, dizendo que, inicialmente, as rendas foram, efectivamente, pagas em casa de Senhorio. Porém, posteriormente, o Senhorio optou por as rendas serem depositadas no Banco ..., onde se encontraria o respectivo recibo. E a inquilina, aceitando esta modificação do contrato inicial, ali se deslocou a pagá-las. Todavia, em Dezembro de 1996, o Senhorio - através do Banco - deixou de entregar os recibos correspondentes ao pagamento, o que motivou que a Inquilina passasse a depositar as rendas na Caixa Geral de Depósitos.

Discutida a causa o que se prova?

Os factos alegados pelo Senhorio e que são constitutivos do seu direito; Outrossim já não acontece com os factos impeditivos ou modificativos do cumprimento atempado da prestação, cuja prova recaía sobre a Ré. Na verdade, se ainda podemos aceitar que terá existido, por mútuo acordo, uma alteração quanto ao lugar do pagamento da renda, isto por terem sido junto aos autos recibos, com o carimbo do Banco ..., referentes aos meses de Janeiro a Novembro de 1996, ininterruptamente (existindo um outro de Janeiro de 1995), a verdade é que não provou a Ré o que era essencial: que a mora pelo não pagamento das rendas recaía sobre o Senhorio. E, quanto a este ponto, não podemos deixar de aludir ao conteúdo da informação prestada pelo Banco ..., a pedido do Tribunal e que consta afolhas 103: “Segundo apuramos junto do Balcão de ..., não foi fornecida qualquer indicação pelo Cliente para retirar o recibo da renda de Dezembro de 1996, estando o mesmo disponível para a inquilina proceder ao seu pagamento”.
Limita-se a Ré a provar que depositava as rendas na Caixa Geral de Depósitos. Mas ao fazê-lo, a falta de cumprimento do contratualmente estabelecido não pode deixar de ser-lhe imputado... não estando, consequentemente, presente qualquer pressuposto de agir o Senhorio, ora Autor com abuso de direito ou ter caducado o direito de propor a presente acção.

DECISÃO

Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirma-se o doutamente decidido na Primeira Instância.

Custas pela Apelante.
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Évora, 10 de Outubro de 2002