Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
| Descritores: | CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVER DO JUIZ DE INVESTIGAÇÃO OFICIOSA | ||
| Data do Acordão: | 04/04/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | DECRETADO O REENVIO PARA NOVO JULGAMENTO | ||
| Sumário: | I - Os antecedentes criminais do arguido são matéria de facto e a sua prova só pode ser efectuada por via documental autêntica, a saber os Certificados do Registo Criminal (CRC) ou, para decisões que, por qualquer razão não tenham sido ainda objecto de registo, certidão da sentença condenatória e do respectivo trânsito em julgado. II - Nesta conformidade, não era ilícito à Ex.ª Juiz «a quo» ter ponderado os antecedentes criminais do arguido, sem os fazer constar da matéria de facto provada. III – A eventual inércia dos sujeitos processuais ao nível probatório não exime o Tribunal do dever de, por sua iniciativa, determinar a produção dos meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e investigar todos os factos relevantes para uma decisão justa da causa, segundo as várias soluções em direito plausíveis, respeitando-se, no que se refere aos factos integradores do crime imputado e das circunstâncias agravantes deste, o quadro definido pela acusação. IV - A exiguidade quantitativa e qualitativa dos factos provados relativos às «condições pessoais» do arguido é de molde a integrar uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, no que diz respeito à determinação da medida da pena de prisão em que foi condenado e à consideração de uma pena substitutiva, a justificar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação da pena. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No processo sumário nº 593/15.8GABNV, que correu termos no Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Local de Benavente, Secção Criminal, foi proferida, em 29/10/15, sentença em que se decidiu: Julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência: a) Condenar o Arguido L, pela prática, a título de dolo directo, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º,n.º 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de Prisão de 6 meses; b) Decide substituir esta pena de 6 meses de prisão pela pena de prisão por dias livres, por 36 (trinta e seis) períodos de prisão por dias livres a cumprir aos fins-de-semana, com início no primeiro fim-de-semana após a data trânsito em julgado da presente decisão, com entrada pelas 09 horas de cada sábado e saída às 21 horas do domingo seguinte, de forma a sucessiva até perfazer os referidos períodos na totalidade, ao abrigo dos disposto do artigo 45º., nº 1, 2 e 3 do Código Penal; Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados (conforme transcrição da sentença proferida oralmente): No dia 18 de outubro de 2015, pelas 16 horas e 50 minutos na rua Alfredo Betâmio de Almeida, aqui na comarca de Benavente, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ---GZ, sem estar devidamente habilitado com carta de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a este efeito. Agiu da forma que quis, de forma livre, voluntária e consciente, a condução daquele veículo automóvel, bem sabendo que a sua conduta era punível e punida por Lei. O arguido é proprietário - ou pelo menos tem a propriedade registada em seu nome - de dois veículos automóveis de matrícula, respetivamente, ----DC e UL---. Não tem atividade declarada para efeitos de contribuições para a Segurança Social, também não tem atividade declarada para efeitos de imposto sobre rendimentos de pessoas singulares e não é proprietário de qualquer bem imóvel sujeito a registo. Da referida sentença o arguido L veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1- A Douta Sentença proferida pelo douto tribunal recorrida viola os artigos 40.°, 65.° e 71.°, todos do Código Penal e o art.º 58.° da Constituição da República Portuguesa. 2-A Douta Sentença recorrida viola os princípios da adequação e proporcionalidade, transversais a todo o Direito Penal e Direito Processual Penal. 3- o Tribunal “a quo” não fez uma correcta interpretação do disposto nos artigos 40.°, 65.° e 71.º do Código Penal, ao orientar para a escolha das penas aplicadas ao arguido, in casu, 6(seis) meses de prisão cumprida em dias livres, ser excessivo, desadequado e desproporcional tendo em conta o facto de o arguido estar bem inserido social e familiarmente. 4-A escolha da pena deveria de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estabelecidos no referido art° 40.° do C.P. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA! O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado, por seu turno, as seguintes conclusões: 1 - Ora, os números 1 e 2 do artigo 40.º do Código Penal dispõem que “ a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. 2 - Na esteira do Prof. Figueiredo Dias, entendemos que “a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto”. Esta protecção dos bens jurídicos traduzir-se-á na tutela das expectativas da comunidade em manter em vigor a norma infringida e, assim, numa ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio de política criminal da necessidade da pena. 3 - Na verdade, na determinação da pena haverá que atender “a uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, sendo certo que abaixo desse ponto óptimo de tutela, outros existem em que a tutela ainda é efectiva, até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem se pôr em causa a sua função tutelar”. 4 - Mas, a medida da pena não poderá, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. 5 - Dentro dos limites da prevenção geral positiva ou de integração – o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela dos bens jurídicos, actuam razões de prevenção especial de socialização que determinam, em último termo, a medida da pena. 6 - Visa-se com a prevenção especial evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reinserção na comunidade, só, assim, se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos. 7 - Define-se, deste modo, a culpa como pressuposto e limite da pena, e a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade como seus fins. 8 - Por sua vez, no artigo 70.º do Código Penal, o legislador revela uma preferência pelas penas não detentivas, na sequência do princípio da máxima restrição da aplicação da pena de prisão, sendo certo que apenas se deverá optar por uma pena de prisão quando tal seja imposto pelos fins das penas: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 9 - Definida em abstracto a moldura da pena atentos os critérios do artigo 40.º do Código Penal, estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que a determinação da pena “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. 10 - Na decisão ora recorrida foram respeitados e ponderados os critérios determinação e de escolha da pena, já que se sopesaram todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis. 11 - Mas, inevitavelmente, não pode a Mma. Juiz a quo descurar que o recorrente já apresenta vários antecedentes criminais, tendo sido condenado em penas de multa e em penas de prisão, suspensas na sua execução, as quais não surtiram o efeito desejado ao nível preventivo. 12 - Entendeu bem o Tribunal a quo aplicar uma pena privativa da liberdade ao arguido, por serem elevadas as exigências de prevenção especial. 13 - O Tribunal a quo teve conhecimento das actuais condições pessoais do recorrente, mas perante o quadro acima mencionado não podia ter escolhido outro tipo de pena, que não a pena de prisão. 14 - No que concerne à determinação da medida concreta de cada uma das penas parcelares, a Mma. Juíza a quo ponderou: - o grau de ilicitude do facto que é elevado no caso em apreço, tendo em conta o bem jurídico em causa (segurança rodoviária e autoridade pública do sistema estadual) e a forte relutância em tomar consciência da ilicitude dos factos; - a intensidade do dolo, que reveste a forma de dolo directo e cuja intensidade se revela forte, porquanto o arguido tinha pleno conhecimento que a conduta praticada era proibida por lei e por esta censurada e, não obstante, não se absteve de a praticar em conformidade com a sua vontade; - os antecedentes criminais conhecidos; - a conduta anterior ao facto e posterior a este do recorrente, revelando uma conduta censurável, devido à permanente repetição de comportamentos que lhe estão vedados e pelos quais já sofreu várias condenações sem que tal se tenha revelado eficiente; - a inserção familiar, social e profissional e as condições socioeconómicas do recorrente. 15 - Bem andou o tribunal a quo quando decidiu não substituir a pena de prisão aplicada ao recorrente por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que tal substituição procura responder ao mal cometido com uma resposta positiva que tem aptidão para ser aceite pelo arguido como sanção condicionada ao desempenho cabal da prestação de trabalho. 16 - Efectivamente estava preenchido o requisito formal do artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, mas não se verificou preenchido o requisito de ordem substancial, ou seja, o da realização adequada e suficiente das finalidades da punição. Dos factos apurados resultou que esta pena já lhe foi aplicada anteriormente sem que tenha tido qualquer sucesso preventivo, pois o recorrente não interiorizou, como devia, a regra que repetidamente violou. 17 - De facto, e como se disse, do passado criminal do arguido resulta que sendo que já lhe foi dada a oportunidade de demonstrar a sua vontade de reinserção, ao que o recorrente não correspondeu. 18 - Afastada, e bem, também ficou a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão, pois o pressuposto material da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. 19 - Ora, a suspensão da execução da pena de prisão uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido condenado 20 - Nenhum factor de confiança trouxe o recorrente ao Tribunal. 21 - Diga-se, mais uma vez, que o recorrente já foi diversas vezes condenado pela prática de crime de idêntica natureza, já beneficiou da suspensão da execução de penas privativas da liberdade e tudo isto não lhe serviu de suficiente advertência para que não voltasse a reincidir. 22 - O arguido não interiorizou a gravidade da sua conduta, pelo que as necessidades de prevenção geral e especial só ficarão satisfeitas com o cumprimento de pena de prisão efectiva. 23 - A pena de seis meses de prisão efectiva substituída por 36 períodos de prisão por dias livres em que o recorrente foi condenado afigura-se justa e adequada e nenhuma outra pena irá satisfazer as finalidades de prevenção quer geral quer especial que o caso em apreço requer. 24 - Na decisão ora recorrida foram respeitados e ponderados os critérios determinação e de escolha da pena, já que se sopesaram todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis. 25 - Destarte, e na esteira das considerações acima expendidas, consideramos que não se mostra violado o artigo 71.º, do Código Penal, bem como qualquer outro preceito constitucional, devendo por isso improceder o recurso. Nestes termos, negando provimento ao presente recurso e, em consequência, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, farão V.ªs Ex.ªs, Venerandos Desembargadores JUSTIÇA! O Digno Magistrado do MP em funções junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido de lhe ser concedido provimento, quanto ao pedido de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. Tal parecer foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. A sindicância da sentença recorrida, que emerge das conclusões do recorrente, versa exclusivamente sobre matéria de direito, cingida à determinação da sanção. Antes de mais, importa que este Tribunal da Relação retire as necessárias consequências jurídico-processuais de algumas anomalias que a sentença em crise apresenta. Seguido os presentes autos a forma processual sumária, a sentença sob recurso foi proferida oralmente, em cumprimento do disposto no art. 389º-A nº 1 do CPP, constando de fls. 189 a 192 a respectiva transcrição. A matéria de facto julgada provada, que expusemos no relatório do presente acórdão não inclui qualquer referência os antecedentes criminais do arguido ou à falta deles. Pensamos que será desnecessário salientar a relevância das anteriores condenações sofridas pelo arguido ou da sua primariedade, no juízo de determinação da sanção, caso se mostrem reunidos os pressupostos da sua responsabilidade criminal. Conforme pode verificar-se da leitura da transcrição da sentença proferida oralmente, os antecedentes criminais do arguido foram expressamente considerados pelo Tribunal nas várias etapas da determinação da sanção, concretamente, a opção inicial pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, a quantificação da medida desta (6 meses) e o afastamento da aplicação de qualquer pena de substituição, como sejam a suspensão da execução da pena de prisão ou a prestação de trabalho a favor da comunidade. Os antecedentes criminais do arguido são matéria de facto e a sua prova só pode ser efectuada por via documental autêntica, a saber os Certificados do Registo Criminal (CRC) ou, para decisões que, por qualquer razão não tenham sido ainda objecto de registo, certidão da sentença condenatória e do respectivo trânsito em julgado. Nesta conformidade, não era ilícito à Exª Juiz «a quo» ter ponderado os antecedentes criminais do arguido, sem os fazer constar da matéria de facto provada. Acresce que, em relação às chamadas «condições pessoais» do arguido, o Tribunal de julgamento deu como provado apenas que o mesmo tem registados como sua propriedade dois veículos automóveis, além de alguns factos de conteúdo puramente negativo: não efectua descontos para a Segurança Social, não está tributado em sede de IRS e não possui bens registados em seu nome (que não os veículos). Com efeito, a ausência de prova da condição social, pessoal e económica do arguido, em caso de decisão condenatória, tem vindo a ser reconduzida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, podendo indicar-se a título meramente exemplificativo, como defensor de tal tese, o Acórdão da RP de 1/10/08, proferido processo nº 0814048 e relatado pela Exª Desembargadora Dra. Maria Leonor Esteves (disponível em www.dgsi.pt). O nº 2 do art. 410º do CPP, na parte que interessa à questão agora mencionada, dispõe: Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) ...; c) …. O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no normativo legal agora enunciado serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito. Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do nº do art. 410º do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira e não à segunda que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada. No processo de formação pelo Tribunal dos juízos, que, nos termos das disposições legais aplicáveis, têm de estar na base da determinação da medida da pena privativa de liberdade e da ponderação de penas não privativas de liberdade ou de outras, que envolvam essa privação, mas em condições distintas da reclusão contínua em estabelecimento prisional, sempre terá um papel relevante, ainda que não necessariamente determinante, a consideração daquilo a que vulgarmente se chama as «condições pessoais» do condenado, as quais podem englobar, entre outros aspectos, o seu enquadramento familiar, a sua inserção laboral, a sua situação económico-financeira, o seu nível de escolaridade e de formação profissional, eventuais problemas de saúde física e psíquica, existência de hábitos de consumo de estupefacientes, álcool ou substâncias semelhantes e, se for esse o caso, os esforços que tenha empreendido no sentido de superar essas adições. Nesta perspectiva, a exiguidade quantitativa e qualitativa dos factos provados relativos às «condições pessoais» do arguido é de molde a integrar uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, no que diz respeito à determinação da medida da pena de prisão em que foi condenado e à consideração de uma pena substitutiva. A formulação desta conclusão não pressupõe - saliente-se - que o Tribunal tivesse tido de decidir necessariamente no sentido pretendido pelo arguido no presente recurso, caso tivesse tido conhecimento dos factos em falta, mas tão somente que a formação de uma decisão justa sobre a questão controvertida teria requerido a consideração, na medida do possível, dessa factualidade. Neste contexto, a verificação do vício, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, depende da medida em que o texto da sentença impugnada, por si mesmo ou conjugado com os dados da experiência comum, deixe transparecer que o Tribunal «a quo» exerceu da forma que lhe incumbia os seus poderes de averiguação oficiosa, acerca da matéria cuja carência de demonstração se constatou. A esse respeito dispõe o nº 1 do art. 340º do CPP: O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Afigura-se-nos ser hoje pacífico, em sede jurisprudencial, que o poder conferido pela disposição legal agora transcrita é um verdadeiro poder-dever e não uma mera faculdade, devendo o Tribunal exercê-lo de forma exaustiva. Assim, a eventual inércia dos sujeitos processuais ao nível probatório não exime o Tribunal do dever de, por sua iniciativa, determinar a produção dos meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e investigar todos os factos relevantes para uma decisão justa da causa, segundo as várias soluções em direito plausíveis, respeitando-se, no que se refere aos factos integradores do crime imputado e das circunstâncias agravantes deste, o quadro definido pela acusação. À primeira vista, tratando-se de matéria não alegada, poderia pensar-se que o Tribunal não estava obrigado, na sentença, a tomar posição sobre ela, quanto mais não seja fazendo menção das diligências feitas no sentido de a apurar e das razões por que as mesmas resultaram infrutíferas. No entanto, existe na tramitação do processo penal um momento em que se impõe ao Tribunal o dever de decidir da produção de prova sobre os factos relativos às «condições pessoais» do arguido, independentemente de alegação. Das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 do art. 369º e do nº 1 do art. 371º do CPP resulta que, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação a determinado arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Tribunal terá de ajuizar se é necessária a produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção (nos quais se incluem as «condições pessoais» a que vimos aludindo), devendo proceder à reabertura da audiência, quando ajuíze em sentido afirmativo, ou passar de imediato a deliberar sobre a escolha e a medida da sanção, na hipótese contrária. No processo de decisão que esteve na origem da sentença sob censura, o Tribunal necessariamente se apercebeu de que estavam reunidos os pressupostos da aplicação de uma pena ao arguido, como efectivamente veio a suceder. Uma vez feita tal verificação, impunha-se ao Tribunal decidir de imediato da escolha e da medida da pena, se entender que dispõe já de todos os elementos necessários para o efeito, ou, se assim não for, determinar a produção de prova suplementar destinada a averiguar factos relevantes para a decisão a tomar. A audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida a decisão agora sob recurso, decorreu fora da presença física do arguido, que não teve, por essa razão ensejo de prestar declarações, tanto sobre os factos por que vinha acusado, como sobre as suas condições pessoais. As diligências ordenadas pelo Tribunal «a quo», relativamente a esta última matéria, possibilitaram averiguar apenas a factualidade escassa e pouco esclarecedora, que foi julgada provada e a que fizemos referência supra. A elaboração de relatório social, tendente à averiguação das condições pessoais do arguido, na perspectiva da determinação da sanção, encontra-se prevista no art. 370º do CPP. Segundo vimos entendendo, o relatório social não é obrigatório, não constitui prova pericial e encontra-se sujeito à livre apreciação do Tribunal nos termos do art. 127º do CPP. Contudo, importa reconhecer que a experiência demonstra que os relatórios sociais proporcionam normalmente uma informação aprofundada e credível sobre as condições pessoais do arguido. Nesta perspectiva, somos de entender que o Tribunal, em ordem à boa decisão da causa, não deve prescindir da elaboração do relatório social, a menos que esta se revele inviável, demasiado demorada em relação àquilo que deve ser a tramitação normal do processo ou a qualquer título desaconselhável, sobretudo se tivermos presente que, na falta do relatório, os únicos meios de prova à disposição do julgador, em matéria de condições pessoais do arguido, residem nas declarações do próprio e nos depoimentos das testemunhas ditas abonatórias, que, quase sempre, estão comprometidas com os interesses da defesa. Do teor da sentença não consta a explicitação de qualquer razão que tenha obstado à elaboração do relatório social. Além disso, não há motivos para supor que a elaboração do relatório pudesse vir a deparar com algum obstáculo de monta, pois não foi interrompido o contacto entre o Tribunal e o arguido, não se tendo verificado, por exemplo, qualquer dificuldade em notificar pessoalmente a este a sentença condenatória (vd. fls. 84 verso) Como tal, em face da verificada exiguidade da factualidade apurada pela sentença sob recurso, referente às condições pessoais dos arguidos, teremos de concluir que a mesma padece do vício da insuficiência da matéria de facto provada para decisão, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP. O vício detectado obsta a que este Tribunal conheça do mérito do recurso em presença. O nº 1 do art. 426º do CPP estatui: Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. O reenvio a ordenar afectará totalidade do objecto, mas restrita à questão da determinação da sanção. Nesta conformidade, importa que a primeira instância proceda à averiguação dos factos relativos às condições pessoais do arguido de forma a possibilitar uma decisão justa sobre a determinação da sanção a aplicar-lhe pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e2 do DL nº 2/98 de 3/1, solicitando para o efeito a elaboração de relatório social, sem prejuízo da produção de outros meios de prova que entenda necessários e adequados, além da obtenção de RC actualizado, e, por fim, profira decisão sobre a questão em aberto, com base no conjunto dos factos que vierem a provar-se e aqueles já dados como assentes pela sentença recorrida. Em face do que ficou dito, mostra-se prejudicada a apreciação da questão concretamente suscitada pelo recorrente. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em declarar verificado na sentença recorrida o vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e determinar, após trânsito em julgado, o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às finalidades enunciadas supra. Sem custas. Notifique. Évora, 4/4/17 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Póvoas Corvacho) (João Manuel Monteiro Amaro) |