Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
| Descritores: | INJUNÇÃO RECONVENÇÃO VALOR DA CAUSA | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | No processo de injunção de valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, tendo havido oposição, não é legalmente admissível deduzir pedido reconvencional. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 51776/15.9YIPRT-A.E1 – Apelação – 2ª Secção Recorrente: Transportes (…), SA Recorrido: (…) – Sociedade de Petróleos (…), SA. * Relatório Vem o presente recurso interposto do despacho que considerou legalmente inadmissível a reconvenção apresentada pela ora recorrente, por entender que a forma do processo e o valor da acção não permitem a dedução de pedido reconvencional. Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: «I. O Douto Despacho recorrido não admitiu a reconvenção deduzida, absolvendo a Autora do pedido reconvencional. II. A reconvenção deduzida compreendeu o exercício de invocação de compensação de créditos operada, o que foi realizado por via de reconvenção, nos termos da nova redacção do CPC, mormente do art. 266º, nº 2, alínea c), do CPC. III. A compensação de créditos é uma forma de extinção de obrigações, pelo que o Réu não pode ser impedido de invocar tal mecanismo legal por impedimento processual, sob pena de violação do art. 2º do CPC e do art. 847º, nº 1, alínea a), do CC. IV. Mormente quando a compensação se efectiva pela declaração à outra parte, nos termos do art. 848º do CC, sendo a mesma invocada nos presentes autos por o direito já ter sido exercido – vide comunicação a 24 de Abril de 2015 (doc. 34 da oposição). V. Decorrente da recente reforma ao CPC operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, o processo comum de declaração passou a ter forma única, tendo desaparecido a forma sumária, aludida no Douto Despacho em recurso. VI. Sendo certo que os procedimentos de injunção tramitam como processo especial de cumprimento de obrigação quando deduzida oposição os autos tenham valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação e como processo comum declarativo de forma única quando tenham valor superior – vide art. 548º do CPC e DL 62/2013, de 10 de Maio, por transposição da Directiva 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Fevereiro de 2011. VII. O valor dos autos correspondente valor inicial do pedido (art. 18º DL 269/98) ampliado pelo valor da reconvenção, nos termos do art. 299º do CPC, o que opera opes legis e tem, necessariamente, de ser considerado no Despacho Saneador ou Liminar que seja proferido após dedução da reconvenção. VIII. O valor dos presentes autos é de € 83.586,06, ou seja, superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, pelo que processualmente sempre seria admissível a dedução de reconvenção, sendo admissível articulado de pronúncia do Autor. IX. Por último, ao abrigo da justiça material, não se concede que o credor de valor superior seja condenado a pagar valor inferior ao seu devedor, por um mero impedimento processual. X. Pelo que, no limite, a reconvenção deduzida sempre seria de admitir, nem que fosse condicionada ao valor peticionado pela Autora (€ 6.586,06) operando a compensação de créditos recíproca no valor do crédito inferior (o da Autora). XI. Por todo o exposto, a reconvenção deduzida deveria ter sido admitida, proferindo a matéria alegada para julgamento. XII. Sem conceder, por mera cautela de patrocínio e subsidiariamente, ao abrigo da adequação material e do dever de gestão processual (art. 3º do CPC), se os autos não tramitassem por processo comum, deveria o Douto Tribunal a quo ter convertido a matéria de compensação de créditos invocada como reconvenção (por imperativo legal) em matéria de excepção, exercendo a Autora contraditório no início da audiência de julgamento que vier a ser designada. Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser o Douto Despacho revogado e substituído por outro que admitida o pedido reconvencional deduzido. Sem conceder, por mera cautela de patrocínio, subsidiariamente deveria o Douto Despacho ser substituído por decisão de conversão da reconvenção em excepção, atendendo à matéria da compensação de créditos em causa». * Não houve contra-alegações.* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º, nº 4 e 639º do Cód. Proc. Civil) [2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2, in fine, do art.º 608º do Cód. Proc. Civil). * ** Do direito Das conclusões e do dispositivo da decisão, decorre que a única questão a decidir, consiste em saber se no processo de injunção de valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, tendo havido oposição, é legalmente admissível deduzir pedido reconvencional. A resposta é obviamente negativa. O regime da Injunção e das acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, tem sofrido algumas alterações ao longo do tempo. Em 2003, o DL n.º 32/2003, de 17/02, veio alterar o artigo 7° do DL n.º 269/98, de 1/09, aditando-lhe a expressão «... ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro». A partir de então no recurso à providência de injunção para exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº 32/2003, o legislador estabeleceu dois regimes processuais distintos, separados pelo valor do pedido. Pelo primeiro, aplicável quando o pedido seja igual ou inferior ao valor da alçada da primeira instância, a dedução de oposição determina a aplicação do regime da acção declarativa especial prevista no DL nº 269/98 (art.º 7°, nº 1 e nº 2, este “a contrario”). Pelo segundo, aplicável quando o pedido for superior à alçada do tribunal de primeira instância, a dedução de oposição determina a aplicação de forma de processo comum (art° 7°, n.º 2) – Cfr Ac. do TRL de 15-12-2011, publicado in www.dgsi.pt. O referido art.º 7º do DL nº 32/2003, foi alterado pelo DL nº 107/2005, de 1 de Julho, tendo passado a dispor o seguinte: «1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos». O DL nº 32/2003, foi revogado pelo DL nº 62/2013, de 10 de Maio, que no seu art.º 10º, regulou aquela matéria nos seguintes termos: «1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação». Como se vê, pelo confronto das duas redacções, a alteração introduzida pelo DL nº 62/2013, apenas se reporta às situações em que a injunção seguirá os termos do processo comum. Reduziu-se para metade o valor de referência anterior (determinante da aplicação daquela forma de processo em caso de oposição ou frustração de notificação) e que era correspondente ao valor da Alçada do Tribunal da Relação, sendo que agora tal valor passou a ser de metade da alçada da Relação. No mais não houve alterações. No caso “sub judice” o pedido da Requerente é no valor de € 6.586,06. A argumentação da recorrente enferma de um erro que inquina irremediavelmente a conclusão e consequentemente a procedência da sua pretensão. Na verdade toda a sua argumentação assenta na premissa de que quando a causa tenha valor superior a metade da alçada, é admissível o pedido reconvencional. Ora não é isso que resulta da disciplina legal acima enunciada. Desta decorre sim, que quando o pedido formulado pelo A. seja de valor inferior a metade da alçada da Relação, nunca poderá seguir os termos do processo comum e consequentemente não é admissível a dedução de reconvenção, porquanto o processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não a comporta. O que releva, em matéria de determinação da forma de processo a observar na sequência da dedução de oposição ou frustração de notificação do requerimento injuntivo, é o valor do pedido e não o valor da acção, como pretende o recorrente. O legislador nunca estabeleceu o valor da acção, como critério decisivo para determinar a forma de processo a seguir. Ao invés, elegeu sempre como critério determinante da forma de processo o valor do pedido. Estas realidades são bem distintas. O valor do pedido, como a própria expressão indica, afere-se naturalisticamente, pelo montante que o A. reclama do R.. O valor da acção decorre da aplicação de critérios legais, designadamente de normas de direito processual civil, quanto à forma de determinar o valor das acções, maxime quando haja pedido reconvencional e pode, nestes casos corresponder à soma do pedido do A. e do pedido reconvencional formulado pelo R.. Mas não foi este o critério distintivo, que o legislador elegeu para determinar o processado subsequente à dedução de oposição ou à frustração da notificação do requerimento injuntivo. O critério escolhido foi o do valor do pedido e não o do valor da acção. Sendo o valor do pedido formulado pelo A., inferior a metade da alçada da Relação, seguir-se- á a forma de processo especial, referida no nº 4 do art.º 10º do DL nº 62/2013, ou seja a acção especial prevista no anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, que manifestamente não comporta a possibilidade de dedução de reconvenção [3]. Bem andou pois o Tribunal “a quo” ao não admitir a reconvenção. * Concluindo Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, nega-se provimento à apelação e confirma-se o despacho recorrido. Custas pela apelante. Notifique. Évora, 03 de Dezembro de 2015 Bernardo Domingos Silva Rato Assunção Raimundo __________________________________________________ [1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 636º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente (art. 635º, nº 4, todos do CPC de 2013). Vd. sobre esta matéria, mas no domínio do Código anterior, que não sofreu alterações de monta, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [3] Neste sentido, veja-se, por todos, o acórdão o Tribunal da Relação Lisboa de 21/10/2014, processo 100.811/10.2YIPRT.L1-1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.ns e ainda a decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/11/2014, proferida pelo aqui relator, na apelação N.º 17136/14.3YIPRT-A.E1. |