Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
365/08.6TMSTB.E1
Relator: ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO CARDOSO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ACORDO
PODERES DO TRIBUNAL
ABONO DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 06/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DE SETÚBAL – TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
1 - O abono de família constitui um apoio do Estado à família para fazer face às despesas com os filhos. Assim, este contributo apenas é concedido, porque os menores existem e, por conseguinte, deverá reverter a favor dos mesmos e ser deduzido nas respectivas despesas.
2 - Na regulação do exercício das responsabilidades parentais e, designadamente, no que concerne ao regime de visitas, a intervenção do tribunal deverá limitar-se ao indispensável (princípio da intervenção mínima), dando primazia às soluções consensuais, desde que respeitem o superior interesse dos menores, mas sem que a elas esteja adstrito.
3 - Não sendo a vontade e o acordo das partes uma barreira intransponível para o tribunal, este, ao alterar, adaptar e completar o acordado nunca estará a exorbitar o que quer que seja.
Decisão Texto Integral:
M…, requereu, contra P…, a regulação do exercício do poder paternal relativo aos seus filhos N…, R… e S….
Realizou-se a conferência a que alude o nº 1 do art. 175º da OTM, e não tendo sido possível obter o acordo, foi regulado provisoriamente o exercício do poder paternal, nos termos do art. 157° do mesmo diploma.
A requerente e o requerido apresentaram alegações e arrolaram testemunhas.
Foi suscitado incidente de incumprimento do regime provisório.
Foi elaborado relatório social sobre as condições socioeconómicas da requerente.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença.

Inconformada com a decisão, interpôs a requerente o presente recurso de apelação.

O requerido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado, tendo também o MP se pronunciado em sentido idêntico.

Dada a simplicidade das questões objecto do recurso, com a anuência dos Ex.mºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foram dispensados os vistos, nos termos do art. 707º, nº 4 do Código de Processo Civil.

Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
“a) O regime fixado, ao colocar demasiado ênfase na parte variável da contribuição do requerido, está desfasado da realidade do ex-casal, onde o requerido há mais de dois anos se remeteu a um incumprimento sistemático e militante;
b) Revela-se também excessivamente oneroso e impraticável, para além de inadmissivelmente burocrático;
c) E penaliza fortemente a requerente quando e se, como é previsível, esta tiver de recorrer ao FGA Menores;
d) Tudo em violação do carácter de prestação pecuniária mensal (implicitamente regular e periódica) que se atribui a prestação alimentar no art. 2005° do C Civil,
e) E fortemente lesivo dos interesses do menor (art. 180°, nº 1, da OTM) face à experiencia já vivida.
f) Para além disso, violou a sentença recorrida a equação do art. 2004°, nº 1 do C.Civil, pois o esforço do requerido, face ao rendimento líquido mensal disponível, era nela muito inferior ao da requerente;
g) Para dar sentido àquela norma, os 200,00€ (duzentos Euros) de contribuição para cada filho, representam um valor proporcional ao esforço da requerida (na casa dos 2/5 do rendimento disponível daquele, e bruto nesta), e esse sim, equitativo.
h) Devendo pois optar-se por uma contribuição regular, mensal e previamente definida, a cargo do pai, não inferior a 200,00 € (duzentos Euros) por cada menor acrescida de 50% das despesas de saúde, liquidadas no regime da sentença a quo;
i) Deve alterar-se em função do regime provisório, o regime de visitas ao pai, de acordo com o que foi acordado”.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1 - Se a pensão de alimentos a cargo do requerido deve ser fixada no montante mensal de 200,00 € (duzentos euros) por cada menor acrescida de 50% das despesas de saúde.
2 - Se o regime de visitas ao pai deve ser alterado e fixado nos termos em que foi acordado no regime provisório.

FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Porque não foi impugnada nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, quanto a esta, nos termos do art. 713º, n.º 6 do Código de Processo Civil, remete-se para a respectiva decisão proferida na 1ª instância e que aqui se dá por reproduzida.

Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [2].

1 - Se, a pensão de alimentos a cargo do requerido deve ser fixada no montante mensal de 200,00 € (duzentos euros) por cada menor acrescida de 50% das despesas de saúde.
Entendeu o tribunal “a quo” fixar a pensão de alimentos a cargo do recorrido no montante mensal de € 75,00 para cada menor, suportando ainda “…metade das despesas de vestuário, educação, saúde, médicas e medicamentosas dos menores, na parte não comparticipada, contra entrega mensal dos recibos ou fotocópias dos recibos, remetidos via postal para as moradas dos autos…”.
Pretende a recorrente que o valor da pensão seja fixado no montante mensal de € 200,00 para cada menor, acrescida de metade das despesas de saúde.
Importa que se refira, antes de mais, que na douta decisão recorrida não se atendeu com a necessária relevância, ao facto provado de que o recorrido recebe por mês 375 € de abono de família pelos seus três filhos.
Tal valor, como é óbvio, constitui um apoio do Estado à família para fazer face às despesas com os filhos. Assim, este contributo apenas é concedido, porque os menores existem e, por conseguinte, deveria reverter a favor dos mesmos e ser deduzido nas respectivas despesas.
Está provado que as despesas mensais dos menores ascendem ao montante global de € 407,50, o que inclui “as despesas com a alimentação, vestuário e calçado, jardim de infância da S… (220 €), actividades de tempos livres do R… (7,50 €), almoços na escola do R… (60 €) e consultas de psicologia do R… (120€)”.
E foi com base neste valor que foi fixado o montante da pensão mensal a cargo do recorrido em 75,00 € para cada menor, no total de 225,00 €.
Ora, é por demais evidente, que aquele montante das despesas peca por claro defeito, já que é omisso quanto às despesas referentes à menor N…, para além de que não contempla as demais refeições dos menores, com excepção dos almoços da S… e do R...
O facto da menor N… estar, presentemente, a morar com os avós maternos, é irrelevante para aferição das despesas e do montante da prestação de alimentos.
Assim, afigura-se-nos poder concluir que o montante global mensal das despesas com os três menores ascenderá, presumivelmente, a cerca de 600,00 €, pelo que cada um dos progenitores deveria contribuir, “a priori” com o montante mensal de 300,00 €.
No montante dos rendimentos do recorrido considerados na fundamentação da douta sentença recorrida, foi incluído o valor do abono de família, tendo-se concluído que, deduzidas as despesas, o mesmo ficará com o montante mensal de € 1.553,99, ou seja, sensivelmente o dobro do rendimento da recorrente.
Importa ainda considerar que o progenitor com quem os menores vivem suporta, em regra, outras despesas de impossível contabilidade (por exemplo, revistas, guloseimas, brinquedos, etc.).
Assim, tendo em conta os rendimentos de cada um dos progenitores e que, nos do recorrido se inclui o contributo do Estado suíço para as despesas dos filhos, entendemos que a pensão a cargo do recorrido deve ser fixada no montante mensal de 130,00 € para cada menor, no total de 390,00 € [3].
A este valor acrescerá 50 % das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores, na parte não comparticipada, contra entrega mensal dos recibos ou fotocópias dos recibos, remetidos via postal para as moradas dos autos, nos termos fixados na douta sentença recorrida.

2 - Se o regime de visitas ao pai deve ser alterado e fixado nos termos em que foi acordado no regime provisório.
A intervenção do tribunal deverá limitar-se ao indispensável (princípio da intervenção mínima), dando primazia às soluções consensuais, desde que respeitem o superior interesse dos menores.
No decurso do processo foi acordado um regime provisório que contemplava também as visitas, mas tendo-se tido em conta que, à data, a menor N… estava a morar com o pai na Suíça, situação que, entretanto, se alterou, já que vive actualmente com a mãe (ou avós maternos, não releva) em Portugal.
Consta, por outro lado, da acta de julgamento a fls. 208, que no decurso deste, os ilustres mandatários das partes (que também estavam presentes) “disseram que, em face das declarações das partes, está assente o deferimento da guarda e poder paternal à mãe, bem como as visitas e os contactos dos avós paternos, já previstos no regime provisório, consideram que a única questão controvertida sobre a qual deve ser produzida prova é sobre os alimentos a fixar aos menores”.
Resulta daqui que recorrente e recorrido acordaram em manter o regime de visitas anteriormente fixado por acordo, convertendo, assim, em definitivo aquele regime provisório.
Mas, como é evidente, nesta declaração não se tiveram em conta as alterações ocorridas, ou seja, o facto de, entretanto, a N… ter passado a residir em Portugal.
Por outro lado, naquele acordo provisório a mesma menor ficara “confiada à guarda e cuidados do pai…”, com quem então residia, situação e pressuposto que, como referido, se alteraram.
Acresce que o mesmo acordo provisório é omisso quanto às festas do Natal, Ano Novo, Páscoa e férias dos menores, ocasiões que, diz-nos a experiência, devem ser objecto de regulação.
Assim, é por demais evidente que, ao contrário do alegado, não poderia pura e simplesmente converter-se em definitivo o acordo provisório, impondo-se, ao invés, a regulação dos pontos omissos e a adaptação do mais à situação actual dos menores, respeitando não só o princípio da menor intervenção, mas sobretudo o do superior interesse dos menores que se sobrepõe aos demais e à vontade das partes e cuja observância cumpre ao tribunal garantir.
E, com toda a consideração pela opinião contrária, foi o que se fez na douta sentença.
Alega a recorrente: “…as partes, por acordo, estipularam que no essencial o regime provisório era, mutatis mutantis, de manter, optando por não produzir prova nessa parte. Assim, os menores poderiam ver o pai sempre que este viesse a Portugal, e, se este financiasse a respectiva viagem, a menor mais velha (a N…) poderia deslocar-se à Suíça, com outro familiar, para estar com o pai nas férias desta. Nessa medida, os nºs 4, 5 e 6 da douta sentença, exorbitam o acordado, que deve ser reduzido a isso mesmo, como aliás já vigorava no regime provisório”.
Porém, visto o acordo provisório, não vemos que ali tenha sido acordado que ao recorrente caberia suportar as despesas de deslocação de um familiar para acompanhar a menor N… nas deslocações desta da Suíça a Portugal para passar as férias com a mãe. Consequentemente, a pretensão manifestada do requerido suportar, para além das despesas de deslocação da N…, a de um familiar para a acompanhar, não tem qualquer apoio no acordo provisório, adaptado à realidade actual.
Por outro lado, estando apenas acordadas as deslocações da N…, importa que se regulem as deslocações dos restantes menores nas visitas ao pai, quer em Portugal, quer à Suíça se o pretenderem.
Foi o que se fez.
Não sendo a vontade e o acordo das partes, como referido, uma barreira intransponível para o tribunal, este, ao alterar, adaptar e completar o acordado nunca estará a exorbitar o que quer que seja.
A vontade das partes, sendo embora de considerar e, se possível, atender, tem neste domínio um valor relativo.
Pelo referido, manter-se-á o regime de visitas tal qual foi fixado pelo tribunal “a quo”.
Pelas apontadas razões, o recurso merece apenas provimento parcial.
DECISÃO
Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em conceder provimento parcial ao recurso;
2. Em alterar a douta sentença recorrida na parte referente à pensão de alimentos, que agora se fixa no montante mensal de 130,00 € para cada menor, no total de 390,00 €, a que acrescerão 50 % das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores, na parte não comparticipada, contra a entrega mensal dos recibos ou fotocópias dos recibos, remetidos via postal para as moradas dos autos, nos termos fixados na douta sentença recorrida.
3. Em confirmar, no mais e designadamente na actualização da pensão, a douta sentença recorrida.
4. Em condenar a recorrente e o recorrido nas custas nesta instância e na proporção de metade para cada parte.
Évora, 2.06.11
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
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[1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[3] Se atendermos a que o recorrido recebe 375,00 € de abono de família, do rendimento do seu trabalho apenas contribuirá com 15,00 €.