Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA RÉPLICA DEFESA POR EXCEPÇÃO IMPUGNAÇÃO MOTIVADA | ||
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Data do Acordão: | 02/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Não constitui defesa por exceção a apresentação pelo réu de uma versão diferenciada dos acontecimentos, com a alegação de factos opostos aos invocados na petição inicial e a negação da maior parte dos factos constitutivos do direito do autor. II – Afastada assim da contestação a defesa por exceção, não assiste ao autor o direito de responder por réplica na audiência prévia (art. 3º, nº 4, do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO Nos autos de ação declarativa, com processo comum, que BB move a “CC, Lda.” e DD, veio o autor, no início da audiência prévia, apresentar articulado de resposta “à exceção e à invocada litigância de má-fé deduzidas pela ré (…) e pedir a condenação desta como litigante de má-fé”. Foi concedido prazo à ré para se pronunciar sobre tal articulado e designada nova data para continuação da audiência prévia. A ré respondeu, sustentando a inadmissibilidade da “resposta à exceção”. Reiniciada a audiência prévia na data designada, o Mm.º Juiz a quo proferiu despacho que, no que aqui importa, reza assim: «Na anterior sessão desta audiência prévia o Autor apresentou um requerimento escrito, junto a fls. 269 a 293, pelo qual pretendeu responder àquilo que ali qualificou como “excepção deduzida pela Ré”. No mesmo requerimento tomou posição sobre a imputação de litigância de má-fé feita na contestação pela Ré CC, Lda. e aproveitou a oportunidade para juntar diversa documentação e requerer ainda outra prova. Salvo devido respeito por opinião contrária, e como bem assinalou tal Ré na resposta de fls. 297 a 299, na contestação não foi apresentada qualquer excepção, fosse ela dilatória ou peremptória, de direito processual ou de direito material, que habilitasse o Autor a exercer o direito de resposta no início desta audiência prévia por não ser possível a apresentação de réplica (artigo 584.º n.º 1 CPC). Na verdade, a contestação apresentada pela referida Ré configura simples impugnação da factualidade descrita na petição inicial, dando inclusive à mesma outro enquadramento e outra versão dos factos. Não podia pois o Autor apresentar o articulado a que se fez referência no início deste despacho, sob pena de a propósito de qualquer tomada de posição sobre os factos controvertidos se apresente “a torto e a direito” articulados de resposta. Se é certo, portanto, que o Autor não poderia apresentar tal peça processual, não é menos verdade que, uma vez notificada a contestação, poderia ter tomado posição sobre a imputação de má-fé em requerimento próprio, não tendo que esperar pelo início da audiência prévia para o fazer. (…). Nestes termos, admito o requerimento de fls. 269 e seguintes unicamente na parte relativa à tomada de posição quanto à má-fé processual, tendo-se por não escritas todas as matérias que extravasam tal temática e supra referidas.» Inconformado, o autor apelou do assim decidido, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem: «a) – A Ré CC Ldª contestou por excepção, invocando factos impeditivos e extintivos do direito à indemnização alegados pelo A. b) – O A. respondeu a estes factos alegados pela Ré neste capítulo da excepção c) – O A. tinha o direito de responder a esta factualidade que consubstanciava a matéria da excepção tal como havia sido qualificada e demarcada pela Ré, pelo que d) – O MMº Juiz ao indeferir a resposta à excepção apresentada pela A., violou o disposto nos artºs 3º nº 4, “ex vi” do artº 576 nº 3 e artº 4º todos do C.P.C.. Nestes termos e invocando ainda o douto provimento de V.Excias deve ser dado provimento ao presente recurso, em conformidade com as antecedentes conclusões, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que receba a resposta à excepção apresentada pelo A. assim se fazendo a costumada JUSTIÇA». Não se mostram juntas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se na contestação que apresentou, a ré se defendeu por exceção, possibilitando assim a resposta do autor que foi desconsiderada pelo Tribunal a quo. III – FUNDAMENTAÇÃO Os factos e as ocorrências processuais relevantes para o julgamento do recurso são os descritos no relatório supra. O DIREITO Está em causa a qualificação da defesa da ré deduzida na contestação. A questão reconduz-se a saber se na contestação a ré se defendeu por exceção ou por impugnação motivada, sabido que «[à]s exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final» – art. 3º, nº 4, do CPC. «O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido» - art. 571º, nº 2, do CPC. «Num sentido lato, a defesa por exceção compreende toda a defesa indireta, assente num ataque de flanco contra a pretensão formulada pelo autor. Trata-se da defesa que, sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles se pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor»[1]. Como refere Anselmo de Castro[2], em todos os casos a negação motivada, ainda que contenha a aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre a negação do facto constitutivo da ação como um todo. Na defesa por exceção material entrarão todos os factos que possam conduzir a que o direito do autor que poderia ter nascido, efetivamente não nasceu – factos impeditivos –, ou que modificaram as condições desse nascimento ou o extinguiram – factos modificativos e extintivos. «A diretriz geral será a seguinte: na negação motivada, como se disse, ainda que haja aceitação parcial dos factos, nega-se sempre a realidade do facto constitutivo, visto se afirmar que o facto jurídico ocorrido foi um facto diverso e com diversas consequências jurídicas. Na defesa por exceção, o facto constitutivo não é negado, e tão só (reportamo-nos, é óbvio, aos factos impeditivos), se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos no próprio ato do nascimento, ou seja, na sua raiz»[3]. Na decisão recorrida o Mm.º Juiz entendeu que “na contestação não foi apresentada qualquer excepção, fosse ela dilatória ou peremptória, de direito processual ou de direito material, que habilitasse o Autor a exercer o direito de resposta no início desta audiência prévia por não ser possível a apresentação de réplica (artigo 584.º n.º 1 CPC). Na verdade, a contestação apresentada pela referida Ré configura simples impugnação da factualidade descrita na petição inicial, dando inclusive à mesma outro enquadramento e outra versão dos factos.» Para avaliar a correção deste raciocínio importa analisar a posição que as partes assumiram nos seus articulados (petição inicial e contestação). Alegou o autor na petição inicial: - No dia 19 de Dezembro de 2012, pelas 10h20m, no lugar da … – União de Freguesias da …, Concelho de Tomar, mais concretamente na Rua …, na moradia denominada ‘Solar …’, propriedade do autor, ocorreu uma violenta explosão de gás [art. 1º]. - Tratava-se de uma casa antiga, que o autor recuperou e encontrava-se em construção há cerca de 20 anos, sem que fosse habitada e, onde o autor, durante todo esse tempo, empregava a sua disponibilidade (período das férias de verão), a trabalhar [art. 2º]. - Ambos os réus foram contratados pelo autor para que em troca do respetivo preço pelo trabalho realizado e materiais utilizados fizessem, a firma ré a instalação completa do gás de forma a alimentar a placa instalada na cozinha e o 2.º Réu a ligação do gás à placa [art. 12º]. - Ambos os réus se dedicam a trabalhos relacionados com as instalações de gás [art. 13º]. - E ambos aceitaram realizar obra que lhes foi proposta [art. 14º]. - A firma ré apesar de ter abandonado os trabalhos há mais de um ano nunca se preocupou em acabá-los nem em avisar o autor do perigo que a instalação no estado em que se encontrava representava para a casa [15º]. - E o 2.º réu fez a ligação do gás sem verificar que o equipamento existente não se encontrava completo nem bem montado, sequer respeitava normas mínimas de segurança. - Nenhum dos RR. se encontra certificado pelas entidades competentes para poder fazer instalações de gás, conforme impõe o Art.º 7.º, DL 521/99, de 10.12 [18º]. - A ligação do gás foi depois efetuada pelo 2.º réu, que colocou a placa e ligou-a à instalação existente que foi efetuada pela 1.ª Ré [21º]. - A 1.ª ré deixou a instalação que tinha montado com uma fuga no corpo da válvula de corte geral à instalação e sem limitador de pressão e respetiva ligação à terra, sem se importar com o perigo que tal representava para o caso de, como aconteceu, alguém vir ligar o gás convencido de que a instalação não tinha aqueles vícios [art. 67º]. - O 2.º réu procedeu à ligação de gás à placa sem antes verificar o estado da instalação anterior, ou seja, que a instalação tinha ficado com uma fuga no corpo da válvula de corte à mesa de encastrar, e que o posto de armazenamento das garrafas de gás não tinha válvula de corte geral à instalação nem limitador de pressão e respetiva ligação à terra [art. 68º]. Na contestação, a ré impugnou vários dos factos articulados pelos autores, tendo alegado, em suma: - A 1ª ré foi inicialmente contratada pelo autor, obrigando-se mediante orçamento e preço acordado a executar na casa antiga do autor, sita no lugar da … – Serra de Tomar, que este reconstruía, instalação do aquecimento central, pré instalação do ar condicionado, sistema solar térmico e canalizações [art. 3º]. - Tudo isso foi executado conforme o acordado, sem defeitos e sem qualquer reclamação do autor [art. 4º]. - A ré sempre contratou com o autor de boa-fé, dando execução a todas as prestações a que se obrigou, sem vícios ou defeitos que excluíssem o valor das obras e trabalhos acordados (…) [art. 10º] - No que respeita à alteração da instalação do gás que a ré se obrigou executar, sem qualquer prazo (…), tal alteração era meramente parcial, na medida em que por indicação do autor, manteve-se a parte da instalação já existente que ligava a cabine do gás à entrada da cozinha da casa [art. 12º]. - A ré executou na íntegra tudo quanto contratou com o A. e que ficou referido no artº 3º deste articulado [art. 15º]. - Estando tudo regular e em bom estado de conservação, pois a ré empregou todas as regras técnicas, de arte e segurança a que estava obrigada [art. 23º]. - Se existiram erros e vícios de execução da ligação da instalação, o autor não os pode assacar à ré que não lhes deu qualquer causa [art. 42º]. - Bem pelo contrário, a ré não pode concluir a obra, exclusivamente por causa imputável ao autor [art. 43º]. - O acidente de explosão de gás na casa do autor só poderá ser imputável ao 2º Réu, ao próprio autor ou a ambos [art. 45º]. Nas conclusões de recurso o autor sustenta que a ré se defendeu por exceção ao alegar tais factos, em conformidade, aliás, como foi qualificada pela ré tal defesa. Da transcrição supra decorre que na petição inicial o autor fundamentou o pedido no facto de, alegadamente, a explosão ocorrida na sua casa se ter ficado a dever ao facto de a instalação de gás efetuada pelos réus padecer de vícios e defeitos, sendo que os réus nem sequer estavam certificados para fazer instalações de gás. Fundou ainda a sua pretensão na circunstância de terem resultado dessa explosão danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor e dos quais se quer ver ressarcido. Ora, na contestação a ré limitou-se a impugnar vários dos factos alegados na petição inicial, nomeadamente a alegada existência de vícios na instalação do gás, e a apresentar uma versão diferenciada dos acontecimentos, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor. Para além de não aceitar a verificação da maior parte desses factos constitutivos – pelo menos quanto a si -, a ré alegou factos opostos àqueles (e não factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito invocado pelo autor), tendo, em essência, negado a sua responsabilidade na verificação da explosão ocorrida, Não alegou assim factos novos impeditivos do nascimento do direito do autor ou que modificasse as condições desse nascimento ou ainda que tal direito se encontre extinto, sendo sintomático de tal a circunstância dos factos alegados pela ré serem na sua maior parte inconciliáveis com os articulados pelo autor. Entende-se, pois, que na contestação não foi deduzida qualquer defesa por exceção, mas mera impugnação motivada, pelo que não assistia ao autor o direito de responder por réplica na audiência prévia, nos termos do art. 3º, nº 4, do CPC, sendo irrelevante que a ré tenha apelidado a sua defesa como “exceção”. Nenhuma censura merece, por isso, a decisão recorrida, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras. Sumário: I - Não constitui defesa por exceção a apresentação pelo réu de uma versão diferenciada dos acontecimentos, com a alegação de factos opostos aos invocados na petição inicial e a negação da maior parte dos factos constitutivos do direito do autor. II – Afastada assim da contestação a defesa por exceção, não assiste ao autor o direito de responder por réplica na audiência prévia (art. 3º, nº 4, do CPC). IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. * Évora, 8 de Fevereiro de 2018 Manuel Bargado Albertina Pedroso Tomé Ramião __________________________________________________ [1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 291. [2] In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pp. 213 e 215. [3] Ibidem, p. 216. |