Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ÁLVARO RODRIGUES | ||
Descritores: | ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE CARÊNCIA DE MEIOS DO OBRIGADO RENDIMENTO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO | ||
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Data do Acordão: | 06/16/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | Quando ao obrigado a prestar alimentos, lhe é retirado qualquer montante do seu rendimento líquido, já de si inferior ao salário mínimo nacional, não há dúvidas que se põe em causa a sua própria subsistência. Nestas situações/limite será constitucionalmente legítimo o sacrifício do necessitado, na medida em que é necessária a salvaguarda do direito fundamental do obrigado a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação 1087/05-2 (Acção Sumária 530/2002) 1º Juízo de Santiago do Cacém Acordam na Secção Cível da Relação de Évora: RELATÓRIO M. intentou a presente acção condenatória com processo sumário contra L., ambos com os sinais dos autos, alegando para tanto e em síntese, que A e R. foram casados sob o regime de separação de bens, e que tal casamento foi dissolvido por divórcio, sendo que, na vigência do casamento, era o Réu que, com o produto do seu trabalho e dos rendimentos prediais, assegurava a subsistência da família, incluindo a da ora Autora. Após o divórcio, a A. passou a viver exclusivamente do produto da sua reforma, no montante de cerca de € 190,00 mensais, acontecendo que a A. é doente, tem 66 anos de idade e não pode trabalhar para prover ao seu sustento. Tem despesas fixas com a renda da casa, assistência médica e medicamentosa, alimentação e vestuário superiores a € 315,00, pelo que carece de alimentos a fixar em valor não inferior a € 125,00 mensais. Mais alega que o Réu tem possibilidades de prestar os alimentos de que a Autora carece, estando mesmo obrigado a prestá-los na medida em que foi declarado único culpado do divórcio, sendo certo que aufere rendimentos de duas pensões de reforma no montante total de mais de € 500,00, recebendo, igualmente, rendas de dois prédios urbanos em ………, no montante de cerca de € 175,00 cada. Conclui, destarte, que o Réu tem rendimentos superiores a € 675,00 mensais, tendo, assim, possibilidades de prestar alimentos à Autora, no valor de € 125,00 por mês. Pediu que o Réu fosse condenado a pagar à Autora uma pensão alimentícia de € 125,00 mensais, e, durante a pendência do processo, uma pensão de igual montante, a título de alimentos provisórios. O Réu contestou impugnando a materia factual alegada pela A., concluindo pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido. Após a tramitação legal, foi a presente acção julgada, tendo sido proferida sentença que absolveu o Réu do pedido, por força da improcedência da Acção. Não se conformando com tal decisão, a Autora veio impugnar a mesma, mediante a presente Apelação para este Tribunal da Relação, rematando a sua alegação com as seguintes: Conclusões: a) O critério de avaliação das possibilidades do R. para prestar alimentos e da necessidade da A. deve passar pela igualização das situações relativas à habitação, acrescentando o valor da renda paga por esta ao rendimento daquele, ou retirando do rendimento global desta o valor da renda de casa; b) Por este critério, o valor das despesas das duas partes deve considerar-se equivalente – ambos são doentes, com despesas certas em medicamentos gastam água, energia eléctrica, gás e telefone, ambos necessitam de se alimentar e de se vestir, factos que são notórios e que não carecem de alegação ou prova; c) Para as despesas a que se refere a conclusão b) a A. dispõe de 15,00 Euros e disporá de 140,00 Euros se lhe for reconhecido, como deve, o direito a alimentos; d) Ao invés, o R/recorrido dispõe de 394,71 Euros (mais de 26 vezes o rendimento disponível da A.!!!), ou de 269,71 Euros (ainda quase o dobro da A.), se vier a ser condenado no pagamento da pensão; e) O rendimento da A. e a necessidade de recorrer a ajudas de terceiros ofende a sua dignidade como pessoa; f) Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e lavrado Acórdão condenando o R/Recorrido a pagar à A./recorrente a pensão de alimentos peticionada. O Apelado apresentou as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, dizendo em síntese, que o cumprimento da obrigação de prestar alimentos não pode ser fixado tendo em conta a aritmética dos meios de subsistência do alimentando e alimentante e que a existir a necessidade da Apelante, não há capacidade de o Apelado prestar alimentos, não se cumprindo, assim, os requisitos, que são cumulativos, do artº 2004º do C.Civil. Se a Recorrente pretende defender a sua dignidade e sem recorrer a ajudas de terceiros, deve intentar acção de alimentos contra os demais obrigados, que sabe existirem, nos termos do artº 2009º do C.Civil. Colhidos os vistos legais, e nada obstando a que se conheça do objecto do presente recurso, o qual é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos das disposições combinadas dos artºs 684º nº3 e 690º nºs 1 e 4 do CPC, como é jurisprudência uniforme, passa-se a apreciar e decidir. FUNDAMENTOS A sentença proferida considerou provados os seguintes factos: 1) – A autora e réu contraíram matrimónio entre si em 06 de Fevereiro de 1975, sob o regime da separação de bens – facto assente em A). 2) – Por sentença datada de 22/06/99 e transitada em julgado proferida nos autos de Acção de Divórcio, com o n.º 363/99 que correr termos pelo 2.º juízo deste Tribunal, foi decretado o divórcio entre L. e M., tendo sido declarado resolvido o casamento com culpa exclusiva daquele – fls. 49/51 dos respectivos autos – facto assente em B). 3) -Na vigência do casamento era o R. que com o produto do seu trabalho e rendimentos prediais assegurava a subsistência da família – resposta ao ponto 1) da base instrutória. 4) - Incluindo a subsistência da autora – resposta ao ponto 2) da base instrutória. 5) - Tal situação só não ocorria quando a autora estava ocupada com trabalhos ocasionais, em regra por curtos períodos – resposta ao ponto 3) da base instrutória. 6) - Após o divórcio, a autora passou a viver do produto da sua reforma mensal de cerca de € 190,00 – resposta ao ponto 4) da base instrutória. 7) - A autora é doente – resposta ao ponto 5) da base instrutória. 8) - Por ser doente, a autora só com maior dificuldade e com sacrifício poderá trabalhar – resposta ao ponto 6) da base instrutória. 9) – A autora para além das normais despesas com a sua alimentação e vestuário, paga de renda mensal da casa que habita a quantia de € 175,00 e em medicamentos e assistência médica gasta a média mensal não inferior a € 50,00 – resposta ao ponto 7) da base instrutória. 10) – O réu recebe uma contrapartida monetária pela ocupação do prédio urbano, sito no Loteamento do ……….. – resposta ao ponto 9) da base instrutória. 11) – A contrapartida monetária pela ocupação desse imóvel é de € 150,00 mensais – resposta ao ponto 10) da base instrutória. 12) – O réu aufere uma pensão de reforma no valor mensal de € 244,71 – resposta ao ponto 11) da base instrutória. 13) - O réu vive no prédio urbano sito na Rua……….. – resposta ao ponto 12) da base instrutória. 14) - A filha do réu e da autora vive no prédio urbano sito no Loteamento do…………… – resposta ao ponto 13) da base instrutória. 15) - O réu com fornecimento de água, luz e telefone, gasta mensalmente não menos de € 52,00 – resposta ao ponto 15) da base instrutória. 16) - Em taxa de conservação de esgotos, o réu gasta mensalmente pelo menos € 5.47 – resposta ao ponto 16) da base instrutória. 17) - O réu é diabético – resposta ao ponto 18) da base instrutória. 18) - Mensalmente gasta não menos de € 50,00 em medicamentos – resposta ao ponto 19) da base instrutória. 19) - O réu em 08/08/01 foi submetido a intervenção cirúrgica a cataratas – resposta ao ponto 20) da base instrutória. Esta factualidade, na medida em que não foi impugnada, nos termos do artº 690º-A do CPC, há-de considerar-se fixada. A sentença recorrida considerou que a Autora tem uma pensão de reforma de € 190,00 mensais, tendo, como despesas mensais, de gastar € 225,00 (€ 175,00 de renda de casa + € 50,00 em medicamentos) resultando, assim, um deficit (ou saldo negativo, na expressão da sentença recorrida), de € 35,00. Assim sendo, é patente que a Autora carece de alimentos, até porque para além das citadas despesas, a mesma terá outras, dado que tem necessidade de comer e beber, tratar da sua higiene pessoal, vestir-se e calçar etc., como é facto notório. Relativamente ao Réu, o Tribunal apurou que o mesmo tem um rendimento mensal de € 394,71 (€ 244,71 de pensão de reforma + € 150,00 de contrapartida pela ocupação de um prédio urbano, em ……..) quantia que, com bem refere a sentença em recurso, encontra-se muito próxima da retribuição mínima mensal para o ano de 2004, de acordo com as disposições normativas citadas na referida decisão e que aqui se dão por reproduzidas. Deduzidas as despesas mensais deste, no valor que o Tribunal apurou em cerca de € 107,47 (€ 57,74 em água, luz, telefone e taxa de conservação de esgotos e € 50,00 em medicamentos), resta-lhe um remanescente de € 287, 24 mensais, pois não paga a habitação. Ora é patente que, se tivermos também em conta, como não pode deixar de ser, até porque é facto notório, que o Réu, como qualquer pessoa, tem de se vestir, calçar, comer e beber e tratar da sua higiene pessoal, em raciocínio simétrico ao que elaborámos relativamente à Autora, o que lhe resta mal chegará para ele próprio, quanto mais para prestar uma pensão alimentícia, como é facto presuntivo, decorrente do id quod plerumque acidit, isto é das regras da experiência comum! Esta é que é a realidade irrefragável que deflui dos autos, não havendo, ressalvado o devido respeito, que ficcionar uma pretensa igualização das situações relativas à habitação ou a equivalência do valor das despesas das duas partes ou, ainda, partir do pressuposto, sem qualquer apoio na factualidade provada, de que o Recorrido dispõe de mais de 26 vezes o rendimento disponível da A, como pretende a Apelante nas conclusões a) a d) que, assim, improcedem. A situação do caso em apreço é análoga à referida no Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Outubro de 1999, aliás citado na sentença, ora sob censura, e que, dada a aplicabilidade das considerações tecidas no aludido aresto, ao caso dos autos, não resistimos, data venia, a transcrever: «... Através dos elementos acabados de referir, não há dúvidas de que a Requerente demonstrou estar carecida de alimentos. Todavia, esta carência entra em colisão com as possibilidades económicas do Requerido em satisfazer aquela, dado que o seu rendimento mensal líquido, como já se sublinhou, se situa aquém do salário mínimo nacional, o qual é exigível para uma sobrevivência condigna de acordo com a dignidade da pessoa humana a que se reporta o artº 1º da Constituição». E, mais adiante, afirma o douto aresto em referência: «... A lei não nos diz, efectivamente, em termos quantitativos, o valor correspondente a esse mínimo. Todavia, e como parâmetro, poderá tomar-se em conta, o estabelecido para o salário mínimo nacional. Deste modo, quando ao obrigado a prestar alimentos, lhe é retirado qualquer montante do seu rendimento líquido, já de si inferior ao salário mínimo nacional, não há dúvidas que se põe em causa a sua própria subsistência. Nestas situações/limite será constitucionalmente legítimo o sacrifício do necessitado, na medida em que é necessária a salvaguarda do direito fundamental do obrigado a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.» (Col. Jur., 1999, IV, 28). Também, no caso sub judicio, não há que lançar mão do estatuído no nº1 do artº 335º do Código Civil, segundo o qual " havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". Embora a nossa Jurisprudência utilize tal regra em matéria de alimentos, como acontece com o Ac. do STJ de 17.02.81 in BMJ 304, 428, a verdade é que, como se deixou demonstrado pelo apuramento da quantia remanescente com que conta o Réu após a dedução das despesas mencionadas, um agravamento de tais despesas mediante o encargo de alimentos à sua ex-cônjuge, iria comprometer as próprias condições de subsistência/sobrevivência do Recorrido, que além do mais é diabético e foi operado às cataratas, como vem provado [1] , o que é vedado pelo nº 2 do artº 2004 do C.Civil, em consonância, de resto, com os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, designadamente do direito à vida e à saúde. Improcedem, destarte, as conclusões da alegação da Apelante, não merecendo qualquer crítica a sentença recorrida que revela criteriosa aplicação dos normativos atinentes à situação factual apurada. DECISÃO Tudo visto e ponderado, acorda-se em julgar improcedente a presente Apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pela Apelante, sem prejuízo do Apoio Judiciário concedido. Processado e revisto pelo Relator. Évora, 16 de Junho de 2005 ______________________________ [1] Factos que, forçosamente, dificultariam a obtenção de trabalho para fazer face às despesas. |