Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | INCIDENTE TRIBUTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/30/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | (i) Não constitui incidente anómalo sujeito a tributação o requerimento apresentado pelo Autor em nome próprio a pedir cópia da gravação da audiência prévia, requerimento esse que foi indeferido por a audiência não ter sido gravada, se nenhum elemento constante dos autos aponta no sentido que quando o Autor formulou o requerimento em causa fosse do seu conhecimento não se ter verificado essa gravação; (ii) O requerimento em causa também não justifica a aplicação de uma taxa sancionatória especial a que alude o artigo 531.º do Código de Processo Civil, por não só o juiz não basear nesse específico fundamento a condenação da parte, como também por não se mostrar provado que a mesma parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 72/14.0TTEVR-A.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório No âmbito da acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, que B… intentou na Comarca de Évora (Évora – Instância Central – Secção de Trabalho – J1) contra C…, S.A., procedeu-se em 13 de Janeiro de 2015 à realização de uma audiência prévia, conforme consta da cópia da respectiva acta junta a fls. 8 a 12 dos presentes autos. Em 22 de Janeiro seguinte, o Autor subscreveu ele próprio um requerimento ao tribunal a solicitar cópia da gravação da referida audiência prévia (fls. 13). Sobre tal requerimento foi proferido em 30-01-2015 o seguinte despacho: «Fls. 850 e 851: Indeferido, como o Autor bem sabe a audiência prévia não tem de ser gravada por lei e como tal não foi gravada. Custas do incidente pelo Autor com 2 UCs de taxa de justiça. Notifique». Notificado do despacho, o Autor dele veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «1 – O douto despacho recorrido não se encontra suficientemente fundamentado, não sendo possível compreender se a condenação em taxa de justiça é feita aplicando ao recorrente a taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do Código de Processo Civil ou se se trata da tributação de um incidente considerado anómalo. 2 – Violando, por isso, o disposto nos art.º 154.º e 531.º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser considerado nulo e de nenhum efeito. 3 - A lei prevê que a audiência prévia seja gravada sempre que possível. 4 – Na acta da mesma nada se diz em relação à gravação. 5 – O recorrente tinha interesse nessa mesma gravação pois ponderava recorrer de um despacho nele proferido. 6 – E desconhecia que a audiência não havia sido gravada. 7 – O requerimento em causa, considerando o seu contexto, o facto de o recorrente poder ter interesse na gravação e ainda opor ter sido elaborado e entregue sem intervenção do seu mandatário não constitui acto demonstrador de acção sem a prudência ou diligência devidas. 8 – Nem se trata de incidente que justifique a sua tributação autónoma. 9 – Nada justifica, pois, a condenação do recorrente em duas unidades de conta. 10 – O douto despacho recorrido deve, pois, ser revogado na parte em que condenou o recorrente no pagamento de taxa de justiça». Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Recebido o recurso em separado neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela procedência do recurso e, em consequência, “(…) determinando-se a devolução dos autos ao tribunal da primeira instância para que fundamente o despacho recorrido, indicando as razões de facto e de direito, que determinaram a respectiva condenação, em conformidade com o disposto no[s] artigos 613º, n.º 3 e 662º, n.º 2, alínea d), ambos do CP[C]”. Tendo-se entretanto, em 29-02-2016, procedido à redistribuição dos autos nesta Relação, foram os mesmos distribuídos ao ora relator. Preparando a deliberação, com remessa de projecto de acórdão aos Exmos. Juízes Adjuntos, e realizada a conferência, é agora o momento de deliberar. II. Objecto do recurso e factos Tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, (cfr. artigos 635.º, n.º 3 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso importa apreciar, desde logo, se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e, subsequentemente se existia(e) fundamento para a condenação do recorrente em custas do incidente. A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que por razões de economia processual aqui se considera reproduzida. III. Fundamentação Como resulta do relatório supra, em 13 de Janeiro de 2015 procedeu-se no tribunal recorrido, e no âmbito do Proc. n.º 72/14.0TTEVR, a uma audiência prévia. Analisada a respectiva acta não se localiza na mesma qualquer referência se houve ou não lugar à gravação da audiência Em 22 de Janeiro de 2015, por motu próprio, o Autor apresentou ao tribunal um requerimento a solicitar cópia da gravação dessa audiência prévia. Com fundamento em que o Autor bem sabia que a audiência prévia não tinha que ser gravada e que, por isso, não foi gravada, o tribunal indeferiu o requerido e condenou o Autor pelas “custas do incidente” em 2 UC de taxa de justiça. Extrai-se assim que embora o despacho recorrido seja omisso quanto à norma legal que suporta a condenação em custas e a concreta fundamentação dessa condenação, entendeu contudo que o requerimento do Autor era manifestamente improcedente, pois este bem sabia que não tinha que haver lugar e, por isso, não houve gravação da audiência. Contudo, sublinha-se, do referido despacho não se extrai o concreto fundamento por que o tribunal entendeu qualificar e tributar o requerimento em causa como incidente anómalo, ou outro. Ora, não pode olvidar-se que constitui princípio constitucional a necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 1, da CRP). Tal necessidade, como assinalam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pág. 70), cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – traduzido na pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões –, e uma função de carácter subjectivo – que, através do controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, visa garantir o direito ao recurso. A necessidade de fundamentação decorre também de leis processuais, e, no caso, especificamente no artigo 154.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), à semelhança do que dispunha o artigo 158.º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil, expressamente se consigna que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. Sobre a necessidade de fundamentação/motivação das decisões, escreve Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, págs. 172-173): «A exigência de motivação é perfeitamente compreensível. Importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser. Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que a decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai a força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que decisão é conforme à justiça. A função própria do juiz é interpretar a lei e aplicá-la aos factos em causa; por isso, deixa de cumprir o dever funcional o juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto. A decisão é um resultado, é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge». Pois bem: no caso, como se disse, não se detecta no despacho recorrido qualquer fundamentação para a qualificação do requerimento apresentado pelo Autor/recorrente como incidente processual anómalo, tributável, ou até a justificar a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional nos termos previsto no artigo 531.º do Código de Processo Civil. Reconhece-se, e aceita-se, que face ao volume processual com que diariamente os julgadores são confrontados, com inúmeras questões para decidir, não pode exigir-se aos mesmos uma fundamentação escalpelizada em relação a todas as decisões, designadamente em relação a todos os despachos (que não de mero expediente, já que estes não carecem de fundamentação – cfr. n.º 2 do artigo 152.º do compêndio legal em referência): cremos, todavia, que se exige uma fundamentação, diremos mínima, por exemplo pelo menos através da referência aos normativos legais aplicáveis, que permita aos sujeitos processuais, e até o tribunal superior em caso de recurso, apreender as razões da decisão. Contudo, no caso, verifica-se uma total ausência de fundamentação. Tal, face aos princípios gerais referidos, seria susceptível de determinar a nulidade do despacho na parte em causa e a necessidade dessa nulidade ser suprida na 1.ª instância (cfr. artigo 613.º, n.ºs 2 e 3 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil). Todavia, tendo em conta que apenas está em causa a fundamentação jurídica do despacho na parte em que condena em custas do incidente o Autor, e os poderes conferidos a este tribunal na matéria (cfr. artigos 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 5), a fim de evitar delongas processuais e até a prática de actos inúteis, entende-se conhecer desde já do mérito do recurso. De acordo com o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, a decisão que julga a acção ou algum dos seus incidentes condena em custas a parte que a eles houver dado causa. E nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento, acrescentando-se no n.º 8 que se consideram procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas. Assim, de acordo com o referido n.º 8 constitui incidente anómalo aquele que é estranho ao desenvolvimento normal da lide, ou seja, as ocorrências que a normal tramitação do processo não comporta. No dizer de Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2011, 3.ª edição, Almedina, pág. 218) «[o] não cabimento na tramitação normal do processo significa a sua desconexão com a finalidade da forma de processo envolvente, e o requerimento autónomo é a forma normal de formulação de pretensões, a que acresce ser o cumprimento do contraditório uma exigência normal, prevista no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil». Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-06-2013 (Proc. n.º 4142/03.2TDPRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt), citando Manuel Augusto Gama Prazeres, «(…) deve considerar-se estranha ao «desenvolvimento da lide» o requerimento ou a arguição que se afaste da normalidade de uma tramitação (uma tramitação normal é aquela que radica no exercício e salvaguarda de direitos). Enquanto tal, essa “ocorrência” constituirá uma violação dos princípios gerais da boa fé e da lealdade processual que impendem sobre todos os sujeitos processuais. O propósito do legislador ao estabelecer uma sanção, funda-se na circunstância de tais actividades ou condutas processuais serem entorpecedoras da ação da justiça e, como tais, causadoras de um dispêndio inútil de meios humanos e materiais». Com vista à resolução da questão equacionada, importa ter presente que está em causa um pedido de cópia da gravação da audiência prévia. E de acordo com o disposto no artigo 591.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 62.º, do Código de Processo do Trabalho), a audiência é, “sempre que possível”, gravada, o que significa que apenas haverá lugar a gravação da audiência quando tal se mostre possível. No caso em apreciação, face ao despacho recorrido, verifica-se que não houve lugar a essa gravação. Mas, pergunta-se: constituirá o pedido de cópia da (inexistente) gravação da audiência prévia um incidente anómalo? Entendemos que não. Desde logo porque não resulta dos autos, designadamente do despacho recorrido, que fosse do conhecimento do Autor – e, tenha-se presente, o requerimento foi por ele mesmo subscrito – que não tinha havido lugar à gravação: daí que não se possa concluir que o Autor apresentou o requerimento sem o mínimo fundamento legal e com intuitos dilatórios. É certo que o Autor esteve presente na audiência prévia: porém, tal não significa que ele tivesse obrigatoriamente que se aperceber da não gravação da audiência (desconhece-se, por exemplo, se o local onde decorreu a audiência existiam meios técnicos que permitiam a gravação, ainda que não estivessem ligados). Além disso, com tal requerimento não se pode considerar que o Autor viesse dar causa a desnecessário dispêndio de meios humanos e materiais, uma vez que tal requerimento apenas conduziria a um despacho de deferimento ou indeferimento, como sucedeu. A formulação do requerimento insere-se no direito da parte a requerer o acesso a uma determinada peça processual: naturalmente que no caso esse direito não podia ser satisfeito, por inexistência do pretendido, mas dessa inexistência, e consequente indeferimento do pretendido, não resulta, por si só, que o requerimento em causa se tenha afastado de uma normal tramitação dos autos, designadamente em face do direito da parte ao acesso a peças processuais. Conclui-se, por isso, pela inexistência de fundamento para qualificar o incidente como anómalo e condenar a parte nas custas respectivas. E, pergunta-se também: poderá o requerimento em causa justificar uma taxa sancionatória excepcional? Também aqui, face ao que se deixou afirmado, a resposta só pode ser negativa. Com efeito, nada resulta dos autos que a parte não tenha agido com a prudência e diligência devida. Para além disso, a aplicação da taxa de justiça excepcional dependeria sempre de uma decisão fundamentada do juiz: ora, se este omite qualquer referência sobre essa matéria, tal só pode significar que não se arrimou no normativo legal que permite a aplicação dessa taxa (artigo 531.º do Código de Processo Civil). Nesta sequência, aqui chegados, só nos resta concluir pela procedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela procedência deste. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto por B…, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que condenou o recorrente em custas do incidente. Sem custas. Évora, 30 de Março de 2016 João Luís Nunes (relator) Alexandre Ferreira Baptista Coelho (adjunto) José António Santos Feteira (adjunto) |