Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
247/17.0T8LLE.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
PRAZO NÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – O prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3 do no DL n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual, uma vez que não se destina à prática de um ato “em juízo”.
II – Assim, o prazo de 20 dias para impugnação judicial da decisão administrativa apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados, não nas férias judiciais.
Decisão Texto Integral: Proc. 247/17.0T8LLE.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Faro (Instância Local de Loulé, Secção Criminal, J2) correu termos o Proc. 247/17.0T8LLE (recurso de contra-ordenação), no qual, por despacho de 27.02.2017 (fol.ªs 93 e 94), foi rejeitado o recurso (impugnação judicial) interposto pela arguida BB, Ld.ª, por intempestivo, da decisão da autoridade administrativa - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve - de 22.04.2016, que a sancionou, em cúmulo jurídico, com a coima de 14.000,00 euros, pela prática:
- de uma contraordenação p. e p. pelos art.ºs 5 n.º 1 da Portaria 335/97, de 16.05, 67 n.º 3 al.ª d) do DL 178/2006, de 5.09, com as alterações introduzidas pelo DL 73/2011, de 17.06, e 22 n.º 2 al.ª b) da Lei 50/2006, de 29.08, alterada pela Lei 89/2009, de 31.08, sendo esta retificada e republicada pela Declaração de Retificação n.º 70/2009, de 1.10, e atualmente alterada pela Lei 114/2005, de 18.08;
- de uma contraordenação p. e p. pelos art.ºs 3 al.ª b) da Portaria 335/97, de 16.05, 21 n.º 2 e 76 n.º 10 do DL 178/2006, de 5.09, com as alterações introduzidas pelo DL 73/2011, de 17.06, e 67 n.º 2 al.ª f) e 22 n.º 3 al.ª b) da LQCOA.
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2. Recorreu a arguida de tal decisão – que rejeitou o recurso – concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
a) O recurso de impugnação judicial deve ser considerado um ato praticado em juízo, gozando das mesmas prerrogativas dos recursos em matéria penal e cível.
b) Por conseguinte, é-lhe aplicável o disposto no artigo 279 al.ª e) do Código Civil, que estipula que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; os domingos e dias feriados são equiparados às férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».
c) O período de férias judiciais é definido no artigo 28 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de ramos a segunda-feira de páscoa e de 16 de julgo a 31 de agosto.
d) O artigo 60 n.º 2 do RGCO estabelece que «o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte».
e) Andou mal o tribunal a quo quando decidiu declarar intempestivo o recurso de «impugnação judicial».
f) Com essa decisão o tribunal a quo fez uma aplicação errada dos artigos 60 do RGCO e 279 al.ª e) do CC.
g) A fundamentação do tribunal a quo no acórdão n.º 2/94 do STJ não colhe, porque a jurisprudência fixada no citado aresto está completamente obsoleta e caduca, por força de uma evolução legislativo-jurídica que teve início com a publicação do DL n.º 244/95, de 14.09, e subsequente ao referido.
h) Por força do disposto no art.º 60 do RGCO, conjugado com o art.º279 al.ª e) do CC e 28 da Lei n.º62/2013, de 26.08, a prática do ato transfere-se para o primeiro dia útil após as férias judiciais, ou seja, 04.01.2017.
i) A apresentação em juízo do recurso de impugnação judicial teve lugar a 4.01.2017, pelo que deve ser considerada tempestiva; não ocorreu, como erradamente se afirma na decisão recorrida, dois dias após o termo do prazo.
j) Deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere o recurso tempestivo, por estar em tempo, prosseguindo o processo os ulteriores termos.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, dizendo, em síntese:
a) Da análise dos autos, tal como consta da douta decisão recorrida resulta que a arguida/recorrente foi notificada da decisão administrativa proferida da qual veio a interpor recurso em 28.11.2016 – fls. 50 - e que o requerimento de interposição de recurso foi remetido pela arguida/recorrente à autoridade administrativa via fax a 04.01.2017.
b) O prazo para interposição de recurso, tal como consta da douta decisão, iniciou-se a 28.11.2016 e teve o seu termo em 29.12.2016. Nessa contagem o tribunal teve em conta o disposto nos artigos 59 n.º 3 e 60 n.º 1 do RGCO, ou seja, que o prazo para impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, sendo que na contagem do prazo não se inclui o dia da notificação atento o disposto no artigo 279 alínea b) do CC, ex vi art.º 296 do CC, 104 do CPP e 41 n.º 1 do RGCO. A contagem do prazo efetuado pelo tribunal foi correctamente efetuada, tendo sido o recurso apresentado fora do prazo legal.
c) De acordo com o entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina o prazo previsto no artigo 59 n.º 3 do RGCO é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual, entendimento que se encontra consagrado no acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no Processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória geral: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”.
d) O citado acórdão de fixação de jurisprudência, ao contrário do que alega a recorrente, encontra-se em vigor tal como doutamente decidido, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.05.2011, Processo 301/09.2TFLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.
No sentido da validade da citada jurisprudência veja-se também o acórdão do STJ de 03.11.2010, em que o Supremo Tribunal de Justiça considerou: “IV - Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59.º, n.º 3, do RGCO não era um prazo judicial, o AUJ 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no n.º 3 do art. 144.º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104.º, n.º 1, e 107.º, n.º 5, do CPP.V - O DL 244/95 veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais. Quer dizer: o DL 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72.º, n.º 1, al. b), do CPA, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais. VI - Ou seja: o DL 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59.º, n.º 3, num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa. VII - Com a reforma introduzida no CPC pelo DL 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144.º, n.º 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do n.º 1 do art. 104.º do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias. VIII - É certo que o DL 244/95 em alguma medida contradiz o AUJ 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107.º, n.ºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei 59/98, de 25-08). IX - Tendo a decisão recorrida “infringido” o AUJ 2/94 com fundamento em caducidade do mesmo, e não em desactualização da jurisprudência fixada, duvidoso será que tenha de haver pronúncia sobre essa matéria. Porém, na medida em que da letra do n.º 3 do art. 446.º do CPP pode resultar o entendimento de que tal pronúncia é obrigatória, e também porque os recorridos fazem esse pedido subsidiariamente, aliás em conexão com a invocação de inconstitucionalidade da doutrina do AUJ 2/94, por violação dos arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da CRP, dir-se-á o que segue sobre essa questão. X - O direito de defesa em processo contra-ordenacional, que inclui o direito de audiência e o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59.º e ss. do RGCO, em cumprimento do disposto no n.º 10 do art. 32.º da CRP. A aproximação do direito contra-ordenacional ao direito penal, que é real, não impõe uma coincidência dos regimes processuais de ambos os ilícitos, dada a diferente natureza dos interesses em causa. É, pois, materialmente justificável uma diversa expressão dos direitos dos arguidos, naturalmente mais intensa no processo penal. XI - Não se mostra, pois, ultrapassada nem contrária à CRP a doutrina do AUJ 2/94. Concluindo: este Acórdão não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no n.º 3 do art. 59.º do RGCO não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do n.º 6 do art. 107.º do CPP”.
e) A sociedade recorrente/arguida entende ser aplicável à contagem do prazo o disposto no artigo 279 alínea e) do CC. Mas não. Estabelece o artigo 279 alínea e) do Código Civil: “À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: (…) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
O disposto no artigo 279 alínea e) do CC não é aplicável à contagem do prazo para apresentação de impugnação judicial, na medida em que se trata de um prazo que se insere na fase administrativa e não judicial, sendo que é nosso entendimento que caso o legislador quisesse equiparar o prazo em causa a um prazo judicial que o teria feito, inexistindo necessidade para, se fosse essa a intenção, de estabelecer as regras especiais previstas no artigo 60 do RGCO para a contagem do prazo.
De acordo com Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Souza, in Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, p. 359 e 360: “o prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo em tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial. Com efeito, o recurso da decisão de aplicação da coima é deduzido num processo contra-ordenacional, que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (artigo 62 n.º 2 do RGCO)”.
Sobre a matéria em análise o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 473/2001, de 24.10.2001, “não considerou inconstitucional o disposto nos artigos 59.º n.º 3 e 60.º n.º 1 e 2 do RGCO, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição de recurso neles previsto, não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas” (in Manuel Sima Santos e Jorge Lopes de Souza, in Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, p. 359 e 360).
Na mesma posição veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2015, Processo 3/14.8T8CBT.G1, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário é “I - Ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é aplicável o disposto no artigo 279. al. e) do C.C.”.
Pode-se ler em tal acórdão:
a apresentação do recurso de impugnação judicial perante a autoridade administrativa não é um acto a praticar em juízo, como o exige a segunda parte daquela al. e) do artigo 279º do CC, pelo que também por aqui a sua aplicação ao caso, é recusada.
Assim, não se suspendendo nas férias judiciais o prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, que não é um Tribunal, também não podemos considerar que haja qualquer dúvida (e só em caso de dúvida se colocaria a questão da aplicação do artigo 279º do C.C.) sobre a fixação do termo do referido prazo, sendo inaplicável o disposto no artigo 279º do C.C., nomeadamente na sua al. e)”.
No mesmo sentido veja-se também o acórdão do Tribunal da Relação de lisboa de 10-12-2013, Processo 5111/13.0T3SNT.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, e da Relação de Évora de 03.12.2015, Processo 2436/14.0TBPTM.E1, disponível in www.dgsi.pt, e a jurisprudência e doutrina nele citada “acórdãos, deste Tribunal da Relação de Évora (TRE) de 12/20/2012 (Processo 2394/11.3TBABF.E1) e de 01/06/2015 (Processo 10/14.0T8LAG.E1), subscritos, como adjunto, pelo aqui relator, e, de par, nos acórdãos, do Tribunal da Relação do Porto, de 01/09/2008 (Processo 0715838), e, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/10/2013 (Processo 5111/13.0T3SNT.L1-5), todos disponíveis em www.dgsi.pt, com apoio de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em «Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral», Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pp. 473 e ss”.
4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, em síntese:
- porque “o art.º 279 do CC é inaplicável… por força do art.º 296 do referido diploma, quando neste se exceciona a «falta de disposição especial em contrário»”;
- porque do RGCO, no art.º 60, resulta um regime especial em contrário, quando aí se estabelece que o prazo se suspende “aos sábados, domingos e feriados”, não estendendo a suspensão às férias judiciais (foi o legislador que, conhecedor das referidas normas do CC, quis estabelecer um regime próprio e específico na regulamentação dos prazos em sede de ilícito de mera ordenação social);
- porque o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa não é um ato praticado em juízo, pelo que não existe - ainda que se considerasse aplicável o requisito previsto na al.ª e) do art.º 279 do CC - razão para equiparar as férias judiciais aos domingos e feriados.
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5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 4 al.ª b) do CPP), atenta a questão - única - colocada pela recorrente, que é a de saber se - terminando o prazo de impugnação judicial no dia 29.12.2016 (período de férias judiciais) - a mesma pode ser apresentada no primeiro dia útil após as férias judicias, ou seja, em 4.01.2017.
Esta é, pois, a questão a decidir.
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E diga-se desde já que não vemos razões para alterar o decidido. Correndo o risco de nos repetirmos, face aos pertinentes argumentos utilizados na decisão recorrida e na resposta à motivação do recurso, que bem demonstram a correção do decidido e o apoio que aquela interpretação tem na doutrina e na jurisprudência, diga-se apenas:
1) O recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima é “apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido…”, suspendendo-se tal prazo “aos sábados, domingos e feriados”, sendo que, quando termine em dia durante o qual não seja possível, durante o período normal, apresentar o recurso, “transfere-se para o primeiro dia útil seguinte” (art.ºs 59 n.º 3 e 60 n.ºs 1 e 2 do RGCO), ou seja, o que a lei diz é que tal prazo se suspende aos sábados, domingo e feriados, podendo o ato ser praticado no primeiro dia útil seguinte quando o prazo termine em dia durante o qual não seja possível praticá-lo.
A pretensão de que tal prazo se suspende também durante as férias judiciais não tem qualquer suporte na letra da lei e na sua interpretação sistemática, sendo que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 9 n.º 2 do Código Civil), e “na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art.º 9 n.º 3 do Código Civil).
2) Contrariamente ao pretendido pela recorrente, não vemos razões para não considerar válida - nesta parte - a jurisprudência fixado no acórdão do STJ de 10.03.1994, in DR, I-A, de 7.05.94, pois que, se outro fosse o entendimento do legislador, conhecedor dessa jurisprudência - e das razões que lhe estiveram subjacentes (quanto à natureza do prazo do recurso) - certamente que, ao alterar o art.º 60 n.º 2 do RGCO, pelo DL 244/95, de 14.09, fixando o regime que dele consta, não deixaria de consignar a suspensão do prazo, também, durante as férias judiciais e alterar a natureza do prazo de recurso (veja-se melhor fundamentação, a este propósito, do acórdão do STJ de 3.11.2010, em excerto transcrito pelo Ministério Público na resposta ao recurso); como aí se escreveu, “o que o DL 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem esse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art.º 72 n.º 1 al.ª b) do CPA, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos aos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais. VI - Ou seja, o DL 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art.º 59 n.º 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa…”.
Este entendimento é corroborado pelo acórdão do TC n.º 473/2001, de 24.10.2001, citado na resposta do Ministério Público ao recurso, onde se decidiu que não é “inconstitucional o disposto nos artigos 59 n.º 3 e 69 n.ºs 1 e 2 do RGCO, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas” (Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Souza, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, 359-360).
3) Acresce que aquele prazo não tem natureza judicial, sendo-lhe inaplicável, por isso, o disposto no art.º 279 al.ª e) do Código Civil (que respeita a prazo relativo a ato que deva ser praticado em juízo), pois que este recurso é apresentado na autoridade administrativa, numa fase prévia à fase judicial - que apenas se inicia com a remessa dos autos a juízo, ex vi art.º 62 n.º 1 do RGCO - e na administração pública, como é sabido, não há “férias judiciais”, pelo que nada obsta a que o recurso seja apresentado no período das férias judiciais (período durante o qual a administração pública funciona), sendo que o processo pode nem sequer chegar à fase judicial, se a autoridade administrativa revogar a decisão, o que pode fazer (art.º 62 n.º 2 do RGCO).
Neste sentido Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, 359-360: “O prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo em tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial… o recurso da decisão e aplicação da coima é deduzido num processo contra-ordenacional, que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar…”.
E António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 164, em anotação ao art.º 60 do RGCO.
Na jurisprudência, para além dos acórdãos deste tribunal proferidos no Proc. 2436/14.0TBPTM.E1 (de 3.12.2015, que subscrevemos como adjunto) e no Proc. 802/06-1, que subscrevemos como relator (não publicado), podem ver-se, v.g., os acórdãos deste tribunal de 20.12.2102, Proc. 2394/11.3TBABF.E1, de 10.06.2015, Proc. 10/14.0T8LAG.E1, da RL de 30.05.20111, Proc. 301/09.2TFLSB.L1, da RP de 26.10.2016, Proc. 10407/16.6T8PRT.P1, todos in www.dgsi.pt, e da RL de 8.11.05, Col. Jur 2005, tomo V, 129 (em sentido contrário, porém, os acórdãos deste tribunal de 6.12.2016 e de 3.11.2015, in www.dgsi.pt, e os acórdãos do STA aí identificados, de 21.09.2011 e 28.05.2104).
4) Consequentemente, e concluindo, considerando o prazo de impugnação da decisão administrativa um prazo não judicial - porque não se destina à prática de um ato “em juízo” - e porque não existe no RGCO qualquer lacuna ou omissão que imponha ou justifique o recurso à aplicação subsidiária do art.º 279 al.ª e) do Código Civil (o RGCO regula expressamente a situação, de modo claro, sem margem para dúvidas), o prazo para a impugnação da decisão administrativa apenas se suspende “aos sábados, domingos e feriados” (sic), não nas férias judiciais; e terminando tal prazo em 29.12.2016, dia útil, o recurso de impugnação apresentado em 4.01.2017 é extemporâneo.
Improcede, por isso, o recurso.
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6. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC`s (art.º 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e tabela anexa do RCP).
(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 24/10/2017
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma