Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1039/98-2
Relator: MOTA MIRANDA
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 03/18/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Os credores com penhora subsequente em execução instaurada no foro comum que deva ser declarada suspensa por virtude da pendência de acção executiva no foro tributário, com penhora anterior, podem reclamar nesta o respectivo direito de crédito.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 1039/98
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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"A" interpôs recurso de agravo, para esta Relação, do despacho que ordenou a sustação da execução, nos termos do artº 871º do C.P.C., proferido nos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que instaurara no Tribunal Judicial da comarca de..., contra "B".
Nas suas alegações, a agravante formulou as seguintes conclusões:
-1) Os bens penhorados pelas Repartições de Finanças podem ser penhorados por qualquer Tribunal por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do disposto no artº 300º nº1 do C.P.Trib.
-2) Penhorado pelo Tribunal Comum um imóvel já penhorado anteriormente por uma Repartição de Finanças, a execução não deverá ser sustada nos termos consignados no artº 871º nº1 do C.P.C. e artº 300º nº2 do Cód. Proc. Tributário.
-3) A execução fiscal e comum têm tramitações processuais distintas e o artº 871º do C.P.C. apenas previu a ocorrência de penhoras sucessivas sobre o mesmo bem em execuções que tramitem de acordo com o formalismo processual naquele código estabelecido.
-4) O titular do crédito garantido pela penhora efectuada anteriormente em processo de execução fiscal deve ser citado, nos termos do disposto no artº 864º do C.P.C., sem prejuízo do disposto no artº 300º nº2 do C.P.T..
-5) A interpretação e aplicação do disposto no 871º do C.P.C. no sentido do despacho recorrido viola o disposto nos arts. 62º nº1 e 18º da Constituição.
-6) A decisão recorrida violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no artº 871º do C.P.C. e artº 300º nº2 do C.P. Tributário.
Termina, por isso, pedindo a revogação do despacho recorrido e que se ordene o cumprimento do artº 864º do C.P..
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho a sustentar a decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir as questões suscitadas, sabido que são as questões constantes das conclusões das alegações que delimitam o âmbito do recurso (cfr. arts. 684º nº3 e 690º nº1 do C.P.C.).
Assim, a questão a apreciar e resolver consiste em saber se deve sustar-se a execução, nos termos do artº 871º do C.P.C., como decidido, por haver anterior penhora registada, sobre o mesmo imóvel, em execução fiscal, ou se a execução, apesar dessa penhora, deve prosseguir, como pretende a agravante.
Para tanto, há que considerar a seguinte factualidade:
-1) "A" apresentou, em 20/5/97, no Tribunal Judicial da comarca de ... - Juízos Cíveis, requerimento inicial de execução contra "B", para pagamento da quantia de 11.286.603$00, acrescida de juros vincendos até integral reembolso.
-2) Para garantia do crédito peticionado fora constituída hipoteca sobre a fracção autónoma, designada pela letra “E”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...
-3) Essa hipoteca foi registada provisoriamente pela inscrição C-2, através da Ap. nº 47/200988, convertida em definitivo através da Ap. 15/291288.
-4) Aquele imóvel foi penhorado, nestes autos, por termo de 10 de Outubro de 1997 (fls. 33), tendo sido o registo desta penhora realizado provisoriamente por dúvidas, pela Ap. 69/980203, e convertido em registo definitivo pela Ap.04/030498.
-5) Sobre este imóvel fora anteriormente efectuada penhora, registada provisoriamente por dúvidas pela Ap. 54/130897, convertida em registo definitivo pela Ap. 11/ 031097, em execução fiscal em que é exequente a Fazenda Nacional.
-6) Em 21/5/98, foi proferido o seguinte despacho (o despacho recorrido) - “ Visto que está inscrita a favor da Fazenda Nacional, penhora registada anteriormente à efectuada e registada pela exequente "A", susto totalmente a presente execução (artº 871º do C.P.C.)”.
Ora, perante esta factualidade, há que concluir bem ter sido ordenada a sustação da execução, por força do artº 871º do C.P.C., em conformidade com o que tem sido decidido por esta Relação nos Acórdãos de 12/3/98, 19/3/98, 7/5/98 e 4/2/99, proferidos nos agravos nºs 592/97, 1521/97, 1752/97 e 584/98, respectivamente e no Ac. Rel. de Lisboa de 4/12/97, no agravo nº6846/97.
Efectivamente, estão preenchidos todos os seus pressupostos - pendência de mais de uma execução; penhoras, realizadas nesses processos, sobre o mesmo imóvel; sustação da execução, quanto aos mesmos bens penhorados, onde se realizou a penhora mais recente, aferindo-se a antiguidade da penhora pelo registo.
Esta sustação da execução com penhora mais recente bem se compreende se se atentar que, visando a execução o pagamento ao credor com o produto da venda dos bens penhorados, há que evitar que em processos diferentes se proceda à venda ou adjudicação dos mesmos bens (cfr. Gama Prazeres em Do Concurso de Credores e da Verificação e Graduação dos Créditos, ed. de 67, pág.66 e Alberto dos Reis em Proc. Exec., Vol.II, pág. 287).
Tal preceito, ao contrário do que pretende a agravante, tem aplicação, como é o caso, mesmo quando a penhora mais antiga ocorre em processo executivo fiscal.
É o que resulta da própria letra e espírito daquele artº 871º.
Na verdade, em tal normativo, numa interpretação literal, não se restringe a sua aplicabilidade aos casos de execução comum, excluindo as penhoras nas execuções fiscais.
Depois, face à inconstitucionalidade do disposto no artº 300º nº1 do Cód. Proc. Tributário (Acórd. do T.C. nº 451/95 de 6/7/95, no Dr. I série A de 3/8/95) penhorado nestes autos o mesmo imóvel que já estava anteriormente também penhorado em execução fiscal, haveria que sustar aqui, nestes autos, a execução, por ser a da penhora mais recente, para que a finalidade pretendida com aquele artº 871º não fosse postergada - a não suspensão implicaria a existência de diferentes execuções, onde se diligenciava, autonomamente, pela venda do mesmo bem penhorado, em frontal violação daquele artº 871º do C.P. C..
Por outro lado, inexiste qualquer norma ou princípio do regime da execução fiscal que afaste a aplicação do regime de suspensão e reclamação estabelecidos naquele artº 871º do C.P.C. e, concretamente, o facto de, na execução fiscal a fase do concurso de credores, ao contrário do que acontece na execução comum, só se iniciar após a venda dos bens penhorados (atente-se que sempre o crédito da recorrente só poderia ser satisfeito com o produto da venda dos bens).
Daí que, verificados os pressupostos de aplicação do artº 871º do C.P.C., excluída esteja a aplicabilidade do disposto no artº 864º do C.P.C. (citação dos credores) porquanto foi a Fazenda Nacional quem primeiro obteve a penhora sobre o imóvel.
Como também está arredada a aplicabilidade do artº 300º nº2 do Cód. Proc. Trib. (não sustação nem apensação da execução fiscal com penhora em bens já apreendidos por outro Tribunal).
Tal aplicação, para além de nos reconduzir à violação injustificada daquele artº 871º do C.P.C., determinava a aplicação do processo especial, quando o processo comum é que se deve e tem de aplicar ao caso concreto (cfr. artº 2º al. f) do Cód. Proc. Trib.).
Alega ainda a agravante que o despacho recorrido violou o disposto nos arts 62º nº1 e 18º da Constituição.
Entende-se que tal violação não ocorre, como bem se disse no referido Ac. Rel. de Lisboa e que aqui se transcreve: - “ Estabelece o nº1 do artº 62º da Constituição que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. Este direito fundamental engloba o direito dos credores à satisfação dos seus créditos, direitos esses que, por seu turno, englobam a possibilidade da sua realização coactiva à custa do património do devedor, aliás, contemplada no artº 601º do C.C. (Ac. do Tribunal Constitucional nº494/94 de 12 de Julho, Diário da República, II série, de 17 de Dezembro de 1994). Ademais, prescreve o nº2 do artº 18º da Constituição que a lei só pode restringir os direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Veicula este normativo constitucional o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso (Ac. do Tribunal Constitucional nº 516/94 de 27 de Setembro, Diário da República, II série, de 15 de Dezembro de 1994).
Os credores com penhora subsequente em execução instaurada no foro judicial que deva ser declarada suspensa por virtude da pendência de acção executiva no foro tributário com penhora prioritária, podem reclamar nesta o respectivo direito de crédito. Ainda que a acção executiva pendente no foro tributário esteja suspensa por virtude da aprovação de algum plano de pagamento em prestações podem, em tempo razoável, realizar o seu direito de crédito naquela execução, como resulta da alínea f) do artº 2º do código de Processo Tributário e do artigo 885º do Código de Processo Civil”.
Assim, não resultando com tal despacho o comprometimento do direito do exequente em obter a satisfação do seu crédito, em tempo tido por razoável, nem que daí resultem restrições desproporcionadas ou infundadas, bem decidido foi ordenar aquela sustação da execução.
Pelo exposto, confirmando a decisão recorrida, acordam nesta Relação em negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

Évora, 18 de Março de 1999