Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Há excesso de legítima defesa asténico quando o defendente se excede na acção de defesa devido a perturbação, susto ou medo não censuráveis causado pela agressão. II – Há excesso de legítima esténico, quando o defendente se excede devido a ira, rancor, retaliação ou vingança, em função das quais o defendente ultrapassa a medida da necessidade do meio de defesa, levando-o a um excesso de meios de defesa. | ||
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Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do J2 da 2.ª Secção Criminal da Instância Central de Portimão, da Comarca de Faro, a arguida E. foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio, em excesso de legítima defesa, p. e p. pelos art.º 131.º, 32.º, 31.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e 33.º, n.º 1, do Código Penal, na pena especialmente atenuada, de 5 anos de prisão efectiva. # Inconformado com o assim decidido, a arguida interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: I) A Recorrente foi condenada pela prática, como autora material, de um crime de homicídio, em excesso de legítima defesa, p. e p. pelos arts. 131.º e 32.º, 31.º, n.º1,e n.º 2, alín. a), e 33.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 5 anos de prisão efetiva. II) A prova produzida foi interpretada à luz das regras da experiência comum, tendo as declarações da Recorrente sido determinantes para a convicção do tribunal, através das quais assumiu a prática dos factos, com um relato completo e esclarecedor das circunstâncias em que os mesmos ocorreram, a arma utilizada e a motivação que a determinou, postura esta que também assumiu no decurso do inquérito, cooperando com a as autoridades, tendo mesmo facultado a navalha à Polícia Judiciária e participando na reconstituição do crime. III) A Recorrente não concorda com o entendimento da Primeira Instância relativo à integração do excesso de legítima defesa no art. 33.º, n.º 1, do Código Penal. IV) Perante os factos que foram considerados provados, não aceita que o quadro fático conjugado com o estado de ânimo asténico em que a Arguida agiu e que o Tribunal considerou ter existido, não seja suficientemente intenso para afastar a respetiva censura. V) A não censurabilidade do excesso por perturbação e medo dependerá, sempre, da consonância entre o estado de espirito da Arguida e o que experimentaria um homem ideal nas mesmas circunstâncias. VI) Ao contrário do entendimento da Primeira Instância, a perturbação e medo sentidos pela Recorrente não foram potenciados pela circunstância pré-existente da Arguida ter andado (habitualmente) armada com tal navalha. VII) Tal estado deveu-se, à realidade de ser uma jovem com 39 anos, com um percurso educativo sem sucesso, ser consumidora de produtos estupefacientes desde a adolescência, ter evoluído para um significativo isolamento social, perda das ligações ao mundo do trabalho e problemas de saúde física graves (HIV), em que as suas referências passaram a limitar-se a ambientes de tráfico-consumo, vida de alterne e prostituição, sem vínculos significativos, ambientes que, segundo as regras da experiência comum, impõe uma preparação defensiva, consciente ou inconsciente, com armas letais, como a dos autos. VIII) Agravou a situação o facto de os mesmos terem ocorrido durante a noite, a vítima ter surpreendido a Arguida com o intenso ataque e que no seu decurso logrou imobiliza-la, tendo apenas parado após o ato defensivo da Arguida, em pânico por saber que ela também usava uma faca igual, o que permite concluir, que receou pela sua própria vida. IX) Fez aquilo que no momento a pressão exercida pelas circunstâncias externas, causadoras da diminuição da sua capacidade de decisão, lhe permitiram fazer em sua defesa, sem tempo e oportunidade para refletir sobre o seu comportamento e consequências. X) Não é razoável exigir da Arguida um comportamento diferente, sendo o excesso provocado pela perturbação e medo sentidos não censurável, ou seja, desculpável por não ser exigível uma conduta conforme o direito. XI) Ao decidir como o fez, o Tribunal a quo proferiu uma decisão injusta e ilegal, por violação do previsto no n.º 2 do art. 33.º do C.P., devendo o acórdão ser anulado e proferido um outro que absolva a Requerente, por se verificar a causa de exclusão da culpa prevista no art. 33.º, n.º 2 do C.P.. Caso assim se não entenda, o que hipoteticamente se coloca, cumpre, por um lado, também apreciar: XII) A Recorrente discorda do quantum da pena aplicada, tendo o Tribunal a quo, ao condenar numa pena de cinco anos de prisão efetiva, desrespeitado os critérios de determinação da medida da pena e as subjacentes finalidades da mesma, XIII) Com base no “princípio da proibição da dupla valoração” plasmado no n.º 2 do art. 71.º do C.P., por um lado, não devem ser utilizadas pelo juiz, para a determinação da medida da pena, as circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto, e, por outro, tal princípio não deve ser entendido como se valesse apenas para as circunstâncias relevantes pela via da culpa, mas valendo também para as relevantes pela via da prevenção. XIV) Sendo a culpa eminente e primariamente um juízo de censura, que engloba uma certa materialidade que lhe advém da atitude interna do agente manifestada no ilícito e que o fundamenta como resultado da sua personalidade, com base nos factos provados e após o crivo das circunstâncias atendíveis no plano da culpa para a determinação da pena é necessário considerar que: XV) A Recorrente é muito pouco instruída, não teve uma base familiar de relevo, convivendo num círculo social circunscrito a pessoas do mesmo nível e caracterizado pelo consumo e tráfico de estupefacientes, pela prostituição e insegurança, o qual impõe a necessidade de usar armas para proteção, o que seguramente influenciou limitou a sua liberdade para se determinar conforme o Direito e reflete uma menor “culpa”; XVI) Foi uma situação extrema e pontual, em que agiu apenas para se defender, ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, embora com excesso, o que se reflete por uma ilicitude consentida, com um parco desvalor da ação e um desvalor do resultado acentuado na medida em que se perdeu uma vida, embora esbatido porque a vítima provocou a reação defensiva da Arguida, após inúmeros pedidos para que a largasse; XVII) O dolo existiu na sua forma menos grave; XVII) Milita a seu favor o facto de ser primária, não estar referenciada e ser pessoa sem tendências agressivas no trato, sendo os factos inesperados (cfr. o Relatório Social, Parte IV – Conclusão); XVIII) Cooperou com as autoridades e com o Tribunal para apurar os factos, os quais confessou sem reservas e de forma esclarecedora, tendo mesmo entregue a arma em questão, atitude que a Primeira Instância avalia como demonstrativa da sua capacidade de assumir a culpa e de auto-censura, tudo mitigando a culpa; XIX) conta com relativo suporte familiar, em sentido de serem supridas as necessidades básicas como casa e alimentação. XX) A pena aplicada de 05 anos é excessiva, não tendo a Primeira Instância respeitado as exigências de prevenção, mormente as de prevenção especial nem ponderou, na devida medida, as circunstâncias que depuseram a favor da Arguida, designadamente as suas condições pessoais e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, sem excesso de legítima defesa, sendo adequado e proporcional uma pena não superior a 03 anos de prisão. XXI) Ao ter aplicado a pena que determinou, a 1.ª Instância proferiu uma decisão injusta e ilegal por violação do estatuído nos arts. 71.º, n.º 1 e 2, 40.º, n.º 1 e 2, todos do C.P., bem como, o princípio da proporcionalidade e da adequação, devendo a decisão ser anulada e proferida uma outra que condene em pena de prisão não superior a três anos. XXII) A não suspensão da execução da pena foi impedida pelo fim de prevenção geral positiva. Em concreto, deveu-se à intenção de utilizar a pena de prisão efetiva como um instrumento destinado a mostrar à comunidade que a ordem jurídica não tolera homicídios e, assim, reforçar os padrões de comportamento adequados às normas. XXIII) Entende a Recorrente que, por um lado, considerando todas as circunstâncias em que o crime ocorreu, nomeadamente que o ilícito foi cometido em legítima defesa, embora não justificada pelo excesso do meio, em que a situação foi um caso isolado na sua vida e que não voltará a suceder, ao que acresce o facto de carecer de cuidados de saúde especiais por ser portadora do HIV (cfr. Relatório Social) e nunca ter tido qualquer contacto com o sistema prisional, o cumprimento da prisão tem inerente um elevado risco de autodestruição e um corte em termos de reintegração da mesma na sociedade, e XXIV) por outro, que a prevenção geral positiva não ficará descurada pela suspensão, porquanto a mensagem a transmitir à comunidade não pode ser, apenas, a de que se alguém perde a vida quem a tirou terá de cumprir prisão, mas sim uma outra mensagem, a de que tendo tal vida sido tirada numa situação de defesa, de forma indesejada, por uma pessoa não violenta e primária, devido a um excesso do meio empregue por perturbação e medo, a suspensão da pena mantém o pretendido sentimento de confiança no sistema, por parte de todos os cidadãos, e de que o direito é respeitado , sendo uma pena mais adequada e justa. XXV) Para reforçar tal entendimento, acresce o facto de que se as exigências mínimas, irrenunciáveis e imperiosas de prevenção geral, da defesa do ordenamento jurídico, impusessem a limitação da suspensão da pena em casos relativos à perda do bem vida, seguramente o próprio legislador penal o teria previsto e estatuído, o que em concreto não aconteceu nem foi vedado ao intérprete e julgador, conforme se comprova com o disposto no art. 50.º do Código Penal. XXVI) Em concreto, a substituição da pena efetiva pela suspensão da sua execução não “choca” a comunidade nem faz perigar o sentimento de segurança no sistema ou de que o Direito é para ser cumprido, não se lhe opondo quaisquer necessidades de reprovação e prevenção do crime. XXVII) Ao decidir como o fez, a Primeira Instância proferiu uma decisão injusta e ilegal, por violação do poder-dever que lhe é imposto pelo art. 50.º, n.º 1, do C.P., devendo a decisão ora em crise ser revogada e proferida uma outra que suspenda a sua execução por igual período de tempo ao da pena determinada, nos termos do disposto no art. 50.º do C.P. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve o presente Recurso merecer provimento e, consequentemente, ser o douto acórdão ora impugnado anulado e proferido um outro em que: A) Absolva a Recorrente do crime em que foi condenada, por se verificar a causa de excusão da culpa prevista no art. 33.º, n.º 2, do Código Penal; Ou, assim não colhendo, B) A pena aplicada seja reduzida para uma outra não superior a três anos de prisão, e C) independentemente de merecer provimento, ou não, a redução da pena, que a mesma seja suspensa na sua execução, por igual período de tempo e, caso assim se entenda necessário, subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta que se entendam adequadas. # O Exmo. Procurador do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma: 1- Como é sobejamente conhecido o âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1; ” Sumário: I - Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso. II - E o conhecimento oficioso pelo STJ verifica-se por duas vias: uma primeira que ocorre por necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP; e outra que poderá verificar-se em virtude de nulidade de decisão, nos termos do estatuído no art. 379.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.” 2- No mesmo sentido veja-se por favor o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº697/01.4TAALM.L1-5 , de 26-02-2013:” Tal como entre nós se tem como pacífico, o objecto do recurso encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, que visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem o conhecimento das razões de discordância (neste sentido, cfr. entre outros, o Ac. STJ de 19.06.96, BMJ 458, pág.ª 98 e o Ac. STJ de 13.03.91, proc.º n.º 416794, 3ª Secção, também citado em anotação ao art. 412.º do CPP de Maia Gonçalves 12ª Ed.º; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág.ª 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed.º, pág.ª 74 e decisões ali referenciadas). Mais, objecto do recurso, é a decisão recorrida e só essa. Não qualquer outra anterior ou posterior que eventualmente tenha sido tomada, ainda que com ela de alguma forma correlacionada ou correlacionável”. 3 - São as conclusões, que fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal. 4 - Face às provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente, uma vez que toda a matéria constante da fundamentação do Douto Acórdão se provou sem quaisquer dúvidas. 5 - As provas foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu conjunto e não foram violados quaisquer dispositivos legais, porém teve o Tribunal uma perspectiva distinta do recorrente, mas que se baseia numa análise global e sensata da prova. 6 - A prova produzida e analisada em audiência de julgamento respeitou os dispositivos contidos nos arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal. 7 - O recorrente invoca a causa de exclusão da culpa p. no artigo 33º, nº2, do Código Penal, todavia parece-nos que essa causa de exclusão não ocorreu, tendo havido sim um excesso de legítima defesa, tal como o Tribunal “ a quo” o decidiu, pois a arguida tirou a vida a uma pessoa, agindo de modo excessivo e desproporcionado perante a agressão de que terá sido vítima… 8- A versão contada pela arguida do modo como decorreu a agressão deixou-nos muitas dúvidas, pois foi ela que se dirigiu à residência da falecida vítima, tirar desforço por causa de um homem conhecido de ambas…, não sendo as circunstâncias da arguida propriamente as de alguém que teve no local a primeira discussão ou a primeira refrega…, trazendo uma navalha na sua mala de mão que conseguiu tirar enquanto estava a ser agredida e imobilizada pela falecida…, não sendo a recorrente pessoa de grande porte físico…. 9- Não procedem por meramente teóricos os argumentos que a recorrente apresenta, não, por não serem credíveis noutras circunstâncias, mas, por não se aplicarem às suas circunstâncias, embora se saiba que numa briga não se mantém a serenidade própria de uma conversa à mesa de um “café”. 10- A arguida também impugna a medida da pena e a esse propósito, diz o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente. 11- Certo é que a arguida não tem antecedentes criminais. 12-No que concerne à suspensão da pena de prisão reivindicada pela arguida não é possível suspender na execução a pena de prisão aplicada à arguida, pois como se diz no Douto Acórdão existem imperativos de prevenção geral, mas também especial entendemos nós, a salvaguardar, que afastam a aplicação do instituto previsto no artigo 50º e seguintes do Código Penal. 13- A Jurisprudência dos Tribunais Superiores também aponta no sentido da não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão quando está em causa a perda da vida humana tirada com dolo. 14- Considerando o binómio culpa /prevenção, afiguram-se-nos adequada, proporcional e justa, a pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, à arguida S. 15- Não foi violado pela Douto Acórdão que a arguida impugna qualquer das garantias de defesa do Processo Criminal previstas no art.32º, da Constituição da República Portuguesa, tendo a arguida sido condenada com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas, embora o Douto Acórdão ainda não tenha transitado em julgado e esteja a ser impugnado, tudo em conformidade com as normas legais em vigor. 16- O Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre todas as questões que devia apreciar e não conheceu de nenhuma que estava impedido de conhecer, tendo indagado das circunstâncias que rodearam a prática do crime, bem como da personalidade e do carácter das arguidas, condições pessoais e comportamento posterior à prática do ilícito. 17 -Não enferma o Douto Acórdão recorrido de nenhum vício, em especial, não ocorreram os previstos no art.410º, nº2, do Código de Processo Penal. 18- Acresce que o Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida das penas parciais e em cúmulo jurídico aplicadas à arguida, todos os critérios referidos nos artigos. 33º, 40º, 50º, 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena de 5 anos de prisão efectiva, adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra a arguida e em sintonia com a respectiva culpa, devendo manter-se nos precisos termos que constam da douta decisão. Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se na íntegra. # Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: Discutida a causa, dos relevantes para a decisão, resultaram provados os seguintes factos: 1.1 No dia 30 de Junho de 2013, pela 01h00, a arguida dirigiu-se a uma barraca situada nas antigas instalações da fábrica de conservas, na Rua do Mexilhão, Mexilhoeira da Carregação, em Portimão. 1.2 Aí chegada, encontrou no seu interior a vítima SL, que se encontrava deitada, num sofá ali existente. 1.3 A arguida começou a discutir com a vítima por causa de JA. 1.4 A dada altura, a vítima levantou-se e, com as duas mãos, agarrou a arguida pelos cabelos, tendo a arguida respondido com um soco. 1.5 Mantendo a arguida agarrada pelos cabelos, a vítima acabou por provocar a queda daquela no chão, tendo a vítima ficado sobre as costas da arguida. 1.6 Nessa posição, a vítima fazia pressão nas costas da arguida com o seu joelho direito, e debruçava-se sobre a arguida, nunca lhe largando os cabelos e empurrando-lhe com as mãos a cabeça para o chão. 1.7 Não conseguindo levantar a cabeça e encontrando-se no chão, a arguida por várias vezes disse à vitima: “Larga-me, senão faço-te mal!”. 1.8 Como a vítima não a largava, a arguida, com a sua mão direita, abriu o fecho exterior da bolsa preta que trazia, e que estava caída no chão ao lado esquerdo da arguida, tendo dali tirado uma faca, tipo canivete - com cabo em plástico duro de cor branca, de 6,5cm de comprimento de lâmina e 0,6mm. de largura, de apenas um gume, retráctil manualmente e com um comprimento total de 15cm. 1.9 A arguida abriu a navalha com a mão direita, enquanto a sua mão esquerda aguentava a força exercida pela vítima nas suas costas. 1.10 Nessa posição, sem olhar para trás, a arguida empunhou a navalha com a mão direita e, por cima do seu ombro esquerdo, sem saber onde a viria a atingir, fez dois movimentos de “vai e vem”, tendo atingido a vítima na região mamária esquerda com dois golpes. 1.11 Ferida, a vítima largou a arguida e ambas se levantaram, tendo a primeira exclamado: “E., já estou a sangrar…”. 1.12 Nesse instante, apareceu JA e a arguida saiu daquele local, em direcção a uma outra barraca das antigas instalações da fábrica de conservas, a cerca de 100 metros. 1.13 A vítima veio a falecer pelas 3h08 do mesmo dia, depois de ter dado entrada no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio de Portimão, às 02h17. 1.14 A sua morte foi consequência directa de um dos golpes infligidos pela arguida, mencionados no artigo 10.º da acusação. 1.15 A arguida quis agir da forma descrita, sabendo que poderia vir a provocar a morte da vítima, face ao instrumento utilizado e à zona do corpo que poderia atingir, perto do coração da vítima. 1.16 Fê-lo com o propósito de se defender e de impedir a continuação das agressões que a vítima lhe infligia. 1.17 A arguida poderia ter direccionado os golpes executados para outras zonas do corpo da vítima, nomeadamente, para as pernas desta, 1.18 A arguida agiu sempre conscientemente e sabia que tal é punido por lei. 1.19 A arguida não tem antecedentes criminais. 1.20 A arguida tem 39 anos, e adição a produtos estupefacientes desde a adolescência. Sem concluir o 3º ciclo trabalhou em actividades indiferenciadas, na restauração, serviço de bar, distribuição de publicidade e limpezas. Aos 17 anos nasceu a sua única filha, até aos 4 anos a seu cargo, e, depois da morte do pai da arguida, tendo esta ficado sem casa, passou aos cuidados da família paterna. Actualmente com 23 anos, foi viver com o pai para a Noruega e aí se mantém com vida organizada. Contactam-se habitualmente nas férias de verão, altura em que a jovem vem a Portugal e procura a mãe. Alternando períodos de recaídas em consumos com outros de abstinência e condições de vida mais estruturadas, a arguida tem evoluído para um significativo isolamento social, perda das ligações ao mundo do trabalho e problemas de saúde física graves. As suas referências passaram a limitar-se a ambientes de tráfico-consumo, vida de alterne e prostituição, sem vínculos significativos. Neste contexto envolveu-se com JA, que residia numa barraca dentro do espaço de uma antiga fábrica de conservas na Mexilhoeira da Carregação, à data dos factos conhecido ponto de transacção de produtos estupefacientes. O relacionamento com a vítima identificada decorria também deste meio e da vida da prostituição, relatado até à data dos factos como sendo uma relação de amizade e relativa confiança. O conflito com a vítima surgiu circunscrito à data dos factos, do envolvimento sexual paralelo da mesma com o namorado da arguida. Nos últimos 9 anos a arguida reside em casa atribuída à família, num bairro social de Lagos, com a progenitora, de 72 anos, aposentada, a irmã, de 44 anos, empregada nos serviços de limpeza da CML e uma sobrinha, de 6 anos, num agregado multiproblemático, advindo da precariedade dos recursos, com vários problemas de saúde nos 4 elementos que a compõem, história de toxicodependência das duas irmãs e fraca coesão/vínculos relacionais, revelando a arguida uma conduta reservada, pouco envolvida na vida familiar. Depois dos factos na origem deste processo tende a isolar-se, permanecendo em casa sem interagir com as restantes ou ausentando-se para estar com JA. Pese embora o carácter violento atribuído a esta relação, com referência a incidentes de ofensas físicas, a arguida admite dificuldades em pôr-lhe termo definitivo. A sua saúde carece de cuidados especiais. É seguida pela Equipa de Tratamento do DICAD (Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências). Encontra-se desempregada há 3 anos, inscrita no IEFP (instituto de Emprego e Formação Profissional) pouco empenhada na procura de alternativas, designadamente apoios sociais, mostrando-se pouco disponível para ser ajudada. Não há notícia de outros envolvimentos judiciais e mostrando sentido da oportunidade da acusação, a arguida tende a desresponsabilizar-se por demarcar-se de uma intenção criminosa e pelo estado de alteração comportamental consequente dos consumos (da sua parte e da vítima) denotando um forte impacto da situação, designadamente, um estado mais depressivo traduzido na tendência ao isolamento, sensibilidade a comentários de terceiros entendidos como acusatórios e visão negativa do futuro. # -- Factos não provados: Dos relevantes para a decisão da causa não resultaram não provados nenhuns factos # Fundamentação da decisão de facto: A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados fundou-se nos seguintes elementos de prova: quanto à questão da culpabilidade, nas declarações da arguida, que reconheceu ter agredido a vítima com a navalha, com a reserva de que o fez para se defender, por estar em pânico, sabendo que a vítima também usava uma faca como ela, para defesa pessoal, em virtude de frequentarem locais perigosos, de tráfico de drogas e prostituição, como era aquele, e de que a posição em que se encontrava, no chão, com o joelho da vítima sobre as suas costas, não lhe permitiu fazer outro movimento que não aquele, mas não pensou que poderia causar-lhe a morte, nos depoimentos das testemunhas, LN, militar da GNR, que compareceu no local chamado pelo INEM, CP, inspector da PJ, a quem a GNR comunicou a ocorrência, e que depois, com a cooperação da arguida, procedeu à reconstituição dos factos, HS, médico da equipa do INEM que assistiu a vítima no local com primeiros socorros e a acompanhou no hospital, aonde a mesma veio a falecer, e que chamou a GNR, JA, namorado da arguida que estava deitado a uns 10 metros do local onde os factos ocorreram, que não presenciou o que se passou, mas ouviu a discussão entre a arguida e a vítima, aliás, por sua causa, e ouviu a arguida a gritar dizendo à ofendida que a largasse, e, a seguir, ouviu a vítima a gritar com dores, AP, outro residente no local, que também estava deitado a uns 5 metros do local onde os factos ocorreram, mas não viu nada porque era noite escura, sem iluminação, mas ouviu as duas mulheres a discutirem, embora não se tivesse apercebido sobre o quê, e a quem o JA foi pedir o telemóvel emprestado para chamar a ambulância para socorrer a vítima, tendo sido ele quem chamou o INEM, no relatório de autópsia médico-legal - de fls. 260, donde resultam identificadas as lesões apresentadas pela ofendida e estabelecido o nexo de causalidade entre o traumatismo e a morte, nos exames periciais do LPC – de DNA, a fls. 162, nas reportagens fotográficas/e de reconstituição – de fls. 7 e 187, 145, nos autos de apreensão – de fls. 40, 54, 56 e 75, auto de exame - da navalha, a fls. 172, no doc. - de fls. 41, relatório do CHBA da assistência médica prestada à ofendida, Exame crítico: Interpretada a totalidade da prova produzida à luz das regras da experiência comum, foram determinantes para a convicção as declarações da arguida, que, sem prejuízo das reservas que invocou, assumiu a prática dos factos, tendo feito um relato curto, mas completo e esclarecedor quanto às circunstâncias em que os factos ocorreram, a arma que utilizou e as circunstâncias da sua utilização, e a motivação que a determinou, de se defender, relato que pela coerência dos seus detalhes se mostrou credível, aliás, postura que também assumiu durante o inquérito perante as autoridades que procederam à investigação, cooperando com elas, designadamente, facultando à PJ a navalha, cuja localização indicou, e participando na reconstituição, tudo consolidado na autópsia de fls. 260, que estabeleceu o nexo de causalidade entre as lesões traumáticas e a morte. Quanto às reservas manifestadas pela arguida em julgamento - de que não pensou que podia causar a morte à vítima quando utilizou a navalha - dizem respeito ao elemento subjectivo do tipo, ao dolo, que, tratando-se de um acontecimento do foro interno, tem que ser comprovado factualmente, o que só pode ser conseguido pelo julgador com recurso a factos objectivos, dos quais resulte suficientemente indiciada a intenção de matar, ou, com relevo para o caso dos autos, a admissão dessa possibilidade pelo agente e a sua conformação com ela. Ora, no caso dos autos, tal convicção do colectivo, vertida no facto sob o nº 1.15 dos factos provados - de que a arguida representou tal possibilidade e agiu conformando-se com ela – resulta indiciariamente da análise dos factos objectivos, consignados nos factos provados supra sob os nºs: Com efeito, a arguida estava dominada no chão, tendo a agressora inclinada sobre si, a fazer pressão com o joelho dela sobre as suas costas, e, portanto, naturalmente, projectando-se a parte superior do corpo da agressora, o abdómen e a cabeça, a partir das costas da arguida, para a frente, sobre os ombros e a cabeça da arguida, e foi nesta posição, de que não conseguia libertar-se, que a arguida decidiu recorrer ao uso da navalha que trazia consigo (habitualmente, e para se defender, segundo referiu) para atingir a sua agressora com ela, tal faca tinha uma lâmina de 0,6 cm de largura com 6,5cm de comprimento e o comprimento total de 15 cm, o que significa que o cabo tinha 8,5cm, dimensões que permitem a uma mão de mulher de estatura média, como é a estatura da arguida, agarrar-lhe perfeitamente o cabo, o que proporciona o domínio da sua manipulação, por outro lado, sendo também as dimensões da lâmina suficientes para produzirem um ferimento letal, em um ou dois golpes, como foi o caso, capacidade de produzir a morte, que a arguida teve de ter avaliado e não pode ter excluído, no momento, perdido no tempo, em que escolheu aquela navalha para a trazer consigo, à mão, pronta a usar, no bolso exterior da sua mala, sob pena de não lhe reconhecer aptidão para uma defesa eficaz, o que a tornaria inútil para a finalidade da sua detenção, que era a da sua defesa pessoal, como assumiu, e, sabendo tudo isto, a arguida decidiu desferir a navalha contra a agressora, duas vezes seguidas, por cima do seu ombro esquerdo, sem olhar para trás, porventura, sem saber onde a iria atingir, mas querendo atingi-la, tanto assim que lhe imprimiu a força e o movimento suficiente para, apenas em dois movimentos de “vai e vem”, conseguir atingir o coração da agressora, não podendo a arguida deixar de saber que iria atingir a agressora numa zona superior do corpo desta, que era a que se projectava sobre os seus ombros e a sua cabeça dada a posição da agressora, com o joelho sobre as suas costas, e, portanto, neste contexto, a arguida não podia deixar de saber que ao desferir aqueles dois golpes (por cima do seu próprio ombro e sem olhar para trás) iria atingir a sua agressora, que era o que desejava, com maior probabilidade do que nos braços, na zona mais exposta, por ser mais ampla, do abdómen ou da cabeça, onde se alojam órgãos vitais, como sucedeu, pelo que, do conjunto destes factos, se concluiu que a arguida não pode ter deixado de representar a morte da vítima e de se ter conformado com essa possibilidade, (conquanto não a tivesse querido - com dolo directo - ou a tenha lamentado posteriormente, no que também se acredita), por último, adquiriu ainda o colectivo a convicção de que a arguida na posição em que se encontrava, poderia ter dirigido o mesmo braço que usou para empunhar a navalha, para cima e para trás, com ou sem faca, com o que atingiria a perna da agressora que a pressionava nas costas, conferindo outra dinâmica à agressão e à defesa, e evitando o golpe fatal, pelo que, em conformidade com o que se acaba de expôr, se julgaram provados todos os factos descritos na acusação, (apenas expurgados dos segmentos em que nos arts. 2º e 3º da acusação se refere que quando chegou à barraca a arguida encontrou a vítima “deitada, de barriga para cima, num sofá”, e que, quando a discussão começou, a arguida se encontrava “ligeiramente inclinada sobre a vítima”, factos irrelevantes para o tema da prova, e no art. 17º da mesma acusação se refere que a vitima poderia “ter suportado a agressão que sofria, manifestamente desproporcionada àquela que veio a infligir à vítima” por conclusivo, e respeitar à avaliação a ter lugar em sede da presente decisão, nem uns, nem outros, preenchendo a categoria de factos relevantes não provados, pelo que, não foram autonomizados nessa categoria). Quanto à situação pessoal, social e económica da arguida, a convicção resultou do relatório social e do CRC. III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: 1.ª – Que o excesso de legítima defesa com que a arguida actuou deve ser enquadrado, não pelo n.º 1 do art.º 33.º, do Código Penal, como o tribunal "a quo" o fez, mas antes pelo n.º 2 da mesma disposição legal, não devendo em consequência ser a recorrente punida; e 2.ª – Que, de qualquer modo e se assim não for entendido, a pena de 5 anos de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida é exagerada e deve antes ser fixada em não mais de 3 anos de prisão e cuja execução deve ser suspensa. # No tocante à 1.ª das questões: O tribunal "a quo" tratou o tema do seguinte modo: 4. Enquadramento Jurídico-Penal A arguida vem acusada da prática de um crime de homicídio, praticado em excesso de legítima defesa, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 131º e 32º e 33º/1 do Código Penal. Quanto ao crime de homicídio, dispõe o art. 131º do Código Penal, CP, que “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos”. O bem jurídico protegido é a vida de outra pessoa já nascida, O tipo objectivo de ilícito consiste em matar outra pessoa, O tipo subjectivo de ilícito exige o dolo em qualquer das suas formas (contempladas no art. 14º do Código Penal) – vd. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 4. Sobre a legítima defesa, Dispõe, na parte relevante, o art. 31.º do CP sob a epígrafe “Exclusão da ilicitude” que “1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. 2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa”, Prevê por sua vez, o art. 32º do CP sob a epígrafe “Legítima defesa” que “Constitui legitima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro” Estatuindo, por outro lado, o art. 21º da Constituição da República Portuguesa, CRP, sob a epígrafe “Direito de resistência” que “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Assim, destas disposições legais, resulta que a legítima defesa afasta a ilicitude, e para ser penalmente relevante exige - a agressão - que tem que ser actual (estar em curso) e ilícita (bastando que viole uma norma geral e abstracta e um interesse geral protegido), e - a defesa - que tem que ser necessária, no sentido de indispensável para a salvaguarda do interesse protegido, e a vontade da defesa, animus deffendendi, (conquanto segundo alguma doutrina e jurisprudência tal vontade de defesa possa coexistir com outros sentimentos de vingança, ódio etc., - vd. Ac. do STJ de 19/7/2006, relator Sr. Cº Oliveira Mendes, proc. 06P1932, in www.dgsi.pt). Por outro lado, a proporcionalidade entre a agressão e a defesa e a impossibilidade do recurso à força pública, não vem previstos na lei penal, todavia, cabendo a proporcionalidade no abuso de direito e exigindo tal impossibilidade a lei Constitucional – vd. Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, Rei dos Livros, 2ª ed., 2003, págs. 88/92. Sobre o excesso de legítima defesa Dispõe o art. 33.º do CP, sob a epígrafe “Excesso de legítima defesa” que “1- Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada. 2 - O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis.” donde resulta que o excesso de legítima defesa respeita apenas aos meios da defesa, e actua apenas no domínio da culpa, havendo excesso, quando, pressuposta uma situação de legítima defesa, se utiliza um meio desnecessário para impedir ou repelir a agressão, devendo, contudo, ter-se presente que “muitas vezes só depois de utilizado um meio é que se ficará a saber se ele bastaria, e não haverá tempo para uma comprovação mental de todos os meios disponíveis” levando o excesso de meios à não punição do agente quando a actuação resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis, e, sendo susceptível de permitir ao juiz a atenuação especial da pena nos casos em que a culpa surja mitigada - vd. Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, Rei dos Livros, 2ª ed., 2003, págs. 116/117. No caso dos autos, Provou-se que na decorrência de uma discussão em que se envolveram arguida e vítima, - num primeiro momento – a vítima agarrou a arguida com as duas mãos pelos cabelos, tendo esta respondido com um soco, e, - num segundo momento – mantendo-a agarrada pelos cabelos, a vítima provocou a queda da arguida no chão, ficando sobre as suas costas, fazendo pressão sobre elas com o joelho direito, na posição de debruçada sobre a arguida, nunca lhe largando os cabelos, e empurrando-lhe com as mãos a cabeça para o chão, de tal modo que a arguida, encontrando-se no chão e não conseguindo levantar a cabeça, disse à vítima que a largasse, avisando-a, sem êxito, que, de outro modo, lhe faria mal, tendo sido nesta sequência que para repelir a agressão que lhe era infligida, a arguida se socorreu da navalha que se encontrava no bolso exterior da bolsa que trazia, e que estava caída no chão ao seu lado esquerdo, e empunhando-a por cima do seu ombro esquerdo, sem olhar para trás, atingiu a vítima com dois movimentos de vaivém na região mamária esquerda com dois golpes que vieram a causar-lhe a morte, e que a arguida quis agir da forma descrita, sabendo que poderia vir a provocar a morte da vítima, face ao instrumento utilizado e à zona do corpo que poderia atingir, perto do coração da vítima, mas conformando-se com isso, e que o fez com o propósito de se defender e de impedir a continuação das agressões que a vítima lhe infligia. Ora, Destes factos resultam preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da legítima defesa enunciados supra. Com efeito, neste contexto factual, o uso da navalha pela arguida surgiu como uma necessidade sentida pela arguida de repelir a agressão, necessidade que se imporia a qualquer pessoa colocada na situação da arguida, tendo-o feito com a intenção de se defender (animus deffendendi) da agressão que já se encontrava em curso – por isso, sendo a agressão actual – com violação da sua integridade física – por isso, sendo a agressão ilícita – agressão que foi empreendida e perpetrada por quem veio posteriormente a ser a vítima mortal, assim se encontrando verificados todos os pressupostos da legítima defesa por parte da arguida. Todavia, apesar de verificados os pressupostos objectivos da legítima defesa, tendo dessa defesa resultado a morte da vítima, outra questão se coloca, que é a de saber se o uso da navalha e a forma como foi usada pela arguida excederam no meio ou no grau da utilização o que era necessário à defesa - questão da adequação do meio às exigências da defesa cujo relevo jurídico-penal se situa no âmbito do eventual excesso da legítima defesa. Ora, tendo presente numa perspectiva ex ante e exterior ao agente (vd. a propósito, o Ac do STJ de 27/10/2010 relator Sr. Cº Henriques Gaspar, proc. 971/09.1JAPRT, in www.dgsi.pt,) o conjunto das circunstâncias nas quais ocorreu a agressão - de madrugada, em local escuro, recôndito e perigoso, as características pessoais da agressora e da vítima, de idênticas idades e estaturas (eram as duas muito parecidas, segundo o depoimento da testemunha AP) e o presumível estado emocional de ambas, perturbado pela discussão e pela luta, entende-se que a decisão da arguida de utilizar a navalha e o modo como a utilizou se revelaram desproporcionais, excessivos, perante a intensidade da agressão com os contornos referidos supra, sendo a perturbação e o medo inerentes à situação potenciados pela circunstância pré-existente da arguida andar (habitualmente, segundo declarou) armada com tal navalha, o que configura uma situação de excesso de legítima defesa, em que a perturbação e o medo, embora presentes, não se mostram tão intensos que tornassem inexigível uma conduta diversa, de forma a tornarem a actuação não censurável e conduzirem à não punição, nos termos previstos no art. 33.º/2 do CP, mas, sem embargo disso, - sabendo-se que a proporcionalidade não constitui requisito da legitima defesa, pelo que o uso de um meio mais gravoso do que o necessário não exclui só por si a legitima defesa (vd., o Ac do STJ, proc. 06P1932, citado supra) - considera-se que, no caso concreto, as circunstâncias apuradas, revelam um estado de perturbação e de medo da arguida com a intensidade suficiente para diminuir a sua culpa, que se apresenta mitigada, e deve determinar a atenuação especial da pena, nos termos previstos no art. 33º/1 do CP. Qualificação de excesso de legítima defesa, concordante com a da acusação, que importa, por força da atenuação especial, na redução de 1/3 no limite máximo da pena e a 1/5 no seu limite mínimo - ex vi do disposto nos arts. 131º, 31º/1 e /2-a), 33º/1 e 73º/1-a) e b) do CP – donde resulta a moldura penal abstracta aplicável de 1 ano, 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, e em função da qual se determinará a medida da pena concreta a aplicar à arguida. Pretende pois a arguida que o excesso de legítima defesa com que actuou deve ser enquadrado, não pelo n.º 1 do art.º 33.º, do Código Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), como o tribunal "a quo" o fez, mas antes pelo n.º 2 da mesma disposição legal, não devendo em consequência ser a recorrente punida. Atentemos na seguinte matéria de facto assente como provada: 1.1 No dia 30 de Junho de 2013, pela 01h00, a arguida dirigiu-se a uma barraca situada nas antigas instalações da fábrica de conservas, na Rua do Mexilhão, Mexilhoeira da Carregação, em Portimão. 1.2 Aí chegada, encontrou no seu interior a vítima SL, que se encontrava deitada, num sofá ali existente. 1.3 A arguida começou a discutir com a vítima por causa de JA. 1.4 A dada altura, a vítima levantou-se e, com as duas mãos, agarrou a arguida pelos cabelos, tendo a arguida respondido com um soco. 1.5 Mantendo a arguida agarrada pelos cabelos, a vítima acabou por provocar a queda daquela no chão, tendo a vítima ficado sobre as costas da arguida. 1.6 Nessa posição, a vítima fazia pressão nas costas da arguida com o seu joelho direito, e debruçava-se sobre a arguida, nunca lhe largando os cabelos e empurrando-lhe com as mãos a cabeça para o chão. 1.7 Não conseguindo levantar a cabeça e encontrando-se no chão, a arguida por várias vezes disse à vitima: “Larga-me, senão faço-te mal!”. 1.8 Como a vítima não a largava, a arguida, com a sua mão direita, abriu o fecho exterior da bolsa preta que trazia, e que estava caída no chão ao lado esquerdo da arguida, tendo dali tirado uma faca, tipo canivete (…) 1.9 A arguida abriu a navalha com a mão direita, enquanto a sua mão esquerda aguentava a força exercida pela vítima nas suas costas. 1.10 Nessa posição, sem olhar para trás, a arguida empunhou a navalha com a mão direita e, por cima do seu ombro esquerdo, sem saber onde a viria a atingir, fez dois movimentos de “vai e vem”, tendo atingido a vítima na região mamária esquerda com dois golpes. (…) 1.15 A arguida quis agir da forma descrita, sabendo que poderia vir a provocar a morte da vítima, face ao instrumento utilizado e à zona do corpo que poderia atingir, perto do coração da vítima. 1.16 Fê-lo com o propósito de se defender e de impedir a continuação das agressões que a vítima lhe infligia. 1.17 A arguida poderia ter direccionado os golpes executados para outras zonas do corpo da vítima, nomeadamente, para as pernas desta, 1.18 A arguida agiu sempre conscientemente e sabia que tal é punido por lei. (…) Ora bem. Segundo as causas psicológicas ou, por outras palavras, os estados de afecto que podem estar na origem do excesso da legítima defesa, este divide-se em excesso asténico e excesso esténico. Para o que agora interessa, há excesso de legítima defesa asténico, quando o defendente se excede, na acção de defesa, devido a perturbação, susto ou medo não censuráveis causado pela agressão. A este excesso se refere o art.º 33.º, n.º 2. Mas nestes casos, aquela perturbação, susto ou medo devem ser escrupulosa e seguramente a causa do excesso. Chama-se excesso de legítima defesa esténico, quando o defendente se excede devido a ira, rancor, retaliação ou vingança, em função das quais o defendente ultrapassa a medida da necessidade do meio de defesa, levando-o a um excesso de meios de defesa, isto é, ao emprego de meios impróprios ou à exagerada utilização de meios adequados. A estas situações se refere, implicitamente e a contrario, o art.º 33.°, n.º 1. (Taipa de Carvalho, “Direito Penal Parte Geral – Teoria Geral do Crime”, Publicações Universidade Católica, 2004, vol. II, pág. 350; Eduardo Correia, “Direito Criminal”, vol. II, pág. 49; e Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2.ª ed., pág. 622 e ss.). Posto o que, pretende a arguida que agiu no quadro do excesso asténico. Mas não é isso que resulta da matéria de facto assente como provada, apreciada à luz da experiência da vida e do comportamento humano. Quando a arguida estava no chão de barriga para baixo e por debaixo da vítima, com esta debruçada sobre a arguida a fazer-lhe pressão com o joelho direito nas costas, sem lhe largar os cabelos e empurrando-lhe com as mãos a cabeça para o chão, aquele “Larga-me, senão faço-te mal!” que nessa altura a arguida disse várias vezes à vítima não revela qualquer medo, susto ou pânico – é a advertência de quem sabe ou sente que tem a força e o meio de a todo o momento poder pôr termo àquela aparente subjugação. Como a seguir se viu. De forma que não concordamos com a arguida em que ela tenha excedido a legítima defesa por estar com medo ou assustada ou perturbada ou em pânico por momentaneamente ter ficado por debaixo da vítima e em que a sua conduta caiba antes na previsão do n.º 2 do art.º 33.º em vez do n.º 1 do mesmo preceito legal. Esteve aqui, pois, bem o tribunal "a quo". # No tocante à 2.ª das questões postas no recurso, a de que, então, a pena de 5 anos de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida é exagerada e deve antes ser fixada em não mais de 3 anos de prisão e cuja execução deve ser suspensa: O tribunal "a quo" fundamentou a escolha e graduação da pena aplicada à arguida do seguinte modo: Qualificação de excesso de legítima defesa (…) que importa, por força da atenuação especial, na redução de 1/3 no limite máximo da pena e a 1/5 no seu limite mínimo - ex vi do disposto nos arts. 131º, 31º/1 e /2-a), 33º/1 e 73º/1-a) e b) do CP – donde resulta a moldura penal abstracta aplicável de 1 ano, 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, e em função da qual se determinará a medida da pena concreta a aplicar à arguida. 5. Determinação da Pena Enquadrada desta forma a conduta da arguida cumpre determinar a pena concreta a aplicar dentro da moldura abstracta prevista na lei, o que se fará, tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – nos termos do art. 40º/1 do CP - em função das exigências de prevenção de futuros crimes e da culpa - nos termos do art. 71º/1 do CP - e, tendo a culpa da arguida por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º/2 do CP, devendo considerar-se, em concreto, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Assim, no caso concreto, há que ponderar as exigências de prevenção geral dos crimes de homicídio - muito elevadas, atenta a frequência com que vêm ocorrendo, cada vez maior, - a ilicitude da conduta – consentida na medida da legítima defesa, - a intensidade do dolo - na forma menos grave do dolo eventual, - a gravidade das consequências – que é a inerente à supressão da vida de uma mulher ainda jovem (de 35 anos, conforme resulta do relatório de autópsia), - a conduta anterior e posterior – assinalando-se a atenuar as exigências de prevenção especial a inexistência de antecedentes criminais e, a postura da arguida cooperando com as autoridades para a descoberta da verdade durante o inquérito e em sede de audiência de discussão e julgamento, atitude que se avalia como demonstrativa da sua capacidade de assumir a culpa e de auto-censura, tudo mitigando a culpa. Assim, face a todo o circunstancialismo descrito, considerada a moldura penal abstracta e as exigências de prevenção geral e especial assinaladas e o grau de culpa, merecedor de atenuada censura, mostra-se adequada a aplicação à arguida da pena de 5 anos de prisão. 6. Da não suspensão da pena Nos termos do disposto no art. 50.º do C.P., o Tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Ora, entendendo-se, como vem sendo sustentado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que o pressuposto material da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial), sendo indispensável que o Tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, assente numa expectativa fundada de que a simples ameaça de prisão seja suficiente para realizar as finalidades da punição. Além disso, não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, entende-se também, que, no caso dos autos, apesar de, em tese, no âmbito das exigências de prevenção especial, em face da ausência de antecedentes criminais, se admitir poder ser formulado o juízo de prognose favorável, dadas as características da actuação, e a referida capacidade de auto-censura, todavia, estando em causa um homicídio, com vista a garantir a protecção eficaz do valor da vida humana, como é jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, as exigências mínimas, irrenunciáveis e imperiosas de prevenção geral, da defesa do ordenamento jurídico, impõem a limitação do valor da socialização em liberdade – vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 344 – pelo que, deverá a arguida cumprir pena de prisão efectiva. Posta de parte que está a hipótese de excluir a culpa da arguida uma vez que o excesso de defesa não pode atribuir-se a perturbação, medo ou susto não censuráveis, como o exige o n.º 2 do art.º 33.º, atendendo ao quadro de agravantes e atenuantes existentes na conduta da arguida e a que o bem vida, que a arguida eliminou – não sem alguma ira e retaliação por a vítima não ter acatado o aviso do “Larga-me, senão faço-te mal!” –, é o bem supremo de qualquer ordenamento jurídico-penal, e entendemos que a decisão recorrida valorou correctamente todos os índices necessários no caso concreto à fixação da pena concreta, que se mostra justa e ponderada, sendo pois imerecidas as críticas que a recorrente lhe dirige. Na verdade, fazem-se sentir no caso as necessidades preventivas da pena, isto é, a necessidade de prevenção geral e especial em relação àqueles que se excedem por ira e uma vez que são mais perigosos para a sociedade e para os bens jurídicos, qualidade pessoal que se exprimiu no modo colérico como se defendeu, agindo sem preocupação com os limites impostos pela necessidade da defesa, o que é valorável de forma desvaliosa como culpa da sua personalidade. Quanto à pretensão da arguida em que a pena lhe seja suspensa na sua execução, temos como certo que a mesma degradaria a eficácia preventiva geral do Direito Penal e colocaria irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade em relação ao valor da vida. Ora, conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», pág. 344, «a suspensão de execução da prisão não deverá ser decretada, se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime" (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise». O único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, só na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, pelo que, em caso algum, a defesa da ordem jurídica pode ser postergada por preocupações de socialização em liberdade: ac. STJ de 27-3-2003, proc. 03P612, www.dgsi.pt. IV Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida. Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em cinco UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III # Évora, 06-12-2016 (elaborado e revisto pelo relator) João Martinho de Sousa Cardoso Ana Barata de Brito |