Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/10.0GBPTM.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
Data do Acordão: 06/18/2013
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO POR EXTEMPORÂNEO
Sumário:
I - O alargamento do prazo previsto no nº 1 do artº 411º do CPP, introduzido pela Lei 20/2013, de 21/2, não abrange a situação em que o prazo de interposição do recurso se esgotou no domínio da lei antiga.
Decisão Texto Integral:
DECISÃO SUMÁRIA

RELATÓRIO.

No processo comum nº24/10.0GBPTM do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, os arguidos AM e YH, devidamente identificados nos autos, sob acusação do Ministério Público foram submetidos a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida e depositada em 15 de Outubro de 2012, para o que aqui releva, a ser decidido o seguinte:

a) Absolver o arguido YH como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.°, n.° 1 e 25°, ai. a), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma;

b) Condenar o arguido AM, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.°, n.° 1 e 25°, al. a), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, alínea d), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária €7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia total de € 910,00 (novecentos e dez euros) e, subsidiariamente, caso não pague a multa, em 86 dias de prisão;

e) Substituir a pena de prisão pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.° do Código Penal.

Inconformado com essa decisão, em 12-11-2012 dela recorreu o arguido AM, pugnando pela sua absolvição da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e a condenação em 50 dias de multa substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática do crime de detenção de arma proibida e, caso assim não seja entendido, que seja condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade em pena especialmente atenuada, não superior a 8 meses de prisão, com a execução suspensa, concluindo a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

1° - O Arguido, ora Recorrente, é um humilde cidadão alemão, que vive da agricultura, modestamente, privilegiando o contacto com a natureza, como um hippye, o que, aliás, é frequente, na zona onde habita, e que é do conhecimento geral, não gerando a sua condição de, à data, consumidor de cannabis, receios concretos.

2° - Afastada que está qualquer actividade de tráfico, em sentido estrito, resulta evidente que as poucas plantas, em pequena quantidade, se destinavam ao consumo pessoal, do ora Recorrente, e como bem deu por provado o douto Tribunal “a quo “, do seu companheiro Yuriy, com quem partilhava a habitação, e que colaborava no cultivo, designadamente, regando, sendo razoável que ambos conhecessem que, fora de determinadas circunstâncias, a actividade poderia ser ilícita.

3º A experiência não nos permite concluir nos lermos dos pontos 8. e 9. da matéria provada, e a) e d) da matéria não provada, sem contradição, que, com a vénia, nos parece evidente, e contra as regras da experiência comum.

4º Ambos os co-Arguidos, com as mesmas afinidades, partilhavam a mesma habitação, ambos consumiam, à data, cannabis, de que, ambos, cuidavam, e cultivavam, não deixando se ser contraditório concluir que um conhecesse da ilicitude, e outro não, ou que um era dono, e outro não, designadamente, assim se absolvendo um, e condenando o outro, na medida em que a experiência comum impede concluir como na douta Sentença ora em Recurso, que, com a devida vénia, temos por contraditório.

5° - Não pode, pois, e sem outros elementos, concluir-se pela existência de cedência de um Arguido, o ora Recorrente, ao outro, só com base em depoimentos de Arguidos, que bem poderão ter escolhido, mal, a estratégia de defesa, assumindo um só a “responsabilidade “..., prestando declarações como bem entenderam, não estando obrigados à verdade.

6° - Perante estas realidades, mais não deveria o douto Tribunal “a quo” do que ler dado como provado que todas as plantas e substâncias pertenciam a ambos os Arguidos, que, à data, as iriam consumir, em exclusivo, afastando-se a verificação do ilícito de menor gravidade, restando o consumo, naturalmente que partilhado, e que configura contra-ordenação, e não crime, ambos sendo absolvidos.

7° - Efectivamente, só os Arguidos sabiam o destino das poucas plantas que cuidaram e iriam consumir, sendo que as Testemunhas de Acusação se limitaram a constatar a existência das plantas, locais e quantidades. Eram os Arguidos que as detinham na habitação de ambos, e que delas cuidavam, como provado.

8°- Tal como o Arguido Yuriy, também o ora Recorrente, que não fez mais do que aquele, deveria ter sido absolvido, pois, tanto um como o outro, residindo na mesma habitação, cultivaram, cuidaram, regaram, e fumaram, restando uma única certeza, o consumo partilhado, que não integra a previsão do crime imputado, mas sim a contra-ordenação de consumo.

9° - O douto Tribunal deveria ter considerado, e quanto à medida da pena, relativamente ao crime de menor gravidade, que temos por inverificado, a condição pessoal do Recorrente, que deixou de consumir, a pouca quantidade de cannabis, cujo THC se desconhece, e cujo consumo não está relacionado com o fenómeno da criminalidade, a ausência de antecedentes criminais, o baixo grau de ilicitude, do Recorrente, bem integrado, para atenuar especialmente a pena, que, pacificamente, não poderia ser efectiva, nem ultrapassar os 8 meses de suspensão.

10º Ao decidir diferentemente, e ao aplicar, ao ora Recorrente, a pena de um (1) ano e quatro (4) meses de prisão, pela prática, que se tem por improvada, do crime de menor gravidade, violou o douto Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 70°, 71 °e 72° do Código Penal, uma vez que se justifica a atenuação especial da pena, em face dos factos apurados, que não deverá ser superior a 8 meses, pelo que, também neste aspecto, merece provimento o Recurso.

11º O mesmo baixo grau de ilicitude, foi reconhecido quanto ao crime detenção de arma proibida, mas voltou o douto Tribunal “a quo” a violar os artigos 70º, 71º e 72° do Código Penal, ao aplicar a pena de 130 dias de multa, perante moldura abstracta de 10 a 480 dias, mostrando-se justa e adequada pena de multa que não fosse superior a 50 dias, à razão de € 5 por cada dia, substituída por trabalho a favor da comunidade, assim, também neste aspecto, merecendo provimento o Recurso.

12° - Quanto à punição pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, a que o douto Tribunal, e bem, decidiu não dever corresponder pena que não fosse suspensa na sua execução, não é exacto que o Arguido conscientemente consentiu aplicação de pena de substituição, nos termos e para efeitos do disposto no artigo n° 5 do Código Penal, pois o Recorrente, na altura, entendeu que a substituição se referia, somente, à pena de multa, como é frequente suceder.

13º Certamente em erro, o Arguido, ora Recorrente, aceitou a substituição da pena que seria de multa, pensando ser a correspondente à detenção de arma proibida, na convicção de que, relativamente ao crime de tráfico de menor gravidade, seria condenado em pena suspensa na sua execução, o que é frequente verificar-se nos Tribunais Portugueses.

14º Efectivamente, sendo o Arguido AM condenado em pena suspensa, não lhe fez sentido que, sem que a mesma, futuramente, fosse revogada, fosse a prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, razão pela qual não aceita a prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

Geralmente, os Arguidos condenados em pena suspensa na sua execução, saem do Tribunal, com a ameaça de uma pena, que só será cumprida se vier a ser revogada, e foi este o entendimento do Arguido ora Recorrente, que espera colher apoio da Veneranda Relação.


15º Devia, pois, o douto Tribunal “a quo” ter absolvido o Arguido AM da prática do ilícito do artigo 25° do Dec-Lei 15/93, comunicando-se a prática da contra-ordenação, condenando-o na pena de multa, não superior a 50 dias, à razão de 6’ 5 por cada dia, relativamente à detenção de arma proibida, esta sim, substituída por trabalho a favor da comunidade, e não o tendo feito, e decidindo nos termos da douta Sentença, violou o disposto nos artigos 25° e 40° do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e 50°, 70°, 71° e 72° do Código Penal, pelo que merece integral provimento presente Recurso.

16º A entender-se verificada a prática do ilícito do artigo 25° do Dec-Lei
15/93, de 22 de Janeiro, e justificando-se a atenuação especial da pena, deveria esta não ultrapassar os oito (8) meses — art°s 50°, 70°, 71° e 72° do Código Penal -, suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal, sem qualquer substituição de pena, que seria suspensa pelo prazo legalmente determinado.


17º Merece, pois, integral provimento o presente Recurso, havendo que, consequentemente, revogar-se a douta Sentença de Fls, a substituir por outra que absolva o Recorrente do crime do artigo 25 do Dec-Lei 15/93, condenando-o na pena de multa de 50 dias, substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática do crime de detenção de arma proibida.

Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vas Exas, a não ser determinado o reenvio do Processo, por via de qualquer vício do conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 426° do Código de Processo Penal, deverá conceder-se integral provimento ao presente Recurso, consequentemente se revogando a douta Sentença de Fls, a substituir por outra que, absolvendo o ora Recorrente da prática do crime do artigo 25° do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, o condene na pena de multa de 50 dias, substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática do crime de detenção de arma proibida, ou, a se entender diferentemente, o condene em pena especialmente atenuada, e não superior a oito meses, suspensa na sua execução, por prática do ilícito do artigo 25° do Dec-Lei 15/93, nos termos do disposto nos artigos 50°, 70°, 71° e 72° do Código Penal procedendo as Motivações e respectivas Conclusões.

Contra-motivou O Ministério Publico no Tribunal recorrido pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto é também de parecer que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Cumprido o disposto no nº2 do art.417º, do CPP não houve resposta.

FUNDAMENTAÇÃO.
Nos termos previstos no art.420º, nº1, al.b) do CPP, o recurso é rejeitado, sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº2 do art.414º do CPP.

Ora, no caso vertente, o recurso interposto pelo arguido AM foi apresentado fora do prazo legalmente estabelecido, pelo que por ser intempestivo não devia ter sido admitido, o que determina agora a sua rejeição e justifica nos termos do art.417º, nº6, al.b) do CPP a prolação da presente decisão sumária.

Vejamos resumidamente as razões em que se alicerça este nosso entendimento.

Tanto à data em que foi proferida a sentença recorrida, como à data em que foi interposto e admitido o recurso, nos termos dos nºs 1 e 4 do art.411º do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto, o prazo de interposição de recurso era de 20 ou 30 dias, consoante o recurso não tivesse ou tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada. Se houvesse lugar a esta o prazo era de 30 dias e se não houvesse o prazo era de 20 dias.

Porém, no passado dia 22 de Março de 2013 entraram em vigor as novas alterações introduzidas ao Código do Processo Penal pela Lei nº20/2013, de 21 de Fevereiro, que no seu art.3º revogou o nº4 do art.411º e o nº2 do art.413º, passando o nº1 do art.411º a estabelecer que o prazo para interposição do recurso é de 30 dias.

Assim, deixou de existir aquela diferenciação quanto ao prazo em resultado do recurso ter ou não como objecto a reapreciação da prova gravada, passando agora a ser de 30 dias, independentemente de ter ou não como objecto a reapreciação da prova gravada.

Esta alteração legislativa, coloca-nos um problema de aplicação da lei processual penal no tempo, importando desde logo indagar qual o regime aqui aplicável.

Vejamos.

Dispõe o nº1 do art.5º do CPP que a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.

Porém, acrescenta o n.º 2, que a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:

a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou

b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

O nosso mais Alto Tribunal tem vindo a entender de forma, segundo julgamos, uniforme que esta disposição aplica-se, aos recursos nos processos penais, designadamente às regras que respeitam à sua interposição.

De forma também uniforme o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que o direito de recorrer de certa e determinada decisão só existe depois da mesma ser proferida, pois só então se pode aferir se a pessoa em causa tem legitimidade e interesse relevante em recorrer, pelo que a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre.

Em relação às decisões que venham a ser proferidas no futuro em processos pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis. Neste sentido pode ver-se, entre outros os acórdãos do STJ de 17-4-2008 e de 5-6-2008, publicados na C.J Acórdãos STJ, Ano XVI, tomo II, pags.198 a 200 e 251 e 252, cujos fundamentos secundamos e que, por isso seguiremos de perto nesta breve exposição

Como é referido nesses arestos, pese embora o direito ao recurso, considerado em abstracto, faça parte do rol dos direitos constitucionais de defesa no âmbito do direito criminal (art.º 32.º, n.º 1, da CRP), o direito a recorrer de certa e determinada decisão só existe depois da mesma estar proferida, pois só então se pode aferir se a pessoa em causa tem legitimidade e interesse relevante em recorrer.

Na verdade, há que fazer uma distinção entre os direitos de defesa que têm eficácia em todo o decurso do processo (os previstos no art.º 61.º, n.º 1, do CPP) – por exemplo, o direito genérico a recorrer - e os que apenas se encontram consignados para a fase processual em curso – o direito a recorrer de certa e determinada decisão.

Por isso, tem-se entendido que a lei aplicável para se aferir da recorribilidade de certa decisão é a vigente na altura em que a mesma for proferida, o que, aliás, é uma decorrência do princípio da aplicação imediata da lei processual penal (Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 56, e Jorge Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 6.ª ed., p. 60).

Como é sublinhado naquele primeiro aresto, citando Antunes Varela e outros, in Manual Processo Civil, pp.56 e Jorge Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 6ª edição, pp.60 “ a nova lei que admita recurso de decisões que anteriormente o não comportavam, é ponto assente que não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor (…)”. De igual modo, a nova lei que não admita recurso de decisões que anteriormente o comportavam, não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor, pois isso traduzir-se-ia num agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

Mas acrescenta aquele aresto, que nenhuma razão existe para que não se aplique às decisões que irão ser proferidas posteriormente, ainda que em processos que já estejam em curso, pois o direito ao recurso de certa decisão só nasce no momento em que a mesma é proferida e não há agravamento ou beneficio em relação a situação processual que antes não existia e que se desconhecia se viria a existir (sublinhado nosso).

Como bem assevera aquele acórdão, antes dela, poderia haver uma mera expectativa, mas sem carácter jurídico, pois não goza de protecção legal. No entanto, já não serão atendíveis «as expectativas [eventualmente] criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior» se, «na altura capital em que a decisão foi proferida», tais expectativas «já não tinham razão de ser» [«não [se] justificando, por isso, o retardamento da aplicação da nova lei»] (Antunes Varela - J. Miguel Bezerra – Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, 54-55). Daí que se entenda que «em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis» (ibidem).

Assim, e como muito bem observa a este propósito o Exmº Senhor Desembargador Sénio Alves, na decisão sumária de 4 de Abril de 2013, acessível em www.dgsi.pt na esteira da jurisprudência de que se socorreu, que vai também no sentido da que atrás citámos, de que é elucidativo o Ac. STJ de 18/10/2007 (rel. Simas Santos), www.dgsi.pt.: “o eventual alargamento da recorribilidade já não será susceptível de aplicação quando o prazo de interposição de recurso se esgotou no domínio da lei antiga” «há que concluir que a alteração entretanto introduzida em matéria de (prazo de) recursos se não aplica na situação dos autos, porquanto a decisão recorrida foi proferida no domínio da “lei velha” e no domínio da mesma lei decorreu e terminou o prazo de recurso …».

Posto isto, é chegado o momento de examinarmos se no domínio da lei aplicável - a lei velha – o prazo para interposição do presente recurso é de 20 ou de 30 dias.

No âmbito da lei aplicável, (nºs 1 e 4 do art.411º do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto), como já atrás referimos, o prazo de interposição de recurso é de 20 ou 30 dias, consoante o recurso não tiver ou tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. Se houver lugar a esta o prazo é de 30 dias e se não houver o prazo é de 20 dias.

A ratio material subjacente ao maior prazo concedido para o recurso incidente sobre matéria de facto radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretende impugnar a matéria de facto, por virtude do dever legal de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, das provas que devem ser renovadas, com a indicação das concretas passagens em que funda a impugnação (cfr. artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP).

Na verdade, só quando o recurso tem em vista a reapreciação da prova gravada faz sentido dilatar o prazo para interposição do recurso, precisamente para permitir ao recorrente tempo suficiente para, ouvindo as gravações, identificar as concretas passagens dos depoimentos que, na sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida.

Como é sabido e constitui jurisprudência unânime o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação (art.412º, nº1, do CPP).

Quando o recorrente pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos prescritos no nº3 do art.412, do CPP, deve especificar:

A) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
B) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
C) As provas que devem ser renovadas.

Acrescenta o nº4 desse preceito que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações nas previstas nas alíneas a) e b) do nº3 do art.412º, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº2 do art.364º (indicação do início e termo de cada declaração), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

No caso vertente, é manifesto e evidente que o recorrente não se socorre desta forma de impugnação ampla da matéria de facto, estando por isso, os poderes de cognição deste tribunal restringidos à matéria de direito, sem prejuízo, claro está, de conhecer da impugnação da matéria de facto mas restrita aos vícios elencados no nº2 do art.410º do CPP, sendo certo que o recorrente a este propósito se limita a invocar uma suposta contradição entre factos provados e não provados e erro notório na apreciação da prova, isto é, os vícios, previstos nas al. b) e c) do nº2 do art.410º do CPP.

Na verdade, resulta à evidência da minuta do recurso, que o recorrente não pretende impugnar amplamente a matéria de facto de acordo com o prescrito nos nºs 3 e 4 do art.412º do CPP, mas apenas e tão só através da alegação daqueles vícios, para o que não necessitou de ouvir as gravações da prova, não documentando os autos, aliás, que tivesse pedido e obtido as respectivas cópias.

Com efeito, quer do corpo da motivação, quer das conclusões, o que emerge quanto a impugnação da matéria de facto é uma suposta contradição entre os pontos 8 e 9 dos factos dados como provados e as alíneas a) e d) dos factos dados como não provados e um alegado erro notório na apreciação da prova, uma vez que o recorrente, se limita a alegar que a actividade de tráfico que lhe é imputada contraria as regras da experiência comum.

Ora, como é sabido, o erro notório na apreciação da prova, é segundo a doutrina e jurisprudência mais generalizadas, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença por si só ou conjugado com as regras da experiência comum (art.410º, nº2 do CPP).

Aquela forma de impugnação ampla, não se confunde com esta outra forma de impugnação restrita aos vícios previstos no nº2 do art.410º do CPP, constituindo duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes.

Enquanto estes constituem vícios intrínsecos da sentença, e por isso, tem de resultar do respectivo texto (art.410º, nº2, do CPP), aquela não se confina a esse domínio, tratando-se de uma forma ampla de impugnação da matéria de facto, que todavia, deve ser exercida com observância do ónus de impugnação especificada previsto no art.412º, nºs 3 e 4 do CPP.

Não pretendendo o recorrente e não vindo impugnada a matéria de facto, nos termos prescritos nos nº3 e 4 do art.412º do CPP, está liminarmente afastado o reexame dessa matéria, quer através da reapreciação da prova gravada, quer através da renovação da prova, sendo que nem uma nem outra vem pedida.

Assim, “ in casu” o prazo para interposição do recurso é de 20 dias, contados a partir do depósito da sentença [art411º, nº1, al.b) do CPP, aquele na redacção anterior à dada pela Lei nº20/2013, de 21 De Fevereiro].

O tribunal “a quo” procedeu à leitura da sentença em 15/10/2012, data em se considera notificada ao arguido/recorrente, que esteve presente no acto, bem como o seu defensor.

A sentença foi depositada nessa mesma data, contando-se a partir daí aquele prazo.

O recurso foi apresentado em 12/11/2012, conforme se alcança do carimbo aposto a fls. 395.

No caso vertente, pelas razões que atrás explicitámos, o prazo para interposição do recurso é de 20 e não de 30 dias.

Assim, o aludido prazo para interposição do recurso começou a correr em 16/10/2012, e o seu termo ocorreu em 4/11/2012, que por ser domingo, transitou para o dia seguinte 05-11-2012.

Todavia, independentemente de justo impedimento o acto poderia ainda ser praticado nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, (art.145º, nº5, do CPC, aplicável ex vi do art.107, nº5 do CPP), ou seja, até ao dia 8 de Novembro de 2012.

Mas o recurso foi interposto, em 12-11-2012.

Assim, como o recurso foi interposto depois de esgotado aquele prazo (de 20 dias) e também depois de ultrapassados os 3 dias úteis posteriores, a sua apresentação é manifestamente extemporânea, pelo que não devia ter sido admitido.

Contudo, a decisão que o admitiu não vincula este tribunal (art.414º, nº3 do CPP).

Impõe-se agora, por isso, rejeitá-lo, em conformidade com o disposto no art. 420.º n.º1, alin. b), com referência ao preceituado no art. 414.º n.º2 do CPP e sancionar o recorrente nos termos do nº3 do art.420º, todos do Código de Processo Penal, ficando consequentemente prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos decide-se:

Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AM e condenar o recorrente no pagamento da quantia correspondente a 3 UC’s, nos termos prevenidos no nº3 do art.420º do CPP;

Condenar ainda o arguido/recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s [arts.513º nº1 e 514º nº1, do CPP na redacção introduzida pelo DL nº34/2008, de 26 de Fevereiro e art. 8º nº9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais].

Évora, 18 de Junho de 2013.

(Elaborado e integralmente revisto pelo signatário).


GILBERTO CUNHA