Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
35/05.7FBOLH.E1
Relator:
EDGAR GOUVEIA VALENTE
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA ESPECIALMENTE ATENUADA
DESQUALIFICAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
1.A atenuação especial da pena, prevista no art. 31.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é excepcional. Entender que, após a detenção em flagrante delito, a mera alusão a um ou outro nome dos (alegadamente) ''verdadeiros'' traficantes, com resultados inócuos, poderia traduzir-se na atenuação especial da pena, seria premiar uma estratégia de aparente colaboração com as autoridades sem quaisquer resultados concretos, tendo como único escopo essa mesma atenuação. Não é indiferente à norma o binómio qualidade/eficácia da colaboração.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório.

No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé corre termos o processo comum colectivo nº ---, no qual foi deduzida acusação pública contra os arguidos J., nascido a 19 de Maio de 1977…, e B., nascido a 6 de Agosto de 1978, …, tendo-lhes sido imputada a autoria material do crime doloso consumado de (a) tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, nº 1 do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, e, somente ao (1°) arguido, a autoria material, em concurso real com o anterior, de um crime doloso consumado de (b) tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferido Acórdão, no qual foi decidido:
I - Condenar o arguido J., por autoria material de um crime doloso consumado de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.
II - Condenar o arguido B., por autoria material de um crime doloso consumado de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de quatro anos e nove meses de prisão.
III - Declarar extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional contra o arguido J.

De tal decisão foram interpostos os seguintes recursos :

I – Pelo arguido B., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
A - Sobre as circunstâncias que caracterizam o dolo do Recorrente, em particular quanto à sua consciência e conhecimento do número de fardos a transportar, a sentença recorrida apenas se refere no ponto II A 1p ao facto do outro Arguido J. ter sido contactado para “proceder a um descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe” , nada mais se referindo, quanto a isto, nem ao nível da matéria provada, nem da fundamentação da decisão provada, razão pela qual se entende que a mesma padece de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº1, alínea c) do C.P.C..
B - Por seu turno, tendo o Recorrente, na sua contestação, chamado à atenção para a importância da sua actual reinserção social e tendo sido efectuado novo relatório social, em Novembro de 2008 (Cfr. Fls. 1650 a 1655), a sentença recorrida omite por completo qualquer referência ainda que sumária, em particular, sobre as condições pessoais actuais do Recorrente (Cfr. Fls. 1654), razão pela qual, salvo melhor opinião, entendemos que se verifica nova nulidade de sentença(Cfr. artigos 374º, nº2 e 379º, nº1, alínea a) do C.P.P.).
C - Uma vez que o Recorrente é primário (Cfr. Ponto II, A 31p da sentença recorrida), confessou os factos, evitando, desta forma a audição desnecessária de dezenas de testemunhas arroladas (Cfr. Ponto II.D.1 da sentença recorrida e testemunhas arroladas no despacho de acusação a fls..), vive com sua mãe e habitualmente do seu trabalho (Cfr. Ponto II, A 31p da sentença recorrida), manifestou arrependimento, após a sua detenção, nas circunstâncias provadas, o arguido B. colaborou com as autoridades na identificação, quer do aludido D. quer da provada oficina. (Cfr. Ponto II, A 34 p da sentença recorrida e fls. 419 e 420 dos autos), de acordo com novo relatório social actualizado em 17 de Novembro de 2008, a fls. 1659 a 1655, encontra-se presentemente a trabalhar como carpinteiro, com contrato renovável de 6 em 6 meses, aspira abrir uma ofícina de carpintaria (Cfr. Fls.1654) e “Ao nível individual o arguido parece apresentar uma maior capacidade na resolução de problemas interpessoais, tudo indiciando uma atitude de maior consciência crítica face a anteriores comportamentos menos adequados” (Cfr. Fls.1654), deveria o “tribunal a quo” ter-lhe aplicado uma atenuação especial da pena, nos termos previstos no artigo 31º do D.L. nº 15/93 de 22 de Janeiro.
D - No que diz respeito, em concreto, à colaboração do Recorrente com as autoridades policiais no sentido da identificação do autor moral do tráfico em causa, um tal D. e da oficina que serviu de ponto de partida (Cfr. Ponto II, A 34 p da sentença recorrida e fls. 419 e 420 dos autos), entendeu o tribunal “a quo” não a valorizar em absoluto porquanto “A colaboração dada às autoridades pelo arguido B. integra-se nesta assunção de responsabilidades, nada mais do que isso, porque não acrescentou nada à investigação(...), não conduziu à localização do mencionado D. (...) e não revelou a identificação ou localização de outras pessoas conexas com a acção criminonsa (...)” (Cfr. C.1 d.2 pág. 8 2º parágrafo da sentença recorrida), sendo que este entendimento viola o disposto no artigo 31º do D.L. Nº15/93 de 22 de Janeiro já que nem a letra da lei, nem o seu espírito, exigem que a colaboração do Arguido implique necessariamente a localização (mas apenas a mera “identificação”- o que no caso do D, aconteceu) de outros responsáveis, nem muito menos a sua captura (utilização da conjunção disjuntiva “ou” em detrimento da conjungação copulativa “e”).
E - Ao não fazê-lo, o Tribunal “a quo” no ponto III) c.2 da sua sentença, aplicou igualmente, de forma inconstitucional, o artigo 21º, nº1 do D.L. nº15/93 de 22 de Janeiro na interpretação de que, em caso de especial censurabilidade do tráfico em causa, o teor da pena prevista para este artigo deverá objectivamente prevalecer sobre qualquer outra pena que pudesse ser especialmente atenuada por razões de natureza subjectiva (V.G. artigo 31º do mesmo D.L.), por tal interpretação violar o princípio da legalidade penal prevista no artigo 29º, nº1 da Constituição já que nenhuma norma penal pode afastar outra norma penal de igual valor, sem que exista um elemento de prevalência tipificadamente previsto, o que não se verifica na letra do dito artigo 21º, nº1.
F - Quanto à medida da aplicação da pena, e com base nos mesmos elementos de facto dados como provados e já referidos no início da conclusão C) supra que aqui se dão por integralmente reproduzidos,a sentença recorrida viola, por um lado, o disposto no artigo 71º do Código Penal porque, apesar de referir que “haverão as penas a aplicar de ater-se próximo do mínimo abstracto consignado na lei, a fim de contemplar adequadamente a confissão” (Cfr. Ponto III C. 2 b). Pág. 9 da sentença recorrida), acaba por aplicar ao Recorrente não o mínimo de 4 anos, mas 4 anos e 9 meses, isto é, quase 5 anos, e por outro, viola o disposto no artigo 72º, nº2, alíneas c) e d) do Código Penal, ao não levar em consideração quer que, entre a prática do crime (2005) e a presente data (2008), decorreram já 3 anos, quer o teor do relatório social actualizado em Novembro de 2008, de fls. 1650 e 1655, em particular a sua parte final onde se considera que o aqui Recorrente, atentas as suas actuais condições pessoais, sociais e profissionais “reúne condições para o cumprimento de uma medida de natureza probatória”, com, em qualquer dos casos, suspensão, nos termos do disposto no artigo 50,nº1 e 53º do Código Penal, da respectiva execução da pena de prisão efectiva por tempo a fixar pelo tribunal..
G - Com base nos mesmos elementos de facto dados como provados e já referidos na 1ª parte da conclusão C) supra que aqui se dão por integralmente reproduzidos, deverá, em último caso, ser reduzida a pena do Recorrente para o mínimo legal previsto no artigo 21º, nº1 do D.L. nº15/93 de 22 de Janeiro, de 4 anos, atendendo ao facto do mesmo ser primário e estar já plenamente ressocializado (Cfr. Artigos 40º, nº1 e 71º do Código Penal. E, em igual sentido, numa situação exactamente idêntica à do aqui Recorrente. veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Novembro de 2004, (Cfr.. In http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/distrito/).
Conclui, pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e, de acordo com o artigo 426º, nº1 do Código de Processo Penal deverá o processo ser reenviado para novo julgamento de forma a que se possa proceder à sanação das nulidades supra arguidas.
Todavia, se tal não for o entendimento do presente tribunal, em qualquer caso, deve ser revogada a decisão recorrida, fixando-se uma pena especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 31º do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro
Ou, nos termos gerais do disposto no artigo 72º, nº2, alíneas c) e d) do Código Penal
Ou, caso assim não se entenda, fixando-se a pena miníma de 4 anos prevista no artigo 21º do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro,
Sempre e, em quaisquer dos casos, com as respectivas penas suspensas na sua execução ao abrigo do disposto nos artigos 50º, nº1 e 53º do Código Penal.

II – Pelo arguido J. extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. A pena aplicada ao arguido parece, salvo o devido respeito, manifestamente exagerada.
2. O arguido não passou, em toda a sua participação deste crime, de um mero "estivador", a quem competia uma tarefa primária e meramente braçal.
3. Esta actividade pontual foi limitada no tempo escasso de realização e ao transporte de apenas alguns fardos, às costas, por escassas dezenas de metros.
4. Não parece justo, mesmo em termos de prevenção geral que sejam os dois arguidos nestes autos os únicos a arcar com as consequências da operação, enquanto os verdadeiros traficantes se acham impunes.
5. No artigo 25° do Dec. Lei 15/93 aparece a diferenciação das drogas apreendidas em função da sua qualidade.
6. Em jurisprudência constante as drogas duras apreendidas cocaína e heroína - são referidas pela sua qualidade, pela sua maior perigosidade, para assim se fundamentar a aplicação de penas mais elevadas.
Ora, se assim é, o mesmo raciocínio deverá ser utilizado ao contrário, isto é, quando estão em causa drogas leves, como haxixe, a impor penas mais leves.
A não se entender assim, encontraríamos a existência de "dois pesos e duas medidas"; isto é, atender-se ia à qualidade para punir mais severamente as drogas duras e já não se atenderia à qualidade para punir menos severamente as drogas leves.
7. O arguido confessou integralmente os factos e manifestou arrependimento, e por isso contribuiu para que, em julgamento a prova arrolada pela acusação (18 testemunhas) e de Defesa, nem sequer tenha sido produzida.
8. O arguido interiorizou devidamente a sua culpa e já cumpriu uma pena de prisão preventiva bem como todas as exigências da medida de coacção actualmente em vigor, também restritiva de liberdade.
9. As penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) e, em última analise na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
10. A função da culpa é, designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável.
11. Tendo, pois, em mente que a quantidade de droga apreendida no caso dos autos, será irrelevante para a individualização da culpa (o arguido não é o proprietário da droga, nem toda essa droga lhe passou pelas costas) e que o haxixe é, pelos menos, notoriamente a menos prejudicial de todas as drogas ilícitas.
12. Conjugando agora tudo isto com a posição processual dos arguidos, a sua confissão integral e arrependimento que daí resulta, a sua condição económica e social, os sinais reveladores de que a prisão já cumprida e o cumprimento religioso das sucessivas medidas de coacção aplicadas - obrigação de permanência na habitação com controlo à distancia (até ao seu termo) e a obrigação de apresentações diárias - medida
que se mantém até aos dias de hoje
13. A qualificação jurídica dos factos aponta para a condenação pelo artigo 25° do Dec-Lei 15/93 ou, no máximo, para uma atenuação especial de uma condenação pelo artigo 21 ° pelo mesmo diploma.
14. O art. 25.º do DL 15/93 contém um tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, que coloca acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela ilicitude que está pressuposta no tipo-base descrito no art. 21.º.
15. Essa diminuição acentuada depende, nos termos da referida norma, da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa, como é inculcado pelo advérbio nomeadamente (tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
16. Vejamos as demais circunstâncias, visto que, como vimos, é necessário fazer uma apreciação global de todas aquelas que possam contribuir para um juízo sobre a ilicitude, de forma a considerá-la ou não como consideravelmente diminuída, em relação ao tipo de ilicitude que aquele art. 21.° pressupõe.
17. Assim, assume particular relevância, no contexto da materialidade provada, o facto de o recorrente actuar única e exclusivamente no transporte da droga (da embarcação para a praia). Por outro lado, não ficou provado que o recorrente se dedicasse à venda de estupefacientes ou que tivesse intenção de vender as substâncias com que foi encontrado.
18. O recorrente enquadra-se numa situação de toxicodependência e, no que toca à intenção lucrativa, não ficou provado que se dedicasse à comercialização, ou, sequer, que tivesse a intenção de transaccionar os produtos estupefacientes de que era transportador.
19. Considerando o facto da sua toxicodependência à data dos factos, de se encontrar inserido familiarmente, tendo emprego efectivo e certo na empresa de construção J., limitada, com sede na Avenida …, Rinchoa, Rio de Mouro como pedreiro, é de concluir, assim pensa a Defesa, que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo de suspender a execução daquela pena por um período igual, nos termos do art. 50.° n.º 1 do Código Penal.
20. Em qualquer dos casos, atentas as necessidades de prevenção geral e especial não deverá ser aplicada pena de prisão superior a 3 anos.
21. A suspensão da pena, tendo em conta as circunstâncias pessoais do arguido, constituirá a medida mais adequada a impor, porquanto será a mais eficaz para evitar a repetição do erro cometido em toda a sua vida futura.
22. O recorrente cumpriu religiosamente durante dois anos a medida de coacção que lhe fora imposta - prisão preventiva e posteriormente a obrigação de permanência na habitação através dos meios de controlo à distância - tendo sido extinta por excesso de cumprimento, bem como a medida de obrigação de apresentações diárias - até aos dias de hoje.
Violaram-se os artigos:
Artigo 21° nº 1 do Dec-Lei 15/93 porquanto, o preceito a aplicar deverá ser o do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo 70° do C.P. porquanto a pena aplicada parece exagerada e não proporcional ao grau de culpa.
Nestes termos deve o presente recurso obter provimento, condenando-se o arguido pelo artigo 25º do Dec-Lei 15/93 ou fazendo valer uma atenuação especial da pena se se optar pelo artigo 21º desse diploma.

Conclui pedindo que o recurso obtenha provimento, condenando-se o arguido pelo artigo 25º do Dec-Lei 15/93 ou fazendo valer uma atenuação especial da pena se se optar pelo artigo 21º desse diploma. Em qualquer dos casos, entende que a pena de prisão a aplicar não deverá ser superior a 3 anos, suspensa na sua execução.

O MP respondeu aos recursos, extraindo de tais respostas as seguintes conclusões:
I – Quanto ao recurso do arguido B.
1) O acórdão não padece da nulidade prevista no artigo 379° n° 1 al. c) do C.P.P. (ao contrário do que defende o recorrente). A decisão objecto de recurso constitui um todo integrado e homogéneo. Bastará, pois, proceder à sua leitura.
2) Não se verifica a nulidade prevista nos artigos 374° nº 2 e 379° nº 1 al. a) do C.P.P. dados os factos provados em 31 p. e o cumprimento do disposto no artigo 370° do CPP.
3) Entende também este recorrente que a pena a aplicar-lhe deveria ser especialmente atenuada aplicando-se, ao caso, o artigo 31° do DL.º 15/93 de 22.01.
4) Desde logo, a atenuação da pena não é de aplicação obrigatória e a previsão legal do artigo 31° do DL. n° 15/93 nem sequer foi preenchida.
5) Logo, do cotejo dos artigos 21° e 31° do DL. n° 15/93 não há lugar à arguição de qualquer inconstitucionalidade por referência ao artigo 29° n° 1 da Constituição.
6) Entende também o recorrente que a pena que lhe foi aplicada deveria ser-lhe suspensa na sua execução. Ora, o arguido praticou um puro acto de tráfico de estupefacientes - e a concreta pena que lhe foi aplicada situa-se, em nosso entender e salvo o devido respeito, no domínio do simbólico. São 04 anos e 09 meses pelo desembarque de umas toneladas de droga, cuja moldura abstracta varia entre os 04 e os 12 anos de prisão.
7) Confessamos a nossa dificuldade em defender esta pena concreta face aos factos. Quanto a suspender a sua execução, não encontramos fundamento.

II – Quanto ao recurso do arguido J..
1- Encontrando-se o recorrente J., juntamente com outros, a proceder ao descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe, com cerca de 2 toneladas, e tendo sido, efectivamente, possível apreender 1.596,55 quilogramas, nunca esta conduta pode integrar a previsão do artigo 25° do DL. n° 15/93 de 22.01; integrando sim a previsão do artigo 21° n° 1 do mesmo diploma.
3- Tendo o recorrente sido apanhado em flagrante - e com a prova feita - não é aplicável o disposto no art. 31° do DL. n° 15/93 de 22.01 só porque os recorrentes assumiram a responsabilidade pelos seus actos (a posteriori). O recorrente e os demais, não abandonaram voluntariamente a sua actividade nem da cooperação que puderam prestar resultou a identificação de mais ninguém nem de coisa nenhuma.
4 - Concluímos assim, que o acórdão lavrado na primeira instância deve ser confirmado, sendo certo que a concreta pena aplicada situa-se no domínio do meramente simbólico.

O Exmº PGA neste Tribunal da Relação pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e após conferência, cumpre apreciar e decidir.

Levaremos em conta o teor da decisão recorrida , que se reproduz na parte que interessa:
''Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1p. Em data imprecisa, mas anterior a 21 de Setembro de 2005, o arguido J. foi contactado por um indivíduo conhecido por ‘D.’, cuja identidade não se apurou, tendo ambos acordado que no dia 22 de Setembro de 2005, juntamente com outros indivíduos, iriam proceder a um descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe, aproximadamente duas toneladas, numa praia do Algarve.
2p. Combinaram que o arguido J. receberia entre dois e quatro mil Euros, consoante a quantidade de haxixe que descarregassem.
3p. Depois, no dia 21 de Setembro de 2005, o arguido J. contactou o arguido B., e acordou com este que no dia 22 de Setembro de 2005 iriam proceder ao descarregamento marítimo em causa numa praia do Algarve.
4p. Combinaram que o serviço duraria cerca de 15 minutos e que o arguido B. receberia 4.000 Euros.
5p. No dia 22 de Setembro de 2005, cerca das 15.00 horas, na Trafaria, os arguidos encontraram-se com o indivíduo conhecido por ‘D.’, que se fazia transportar, como passageiro, num automóvel ‘Peugeot’ azul metalizado, de matrícula desconhecida, conduzido por um indivíduo de raça branca não identificado.
6p. Os arguidos entraram no dito automóvel e, com o indivíduo desconhecido ao volante e o aludido ‘D.’ sentado a seu lado, seguiram para o centro de Almada.
7p. Aí chegados, o condutor do veículo comprou numa loja ‘Vodafone’ dois telemóveis para uso no descarregamento.
8p. Seguidamente, os arguidos, o ‘D.’ e o condutor deslocaram-se a uma oficina, também em Almada, a fim de irem aí buscar uma carrinha para transporte terrestre dos fardos de haxixe a descarregar na praia algarvia.
9p. Durante esse percurso, o ‘D.’ entregou ao arguido J. a quantia de 500 Euros e um telemóvel já com um número memorizado, dizendo-lhe que era o número para que deveria ligar quando chegassem ao Algarve.
10p. Chegados os quatro à oficina, foi contactado um outro indivíduo de raça negra, desconhecido, mas aparentemente empregado na oficina, o qual pôs os telemóveis a carregar e foi buscar a carrinha.
11p. Minutos depois, o dito empregado da oficina voltou com um veículo ligeiro de mercadorias ‘Mercedes Benz Vito 111 DCI’ branco, número ----ZC, com inscrições e logótipos ‘Europcar’ nos painéis laterais.
12p. Nessa altura, o indivíduo desconhecido que já se encontrava na oficina entregou ao arguido J. as chaves, e esse indivíduo e o ‘D.’ acordaram com os dois arguidos que, quando estes chegassem ao Algarve, ligariam o telemóvel e telefonariam para o ‘D.’.
13p. De seguida, com o arguido J. ao volante, os dois arguidos seguiram viagem para o Algarve, tendo chegado a Albufeira cerca das 19.30 horas desse dia 22 de Setembro de 2005, altura em que contactaram com o ‘D.’ e com ele combinaram encontrar-se em Boliqueime junto a uma igreja pelas 21 horas.
14p. Pelas 21.00 horas, nesse local, os arguidos encontraram-se com o ‘D’, que estava acompanhado pelo indivíduo de raça branca que conduzira o veículo que os levou da Trafaria para Almada, pelo outro indivíduo de raça negra, que seria empregado da oficina em Almada, e por outros três indivíduos não identificados, sendo um deles de raça negra e de língua portuguesa e os outros dois de língua espanhola.
15p. Os dois indivíduos espanhóis faziam-se transportar numa “caravana” e os outros (o ‘D.’ e os outros três) numa viatura Opel Astra de cor escura.
16p. Nessa ocasião, os arguidos J. e B., entre si e com todos os outros seis indivíduos, combinaram como proceder ao descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe, aproximadamente duas toneladas, numa praia entre Vale do Lobo e Quarteira.
17p. Actuando na concretização do plano, de forma concertada e em conjugação de esforços, os arguidos, juntamente com os outros seis indivíduos, divididos pelos veículos mencionados, deslocaram-se na direcção da aludida praia.
18p. Cerca de 10 minutos antes de chegarem à praia, os seis indivíduos não identificados passaram para a carrinha Mercedes Vito, e nela seguiram viagem com os arguidos, indo o arguido J. a conduzir com um dos indivíduos de língua espanhola a seu lado, a dar-lhe instruções para a localização da praia.
19p. Cerca das 22.30 horas de 22 de Setembro de 2005, os arguidos e os outros indivíduos chegaram à praia de Loulé Velho, indo esconder-se nas dunas que lhe são adjacentes à espera da embarcação que deveria chegar à praia com os fardos de droga.
20p. Pelas 23.00 horas, chegou e acostou à praia de Loulé Velho uma embarcação semi-rígida com 8 metros de comprimento, com dois motores de popa (“fora de borda”), dotado de quatro bancos ocupados por quatro indivíduos não identificados, transportando cerca de 70 fardos de haxixe.
21p. Nessa altura, o indivíduo de língua espanhola que seguira ao lado do arguido J. na carrinha Mercedes atendeu o telemóvel, fez sinais de luzes com uma lanterna e ordenou aos arguidos e aos outros indivíduos para que se dirigissem para a água, a fim de descarregarem o haxixe do barco, o que os arguidos desde logo fizeram, correndo para a praia, entrando na água e aproximando-se da embarcação.
22p. De seguida, os dois arguidos e os outros indivíduos, à excepção do que atendera o telemóvel, começaram a descarregar os fardos de haxixe do barco para a praia.
23p. Nessa ocasião, os arguidos e os outros indivíduos que procediam ao descarregamento dos fardos foram abordados por militares da GNR, que procederam à apreensão do produto e à detenção do arguido J., tendo o arguido B. logrado fugir, bem como os outros indivíduos.
24p. A partir daí, alguns agentes da GNR encetaram a perseguição aos outros indivíduos, tendo vindo a deter o arguido B. cerca das 03.00 horas do dia 23 de Setembro de 2005 no aldeamento de Vale do Lobo.
25p. Aquando da detenção do arguido J. e na mesma praia de Loulé Velho, os agentes da GNR apreenderam o seguinte: 50 fardos de haxixe pesando 1.596,55 quilogramas; 1 viatura ligeira de mercadorias Mercedes de matrícula ---ZC, estimada em 15.000 Euros, tendo no seu interior 1 casaco de ganga, no qual havia um maço de tabaco ‘Chesterfield’; 19 notas de 20 Euros; 4 notas de 10 Euros; 1 bomba para asmáticos; 1 talão de compras de ‘El Corte Inglés’; 3 pares de sapatos ténis; 1 boné; 1 casaco azul sem mangas; 1 carteira contendo 4 notas de 50 Euros, 1 nota de 5 Euros, 2 cartões desportivos em nome de F.J. e 1 papel com dizeres manuscritos; 2 vales de desconto de 1,50 Euros BP/Jumbo; 1 moeda de 50 cêntimos; mais 7 notas de 50 Euros, 2 notas de 10 Euros e 19 notas de 20 Euros; e 1 par de calças de ganga do arguido J.
26p. O arguido J. tinha ainda consigo, nessa ocasião, 4 barras com o peso total de 12,45 gramas de haxixe.
27p. No mesmo dia 23 de Setembro de 2005, pelas 11.00 horas, foi levada a cabo pelos agentes da GNR busca à residência do arguido J., sita na Rua …, autorizada pelo próprio, e naquela foi encontrado e apreendido o seguinte: num dos quartos, 1,734 gramas de haxixe; no quarto do arguido, sobre uma tábua de passar a ferro, 0,543 gramas de haxixe, e dentro de uma caixa de música 0,828 gramas de haxixe.
28p. Os arguidos actuaram sempre em conjugação de esforços e em execução do plano por eles previamente concebido com todos os outros indivíduos desconhecidos, e fizeram-no de modo livre, voluntário e consciente, sabedores da natureza do produto que descarregavam e cientes do carácter criminalmente ilícito das suas condutas.
29p. Os arguidos receberam vários fardos de haxixe dos indivíduos que a transportaram no barco, levaram-nos até à praia e pretendiam levá-los para a carrinha Mercedes Vito ---ZC, que servia para o seu posterior transporte pelos outros indivíduos, até outros locais onde a droga seria vendida por preço lucrativo.
30p. O haxixe provado em 27p, encontrado em casa do arguido J., destinava-se a consumo pessoal deste.
3lp. O arguido B. é isento de passado criminal, habita com sua mãe e vive habitualmente do seu trabalho.
32p. O arguido J. foi já condenado por crime de detenção de arma proibida e por crime de ofensa à integridade física simples, datando as respectivas decisões, respectivamente, de 28 de Fevereiro de 2002 e de 22 de Novembro de 2004.
33p. Pai dum filho menor, o arguido J. professa igualmente hábitos de trabalho, designadamente como mecânico de automóveis, ainda que profissionalmente habilitado como mecânico naval.
34p. Após a sua detenção, nas circunstâncias provadas, o arguido B. colaborou com as autoridades na identificação, quer do aludido D., quer da provada oficina.
B - Factos não provados -
Dos factos com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes:
1NP. Que o arguido J. destinasse à venda lucrativa, a toxicodependentes, o haxixe provado em 27p.
2NP. Que o dinheiro apreendido fosse proveniente da venda de estupefacientes a consumidores.
C - Matéria não incluída -
Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa. Não foram consignadas, igualmente, considerações gerais, nem foram incluídos factos implicitamente decorrentes de outros, e já explicitamente provados ou não provados na sede própria.''

2. Fundamentação.
A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP ), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
Contudo, apesar da delimitação do âmbito do recurso efectuada pelo recorrente, o tribunal de ''ad quem'' deve oficiosamente [1] conhecer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Esses vícios são:
a - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. (alínea a)
b – A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. (alínea b)
c – O erro notório na apreciação da prova. (alínea c)
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
I - Recurso do arguido B.
1 – Omissão de pronúncia.
2 – Erro quanto à aplicação do direito: a aplicação da pena especialmente atenuada.
3 – Inconstitucionalidade.
4 – Medida da pena.
II. Recurso do arguido J..
1 – A integração da conduta no artº 25º do DL 15/93.
2 – A atenuação especial da pena.
3 – Medida da pena.

B. Decidindo.

I – Recurso do arguido B.
1ª questão. (Omissão de pronúncia)
Segundo este recorrente, ocorrem na decisão recorrida duas omissões de pronúncia que conduzem à nulidade da mesma.
A primeira diz respeito ao conhecimento (ou não conhecimento) da quantidade de estupefaciente que o recorrente deveria transportar, afirmando-se que a decisão recorrida não se debruçou sobre tal questão.
Confessamos desde já a nossa perplexidade relativamente a este segmento argumentativo do recurso. Com efeito, consta dos factos provados (recorde-se que os arguidos confessaram tais factos) que:
O arguido J. foi contactado por um indivíduo, tendo ambos acordado que iriam proceder a um descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe, aproximadamente duas toneladas, numa praia do Algarve. (facto 1p)
Posteriormente, o arguido J. contactou o arguido B., e acordou com este que no dia 22 de Setembro de 2005 iriam proceder ao descarregamento marítimo em causa numa praia do Algarve. (facto 3p)
No mesmo dia, os arguidos J. e B., entre si (…) combinaram como proceder ao descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe, aproximadamente duas toneladas, numa praia entre Vale do Lobo e Quarteira. (facto 16p)
Os arguidos actuaram sempre em conjugação de esforços e em execução do plano por eles previamente concebido com todos os outros indivíduos desconhecidos, e fizeram-no de modo livre, voluntário e consciente, sabedores da natureza do produto que descarregavam e cientes do carácter criminalmente ilícito das suas condutas. (facto 28p)
Nos termos do artº 14º, nº 1 do C. Penal, age com dolo directo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar.
O facto provado 28 acima referido traduz indiscutivelmente a intenção dos arguidos dirigida à prática do facto. Poderá questionar-se: qual facto?
Segundo o recorrente, ''ficou provado que o arguido J. tinha sido contactado para proceder a um descarregamento marítimo de 70 fardos de haxixe mas em nenhum lado ficou provado que o Recorrente B. sabia que o descarregamento seria efectivamente de 70 fardos de haxixe.''
O recorrente terá, contudo, lido a materialidade provada de forma pouco cuidada. Na verdade, não ficou só provado que o arguido J. tenha sido ''contactado'': ficou provado que o mesmo acordou com o indivíduo em causa a realização do descarregamento dos mencionados 70 fardos de droga. É na sequência deste primeiro ''acordo'' que surge o ''acordo'' entre J. e o ora recorrente para que, no dia 22 de Setembro de 2005, procedessem ao descarregamento marítimo em causa, ou seja, o descarregamento dos 70 fardos de haxixe. Aliás, o facto provado 16p é absolutamente explícito, como vimos, na referência aos 70 fardos de haxixe, aproximadamente duas toneladas.
Consequentemente, afirmar que em nenhum lado ficou provado que este recorrente sabia que o descarregamento seria efectivamente de 70 fardos de haxixe é uma afirmação completamente falsa.
Inexiste, pois, esta omissão.
Relativamente à alegada omissão de referência às condições pessoais do recorrente (constante do relatório da DGRS), é para nós líquido não existir, uma vez que o facto provado 31p descreve no essencial a sua situação laboral, sendo certo que a mesma não se alterou na sua essência, ou seja, mantém-se como realidade a circunstância de o recorrente viver habitualmente do seu trabalho.
Inexiste, também, esta omissão.
2ª questão. (erro quanto à aplicação do direito: a aplicação da pena especialmente atenuada)
Segundo o recorrente, deveria ter-se aplicado o disposto no artº 31º do DL 15/93.
De acordo com este normativo,
Atenuação ou dispensa de pena
Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.
O mecanismo aqui previsto tem a sua origem na legislação italiana de combate ao terrorismo, visando a protecção e a recompensa dos chamados ''arrependidos'', ou seja, ''aqueles que, dessolidarizando-se das organizações terroristas a que pertenciam, confessam às autoridades as anteriores ligações e contribuem para a identificação dos membros de grupos em que se inseriam.'' [2]

Tal importação teve reflexos na redacção dos artigos 287º, nº 4 e 289º, nº 3 do C. Penal, posteriormente adoptada na nova redacção do artº 301º, nº 2 do mesmo diploma, entretanto revogado pela Lei 52/2003, de 22.08, que, por sua vez, consagra no seu artº 4º, nº 3 semelhante solução.
Especificamente, invoca o recorrente a circunstância de ter ficado provado (facto 34p) que após a sua detenção, nas circunstâncias provadas, o arguido B. colaborou com as autoridades na identificação, quer do aludido D., quer da provada oficina.
É evidente que, para a aplicação do mecanismo em causa (atenuação especial da pena) não é necessário que o agente preste auxílio concreto às autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação e para a captura de outros responsáveis.
No entanto, também não é menos verdadeiro que a exequibilidade do mecanismo é complexa, ''pois exige vários requisitos: o agente auxilie as autoridades; que esse auxílio seja concreto; e que tenha por objecto a recolha de provas decisivas , ou a incriminação ou captura de outros responsáveis.'' [3]

Por outro lado, há ainda que considerar que, mesmo que os requisitos se encontrem formalmente preenchidos, a exequibilidade do mecanismo atenuativo não é automática, como se alcança da expressão ''pode'' a pena ser especialmente atenuada.
De tudo o exposto flui que ''[a] medida deste artigo 31º é excepcional e inscreve-se (tal como acontece nos casos de organizações terroristas [...])no reconhecimento, por banda do legislador, de que, ou renunciava à luta contra organizações criminosas de tão difícil penetração ou aderia à ideia de ''premiar'' os agentes que, vindo de dentro delas, decisivamente contribuíram para as descobrir e desarticular.'' [4]
Em concreto e no caso que nos ocupa, pode ler-se no acórdão recorrido o seguinte:

A colaboração dada às autoridades pelo arguido B. integra-se nesta assunção de responsabilidades, nada mais do que isso, porque não acrescentou nada à investigação (muito adiantada como se vê da eficácia na detecção do desembarque), não conduziu à localização do mencionado D. (de cuja existência o Tribunal não duvida, porque quer fazer fé nas declarações dos arguidos) e não revelou a identificação ou localização de outras pessoas conexas com a acção criminosa provada nos autos.
(…)
Importa salientar que a lei vigente não permite fazer a distinção, corrente na gíria, entre drogas duras e drogas leves, porquanto se tem o legislador atido, com razões que têm seu peso, a manter as tabelas oportunamente elaboradas, de nada valendo, seja de que perspectiva seja, a argumentação de que o haxixe é “menos” prejudicial do que a heroína, a cocaína ou outras substâncias.
Há que não confundir as propriedades potencialmente farmacológicas do canabis, com os efectivos danos causados à saúde pela sua absorção fora dos processos químicos de aproveitamento medicamentoso.
(…)
Numa palavra, é inteiramente de afastar o critério, ou sequer a ideia, de que o combate ao tráfico de haxixe deve pautar-se por critérios mais “brandos” do que os adoptados para o combate ao tráfico de outras substâncias.
(…)
Não se afigura, assim, possível, nem adequada, a adopção de medidas de especial atenuação da pena, acaso propugnadas, ou pelo menos esperadas, pelos arguidos ao admitirem os factos que praticaram, em conjugação com a circunstância de ter sido apreendida toda a droga desembarcada - isto é, reflexões que talvez pudessem levar à especial atenuação da pena em sede de crime de furto, por exemplo, não podem, de modo nenhum, encontrar aplicação nos presentes autos.
Sufragam-se por inteiro estas considerações. Com efeito, entendemos que o auxílio do agente para a identificação de outros agentes do crime só é concreto e, como tal, merecedor de atenuação especial da pena, quando tal identificação não é meramente formal, ou seja, quando permite chegar à verdadeira identidade dos mesmos, nas diversas vertentes que o conceito integra (desiderato que o singelo nome ''D.'' não logra alcançar), pois só em tal caso, é que a actuação do ''arrependido'' pode contribuir funcionalmente para o combate e desmantelamento das redes/organizações de tráfico de droga. Entender que, após a detenção em flagrante delito, a mera alusão a um ou outro nome dos (alegadamente) ''verdadeiros'' traficantes, com resultados inócuos, poderia traduzir-se na atenuação especial da pena, seria premiar uma estratégia de aparente colaboração com as autoridades sem quaisquer resultados concretos, tendo como único escopo essa mesma atenuação. Não é indiferente à norma o binómio qualidade/eficácia da colaboração, ao contrário do que parece inferir-se do afirmado pelo recorrente, quando argumenta que a circunstância de não terem detido o identificado ''autor moral'' do crime ''é facto totalmente alheio à sua vontade''. Recorde-se que o ''utilitarismo de resultados'' que a norma incorpora como factor catalisador do mecanismo atenuativo não é privativo da mesma, podendo surpreender-se em disposições como o artº 24º, nº 1 do C. Penal, a propósito do afastamento da punibilidade em caso de desistência da execução do crime.
Um suma, o facto provado em causa (34p) é insuficiente para operar a atenuação especial da pena prevista no mencionado artº 31º do DL 15/93.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Também pretende o recorrente que a pena seja especialmente atenuada nos termos previstos nos artigos 72º e 73º do Código Penal.
O artº 73º do C. Penal regula os termos em que deve operar a atenuação especial da pena, sendo o normativo aplicável caso se entenda serem operativas as circunstâncias previstas no artº 31º do DL 15/93.
Já o artº 72º do mesmo compêndio legal define o quadro normativo da atenuação especial da pena em termos gerais.
Muito embora o recorrente não explicite os fundamentos para a invocação do mecanismo geral de atenuação especial da pena, sempre diremos o seguinte:
Como resulta do disposto no artigo 72º, nº 1 do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Trata-se de uma disposição de natureza excepcional, na medida em que depende da prova de uma atenuação acentuada da culpa ou das necessidades de prevenção.
Nesta conformidade, a mera verificação de factos subsumíveis à(s) circunstância(s) referida(s) não conduzem, de modo automático, à atenuação especial da pena, podendo, ao invés, constatar-se a ocorrência de factos subsumíveis a essas circunstâncias, mas sem que haja lugar à atenuação especial da pena; esta dependerá sempre de uma diminuição «acentuada» da culpa do agente ou da «necessidade da pena».
Não se vislumbram quaisquer circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Com efeito, a ausência de antecedentes criminais, a confissão e a sua integração profissional são circunstâncias ''típicas'' de determinação da medida da pena, não diminuindo de forma ''acentuada'' qualquer/quaisquer das realidades normativas acima mencionadas.
Não pode, por isso, considerar-se que se verifica uma diminuição significativa da ilicitude/culpa ou da necessidade da pena que justifique uma atenuação especial desta.
3ª questão. (inconstitucionalidade)
Segundo o recorrente, o afastamento da aplicação do artº 31º do DL 15/93 é inconstitucional (por violação do princípio da legalidade penal vertido no artº 29º da CRP), uma vez que a decisão recorrida considerou que seria de aplicar tão somente o seu artigo 21º, nº 1 em virtude do elevado grau de censurabilidade dos factos. Invoca-se, para o efeito, o ponto III. c. 2 E daquela.
Vejamos o que se afirma em tal ponto:
Contra os arguidos milita fortemente, porém, a disponibilidade que mostraram para participarem numa actividade, cujo elevado grau de censurabilidade não podiam desconhecer, tanto mais que a participação num desembarque não podia deixar de envolver quantidades muito grandes (na ordem já dos milhares de quilogramas) de droga destinada a consumo de grande número de pessoas, tanto mais que tal consumo se tem de avaliar em miligramas - e é bom lembrar que um quilograma equivale a um milhão de miligramas.
Estamos, pois, no domínio da valoração das circunstâncias previstas no artº 71º, nº 2 do C. Penal para determinação da medida da pena.
Porém, tal valoração concreta nada tem a ver com a circunstância invocada prevista no artº 31º do DL 15/93, ou seja, não se afirma que o elevado grau de censurabilidade da conduta adoptada é impeditivo da operatividade da circunstância do auxílio concreto às autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação de outros responsáveis como fundamentadora de uma atenuação especial da pena que, como acima vimos, foi afastada por outras razões.
Não ocorre, assim, sequer a interpretação do artº 21º, nº 1 do DL 15/93 alegadamente geradora de inconstitucionalidade, não subsistindo qualquer substracto hemenêutico que possa fundamentar o conhecimento desta.
Improcede, pois, também esta parte do recurso.
4ª questão. (medida da pena)
Segundo o recorrente, a pena deve ser-lhe reduzida, suspendendo-se a respectiva execução.
De acordo com o artº 71º, nº 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo artº 40º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.'' [5]

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.
Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena [6], sendo desta última que agora nos ocuparemos.
De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?
A jurisprudência alemã [7] desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possível determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. [8]

Segundo Jorge de Figueiredo Dias, [9] a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização.
Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' ( o texto do nº 1 do artº 71º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena.
''Dentro da moldura de prevenção (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.'' [10]

Quanto às exigências de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.'' [11]
Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exactamente a pena?
As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado:''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o efeito externo, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.'' [12]
Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 72º do C. Penal.
Na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores:
Os arguidos agiram com dolo directo e muito intenso, visto que se dispuseram a arrostar com todos os perigos e dificuldades que a sua actividade deixava prever, nomeadamente a possibilidade de serem detectados e presos, o que aliás veio a acontecer, mas sem que isso os dissuadisse, antes se tendo integrado numa operação criminosa montada com evidente minúcia e cautela, em mútua e total colaboração e coordenação.
O grau de ilicitude é muito elevado, já pela natureza da infracção em si mesma, já pela quantidade de droga envolvida na actividade dos arguidos.
Não obstante a ausência de antecedentes criminais quanto ao arguido B., e o cadastro criminal ainda pouco relevante do arguido J., a verdade é que são, quanto a ambos, particularmente de considerar as exigências de prevenção geral - protecção futura dos valores tutelados pelas normas violadas - e de prevenção especial - imposição aos arguidos de medidas aptas a convencê-los do desvalor da sua conduta, atento o circunstancialismo provado.
Haverá de ter-se em consideração que os arguidos procuraram, tanto quanto esteve ao seu alcance, assumir, com o relevo ainda possível, a responsabilidade pelos seus actos.
A colaboração dada às autoridades pelo arguido B. integra-se nesta assunção de responsabilidades, nada mais do que isso, porque não acrescentou nada à investigação (muito adiantada como se vê da eficácia na detecção do desembarque), não conduziu à localização do mencionado D. (de cuja existência o Tribunal não duvida, porque quer fazer fé nas declarações dos arguidos) e não revelou a identificação ou localização de outras pessoas conexas com a acção criminosa provada nos autos.
Contra os arguidos milita fortemente, porém, a disponibilidade que mostraram para participarem numa actividade, cujo elevado grau de censurabilidade não podiam desconhecer, tanto mais que a participação num desembarque não podia deixar de envolver quantidades muito grandes (na ordem já dos milhares de quilogramas) de droga destinada a consumo de grande número de pessoas, tanto mais que tal consumo se tem de avaliar em miligramas - e é bom lembrar que um quilograma equivale a um milhão de miligramas.
Importa salientar que a lei vigente não permite fazer a distinção, corrente na gíria, entre drogas duras e drogas leves, porquanto se tem o legislador atido, com razões que têm seu peso, a manter as tabelas oportunamente elaboradas, de nada valendo, seja de que perspectiva seja, a argumentação de que o haxixe é “menos” prejudicial do que a heroína, a cocaína ou outras substâncias.
Há que não confundir as propriedades potencialmente farmacológicas do canabis, com os efectivos danos causados à saúde pela sua absorção fora dos processos químicos de aproveitamento medicamentoso.
Há que lembrar que também a coca e o ópio têm, de há muito, aplicação no campo da medicina, sob formas e dosagens controladas por pessoas e entidades especialmente preparadas, e para fins sempre milito específicos e rigorosamente controlados - sem que isso diminua os perigos e os danos inerentes à cocaína e à heroína.
Há, em suma, que pôr em relevo a tendencial - e salutar - evolução dos critérios sociais e culturais no sentido, não de ignorar o real perigo de drogas como o haxixe, mas antes de realçá-lo (…) .
Numa palavra, é inteiramente de afastar o critério, ou sequer a ideia, de que o combate ao tráfico de haxixe deve pautar-se por critérios mais “brandos” do que os adoptados para o combate ao tráfico de outras substâncias.
(…)
Por outro lado, haverão as penas a aplicar de ater-se próximo do mínimo abstracto consignado na lei, a fim de contemplar adequadamente a confissão dos arguidos, fazendo reverter igualmente a seu favor a circunstância de ter o desembarque falhado completamente, ou quase, e pouco importando que nisso não tenham os arguidos qualquer mérito.
Terão as penas dos arguidos de ser, todavia, bem diferenciadas, não somente porque o arguido J. agiu, em relação ao seu co-arguido, como “angariador”, mas ainda porque já sofreu o mesmo arguido condenações recentes por crimes que cometeu, pese embora a pequena gravidade de tais crimes, se comparados com o ilícito em apreço - tudo no contexto, que assume especial realce, da grande quantidade de droga em causa nestes autos.
Dos factores tidos em conta sublinham-se os seguintes:
A) Concorda-se com o tribunal a quo quando refere como significativas as exigências de prevenção geral, ainda mais neste caso específico pois, tratando-se de apreensão de enormes quantidades de estupefaciente, a amplificação sócio-comunitária da conduta delituosa é proporcionalmente significativa.
B) Grau de ilicitude do facto – é indiscutivelmente muito elevado, valorando-se a quantidade esmagadora do estupefaciente traficado, bem como a participação numa operação de escala internacional, com os significativos meios logísticos e humanos envolvidos.
C) Gravidade das suas consequências e fins que determinaram o cometimento do crime: os fins foram exclusivamente económicos, sobrepondo-se aos interesses de integridade física e psicológica dos consumidores. Quanto à gravidade das consequências da prática do crime, in casu, a mesma apenas opera como mera realidade potencial, ou seja, o perigo de disseminação da droga, já que, efectivamente, a intervenção das autoridades policiais ( à qual os arguidos foram totalmente alheios).
D) Intensidade do dolo – O crime em causa é, necessariamente, doloso: ''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual.'' [13]
Uma vez que o recorrente agiu com dolo directo, como acima vimos, estamos perante a forma mais grave do tipo subjectivo, ou seja, verifica-se mais uma agravante.
E) Conduta do agente anterior e posterior ao facto: o recorrente é delinquente primário; confessou os factos; colaborou (limitadamente, como acima vimos) com as autoridades policiais.
F) Condições pessoais do agente, à sua situação económica: trata-se de pessoa com uma situação familiar e profissional minimamente sedimentada.
Deste modo, valora-se uma clara preponderância das circunstâncias agravantes, em particular (mas não só) as circunstâncias relativas ao facto, pelo que a pena concreta aplicada, situada a uns meros 9 meses do limite mínimo da moldura punitiva abstracta traduz uma decisão legalmente fundamentada, apenas podendo pecar pela sua excessiva benevolência.
Quanto à solicitada suspensão de execução da pena, devemos atender à norma que define os respectivos pressupostos:
Artigo 50º [14]
Pressupostos e duração
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A operatividade do instituto depende, pois, da verificação de pressupostos formais e materiais [15].
Considerando que a pena a fixar é inferior a 5 anos de prisão, resulta que se mostra preenchido o respectivo pressuposto formal.
Relativamente aos pressupostos materiais, pode ler-se no Acórdão da RC proferido no Processo 228/07.2GAACB.C1 e relatado pelo Sr. Desembargador Jorge Dias (disponível em www.dgsi.pt): A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o artº 40, nº 1 do C. Penal. A aplicação desta medida de excepção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
A este propósito, cumpre sublinhar que o carácter primário do recorrente e a sua integração profissional e familiar nos parecem insuficientes para fundamentar o prognóstico favorável à suspensão de execução da pena.

Com efeito, pode ler-se no recente Acórdão do STJ de 09.06.2010, proferido no processo nº 294/09.6JELSB.L1.S1 [16], (constituindo jurisprudência dominante) que ''… a natureza do crime [tráfico de estupefacientes - “correio de droga” primário que efectuava, por via aérea, do Brasil para Portugal, um transporte de cocaína com o peso líquido de 3415 g](...) com as fortes exigências de prevenção geral que determina, não permite que a simples ameaça da prisão assegure, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.''
Subscrevemos integralmente tal posição, in casu reforçada pelas circunstâncias específicas traduzidas na quantidade extremamente significativa de droga envolvida e emprego de importantes meios humanos e materiais, numa escala transnacional.
Não estão, consequentemente, reunidos os pressupostos materiais para decretar a suspensão de execução da pena.
Pelo exposto, a pena em que o recorrente foi condenado na 1ª instância mostra-se adequada e obedece aos comandos legais aplicáveis, não merecendo qualquer censura.
Consequentemente, improcede in totum o recurso do arguido.
Vencido no recurso, deverá o arguido suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (artigos 513º, nº 1 e 514º nº 1 do CPP e 82º, nº 1 e 87º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais).
II – Recurso do arguido J.
1ª questão. (a integração da conduta no artº 25º do DL 15/93.
Pugna o recorrente pela integração da sua conduta no artigo 25º do DL 15/93.
Vejamos.
Estipula o artigo 21º, nº 1, do diploma em causa que « [quem, sem para tal se encontrar autorizado, transportar…importar…fizer transitar…ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas na tabela I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
Por sua vez, determina o artigo 25º, alínea a) do mesmo compêndio legal, que «[s]e, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude dos factos se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI».
Como se assinalou no Acórdão do STJ de 21.01.2004 (Processo nº 3176/03 – 3ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artº 25º do DL 15/93, de 22.01, construído a partir do tipo-base do artº 21º do mesmo diploma, repousa numa considerável diminuição da ilicitude, funcionando como válvula de segurança para os casos em que a punição por força do artº 21º representaria um excesso de punição, uma salvaguarda do sistema, que se atinge pela valoração global dos factores-índice meramente exemplificados no art. 25.º, n.º 1, a propósito da qual os autores italianos falam de uma “valorização global do episódio”, não bastando uma perscruta isolada de qualquer deles, em preponderância absoluta de qualquer dos outros.
Ou ainda, como se acentuou no Acórdão do mesmo tribunal de 04.02.2004 (Processo n.º 3290/03 – 3.ª Secção, disponível no mesmo site), este tipo legal de crime (do artigo 25º) permite ao julgador que encontre a justa pena nos casos em que a gravidade objectiva e subjectiva do facto fica aquém da gravidade pressuposta no tipo-base, por isso no sistema punitivo aquele tipo se apresenta como um tipo situado a meio caminho entre o tipo-base e o tipo agravado, como válvula de segurança do sistema.
Assim, se a acção do agente é isolada, se não se repetiu no tempo, se radicou na ânsia de satisfação de necessidades de consumo, mais do que de lucro fácil, se o agente se não mostrar intrinsecamente envolvido no circuito do tráfico, o que a quantidade traficada denotará, se o proveito pecuniário foi nulo ou reduzido, se o tráfico se reporta a droga dita “leve”, ou mesmo “dura”, em pequena dose, se as suas condições pessoais de vida revelam a capacidade de se fidelizar, de futuro, ao direito, estes parâmetros, conjugadamente com outros que a casuística surpreenderá num empenhamento de fazer do direito a normativização da vida, autorizarão a incriminação mitigada na formulação do referido art. 25.º.
Mas não é de reconhecer valor atenuativo à toxicodependência, pelo contrário, estando ligada a uma deficiente formação da personalidade, agravando a responsabilidade do consumidor que não orientou a sua personalidade rumo à fidelidade ao direito.
No caso dos autos, o recorrente, antecipando a natural perplexidade que a alusão ''tráfico de menor gravidade'' poderia, in casu, face à enorme quantidade estupefaciente envolvida, provocar, afirma que a quantidade de droga apreendida no caso dos autos será irrelevante para a individualização da culpa, uma vez que ''o arguido não é o proprietário da droga nem toda essa droga lhe passou pelas costas''.
Trata-se de um argumento totalmente insubsistente. Com efeito, o recorrente participou numa operação de descarregamento de 70 fardos de haxixe: parece-nos evidente que, na medida (individualização) da sua culpa, deve ponderar-se esse todo, muito embora posteriormente a ''sintonia fina'' do juízo culposo tenha de levar em conta as funções concretas que desempenho na operação (aqui está em causa sobretudo a qualidade da intervenção - in casu, transporte braçal, factos 21p e 22p – e não o número concreto de fardos que cada um dos descarregadores transportou, o que sempre traduziria uma ''aritmética de armazém'' incompatível com o recorte normativo do conceito – se o contacto físico quantitativo com a droga fosse critério para afastar ou atenuar o juízo de culpa, todos os intervenientes nas operações de tráfico em que isso não acontecesse (e é notório que, quanto mais alta é a posição na hierarquia destas organizações criminosas, tendencialmente menos contacto físico com a droga tende a existir) teriam uma culpa atenuada. Por outro lado, a circunstância de o recorrente não ser proprietário da droga é um factor a levar em conta na medida da culpa (é obviamente maior a culpa do proprietário), sem que se possa afirmar que a exclui ou diminui consideravelmente.
Por último e mais importante, o artº 25º do DL 15/93, como acima vimos, consagra um tipo privilegiado quando a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, o que não acontece nos presentes autos: com efeito, os meios utilizados (operação de escala internacional), as circunstâncias da acção (utilização de consideráveis meios materiais e humanos) e a quantidade do estupefaciente (aproximadamente duas toneladas) inculcam precisamente a conclusão contrária, ou seja, que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente acentuada, não tendo qualquer significado, atentos os elementos acima mencionados e neste contexto subsuntivo específico, a qualidade [17] da droga em concreto.
Por outro lado, alega o recorrente, nesta sede específica, que se enquadra numa situação de toxicodependência (consumidor de haxixe).
Como acima vimos, a situação de toxicodependência não confere valor atenuativo à conduta.
Por outro lado é no mínimo curioso que o recorrente, para efeitos de desqualificar o haxixe (afirmando-se mesmo favorável à sua despenalização) como estupefaciente, afirma que não provoca toxicodependência física, mas simultaneamente afirma-se como... toxicodependente do haxixe.
Por último, afirma o recorrente que não ficou provado que se dedicasse à venda de haxixe. É verdade, mas provou-se que receberia entre € 2.000 e 4000, o que, sem qualquer dúvida, configura uma motivação pecuniária evidente, não se vislumbrando porque razão esta motivação (diferentemente do lucro com a venda a consumidores) fundamentaria uma considerável menor gravidade do tráfico, nos termos do artº 25º do DL 15/93. A conclusão a extrair é exactamente a oposta.
É, assim, totalmente improcedente a pretensão do recorrente quanto a esta questão.
2ª questão. (a atenuação especial da pena).
O recorrente pugna (apenas nas conclusões) que, caso não se enquadre a sua conduta no artº 25º do DL 15/93, a pena (do artº 21º do mesmo normativo) seja especialmente atenuada. Não invoca quaisquer fundamentos para sustentar tal pretensão.
Como acima vimos relativamente ao outro recorrente, o artº 72º do C. Penal define o quadro normativo da atenuação especial da pena em termos gerais.
Assim, muito embora este recorrente (também) não explicite os fundamentos para a invocação do mecanismo geral de atenuação especial da pena, sempre diremos o seguinte:
Dando-se aqui por reproduzidas as considerações normativas tecidas a respeito do anterior recorrente, também relativamente a este recorrente não se vislumbram quaisquer circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Com efeito, a confissão e a sua integração profissional, bem como as demais circunstâncias relativas ao facto são circunstâncias ''típicas'' de determinação da medida da pena, não diminuindo de forma ''acentuada'' qualquer/quaisquer das realidades normativas acima mencionadas.
Não pode, por isso, considerar-se que se verifica uma diminuição significativa da ilicitude/culpa ou da necessidade da pena que justifique uma atenuação especial desta.
3ª questão. (medida da pena)
Também segundo este recorrente, a pena deve ser-lhe reduzida (''não deverá ser aplicada pena de prisão superior a 3 anos''), suspendendo-se a respectiva execução.
Valem aqui as considerações teóricas e normativas acima tecidas quanto ao outro recorrente, dando-se por integralmente reproduzidas, para todos os legais efeitos.
Também se remete para os factores levados em conta na decisão recorrida, cuja passagem acima se reproduziu, bem como para as considerações aplicáveis a ambos os recorrentes.
Importa referir os factores de diferenciação entre as penas dos dois arguidos:
Relativamente aos factos, a participação deste recorrente traduz uma culpa notoriamente superior à do seu co-arguido, uma vez que foi dele a iniciativa de o contactar (e com ele acordar) para a prática do crime.
Relativamente à conduta do agente anterior ao facto, este recorrente tem averbadas no seu CRC duas condenações criminais (por crime de detenção de arma proibida e ofensa à integridade física simples).
Assim, justifica-se plenamente a afirmação constante da decisão recorrida de que devem as penas dos arguidos ser diferenciadas, não somente porque o arguido J. agiu, em relação ao seu co-arguido, como “angariador”, mas ainda porque já sofreu o mesmo arguido condenações recentes por crimes que cometeu, pese embora a pequena gravidade de tais crimes, se comparados com o ilícito em apreço - tudo no contexto, que assume especial realce, da grande quantidade de droga em causa nestes autos.
Deste modo, verifica-se uma clara preponderância das circunstâncias agravantes, em particular (mas não só) as circunstâncias relativas ao facto, a que acrescem as circunstâncias mais gravosas relativamente ao outro recorrente, pelo que a pena concreta aplicada, diferenciada apenas 9 meses da pena do recorrente B., mas ainda assim situada a uns meros 18 meses do limite mínimo da moldura punitiva abstracta, traduz igualmente uma decisão legalmente fundamentada, apenas podendo (também) pecar pela sua excessiva benevolência.
Quanto à solicitada suspensão de execução da pena, considerando que a pena fixada é de 5 anos e 6 meses de prisão, resulta que não se mostra preenchido o respectivo pressuposto formal, o que inviabiliza a operatividade do instituto.
Vencido no recurso, deverá o arguido suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (artigos 513º, nº 1 e 514º nº 1 do CPP e 82º, nº 1 e 87º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais).

3. Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

I – Quanto ao recurso do arguido B., negar-lhe provimento, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
II – Quanto ao recurso do arguido J., negar-lhe provimento, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 14 de Julho de 2010

-------------------------------------------------------------
(Edgar Gouveia Valente)

---------------------------------------------------------------
(Fernando Ribeiro Cardoso)




__________________________________

[1] Cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 7/95 , de 19.10.1995 , in DR I Série – A , de 28.12.1995 .
[2] A.G. Lourenço Martins in Droga, Prevenção e Tratamento, Combate ao Tráfico, Coimbra, 1984, página 119.
[3] Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, 1997, comentário de Eduardo Lobo a um Acórdão proferido em processo do Tribunal da Guarda em 29.11.1994, página 298.
[4] Droga, Decisões … cit., comentário de Sousa Guedes a um Acórdão do Tribunal do Círculo de Paredes de 23.11.1994, página 348.
[5] José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ , Lisboa , 1996 , p. 29 .
[6] Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I , Editorial Civitas , Madrid , 1997 , páginas 813 e 814 , onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa , bem como à possibilidade de conhecimento da proibição , sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias ( cfr. o nº 2 do artº 71º do C. Penal ) .
[7] A norma do C. Penal Alemão equivalente ao artº 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que , em benefício ou em prejuízo do autor , devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato .
[8] Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil'' - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar '' é claro que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele '' spielraum '' , dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção . '' (BMJ nº 149, página 72).
[9] Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.
[10] Acórdão do STJ de 24.05.1995, in CJ; ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214.
[11] Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.
[12] Anabela Miranda Rodrigues, Ob. cit. , página 481 .
[13] Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal , Universidade Católica Editora , Lisboa , 2008 , página 230 .
[14] Do Código Penal.
[15] A terminologia é de Figueiredo Dias , in Novas e Velhas Questões Sobre a Pena de Suspensão de Execução da Prisão , in RLJ , Ano 124 , página 67 .
[16] Disponível em www.dgsi.pt.
[17] O debate sobre a despenalização do tráfico de haxixe é, de jure constituto, processualmente ocioso, sendo que os argumentos expostos nos pontos II e III da motivação são reversíveis, como se pode ver em A.G. Lourenço Martins in Ob. cit., páginas 51 a 54 e em http://en.wikipedia.org/wiki/Long-term_effects_of_cannabis