Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO RODOVIÁRIA NÃO IDENTIFICAÇÃO DO CONDUTOR RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO CONSTITUCIONALIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/06/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Mesmo o entendimento jurisprudencial que admite a elisão da presunção através de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa por parte de quem nada disse no prazo da defesa a que se refere o art. 171.º nº3 do C. Estrada, sempre exige alegação e prova de que o autor da contraordenação é um determinado cidadão, devidamente identificado. II - Se no recurso de impugnação judicial o arguido não indica quem conduziria o veículo em causa nem alega utilização abusiva do mesmo, limitando-se a remeter para o tribunal o dever de identificar a pessoa do condutor ou, em todo o caso, de retirar as consequências legais de dúvida sobre a identidade respetiva, e o tribunal a quo aprecia e decide na sentença que era o arguido quem exercia a condução, conheceu questão de que não podia tomar conhecimento, incorrendo na nulidade prevista na parte final da alínea c) do nº1 do art. 379.º do CPP. III - No caso concreto, a consequência daquela nulidade traduz-se em julgar-se não provada a factualidade relativa à autoria da contraordenação por parte do arguido, julgando-se apenas provada a factualidade descrita na decisão administrativa, que narra as circunstâncias em que foi praticada e percecionada a contraordenação em causa, o que não foi sequer objeto de impugnação por parte do arguido. IV - A presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela contraordenação estabelecida no art. 135.º nº3 do C. Estrada é uma presunção legal ilidível pela forma prevista no art. 171º do C. Estrada e não uma presunção simples ou natural, que constitui meio de convicção. Pelo contrário, as presunções legais já não têm a função de encaminhar o raciocínio do julgador para uma convicção, uma certeza. Atuam sem a convicção, ou contra a convicção do julgador. Constam dum imperativo ao julgador; não são um instrumento lógico de apreciação da prova pelo julgador.” (Cavaleiro de Ferreira). V - Em obediência à presunção legal, o julgador terá de dar como provado, mas então de harmonia com as regras de apreciação da prova, não o facto presumido, mas o equivalente desse facto, base da presunção. A equiparação dos dois factos, porém, não é uma operação racional do julgador, mas obediência a um imperativo legal.». VI - O procedimento vinculado de identificação do condutor ou a demonstração do caráter abusivo da utilização do veículo com vista à elisão da presunção e subsequente arquivamento do processo contraordenacional (cfr nºs 3 e 4 do art. 171.º do C. Estrada), impõe ao titular do documento de identificação do veículo ónus que não pode reputar-se excessivo em casos como o presente, nomeadamente em face do princípio da proporcionalidade em sentido amplo a que se reporta o art. 18º da CRP ou do princípio das garantias de defesa previstos no art. 32.º da CRP. Sumário do relator | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora i. Relatório 1. Nos presentes autos de recurso de impugnação judicial em matéria contraordenacional que correm termos na Secção criminal (J1) da Instância Local de Benavente da Comarca de Santarém, PS, n. a 20.01.1961, com residência em Marinhais, veio impugnar judicialmente a decisão proferida em 21.07.2015 pela A.N.S.R., que o condenou numa coima de € 180,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, pela prática, no dia 13.02.2015, como reincidente, de uma contraordenação p. e p. pelo disposto nos artigos 84º, nºs 1 e 4, 138º, 139º, 143º e 145º, nº 1, alínea n) do Código da Estrada. 2. – Remetidos os autos aos serviços do MP, realizou-se Audiência de Discussão e Julgamento, após o que o tribunal a quo proferiu sentença julgando totalmente improcedente o recurso e mantendo integralmente a decisão administrativa impugnada. 3. – Inconformado, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: «Conclusões 1º O tribunal não podia ter dado como provada a factualidade dada como provada III A) 1; 2; e 3, porque do auto de notícia, da decisão administrativa e do depoimento agente autuante, JL, militar da GNR, retira-se não ter sido possível identificar o autor da contra-ordenação. 2º Estes elementos deveriam ter constituído ponto de partida para a actividade investigatória da entidade administrativa e do tribunal, na busca da verdade tendo em conta os valores da justiça e da imparcialidade, atento o disposto no artigo 266º da CRP e 340º do CPP. 3º Por ter a douta sentença conhecido duma questão de que não podia tomar conhecimento, considerar ter sido apurado que era o arguido quem conduzia o veículo, nas circunstâncias de modo tempo e lugar descritas no auto de notícia, quando nenhuma prova ou meio de prova lhe permitia isso, fez com que a douta sentença ficasse inquinada de nulidade. 4º Por outro lado, por não ter sido feita prova relativa à identificação do condutor nas circunstâncias de modo, tempo e lugar, quer em sede de decisão administrativa quer em sede de julgamento, não poderia o tribunal deixar de apreciar e valorar essa questão. 5º A omissiva actuação do tribunal, quando do auto de notícia, da decisão administrativa e do depoimento da principal testemunha JL, militar da GNR, resultou a flagrante dúvida e incerteza de quem era o condutor, o tribunal mostrou não querer saber e não querer apurar a verdade, logo viciada de nulidade ficou a sua actuação. 6º A nosso ver, constituíam tais factos, motivos mais do que suficientes para que o tribunal oficiosamente ordenasse a produção de prova necessária e conveniente à descoberta da verdade, não o tendo feito violou o disposto nos artigos 266º da Constituição e 340º do CPP. 7º O princípio da presunção de inocência em matéria criminal, não foi afastado pelo legislador ordinário no RGCO, antes pelo contrário, tem sido amplamente aplicado pela jurisprudência nacional que tem seguido a jurisprudência do TEDH, TJUE e TPI. 8º No direito contra-ordenacional estão em causa infracções relativamente as quais se torna necessário demonstrar a culpa de um determinado agente, para que possa ser legitima a aplicação de uma sanção. 9º Apesar das diferenças entre os ilícitos penal e contra-ordenacional, e ainda que se considere que a culpa contra-ordenacional tem contornos menos intensos do que a culpa penal, a verdade é que sem a prova de que o arguido praticou um facto censurável não é possível que lhe seja aplicada uma coima. 10º A única e efectiva falta do arguido, foi a de não ter identificado o condutor do veículo, será que tal circunstância não colide com o seu direito de defesa, com direito de se não auto-incriminar a si ou a sua ex-companheira, mas não sequer por aí o raciocínio do julgador. 11º Para nós a manutenção da decisão recorrida fere todos os princípios de justiça que constituem o direito, o próprio estado de direito e o sentimento de justiça da comunidade, porque as disposições constantes nos artigos 2º, nº1 e 2 do artigo 18º, nº10 do artigo 32º e 266º da Constituição da República Portuguesa impedem e não permitem a interpretação e aplicação da alínea b) do nº3 do art.135º e do nº2 do art. 171º do Código da Estrada tal como feito pelo tribunal. Termos em que deverá ser revogada a douta sentença, mas quanto a isso, melhor decidirá o Venerando Tribunal da Relação, fazendo a acostumada JUSTIÇA.» 4. Notificado da interposição do presente recurso, o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância pronunciou-se fundamentadamente no sentido da sua improcedência. 5. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, depois de apreciar as questões suscitadas. 6. -Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido nada acrescentou. 7. Sentença recorrida (Transcrição parcial): « (…) i) O auto (?) está ferido de nulidade, pois não identifica os elementos essenciais referentes à ilicitude e à culpa. ii) O arguido foi condenado “apenas por não ter identificado o condutor do veículo, o que legitimamente se podia recusar. O que aliás constitui e consubstancia um direito que lhe pertence tendo em conta os laços que o ligam a essa pessoa, e ainda o disposto no artigo 134.º do CPP”. Inexiste ilicitude, atento o disposto no artigo 31º, nº 2, alínea b) do CP. iii) Não sendo “o arguido o condutor do veículo, a única pessoa que poderia estar a conduzir era a sua esposa, no entanto não é do conhecimento do arguido que o seu veículo tenha circulado naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar”. (…) II. Questões prévias: A nulidade do auto de contra-ordenação e/ou da decisão administrativa: O recorrente começou as suas alegações de recurso, invocando que o “auto está mal instruído e por isso está ferido de nulidade pois nele faltam elementos essenciais como os referentes à ilicitude e à culpa”. Assim, se à primeira vista parece que se está a referir ao auto de contra-ordenação, verificamos que o recorrente se reporta mais à frente, nas conclusões do recurso, à nulidade da “decisão”, sustentado que “foi feita de forma confusa, atabalhoada e pouco profissional, tornando-a omissa, pouco esclarecedora e duvidosa”. Vejamos, em primeiro lugar, se o auto de contra-ordenação padece de alguma nulidade. Dispõe o artigo 50º do RGCO que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes assegurar ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre. Garante-se neste normativo o direito de audição e defesa do arguido. O exercício do contraditório é, no nosso ordenamento jurídico, um princípio natural, uma exigência fundamental do Estado de Direito com consagração no artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa. Deste modo, um efectivo direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo arguido, de todos os elementos relevantes, a saber, os factos que lhe são imputados e a sanção em que incorre. No caso em apreço, a autoridade administrativa notificou o arguido para, querendo, se pronunciar sobre os factos descritos no auto de notícia, tendo junto cópia do mesmo. Da notificação consta a identificação da infracção em causa e a moldura da coima e da sanção acessória. Constam, ainda, advertências e esclarecimentos acerca do modo como o arguido pode pagar a coima e a faculdade de, pondo termo ao processo, poder beneficiar do pagamento da coima pelo limite mínimo. Por sua vez, do auto de notícia – que foi junto com a notificação - consta uma descrição dos factos, localizando-os no espaço e no tempo, o nome do arguido, a matrícula da viatura e a identificação da infracção em causa. Julgamos, pois, que, com os elementos que foram indicados ao arguido, este estava em condições de conhecer a factualidade que lhe foi imputada e, deste modo, poder exercer um efectivo direito de defesa. Apreciando. O arguido foi condenado por decisão da ANSR, tendo-lhe sido imputados, grosso modo, os seguintes factos: a) No dia 13.02.2015, pelas 14h10m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula --IQ, na Rua do Cartaxeiro – Marinhais. b) Durante a marcha do veículo, o arguido fazia uso de aparelho radiotelefónico (telemóvel), sem fazer uso de sistema de alta voz ou de auricular, efectuando o manuseamento continuado com a mão esquerda. c) Com a conduta descrita, o arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando sem o cuidado e a prudência que o trânsito rodoviário aconselham e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei contra-ordenacional. Para prova dos factos acima descritos, refere a autoridade administrativa ter tido em atenção o disposto nos artigos 135º e 171º do CE, sendo que o arguido não apresentou defesa. Dispõe o artigo 58º do Decreto-lei nº 433/82 de 27.10 que a decisão da autoridade administrativa deve conter a identificar dos arguidos, a descrição do facto imputado, a indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune, a fundamentação da decisão, bem como as coimas e as sanções acessórias aplicadas. As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa em processos de contra-ordenação são menos rigorosas que as relativas aos processos criminais, mostrando-se suficiente a identificação do arguido, a descrição dos factos e a indicação das provas, além da enumeração dos preceitos punitivos (cfr. Ac. da R.E. de 15.06.2004, disponível in www.dgsi.pt . Neste sentido vide, igualmente, António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, pág. 113). Desde logo, estamos perante realidades distintas, na medida em que a decisão administrativa não se confunde com a sentença penal, tal como o ilícito contra-ordenacional não se confunde com o ilícito criminal. Por outro, a decisão administrativa, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (cfr. artigo 62º, nº 1 do Decreto-lei nº 433/82, de 27.10). Contudo, tal como esclarece António Beça Pereira (in ob. citada), “a decisão condenatória deve especificar quais os factos que considera provados, bem como a prova em que eles assentam. Não deve a autoridade administrativa substituir a descrição dos factos, por conceitos jurídicos (nomeadamente os que constam da norma incriminadora) ou por expressões conclusivas”. Considerando que, nos termos do artigo 62º do Decreto-lei nº 433/82 de 27.10, recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação, importa concluir que quando os autos são apresentados ao juiz devem conter todos os elementos que necessariamente constariam de uma acusação. Tal como decidiu o Tribunal da Relação de Évora, no Ac. de 08.06.2004, o Juiz não pode acrescentar factos que sejam constitutivos da contra-ordenação, sob pena de alteração substancial dos factos descritos na decisão administrativa/acusação (disponível in www.dgsi.pt). Efectivamente, deverá resultar evidente do teor da decisão administrativa – ou da remissão por esta elaborada – quais as razões de facto e direito que levaram à condenação do arguido, quer para lhe possibilitar um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial, como para, já em sede de impugnação judicial, permitir ao tribunal o conhecimento do processo lógico de formação da decisão administrativa (vide António de Oliveira Martins e José dos Santos Cabral in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2003, pág. 155). Aliás, o dever de motivação das decisões condenatórias (administrativas ou penais) resulta da própria Constituição da República Portuguesa e é parte integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (neste sentido, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição Anotada, p. 779). Reportando-nos ao caso dos autos, verifica-se que a autoridade administrativa logrou descrever as circunstâncias de tempo e lugar da infracção, não se compreendendo como o arguido pode dizer que a mesma não contém os elementos essenciais referentes à ilicitude e à culpa. Encontram-se, por isso, devidamente descritos os elementos do tipo objectivo da infracção contra-ordenacional, não ficando o arguido cerceado no seu direito de defesa. No que tange ao elemento subjectivo, a decisão é igualmente clara. Imputa ao arguido a prática da contra-ordenação a título de negligência, concretizando que este revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando sem o cuidado e a prudência que o trânsito rodoviário aconselham e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei contra-ordenacional. Por fim, no que respeita às sanções aplicáveis, explicou a razão pela qual aplicou ao recorrente as referidas sanções, estribando-se, grosso modo, nas contra-ordenações que constam do seu RIC. Assim, em nosso entender a conjugação da factualidade imputada (e dos meios de prova considerados) permite compreender quais são os factos imputados ao arguido e a que título, sendo suficientes ao preenchimento dos elementos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito contra-ordenacional e à aplicação das sanções que em concreto foram fixadas. Os objectivos visados com as exigências de fundamentação mostram-se, deste modo, no caso dos autos, plenamente garantidos. Pelo exposto, na medida em que a decisão da autoridade administrativa contém os factos integradores dos elementos das infracções contra-ordenacionais imputadas, estando fundamentada de facto ou de direito, importa concluir no sentido da ausência de qualquer nulidade. A instância mantém-se válida e regular, nada obstando à apreciação do mérito da causa. III.Matéria de facto: A) Factos provados (com relevo para a decisão): 1. No dia 13.02.2015, pelas 14h10m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula --IQ, na Rua do Cartaxeiro – Marinhais. 2. Durante a marcha do veículo, o arguido fazia uso de aparelho radiotelefónico (telemóvel), sem fazer uso de sistema de alta voz ou de auricular, efectuando o manuseamento continuado com a mão esquerda. 3. Com a conduta descrita, o arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando sem o cuidado e a prudência que o trânsito rodoviário aconselham e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei contra-ordenacional. 4. O arguido regista, no seu registo individual de condutores, a prática, nos dias 14.04.2014, 07.11.2013 e 20.08.2013, de três contra-ordenações estradais, tendo-lhe sido aplicadas, para além de coimas, as sanções acessórias de inibição de conduzir veículos motorizados pelos períodos de 45, 90 e 60 dias (autos de CO nºs 909169551, 910606250 e 909745730). 5. O arguido tem o 8º ano de escolaridade. 6. É vendedor de produtos de estética, cosmética e de fisioterapia, auferindo um vencimento mensal médio de cerca de € 600,00 - € 700,00. 7. Vive sozinho em casa arrendada e paga de renda de casa a quantia de € 200,00. 8. Tem duas filhas, que têm 20 e 26 anos de idade. A filha mais nova está a estudar na faculdade e a mais velha já trabalha. B) Factos não provados: Não se provou: a) No dia, hora e local referidos em 1) era a ex companheira do arguido que conduzia o referido veículo automóvel. b) Não se provaram quaisquer outros factos, sendo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria. C) Motivação e enquadramento jurídico. A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, foi adquirida a partir da análise crítica do conjunto da prova junta aos autos e com recurso a juízos de experiência comum e à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. A prova dos factos supra referidos assentou, desde logo, no auto de contra-ordenação junto a fls. 1, de onde resulta que, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o condutor do veículo automóvel supra descrito falava ao telemóvel (sem fazer uso de microfone com sistema de alta voz ou de auricular) ao mesmo tempo que o conduzia. O auto de contra-ordenação faz fé em processo de contra-ordenação até prova em contrário quanto aos factos presenciados pela entidade autuante. Estes factos foram presenciados pelo agente autuante (cfr. fls. 1), a testemunha JL, militar da GNR, que contou ao Tribunal que, no dia em apreço, viu o condutor do veículo automóvel de matrícula ---IQ a falar ao telemóvel. No que respeita à identificação da pessoa do condutor do veículo, esta testemunha esclareceu que, uma vez que não conseguiu apurar quem conduzia o veículo, fez constar do auto de contra-ordenação o nome do proprietário registado do veículo. A este respeito, sustentou o recorrente que não era ele quem conduzia o veículo automóvel. Aqui chegados, verificamos que se, numa primeira fase (junto da autoridade administrativa), não identificou a pessoa do condutor, acabou por referir, no seu recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, que, não sendo ele o condutor, só podia ter sido a sua ex companheira a conduzi-lo. Mais referiu que não tinha que identificar a pessoa do condutor, uma vez que, tratando-se de um familiar, teria o direito de não falar, nos termos do disposto no artigo 134º do CPP. Antes do mais, importa chamar à colação as normas constantes dos artigos 135º, nºs 3 e 4 e 171º do Código da Estrada. Determina o artigo 135º, nºs 3 e 4 do Código da Estrada que: “A responsabilidade das infracções praticadas no Código da Estrada e legislação complementar recai no: a) Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução; b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente (…) às infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor; c) Peão relativamente às infracções que respeitem ao trânsito de peões” (nº 3). “Se o titular do documento de identificação do veículo provar que o condutor o utilizou abusivamente, ou infringiu as suas ordens, as instruções ou os termos da autorização concedida, cessa a sua responsabilidade, sendo responsável, neste caso, o condutor” (nº 4). De harmonia com este artigo, refere o nº 2 do artigo 171º do Código da Estrada que “quando se trate de condução praticada no exercício da condução e o agente da autoridade não puder identificar o autor da contra-ordenação, deve ser levantado auto ao titular do documento de identificação, correndo contra ele novo processo”. Nesta situação, caso o proprietário do veículo identifique, “no prazo concedido para a defesa” a pessoa responsável pala prática da infracção, o processo deverá ser suspenso e, após, arquivado quando se demonstre que foi outra pessoa que praticou a infracção ou que utilizou o veículo, de forma abusiva (cfr. nºs 1 a 4 do artigo 171º do Código da Estrada). A interpretação do citado 171º do Código da Estrada segundo a qual, quando o agente autuante não aviste a pessoa do condutor, a ausência de identificação do autor da contra-ordenação por parte do proprietário do veículo faz presumir a prática, por parte deste, da infracção já foi apreciada, por diversas vezes, pelos Tribunais Superiores, sendo jurisprudência unanime que o arguido, em momento algum, fica privado ou limitado nos seus direitos de defesa (veja-se, entre outros, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005, do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2005 e da Relação de Lisboa de 28.09.2010, disponíveis nas bases de dados da dgsi). O Tribunal Constitucional já teve, igualmente, oportunidade de se pronunciar, designadamente no acórdão nº 276/04, embora com referência ao artigo 152º nº1 do Código da Estrada, na versão do Decreto- lei 2/98 de 3 de Janeiro, esclarecendo que o que está em causa é uma mera presunção, sempre ilidível, de responsabilidade do efectivo proprietário ou possuidor [actualmente, do titular do documento de identificação do veículo] e que este sentido é conforme à Constituição, não violando o princípio da culpa, na medida em que a existência de presunções, mesmo em direito penal, não é constitucionalmente inadmissível, desde que ilidíveis. Nesta senda, como bem refere o recente acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.09.2015 “por um lado, a presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela contra-ordenação estabelecida no art. 135º nº3 do C. Estrada é ilidível pela forma prevista no art. 171º do C. Estrada. Por outro lado, o procedimento vinculado de identificação do condutor ou a demonstração do carácter abusivo da utilização do veículo com vista à elisão da presunção e subsequente arquivamento do processo contraordenacional instaurado contra o titular do documento (cfr nºs 3 e 4 do art. 171º do C. Estrada), impõe ao titular do documento de identificação do veículo ónus que não pode reputar-se excessivo em casos como o presente, nomeadamente em face do princípio da culpa e do princípio da proporcionalidade em sentido amplo a que se reporta o art. 18º da CRP. Quer por se tratar de informação de que o titular do documento de identificação (que se presume ser o titular do veículo) disporá, no âmbito dos deveres que lhe são impostos pelos riscos inerentes à circulação do veículo, em confronto com a dificuldade em identificar o condutor do veículo sem a colaboração do seu titular, quer por estar em causa mera contra-ordenação rodoviária e não a prática de crime, a colaboração exigida ao titular do documento de identificação do veículo é adequada e proporcional pelo menos em casos como o dos autos, em que o titular do documento continua a ser titular do correspondente direito sobre o veículo, exigindo-se-lhe apenas que saiba quem circula com ele na via pública no momento em que é praticada infracção ao Código da Estrada. Acresce que tão pouco tem aplicação a invocada disposição legal do Código de Processo penal, porquanto, por um lado, o artigo 134º do Código de Processo Penal reporta-se aos depoimentos das testemunhas, sendo que o recorrente assume a posição de arguido; por outro lado, as normas do Código da Estrada a que fizemos acima referência têm natureza especial, derrogando as normas de aplicação residual que as contrariem. Posto isto, não subsistem dúvidas que a ANSR fez uma interpretação correcta dos artigos 135º e 171º do CE. Vem agora o recorrente afirmar que, ainda que de uma forma pouco peremptória, se não era ela o condutor, só poderia ser a sua companheira. Assim, como já afirmamos acima, tratando-se de uma presunção juris tantum e, portanto, ilidível mediante prova em contrário, torna-se necessário alegar e provar que o autor da contra-ordenação é um determinado cidadão, devidamente identificado, e não o titular do documento de identificação do veículo. Por conseguinte, como bem refere o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido no dia 7.10.2015, “(...) não bastará ao proprietário do veículo que foi utilizado na prática de determinada contra-ordenação, alegar e mesmo provar que não era ele o condutor do veículo na ocasião. Necessário será que identifique quem era o condutor do veículo nessa mesma ocasião, e se essa indicação só for feita em sede de impugnação judicial, necessário será que faça prova de tal facto. Sem que esteja não só provado que era outro o condutor do veículo, mas também a sua correcta identificação, a responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo subsiste por força do estatuído no artigo 171.º, n.º 2 do Código da Estrada” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.10.2015, Proc. nº 1/14.1T8VLF.C1, disponível nas bases de dados da dgsi). E se é verdade que o recorrente foi peremptório ao afirmar que ele não era o condutor daquele veículo, já não teve tanta certeza na identificação desta pessoa, explicando, em audiência de discussão e julgamento, que se podia tratar da sua ex companheira ou até de uma funcionário do lar que esta explora. Por outro lado, a testemunha MM, ex companheira do arguido, quando questionada sobre quem conduzia o veículo, pouco ou nada acrescentou, dizendo que desconhece quem era o condutor do veículo á data dos factos e que, naquele ano de 2015, era sobretudo ela que circulava com o veículo, mas que usava sempre um aparelho auricular. Mais contou que, por vezes, o arguido também conduzia o veículo, sobretudo quando a sua outra viatura estava no mecânico ou quando precisa de transportar mercadoria de grande volume. Por fim, contou que as funcionárias do lar que explora também têm por hábito conduzir aquele veículo. Aqui chegados, concluímos que o arguido não logrou demonstrar, como lhe incumbia, quem conduzia o veículo automóvel à data dos factos, razão pela qual se considerou não provado o facto descrito na alínea a) e se considerou provado, em face da presunção legal que sobre o arguido recai enquanto proprietário do veículo (e que o próprio arguido reconhece que lhe pertence), que era ele que o conduzia. No que respeita ao facto descrito no ponto 3), é manifesto, atentas as regras da lógica e da experiência comum, que o recorrente actuou de forma incauta, com desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando sem o cuidado e a prudência que o trânsito rodoviário aconselham e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei contra-ordenacional. No que tange aos antecedentes contra-ordenacionais descritos no ponto 4), teve-se em atenção o RIC junto a fls. 4 e 5. A prova das condições de vida do recorrente – pontos 5) a 8) - assentou nas declarações que este prestou em julgamento. Considerando que o recorrente conduzia o veículo automóvel de matrícula ---IQ, na Rua do Cartaxeiro – Marinhais, ao mesmo tempo que utilizava o telemóvel, de forma continuada, sem fazer uso de microfone com sistema de alta voz ou de auricular e que actuou de forma livre, sem o cuidado que lhe era devido, importa concluir que preencheu, com a sua conduta, os elementos do tipo objectivo e subjectivo da infracção contra-ordenacional que lhe é imputada, inexistindo causas que excluam a sua culpa ou a ilicitude da sua conduta.» Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. ii. fundamentação 1. - Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição deste tribunal. Se bem compreendemos a racionalidade subjacente ao presente recurso, o arguido pretende que a sentença recorrida é nula por ter julgado ser o arguido quem conduzia o veículo automóvel em causa, “… quando nenhuma prova ou meio de prova lhe permitia isso”. Considera ainda que as disposições constantes nos artigos 2º, nº1 e 2 do artigo 18º, nº10 do artigo 32º e 266º da Constituição da República Portuguesa impedem e não permitem a interpretação e aplicação da alínea b) do nº3 do art.135º e do nº2 do art. 171º do Código da Estrada tal como feito pelo tribunal. “Porque do auto de notícia, da decisão administrativa e do depoimento do agente autuante, JL, militar da GNR, retira-se não ter sido possível identificar o autor da contra-ordenação” e não se apurou quem conduzia o veículo nas circunstâncias de modo, tempo e lugar relatadas no auto de notícia, quer na fase administrativa do processo de contraordenação, quer em sede de julgamento, não poderia o tribunal deixar de apreciar e valorar a dúvida respetiva de acordo com o princípio in dubio pro reo. 2. Decidindo As questões suscitadas no presente recurso prendem-se diretamente com o regime estabelecido nos artigos 135º nºs 1 a 3 e 171º nºs 2 a 4, do C. Estrada, cujo teor, na redação atual, introduzida pela Lei 72/2013 de 3 de setembro, é o seguinte: «Artigo 135.º Responsabilidade pelas infrações 1 - São responsáveis pelas contraordenações rodoviárias os agentes que pratiquem os factos constitutivos das mesmas, designados em cada diploma legal, sem prejuízo das exceções e presunções expressamente previstas naqueles diplomas. 2 - As pessoas coletivas ou equiparadas são responsáveis nos termos da lei geral. 3 - A responsabilidade pelas infrações previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no: a) Condutor do veículo, relativamente às infrações que respeitem ao exercício da condução; b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infrações que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infrações referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor; c) Locatário, no caso de aluguer operacional de veículos, aluguer de longa duração ou locação financeira, pelas infrações referidas na alínea a) quando não for possível identificar o condutor; d) Peão, relativamente às infrações que respeitem ao trânsito de peões. 4 - Se o titular do documento de identificação do veículo ou, nos casos previstos na alínea c) do número anterior, o locatário provar que o condutor o utilizou abusivamente ou infringiu as ordens, as instruções ou os termos da autorização concedida, cessa a sua responsabilidade, sendo responsável, neste caso, o condutor. (…) Artigo 171.º Identificação do arguido 1 - … 2 - Quando se trate de contraordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infração, deve ser levantado o auto de contraordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo. 3 - Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contraordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infratora. 4 - O processo referido no n.º 2 é arquivado quando se comprove que outra pessoa praticou a contra-ordenação ou houve utilização abusiva do veículo. (…) » 2.1. O presente recurso reflete questão que tem dividido a jurisprudência e cuja apreciação prévia se impõe. Na verdade, quando se trate de contraordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infração, como se verificou na caso presente, a jurisprudência tem-se dividido sobre a questão de saber se o titular de documento de identificação de veículo que não tenha procedido à identificação do condutor ou invocado utilização abusiva do veículo, nos termos do artigo 171º nº3 do C. Estrada, pode ainda fazê-lo no recurso de impugnação judicial interposto da decisão administrativa que o tiver condenado e em que termos. Uma parte da jurisprudência entende que se o titular do documento de identificação do veículo, notificado expressamente para os termos do artigo 171º do Código da Estrada, não identificou o condutor no prazo concedido para a defesa, já não o poderá fazer na fase de impugnação judicial da decisão administrativa. Segundo este entendimento, o C. Estrada estabelece uma presunção juris tantum de responsabilidade pela contraordenação do titular do documento de identificação do veículo, mas esta apenas pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou for identificado um terceiro dentro do prazo legal concedido para defesa – neste sentido, por todos, Ac TRL de 12.12.2007, Acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, C.J., Ano XXVIII, tomo II, p. 37, Ac TRC de 12 de Dezembro de 2007, processo 213/06.1TBMMV.C1; Acórdão da Relação de Guimarães, de 3 de Outubro de 2005, processo 1388/05-2 . Outro entendimento admite a elisão da presunção através de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa por parte de quem nada disse no prazo da defesa a que se refere o art. 171º nº3 do C. Estrada, mas sem prescindir da alegação e prova que o autor da contra-ordenação é um determinado cidadão, devidamente identificado. Por isso, «(...) não bastará ao proprietário do veículo que foi utilizado na prática de determinada contra-ordenação, alegar e mesmo provar que não era ele o condutor do veículo na ocasião. Necessário será que identifique quem era o condutor do veículo nessa mesma ocasião, e se essa indicação só for feita em sede de impugnação judicial, necessário será que faça prova de tal facto» - cfr Ac TRC de 5.07.2006 citado no Ac TRC de 7.10.2015, rel. Fernando Chaves, que segue esse mesmo entendimento. Significa isto, no que importa ao presente recurso, que mesmo o entendimento jurisprudencial que admite a elisão da presunção através de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa por parte de quem nada disse no prazo da defesa a que se refere o art. 171º nº3 do C. Estrada, sempre exige alegação e prova de que o autor da contraordenação é um determinado cidadão, devidamente identificado, o que o arguido não fez, pois sem indicar quem conduziria o veículo em causa nem alegar utilização abusiva do mesmo, limita-se a remeter para o tribunal o dever de identificar a pessoa do condutor ou, em todo o caso, de retirar as consequências legais da dúvida sobre a identidade respetiva. Deste modo, no caso presente sempre estava processualmente vedado ao arguido afastar a responsabilidade pela contraordenação em causa decorrente de ser titular do documento de identificação do veículo, através do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa que o condenou nessa qualidade, conforme decorre claramente dos termos do auto de notícia, dessa mesma decisão administrativa e da motivação do recurso de impugnação judicial, pois, como referido, não pretendia sequer demonstrar que era um terceiro determinado quem conduzia a viatura ou ter ocorrido utilização abusiva do veículo. 2.2. Ora, ao apreciar e decidir na sentença que era o arguido quem exercia a condução nas circunstâncias em causa não obstante o recorrente continuar a não identificar o condutor do veículo ou a alegar utilização abusiva do veículo, o tribunal a quo conheceu questão de que não podia tomar conhecimento, incorrendo na nulidade prevista na parte final da alínea c) do nº1 do art. 379º do CPP, embora por razões bem diferentes das invocadas pelo arguido que, como vimos, respeitavam antes ao mérito da decisão em matéria de facto. Dados os termos da sentença recorrida, a consequência daquela nulidade traduz-se em julgar-se não provada a factualidade relativa à autoria da contraordenação que se enumera na sentença recorrida – questão relativamente à qual se verificou excesso de pronúncia -, julgando-se apenas provada a factualidade descrita na decisão administrativa, que narra as circunstâncias em que foi praticada e percecionada a contraordenação em causa, relativamente à qual foi oportunamente cumprido o disposto no art. 50º do RGCO, e que não foi sequer objeto de impugnação por parte do arguido, contrariamente à factualidade relativa à autoria material efetiva da contraordenação praticada de que não foi dado conhecimento (nem poderia sê-lo na fase administrativa do processo. Assim, em face da factualidade descrita na decisão administrativa, que igualmente se considera assente na sentença recorrida e da consequente responsabilização contraordenacional do arguido com base no regime estabelecido nos arts 135º e 171º do C. Estrada, impõe-se agora apreciar a questão de inconstitucionalidade suscitada no recurso. 2.3. Com efeito, o arguido invoca inconstitucionalidade das normas previstas na al. b) do nº3 do art. 135º e nº2 do art. 171º, supra transcritas, por violação dos artigos 2º, nº1 e 2 do artigo 18º, nº10 do artigo 32º e 266º da Constituição da República Portuguesa, como vimos. No seu entender, ambas as correntes jurisprudenciais supra referidas conduzem à apontada inconstitucionalidade, pois considera, em síntese nossa, que a entidade administrativa e o tribunal (no caso de recurso) devem apurar o autor dos factos integradores do tipo contraordenacional e caso não logrem apurar tal factualidade devem absolver o titular de documento de identificação do veículo, com base no princípio in dubio pro reo. Sem razão, porém, pois conforme se diz no acórdão do Tribunal Constitucional nº 276/04, embora com referência ao art. 152º nº1 do Código da Estrada, na versão do Dec-lei 2/98 de 3 de janeiro, o que está em causa é uma mera presunção, sempre ilidível, de responsabilidade do efectivo proprietário ou possuidor [atualmente, do titular do documento de identificação do veículo], e este sentido é conforme à Constituição … não viola[ndo] o princípio da culpa, [pois] a existência de presunções, mesmo em direito penal, não é constitucionalmente inadmissível, desde que ilidíveis – no mesmo sentido o Ac STJ de 11.10.2005, relator João Bernardo, sumários do STJ (acedido em pgdlisboa.pt e Ac TRG de 3.10.2005 (relator Tomé Branco). 2.3.1 Na verdade, em primeiro lugar, a presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela contraordenação estabelecida no art. 135º nº3 do C. Estrada é uma presunção legal ilidível pela forma prevista no art. 171º do C. Estrada. Com efeito, na classificação de Cavaleiro de Ferreira, que trata da questão a propósito das exceções ao princípio in dubio pro reo, (cfr Curso de Processo Penal II p. 313 e sgs “As presunções são legais ou simples, também denominadas naturais” e só estas constituem meios de convicção. Pelo contrário as presunções legais já não têm a função de encaminhar o raciocínio do julgador para uma convicção, uma certeza. Atuam sem a convicção, ou contra a convicção do julgador. Constam dum imperativo ao julgador; não são um instrumento lógico de apreciação da prova pelo julgador.” Assim, contrariamente ao que terá entendido o tribunal a quo, que julgou provada a autoria dos factos integradores da contraordenação por considerar ser esse o resultado probatório imposto por “presunção legal” que sobre ele recai e não por ter sido produzida prova nesse sentido, o art. 135º do C. Estrada não estabelece presunção relevante em sede de apreciação da prova e da decisão da matéria de facto. Contrariamente ao que sucede com as chamadas presunções naturais, as presunções legais não são regras de apreciação da prova. Ainda na lição de Cavaleiro de Ferreira (loc. cit) “A lei, através de presunções, faz surgir um equivalente do facto presumido. Não age, por isso, sobre o mecanismo das provas, mas sobre o objeto da prova. O facto, base da presunção, torna-se equivalente legal do facto presumido. Não há, portanto, sequer uma prova legal, uma alteração à livre apreciação da prova; mas livre apreciação da prova sobre o facto base da presunção. A designação de prova legal é tão somente uma expressão abreviada para designar a prova do facto equivalente. O julgador, em obediência a uma presunção legal, terá de dar como provado, mas então de harmonia com as regras de apreciação da prova, não o facto presumido, mas o equivalente desse facto, base da presunção. A equiparação dos dois factos, porém, não é uma operação racional do julgador, mas obediência a um imperativo legal.». Ora, ao fazer equivaler no art. 135º nº 3 do C. Estrada a titularidade do documento de identificação do veículo à condução do veículo, relativamente às infrações que respeitem ao exercício da condução, quando não for possível identificar o condutor, o legislador não deixa de prever expressamente forma de afastar tal equivalência, ou, dito de outro modo, ilidir a presunção legal, permitindo-lhe eximir-se à responsabilidade contraordenacional assente na mera titularidade do documento de identificação do veículo por meio do procedimento previsto no art. 171º do C. Estradal. Com efeito, através da identificação do condutor, da prova da utilização do veículo ou situação de facto materialmente semelhante, como seja a titularidade do documento não corresponder à titularidade veículo (conforme nos parece ser imposto por interpretação conforme à constituição), o titular do documento pode levar ao arquivamento dos autos contra si instaurados, sem outras consequências. 2.3.2. Por outro lado, mesmo para quem entenda que o titular de documento de identificação do veículo não pode afastar a sua responsabilidade no recurso de impugnação judicial da decisão administrativa se nada disser no prazo de apresentação da defesa – posição para que nos inclinamos -, o procedimento vinculado de identificação do condutor ou a demonstração do caráter abusivo da utilização do veículo com vista à elisão da presunção e subsequente arquivamento do processo contraordenacional instaurado contra o titular do documento (cfr nºs 3 e 4 do art. 171º do C. Estrada), impõe ao titular do documento de identificação do veículo ónus que não pode reputar-se excessivo em casos como o presente, nomeadamente em face do princípio da proporcionalidade em sentido amplo a que se reporta o art. 18º da CRP ou do princípio das garantias de defesa previstos no art. 32º da CRP. Quer por se tratar de informação de que o titular do documento de identificação (que se presume ser o titular do veículo) disporá, no âmbito dos deveres que lhe são impostos pelos riscos inerentes à circulação do veículo, em confronto com a dificuldade em identificar o condutor do veículo sem a colaboração do seu titular, quer por estar em causa mera contraordenação rodoviária e não a prática de crime, a colaboração exigida ao titular do documento de identificação do veículo é adequada e proporcional pelo menos em casos como o dos autos, em que o titular do documento continua a ser titular do correspondente direito sobre o veículo, exigindo-se-lhe apenas que saiba quem circula com ele na via pública no momento em que é praticada infração ao Código da Estrada e, ainda assim, sem prejuízo das situações de abuso ilícito da utilização do veículo, como não podia deixar de ser. Assim sendo, carece de fundamento a invocada inconstitucionalidade material dos arts 135º nº3 b) e 171º nº2, do C. Estrada, pelo que ficam prejudicadas as questões que, logicamente, decorriam da desaplicação destes mesmos normativos por pretensa inconstitucionalidade. III. dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, PS, mantendo-se a decisão do tribunal recorrido, sem prejuízo dos efeitos limitados da apontada nulidade de sentença. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. – Cfr arts.92º do RGCO, 513º do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Évora, 6 de junho de 2017 (Processado e revisto pelo relator) ------------------------------------------------------------- (António João Latas) ---------------------------------------------------------------- (Carlos Jorge Berguete) |