Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CHAMBEL MOURISCO | ||
| Descritores: | TRABALHO SUPLEMENTAR QUITAÇÃO REMISSÃO ABDICATIVA | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO SOCIAL | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. A declaração assinada apenas pelo trabalhador, na vigência do contrato de trabalho, referindo que, “com referência aos anos transactos, não me são devidos pela (...)SA, quaisquer créditos laborais, resultantes entre outros de (...) realização de trabalho suplementar”, não consubstancia uma remissão da dívida, por lhe faltar a natureza contratual que é exigida pelo art. 863º do Código Civil, sendo apenas um mero documento de quitação. II. Face ao princípio da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos créditos salariais, durante a vigência da relação de trabalho, declarações como a referida não contêm , por si só, natureza substancial ou probatória de carácter extintivo, não tendo a virtualidade de precludir o direito de acção com o objectivo de reclamar as prestações a que se referem. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: A. …, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra, B… S.A., , pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de € 37.437,69, a título de remuneração devida por trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados, bem como os juros que se venceram desde cada uma das datas em que se verificou a prestação do trabalho e os vincendos até integral pagamento e, ainda, em custas e procuradoria condigna. Para o efeito alegou em síntese que: - Em 01/05/1970, foi admitido ao serviço do então designado “Hotel …”, sito …; - Pelo menos desde 24.09.1998 até 30.04.2006, data em que cessou o seu contrato, desempenhou as funções inerentes à categoria profissional de Director de Alojamentos, sob a autoridade e direcção da Ré; - Durante o período que decorreu entre 24 de Fevereiro de 2001 e 14 de Abril de 2006, por ordem e no interesse da Ré, trabalhou em dias de descanso semanal (que eram ao sábado e ao domingo) e em dias feriados, sem que tal trabalho suplementar lhe fosse pago; - Apesar de, nos termos do n°3 da Cláusula 62ª do CCT aplicável, ter direito a gozar dias de descanso, nos três dias subsequentes à prestação de trabalho em dias de descanso semanal, nunca gozou os descansos a que tinha direito; Termina pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 37.437,69, que lhe é devida pelo trabalho suplementar prestado de 2001 a 2006 em dias feriados e em dias de descanso semanal e, bem assim, em dias de descanso compensatório não gozados, acrescida dos juros de mora que se venceram desde cada uma das datas em que se verificou a prestação do trabalho e os vincendos até integral pagamento. A Ré contestou a acção pugnando pela improcedência da acção, sustentando que o autor, ao contrário do que alega, não prestou qualquer trabalho “ suplementar “ que deva ser pago, acrescentando que nunca determinou que o autor prestasse qualquer trabalho suplementar. Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor, pelo trabalho suplementar que ele lhe prestou nos anos de 2002 a 2006, a quantia total de € 18. 709,20. Inconformada com a sentença a ré interpôs recurso de apelação da mesma, tendo, logo no requerimento de interposição do recurso, arguido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668º nº1, al. d) do CPC. Para sustentar a referida nulidade, a ré alegou que a sentença não se pronunciou sobre o documento de fls. 51, cujo conteúdo consta na matéria de facto provada no ponto 2.12. Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões: A. Analisada a douta petição inicial e contestação, e, percorrido todo o processo, não se alcança vislumbre de alegação ou facto, que permita ao Julgador, dar como provado o facto constante do ponto 2.20 da sentença recorrida – “ Em cada um dos dias Identificados em 2.13. a 2.17 o autor trabalhou para a Ré um número de horas não concretamente apurado mas não Inferior a pelo menos 5 horas de trabalho diário;”, alcançando-se, na verdade, que a única referência às horas prestadas pelo A., encontra-se na decisão da matéria de facto controvertida, aquando da fundamentação da convicção, conforme supra transcrito; B. Conforme consta da sentença recorrida, (ponto 3.4), o Julgador nunca pretendeu a ampliação da matéria de facto, pois alicerçou juridicamente o conhecimento de tal matéria (ponto 2.20) no artigo 75º do CPT, e não no artigo 72º; C. Assinale-se, que dispondo o artigo 258º nº 2 do Código do Trabalho, que, “2. O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 100% da retribuição, por cada hora de trabalho efectuado. “ O A. tinha o especial e especifico, ónus de alegar, quantas horas de trabalho suplementar foram efectivamente prestadas; ónus de alegação, que manifestamente não cumpriu, e que só poderia ser suprido pelo Meretissimo Juiz a quo nos termos do art. 72º nº 1 e 2 do CPT. ( Cfr. Ac. da Rel. de Lx de 09.11.05 - Proc. n° 2007/2005 - 4, in www. dgsi.pt e Ac. Da ReI. de Lx. De 01.02.06, www.dgsi.pt), o que manifestamente não aconteceu, mostrando-se ainda violado o artigo 342º do Código Civil; D. Ainda que se admitisse que o A. tinha prestado trabalho suplementar, em determinado número de horas, importaria concluir que ao assinar a declaração de fls. 51, renunciou ao seu pagamento, renúncia admissível em matéria de trabalho suplementar, atenta a sua especificidade e carácter complementar, da retribuição auferida pelo trabalhador, que enquanto Director gozava (e era pago) de isenção de horário, sendo pessoa de instrução superior à média; E. Assinale-se ainda que, (relativamente à declaração de fls. 51) o A. não alegou quaisquer vícios de vontade, designadamente erro, coacção ou até falta de consciência dos seus direitos, cuja prova sempre lhe competiria produzir, nos termos do art. 342 nº 2 do C.C, sendo pois manifesto o erro de julgamento ao considerar-se que o A. tem direito ao pagamento do trabalho suplementar reclamado; F. Por último, entende-se que não estão provados os pressupostos constantes do artigo 258º nº 5 do Código do Trabalho, porquanto conforme defendido em sede de Contestação, a organização de trabalho, estava realizada no sentido que os dias de descanso semanal dos Directores, tinham carácter rotativo, inexistindo portanto trabalho suplementar, o que se mostra consentâneo com a declaração do A. de fls. 51, e com o regime de isenção de horário de que gozava o A., e pelo qual era aliás remunerado. Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador- Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser indeferida a arguição de nulidade e de se negar provimento ao recurso. Foram colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-adjuntos. Começaremos, desde logo, por determinar se a sentença recorrida enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 668º nº1, al. d) do CPC, para depois apreciar as questões que são objecto do presente recurso que são as seguintes: - Impugnação da matéria de facto e violação do disposto no art. 72º do Código do Trabalho; - Determinar se a declaração de fls. 51, cujo conteúdo foi dado como provado, no ponto 2.12 dos factos provados, consubstancia uma renúncia ao pagamento do trabalho suplementar eventualmente efectuado; - Violação do art. 258º nº5 do Código do Trabalho, ou seja, saber se estão preenchidos os pressupostos para que seja exigível o pagamento do trabalho suplementar. Na sentença recorrida foram consignados como provados os seguintes factos: 2.1. Em 1 de Maio de 1970 o autor foi admitido ao serviço do então designado “ Hotel ...”, estabelecimento sito na ..., ..., tendo-se a Ré tornado a sua proprietária a partir de 8 de Janeiro de 1996; 2.2. O Autor exerceu desde 24 de Setembro de 1998 até 30 de Abril de 2006, data em que cessou o seu contrato, por entretanto se ter reformado, as funções inerentes à categoria profissional de Director de Alojamentos, sob a autoridade e direcção da Ré; 2.3. No âmbito da sua actividade profissional, competia ao autor dirigir e coordenar a actividade das secções de alojamento e afins do estabelecimento da Ré denominado Hotel ..., auxiliar o director do mesmo hotel no estudo da utilização máxima da capacidade de alojamento, determinando os seus custos e elaborando programas de ocupação e, ainda, substituir o director do hotel; 2.4. No exercício da sua actividade profissional e referida em 2.3., o autor trabalhava durante a semana de segunda a sexta -Feira, dispondo de isenção de horário e devia folgar aos Sábados e Domingos, dias estes que correspondiam aos seus dias de descanso semanal; 2.5. No ano de 2001, o autor auferia da Ré a remuneração mensal total ilíquida de 489.840$00 ( € 2.443,32 ), sendo 380.000$00 ( € 1.895,43) de salário base , 76.000$00 (€379,09 ) de isenção de horário, 11.400$00 (€56,86 ) de prémio de idioma e 22.400$00 (€111,93) de subsídio de alimentação 2.6. No ano de 2002, o autor auferia da Ré a remuneração mensal total ilíquida de € 2.549,70, sendo € 1.980,00 de salário base , € 396,00 de isenção de horário, € 58,50 de prémio de idioma e €115,20 de subsídio de alimentação 2.7. No ano de 2003 , o autor auferia da Ré a remuneração mensal total ilíquida de € 2.645,70, sendo € 2.050,00 de salário base, € 410,00 de isenção de horário, € 61,50 de prémio de idioma, € 6,00 de subsídio de pequeno-almoço e € 118,20 de subsídio de alimentação 2.8. No ano de 2004 , o autor auferia da Ré a remuneração mensal total ilíquida de € 2.733,00, sendo € 2.122,00 de salário base, € 424,40 de isenção de horário, € 64,50 de prémio de idioma e € 122,10 de subsídio e alimentação 2.9. Nos anos de 2005 e 2006, o autor auferia da Ré a remuneração total ilíquida de € 2.821,80, sendo €2.191,00 de salário base, € 438,20 de isenção de horário, € 66,30 de prémio de idioma e € 126,30 de subsídio de alimentação; 2.10. O estabelecimento identificado em 2.1. , denominado de Hotel ... , sendo uma unidade hoteleira com a classificação de cinco estrelas, não encerra aos sábados e domingos e, no âmbito de uma determinada forma de organização imposto pela própria Ré, carece de diariamente (mesmo aos Sábados Domingos e Feriados ) ter sempre em exercício de funções um director de serviço 2.11. Na sequência do referido em 2.10 e de forma a não sobrecarregar nenhum director de serviços em especial, de comum acordo, os Directores de serviço da Ré em funções no estabelecimento hoteleiro identificado em 2.1., denominado de Hotel ..., organizavam-se de forma a, em conjunto, e de forma rotativa, assegurarem a cobertura dos fins-de-semana ( Sábados e Domingos); 2.12. Em 7 de Março de 2005 o autor assinou a declaração que consta de fis. 51 dos autos, referindo nela que, com referência aos anos transactos, não me são devidos pela (...) Solverde, SA, quaisquer créditos laborais, resultantes entre outros de (...) realização de trabalho suplementar; 2.13. O autor prestou trabalho para a Ré , no ano de 2002 , nos dias 12 de Fevereiro ( Carnaval ), 29 de Março ( Sexta-feira Santa), 30 de Maio (Corpo de Deus), 15 de Agosto, 5 de Outubro e 01 de Novembro; 2.14. O autor prestou trabalho para a Ré , no ano de 2003 , nos seguintes dias: - 1 de Janeiro ( feriado); - 18 de Abril ( sexta-feira santa ); - 10, 11 e 17 , todos do mês de Maio, respectivamente sábado, domingo e sábado; - 10 e 19 ( feriados ) , 22 e 27 ( Domingos ) , todos do mês de Junho - 3 (domingo) , 15( Feriado ) e 17 (Domingo ) , todos do mês de Agosto; - 14 e 21 de Setembro (Domingos); - 12 de Outubro (Domingo) - 8, 11 (feriados) e 21 de Dezembro (Domingo); 2.15. O autor prestou trabalho para a Ré , no ano de 2004 , nos seguintes dias - 1 (feriado), 4 (Domingo) e 17 ( Sábado) de Janeiro; - 1 (Domingo ) e 29 de Fevereiro (Domingo); - 28 de Março (Domingo); - 9 (feriado) e 25 de Abril (Domingo); - 15 (Sábado), 16 (Domingo) e 23 de Maio (Domingo) - 10 (Feriado ) e 20 de Junho ( Domingo); - 25 de Julho (Domingo); - 22 de Agosto ( Domingo); - 26 de Setembro ( Domingo) - 5 (Feriado), 23 (Sábado ) e 24 de Outubro ( Domingo) - 21 de Novembro (Domingo); - 1 e 8 de Dezembro (Feriados); 2.16. O autor prestou trabalho para a Ré , no ano de 2005 , nos seguintes dias: - 1 (Sábado) , 2 ( Domingo) e 16 de Janeiro (Domingo); - 6 e 20 de Fevereiro (Domingos); - 13 (Domingo) , 25 (Feriado) , 26 ( Sábado) e 27 (Domingo) de Março; - 24 (Domingo ) e 25 (Feriado) de Abril; - 8 (Domingo) , 26 (Feriado ) 28 ( Sábado ) e 29 (Domingo) de Maio; - 4 ( Sábado) , 10 (Feriado ) ,12 (Domingo), 18 ( Sábado ) 25 ( Sábado ) e 26 (Domingo) de Junho; - 3 e 17 de Julho (Domingos); - 14 (Domingo), 15 (Feriado) e 28 de Agosto (Domingo); - 4 (Domingo) e 18 (Domingo) de Setembro; - 2 (Domingo) , 5 (Feriado), 16 (Domingo), 22 (Sábado) e 29 ( Sábado) de Outubro; - 5 (Sábado ) de Novembro; - 1 (Feriado), 8 ( feriado) e 17 (Sábado) de Dezembro; 2.17. O autor prestou trabalho para a Ré , no ano de 2006 , nos seguintes dias - 1 de Janeiro ( domingo); - 15 de Janeiro ( domingo); - 21 de Janeiro ( sábado); - 4 e 11 de Fevereiro ( Sábados) e 26 de Fevereiro (Domingo); - 5, 19 e 26 de Março (Domingos); - 8 (Sábado) ,9 ( Domingo) e 14 de Abril (Feriado); 2.18. O autor, no exercício da actividade profissional que prestava para a Ré, beneficiava de isenção de horário, não estando obrigado ao cumprimento de um horário previamente determinado pela mesma Ré; 2.19. O trabalho prestado pelo autor para a Ré nos dias identificados em 2.13. a 2.17, teve por finalidade garantir a necessidade e sobretudo a exigência da própria Ré no sentido de, diariamente (mesmo aos Sábados , Domingos e Feriados ), no seu estabelecimento Hoteleiro de cinco estrelas sito na ... , em ... , estar sempre em exercício de funções pelo menos um director de serviço; 2.20. Em cada um dos dias identificados em 2.13. a 2.17 o autor trabalhou para a Ré um número de horas não concretamente apurado mas não inferior a pelo menos 5 horas de trabalho diário; Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir. I. A nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista no art. 668º nº1, al. d) do CPC. A recorrente sustenta a nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 668º nº1 al. d) do CPC) invocando que a sentença não se pronunciou sobre o documento de fls. 51, cujo conteúdo consta na matéria de facto provada no ponto 2.12. O art. 668º nº1 al. d) do CPC estatui que a sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Como refere José Santos Silveira [1] a omissão de pronúncia é das nulidades mais invocadas nos tribunais sendo frequente estabelecer-se confusão entre as questões a apreciar e as razões ou argumentos deduzidos no decurso da causa. O Prof. Alberto dos Reis [2] defende que não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio, afirmando que são coisas bem diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. No caso concreto dos autos o Autor formulou um pedido de pagamento de trabalho suplementar, tendo a ré, na sua contestação, referido que o autor em 7/03/2005, emitiu uma declaração que lhe entregou (doc. de fls. 51), na qual referia que nada tinha a receber ou reclamar da sua entidade patronal, nomeadamente a título de realização de trabalho suplementar até àquela data. Na sentença recorrida, no ponto 2.12. da matéria de facto dada como provada, ficou consignado que: “Em 7 de Março de 2005 o autor assinou a declaração que consta de fis. 51 dos autos, referindo nela que, com referência aos anos transactos, não me são devidos pela (...), SA, quaisquer créditos laborais, resultantes entre outros de (...) realização de trabalho suplementar;” Sendo o documento de fls. 51 uma declaração assinada exclusivamente pelo autor nunca poderia consubstanciar uma remissão da dívida, por lhe faltar a natureza contratual que é exigida pelo art. 863º do Código Civil, mas apenas um mero documento de quitação. A Ré, na sua contestação, apesar da referência efectuada, não formulou qualquer pedido no sentido de que a reconhecer-se, eventualmente, determinado crédito ao autor dever o mesmo considerar-se extinto, por efeito da aludida declaração consubstanciar documento de quitação. Nesta linha, pode afirmar-se que a Ré não foi explícita quanto às consequências da sua alegação no que diz respeito à referida matéria, pelo que não se pode afirmar que a sentença recorrida enferme de nulidade de omissão de pronúncia. De qualquer forma, sempre se dirá que a declaração de fls. 51, plasmada no ponto 2.12 da matéria de facto provada foi assinada pelo autor em 7 de Março de 2005, portanto ainda durante a execução do contrato de trabalho. A generalidade da doutrina e jurisprudência têm entendido que face ao princípio da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos créditos salariais, durante a vigência da relação de trabalho, declarações como a de fls. 51 não contêm , por si só, natureza substancial ou probatória de carácter extintivo, não tendo a virtualidade de precludir o direito de acção com o objectivo de reclamar as prestações a que se referem. [3] Trata-se de uma posição que se escora fundamentalmente na própria subordinação que impede o trabalhador de ser verdadeiramente livre em tal decisão na constância da relação laboral. II. Impugnação da matéria de facto e violação do disposto no art. 72º do Código do Trabalho. Não tendo a audiência de julgamento sido gravada, conforme resulta da acta de julgamento de fls. 181 e segs., não pode este tribunal modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, tanto mais que não se verifica nenhuma das situações previstas no art. 712º do CPC [4] . A recorrente insurge-se quanto à matéria de facto dada como provada no ponto 2.20 dos factos provados invocando que tais factos não foram alegados e que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 72º do CPT. O ponto 2.20 dos factos provados tem a seguinte redacção: Em cada um dos dias identificados em 2.13. a 2.17 o autor trabalhou para a Ré um número de horas não concretamente apurado mas não inferior a pelo menos 5 horas de trabalho diário. Na sua petição inicial a o autor alegou no art. 5º que: “Durante o período que decorreu entre 24de Fevereiro de 2001 e 14 de Abril de 2006, o autor, por ordem e interesse da ré, trabalhou em dias de descanso semanal e em feriados.” No art. 8º do mesmo articulado discriminou os dias em que prestou o referido trabalho. Na verdade, o autor não alegou o número de horas que trabalhou em cada um dos dias indicados tendo apenas alegado que trabalhou nesses dias. Tal alegação mostrava-se suficiente para a ré poder exercer o contraditório como o fez. Face a tal alegação, e após a discussão da causa, o Tribunal, ao proferir decisão sobre a matéria de facto, acabou por dar uma resposta restritiva e por defeito considerou que o autor nos dias identificados em 2.13. a 2.17 trabalhou para a Ré um número de horas não concretamente apurado mas não inferior a pelo menos 5 horas de trabalho diário. Atento o teor do alegado, no que diz respeito à referida factualidade, não nos parece que o Tribunal tivesse de dar cumprimento ao disposto no nº2 do art. 72º do CPT, ou seja permitir à ré que apresentasse mais provas. Na verdade, o objecto da discussão na presente acção incidia precisamente sobre a prestação de trabalho por parte do autor nos dias indicados no art. 8º da petição inicial. A ré, ao tomar conhecimento dessa alegação, ficou bem ciente sobre qual a matéria que iria ser objecto da discussão e que provas é que teria de apresentar. Tendo a resposta do Tribunal sido restritiva em relação ao alegado mais uma razão para se poder afirmar que não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório. A ré insurge-se ainda contra a matéria de facto dada como provada alegando que ocorreram outros erros de julgamento pois confrontada a matéria de facto dada como provada sob os pontos 2.10, 2.11 e 2.19, com os dias que o autor afirma ter prestado trabalho suplementar, impõe-se a conclusão de que não se alcança o carácter rotativo da referida prestação. Ao contrário do referido pela Ré não nos parece que exista qualquer contradição pois no ponto 2.11 quando se refere de “forma rotativa” não se especifica os moldes desse regime, nomeadamente se eram ou não efectuadas trocas. III. Determinar se a declaração de fls. 51, cujo conteúdo foi dado como provado, no ponto 2.12 dos factos provados, consubstancia uma renúncia ao pagamento do trabalho suplementar eventualmente efectuado. Esta questão já foi objecto de apreciação quando conhecemos a nulidade de sentença de omissão de pronúncia tendo-se concluído que face ao princípio da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos créditos salariais, durante a vigência da relação de trabalho, a referida declaração não contêm, só por si, natureza substancial ou probatória de carácter extintivo, não tendo a virtualidade de precludir o direito de acção com o objectivo de reclamar o pagamento do trabalho suplementar prestado. IV. Violação do art. 258º nº5 do Código do Trabalho, ou seja, saber se estão preenchidos os pressupostos para que seja exigível o pagamento do trabalho suplementar. Ficou provado que o autor prestou trabalho para a Ré em sábados, domingos e feriados durante os anos de 2002 a 2006 (pontos 2.13 a 2.17 dos factos provados). Parte desse trabalho ainda foi prestado ao abrigo do DL nº 421/83, de 2/12 e também já ao abrigo do Código do Trabalho que entrou em vigor em 1/12/2003. Nos termos do art. 2º do DL nº 421/83, de 2/12 considerava-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho, não se compreendendo na noção de trabalho suplementar o trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho. Por seu turno, o art. 6º nº1 do diploma legal referido dispunha que “a prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, sob pena de não ser exigível o respectivo pagamento.” Este artigo foi revogado pelo art. 4º do DL nº 398/91, de 16/10, que, para além do mais, introduziu alterações nos arts 5º, 7º, 9ºe 10º do DL nº 421/83, de 2/12. Assim, após esta alteração, o art. 7ºdo diploma citado, passou no seu nº4 a estatuir que “não é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora”. Este último preceito foi objecto de interpretações diversas pela doutrina e jurisprudência. Para uns o pagamento do trabalho suplementar só era exigível nos casos em que a entidade patronal ordenava a sua prestação, correspondendo, portanto, a execução dele a determinação prévia do empregador, enquanto outros defendem que o trabalhador tem direito ao pagamento do trabalho suplementar que prestou desde que o empregador tenha consentido no mesmo, não se lhe opondo. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 635/99, de 23/11/99, publicado no DR II série, de 21 de Março de 2000, concluiu que a norma que constava do art. 6º nº1 do DL nº 421/83, de 2/12, era inconstitucional quando interpretada em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador ( implícito ou tácito) e sem a sua oposição, por violação do art. 59º, nº1, alíneas a) e d), e princípios de justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia do Estado de Direito, que decorre dos art. 2º e 18 nº2 da Constituição da República Portuguesa. Uma vez que a redacção do nº4 do art. 7º é no essencial idêntica à que constava no revogado art. 6º, parece-nos que a posição doutrinária defendida pelo Tribunal Constitucional manteve actualidade na nova redacção. Na verdade, parece-nos que o conceito de “ determinação prévia e expressa” tinha de abranger o trabalho prestado com conhecimento da entidade patronal e sem a sua oposição, sob pena de colisão com princípio da justiça e da proporcionalidade que decorrem da ideia do Estado de Direito. Como se salienta no citado Acórdão do T.C., não é aceitável num Estado de Direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho, mesmo suplementar, sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço, tanto mais que tal actividade foi desenvolvida no âmbito de uma relação de trabalho por conta de outrem. O princípio da justiça impede o legislador de dar o seu aval a uma norma que, de forma mais ou menos arbitrária (i. é, sem razão válida), não respeite as mais elementares concepções de justiça que vigoram na comunidade e que o concreto ordenamento jurídico pressupõe. Também o princípio da proporcionalidade que, nesta perspectiva, mais não é do que uma precipitação do princípio de justiça, não pode deixar de considerar-se violado: releva claramente do arbítrio, uma interpretação da norma que não permita uma equiparação aos casos em que existe “ prévia e expressa determinação” do empregador, dos casos em que o trabalho suplementar é prestado com conhecimento da entidade patronal e sem a sua oposição, como também é desrazoável e desproporcionado que a norma, nestes casos, torne “ não exigível o respectivo pagamento” do trabalho suplementar prestado de tal modo. Actualmente o Código do Trabalho, no seu art. 258º nº5, acolhendo a posição sufragada pelo Tribunal Constitucional, estatui que é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador. No caso concreto dos autos resulta da matéria de facto dada como provada que o autor tinha isenção de horário de trabalho ( ponto 2.4 e 2.18) e que folgava aos sábados e domingos ( ponto 2.4). Tal isenção de horário de trabalho não impede a remuneração do trabalho suplementar prestado em dias feriados e nos dias das folgas ( art. 2º nº2 do DL nº 421/83, de 2/12 – à contrário e art. 178º nº 3 do CT). Por outro lado, da factualidade referida nos 2.10, 2.11 e 2.19, resulta claramente que a ré tinha necessariamente conhecimento da prestação do referido trabalho suplementar e nunca deduziu qualquer oposição. Na verdade, a realização desse trabalho suplementar surgiu de uma necessidade de manter nos serviços da ré permanentemente um director de serviço, incluindo aos sábados, domingos e feriados. Note-se que a organização dos serviços de forma a assegurar a permanência de um director de serviço aos sábados, domingos e feriados, partiu dos próprios directores de serviço da ré que se organizaram de tal forma e de comum acordo para satisfazem uma exigência da ré nesse sentido. Pelo exposto, nesta secção social do Tribunal da Relação de Évora, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré confirmando-se na íntegra a sentença recorrida. Custas a cargo da apelante. ( Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas). Évora, 2007/10/23 Chambel Mourisco ______________________________ [1] Impugnação das Decisões em Processo Civil, 1970. [2] Código de Processo Civil Anotado [3] Cfr. Ac. STJ de 5/04/06 e Ac. TRE de 21/09/04 em www.dgsi.pt. [4] O art. 712º nº1 do CPC estatui que: 1. A decisão do tribunal de lª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. |