Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL PENA DE MULTA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS GERENTES INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL | ||
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Data do Acordão: | 11/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I - É necessário que o devedor subsidiário intervenha na fase de julgamento do processo penal para poder defender-se e para que a sentença condenatória possa constituir título executivo contra ele relativamente à matéria da sua responsabilidade subsidiária. II - Essa intervenção do responsável subsidiário deve fazer-se de acordo com o regime processual do pedido cível enxertado em processo penal, incumbindo ao MP a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil e passando as questões de facto e de direito pertinentes à decisão respetiva a integrar o objeto do processo na fase de julgamento - cfr artigos 71 e sgs, 339º nº3 e 368º, todos do CPP. III – Não pode prosseguir contra o responsável subsidiário a execução da pena de multa aplicada à sociedade arguida, sem que se tivesse declarado essa mesma responsabilidade na sentença condenatória com base na discussão e prova dos requisitos respetivos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Santarém, foram condenados por sentença transitada em julgado a 28.03.2011, A. e T..., Lda, pela autoria de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado na forma continuada p. e p. pelo art. 105º nºs 1, 4 als a) e b), 5 e 7 do RGIT e 30º nº2 e 79º, do C.Penal. O arguido na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e a sociedade arguida na pena de 400 dias de multa à razão de 10 euros por dia. 2. – Depois de deferido pagamento da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada, no montante de 4 000 euros, em oito prestações mensais e sucessivas, foi aquela sociedade declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 09/02.2012 (cfr fls 20 destes autos de recurso em separado). 3. Uma vez que não foi atempadamente requerida a verificação do crédito do Estado correspondente àquela pena multa, requereu o MP a declaração de responsabilidade civil subsidiária do arguido A. pelo pagamento daquela pena de multa (cfr fls 23 destes autos). 4. Pelo despacho de 30.10.2013, cuja cópia constitui fls 24 dos presentes autos, foi deferida aquela pretensão, nos seguintes termos: - «Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; (…) – art.º 8.º n.º 1 al. a) do RGIT. No caso concreto ficou provado que o arguido A. agiu no seu próprio interesse e no interesse da sociedade arguida “T..., Ldª”. Provou-se ainda que no período a que respeitam os factos, o arguido A era gerente da sociedade arguida, tendo o mesmo decidido não entregar à administração fiscal as quantias relativas a IVA devidas. Em face do exposto e ao abrigo da disposição legal expressa, declara-se o arguido A. solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à “T..., Ldª” e ordeno a sua notificação para proceder ao seu pagamento, sob pena de execução. Santarém e Palácio da Justiça, 2012/10/30». 5. É deste despacho que vem interposto o presente recurso pelo arguido, A., que extrai da sua motivação as seguintes conclusões: - «CONCLUSÕES 1. O meritíssimo juiz a quo fundamenta a sua perspectiva no artigo 8º nº 1 al. a) do RGIT transcrevendo mesmo este preceito no 1º parágrafo da decisão. 2. Este preceito refere “Os administradores «, gerentes e outras pessoas….são subsidiariamente responsáveis:” 3. Se são subsidiariamente responsáveis o recorrente não pode ser declarado solidariamente responsável pelo pagamento da multa em causa. 4. Revelando-se ilegal e em contradição o sentido da decisão com os fundamentos apresentados deverá desde logo declara-se nulo o despacho de 31/01/2013 bem assim o despacho de 30/10/2012. 5. O conteúdo da notificação ao recorrente para pagamento da multa como responsável solidário consubstancia uma condenação não proferida na sentença final de 25/06/2010, violadora, do esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da sentença. 6. Situação que além de tudo o mais, constituiria uma forma de “reformatio in pejus”, inadmissível. 7. Ainda que a relação de subsidiariedade esteja consagrada no artigo 8º do RGIT e não uma relação de solidariedade, ainda assim, considera o recorrente e diversos ilustres conselheiros do Tribunal Constitucional a sua inconstitucionalidade. 8. A questão da constitucionalidade do artigo 8º do RGIT foi estudada por diversas ocasiões tendo merecido, como exemplo, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 26/2011 e 408/2010. 9. Por simples remissão para estes acórdãos proferidos percebe-se o princípio da intransmissibilidade das penas bem como outras questões não de somenos. 10. A própria questão da insolvência da sociedade T..., Lda, declarada fortuita afastaria a aplicação do artigo 8º nº 1 alínea a) do RGIT pois a redacção deste preceito “..quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente…” não tem aqui aplicação. 11. Mais, a própria declaração de insolvência torna inexorável a liquidação e a consequente extinção. 12. Assim sendo, também por esta via, mal se perceberia uma responsabilidade solidária do gerente no pagamento das coimas e multas (para mais em prestações) quando uma sociedade caminha para a sua irreversível extinção e por outro com a sua efectiva extinção essa responsabilidade solidária cessaria por força da extinção da coima por morte do infractor (extinção da pessoa colectiva) nos termos do artigo 62º do RGIT. 13. Tal situação considera-se aberrante pelo que também por este raciocínio de análise de aplicação do direito a responsabilidade solidária dos gerentes não nos parece viável no nosso ordenamento jurídico, para não falar de outros motivos assentes em princípios orientadores de um estado de direito. Do Pedido Termos em que requer a V. Ex.ª seja o presente recurso e alegações recebido, por estar em tempo e julgado procedente, por provado, declarando nula a decisão recorrida. Sem conceder, decidir ainda a douta decisão do Tribunal ad quem pela revogação da douta decisão recorrida, por força da motivação aduzida bem como considerar a inconstitucionalidade do artigo 8º do RGIT.» 6.- Na sua resposta o MP pronuncia-se no sentido da total improcedência do recurso. 7. Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer a fls 54. 8. – Notificado, o arguido nada acrescentou. Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem. Como é pacificamente entendido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação (cfr art. 412º nº1 do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. 1.1.No caso presente, perante a impossibilidade de reclamar no processo de insolvência da sociedade arguida o crédito do Estado correspondente à pena de multa aplicada àquela sociedade nos presentes autos de processo penal, o MP veio requerer no âmbito da execução daquela pena de multa que, considerando o disposto no art. 8º nº1 a) do RGIT, se declarasse a responsabilidade civil subsidiária do arguido A. pela multa aplicada à arguida T..., Lda, notificando-o para proceder ao respetivo pagamento, sob pena de execução - cfr fls 23 destes autos em separado. O despacho recorrido apreciou e deferiu integralmente o requerimento do MP com fundamento no disposto no art. 8º nº1 al. do RGIT, considerando que o arguido era gerente da sociedade arguida no período a que respeitam os factos e que o mesmo decidiu não entregar à administração fiscal as quantias relativas a IVA que estavam em causa. Isto é, a requerimento do MP apresentado na fase de execução da sentença condenatória, o senhor juiz a quo declarou o arguido recorrente responsável subsidiário pelo pagamento da quantia correspondente à pena de multa aplicada à sociedade arguida e ordenou a notificação do arguido e ora recorrente para proceder ao seu pagamento na qualidade de responsável civil subsidiário, sob pena de execução. Na sua motivação de recurso, o arguido recorrente começa por invocar a nulidade do despacho recorrido, embora sem referir o respetivo enquadramento legal, com dois fundamentos. Porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão e porque a condenação do arguido, seja como responsável solidário seja como responsável subsidiário, consubstancia uma condenação nova não proferida na sentença final e por isso proferida depois de esgotado o respetivo poder jurisdicional. 1.2. Invoca também a inconstitucionalidade do art. 8º do RGIT na parte em que estabelece a responsabilidade subsidiária do gerente da sociedade condenada; 1.3. Invoca ainda a inaplicabilidade do artigo 8.º, n.º 1, alínea a) do RGIT por ausência de culpa do ora recorrente na insuficiência do património da sociedade arguida, em virtude a insolvência ter sido declarada fortuita; 1.4. Por último, invoca a extinção da responsabilidade solidária do gerente no pagamento das coimas e multas com a extinção efetiva da sociedade decorrente da sua declaração de insolvência. 2. Decidindo. 2.1.- Da invocada nulidade do despacho recorrido por contradição entre a fundamentação e a decisão – correção de manifesto lapso material. Da mera leitura do despacho recorrido, que transcreve o art. 8º nº1 al. a) do RGIT citando-o expressamente, e do confronto com o requerimento do MP que lhe deu origem, que cita igualmente aquela disposição legal, conclui-se que a referência feita no despacho recorrido a responsabilidade solidária pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida constitui mero lapso material, que se impõe corrigir, nos termos do art. 380º nºs 1 b) e 2, do CPP, devendo ler-se no último parágrafo daquele despacho (fls 24 destes autos em separado) subsidiariamente responsável, onde se escreveu solidariamente responsável. Assim, independentemente da qualificação e consequências processuais do invocado vício de contradição entre a fundamentação e a decisão, tal vício no caso presente é meramente aparente, por se verificar mero lapso material, pelo que não sofre o despacho recorrido do apontado vício, visto que a sua fundamentação é coerente com a declaração do arguido e gerente da sociedade arguida como subsidiariamente responsável. Improcede, pois, o recurso nesta parte. 2.2. O recorrente argui ainda a nulidade do despacho recorrido por ter sido proferido depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo com a prolação da sentença condenatória. Esta questão prende-se com as demais suscitadas, designadamente a invocada inaplicabilidade do artigo 8.º, n.º 1, alínea a) do RGIT à situação presente em virtude de a insolvência ter sido declarada fortuita, na medida em que ambas se ligam com o problema de saber se pode fazer-se prosseguir a execução da pena de multa aplicada a ente coletivo contra o coarguido e responsável subsidiário (artigo 8º nº1 do RGIT), em virtude de a sociedade arguida não dispor de bens suficientes para o respetivo pagamento, tendo sido declarado insolvente. Porém, toda esta matéria se encontra conexionada com a questão de inconstitucionalidade daquele preceito que passamos a decidir desde já. Vejamos então. 2.3. O recorrente invoca a inconstitucionalidade do art. 8º nº1 al. a) do RGIT, remetendo genericamente para os Acórdãos do T. Constitucional números 26/2011 e 481/2010 (certamente por lapso escreve 408/2010, como bem aponta o MP em 1ª instância) e aludindo expressamente ao princípio da intransmissibilidade das penas bem como outras questões não de somenos importância. 2.3.1. A questão não é nova. O Tribunal Constitucional pronunciou-se por diversas vezes sobre eventual inconstitucionalidade do 1 do art. 8º do RGIT e de norma similar contida no anterior art. 7º-A do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA) aprovado pelo Dec-lei 20-A/90 de 15 de Janeiro, com alterações subsequentes, que viria a ser revogado pelo RGIT, na sequência de decisões sucessivas do STA no sentido da inconstitucionalidade daquelas normas, que estabelecem a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e demais representantes de ente coletivo aí mencionados. Todavia, em face de decisões divergentes do próprio Tribunal, o Plenário do Tribunal Constitucional decidiu nos acórdãos nºs 437/2011, 531/2011, 561/2011 e 389/2013, não julgar inconstitucionais, respetivamente, o art. 8º nº 1 do RGIT quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efetiva pelo mecanismo da reversão fiscal, contra gerentes ou administradores de sociedade devedora, e o art. 7º-A do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas coletivas em processo de contraordenação fiscal. O T. Constitucional considerou naqueles acórdãos que o art. 8º nº1 do RGIT consagra hipóteses de responsabilidade civil extra-contratual ou aquiliana por danos derivados da falta de cumprimento da sanção aplicada ao ente coletivo, pela prática da infração tributária. Assim, a responsabilidade subsidiária do órgão ou representante não deriva da transmissão da responsabilidade do ente coletivo pelo ilícito penal, mas de responsabilidade própria do órgão ou representante pelo não pagamento da sanção por parte do ente coletivo. A obrigação subsidiária dos gerentes e administradores (grosso modo) visará ressarcir a Administração Fiscal ou a Segurança Social ou entidade diversa para quem revertesse a multa criminal não paga (cfr xxx), pelo dano consistente na falta de pagamento da quantia correspondente à sanção contraordenacional pelo devedor originário. Conforme se diz no Ac do plenário do TC nº 561/2011[1], «O que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa coletiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo. O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.»[2] Deste modo, seguindo o entendimento adotado nos citados acórdãos do Plenário do tribunal Constitucional, consideramos que não se mostra violado o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal acolhido no art.º 30º nº3 da CRP, por estar em causa responsabilidade civil por ato próprio, tal como não se mostra violado qualquer outra norma ou princípio constitucional, pelo que improcede o presente recurso também nesta parte. 2.3.2. -Questão diversa desta é a que respeita à responsabilidade solidária pela colaboração dolosa na prática de infração tributária estabelecida no nº 7 do art. 8º do RGIT, incluindo aí os representantes do ente coletivo condenados cumulativamente com a pessoa coletiva pelos mesmos factos. Artigo 8º nº 7 do RGIT que consideramos materialmente inconstitucional por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, conforme desenvolvido no Acórdão do TRE de 20.03.2012 proferido pelos mesmos juízes que subscrevem o presente acórdão, para o qual remetemos (acessível, como os demais acórdãos infracitados, em www.dgsi.pt). A desaplicação do nº7 do art. 8º decidida naquele Acórdão do TRE foi confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 1/2013, embora com fundamentação diversa e, entretanto, também o Ac nº 297/2013 do Tribunal Constitucional julgou já aquela norma inconstitucional, ainda que com fundamentação diferente do anterior. 2.3.3. Todavia, como referimos acima, o despacho recorrido só por manifesto lapso material se referiu a responsabilidade solidária, pelo que é a responsabilidade subsidiária do arguido gerente e ora recorrente que está em causa no presente recurso, sendo certo que a responsabilidade subsidiária estabelecida no art. 8º nº1 não se seria excluída pela previsão da responsabilidade solidária dos representantes do ente coletivo no citado nº7 do mesmo art. 8º, mesmo que esta norma não fosse materialmente inconstitucional. Isto é, apesar de a responsabilidade civil subsidiária não ser expressamente atribuída ao autor da infração, a circunstância de o ser não impede que este possa ser subsidiariamente responsável[3] – desde que se verifiquem quanto a ele os requisitos previstos no nº 1 do art. 8º do RGIT -, pois essa possibilidade não é afastada pelo RGIT nem se encontram razões lógicas que impliquem tal exclusão no quadro que referimos. 2.4. – Sendo a responsabilidade subsidiária dos representantes do entre coletivo a que se referem as alíneas a) e b) do nº1 do art. 8º do RGIT caraterizada como uma hipótese de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana por ato próprio e culposo do administrador ou gerente (grosso modo) pela jurisprudência constitucional supracitada, como vimos, e na doutrina penalista mais significativa pelo Prof. Germano Marques da Silva[4], depende a mesma da verificação dos requisitos ali previstos, ou seja, da prática de facto próprio e culposo causador da insuficiência de património do ente coletivo ou do não pagamento da multa ou coima quando este devia ter sido efetuado, tornando-se depois impossível, conforme os casos – cfr alíneas a) e b) do nº1 do art. 8º do RGIT[5]. 2.4.1.- Sendo assim, como julgamos que é, não obstante alguma falta de articulação normativa em toda esta matéria dificultar a compreensão do regime legal aplicável[6], concluímos ser necessário que o devedor subsidiário intervenha na fase de julgamento do processo penal para poder defender-se e para que a sentença condenatória possa constituir título executivo contra ele relativamente à matéria da sua responsabilidade subsidiária. Aliás, isso mesmo é o que resulta do artigo 49º do RGIT que, sob a epígrafe “Responsáveis civis”, estabelece: «Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8.º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses.». Se não vemos mal a questão, a intervenção do responsável subsidiário deve ter lugar na fase de julgamento, como aludido, e deve fazer-se de acordo com o regime processual do pedido cível enxertado em processo penal que se harmoniza com o teor daquele artigo 49º, nomeadamente ao dispor-se nos artigos 73º nº 1 e 74º nº3 do CPP, respetivamente, que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoa com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal e que os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo. No que agora especialmente importa acompanhamos, pois, Germano M. Silva (ob. e loc. supracitado em nota), quando afirma que “É evidente que para a responsabilidade do administrador é necessário que a sentença dê por verificados os pressupostos da sua responsabilidade e a respetiva condenação (…) [Tratando-se] de responsabilidade autónoma, de natureza civil, por os administradores, por culpa própria, terem colocado a sociedade numa situação de impossibilidade de pagar as multas ou coimas que lhe tenham sido aplicadas, o que importa é convencer os administradores em causa da verificação dos pressupostos da sua responsabilidade e a respetiva condenação” - negrito nosso -, incumbindo ao MP a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil[7] e passando as questões de facto e de direito pertinentes à decisão respetiva a integrar o objeto do processo na fase de julgamento - cfr artigos 71 e sgs, 339º nº3 e 368º, todos do CPP. Tal como a execução das reações criminais pressupõe que tenham sido decretadas por um órgão judiciário competente através de um processo regularmente conduzido, nisto se traduzindo a exigência de um título judiciário de execução enquanto manifestação do princípio da legalidade (vd artigos 467º e sgs do CPP)[8], Também a efetivação da responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes na fase de execução da sentença penal condenatória depende de esta constituir título executivo contra si. Daí que a execução da pena de multa aplicada à sociedade arguida nos presentes autos não pudesse ter prosseguido contra o ora recorrente na qualidade de responsável civil subsidiário (art. 8º nº1 do RGIT) - aproveitando-se a circunstância de o mesmo ter sido condenado cumulativamente com a sociedade arguida pela mesma infração penal -, sem que se tivesse declarado essa mesma responsabilidade na sentença condenatória com base na discussão e prova dos requisitos respetivos. Não seria necessariamente assim se a fase de execução do processo penal contemplasse procedimento de natureza declarativa que permitisse a discussão e decisão sobre a verificação dos requisitos da responsabilidade civil subsidiária prevista no art. 8º nº1 do RGIT com respeito pelas garantias de defesa do responsável civil. Tal não se verifica, porém, e nesta matéria não pode considerar-se suficiente mera decisão incidental proferida na fase de execução de sentença (como se verificou no caso presente), tanto mais que, paradigmaticamente, o responsável civil subsidiário não é sequer sujeito do processo penal e mesmo que o fosse (a título diverso, como no caso presente), a autonomia e relevância da discussão para apuramento da factualidade em que assente a conduta ilícita e culposa do administrador ou gerente não se compadece com a falta de dedução do pedido respetivo e a inexistência de um procedimento legalmente previsto[9], sendo certo que o princípio da legalidade assume particular importância em toda matéria da execução das penas, como aludido. 2.4.2. É verdade que a questão da insuficiência do património da sociedade e a suscetibilidade de a mesma ser imputada a administrador ou gerente nos termos do art. 8º nº1 do RGIT, pode verificar-se apenas em momento posterior ao encerramento da discussão da causa no processo penal. Em todo o caso, porém, não pode pôr-se em causa o direito a um processo equitativo legalmente modelado, sendo certo que nessas hipóteses será ainda maior a necessidade de um procedimento declarativo que assegure devidamente os direitos de defesa do potencial responsável civil subsidiário, pois a não ser assim, este seria confrontado “ex novo” com a imputação de factos e respetivas consequências jurídicas que pode assumir considerável extensão e complexidade, sem que o processo penal preveja sequer procedimento similar ao da reversão da execução fiscal, sempre ficando por resolver o problema processual de saber como fazer intervir o terceiro responsável civil na fase de execução da sentença penal condenatória. Sem que caiba aqui esgotar e resolver a questão, parece-nos que nessas hipóteses restará o recurso aos meios processuais comuns com vista a obter decisão declarativa dos direitos do ente coletivo público “credor “contra o responsável civil subsidiário pelo pagamento da quantia correspondente à multa criminal não paga por insuficiência do património do ente coletivo condenado, a executar posteriormente. 2.4.3 Diferentemente sucederia, no nosso entender, se estivesse em causa a efetivação de responsabilidade solidária decorrente da condenação do ora recorrente, nos termos do art. 8º nº7 do RGIT, o que não pode sequer ter lugar por ser esta norma materialmente inconstitucional, como referido supra. Dizíamos nós que nesse caso nada obstaria a que a execução prosseguisse contra o coarguido solidariamente responsável[10] mediante a prolação de simples despacho após audição do coarguido responsável (por imposição do princípio do contraditório), uma vez que o nº7 do art. 8º não faz depender a responsabilidade solidária aí consagrada de outros requisitos para além da colaboração dolosa com a sociedade representada na prática de infração tributária que determinara a sua condenação cumulativa com a sociedade representada. Conforme se diz, por todos, no Ac RP de 27.05.2009 (relatora, Maria Leonor Esteves), “ …. o reconhecimento da referida responsabilidade [solidária] não envolveu a apreciação de novos factos, nem a prolação de uma nova decisão, mas apenas a extracção de uma mera conclusão que resulta daqueles que ficaram definitivamente assentes conjugada com o que decorre imperativamente da lei. Assim, o despacho recorrido mais não fez do que declarar o que já resultava da lei.”. 2.5. Concluímos, pois, que a sentença penal condenatória não constitui no caso presente título executivo contra o arguido representante da sociedade arguida, pelo que não pode prosseguir contra ele a execução para cobrança da quantia correspondente à multa aplicada àquela sociedade. Assim, não está em causa nulidade processual como invocado pelo recorrente, mas antes a inadmissibilidade de a execução prosseguir contra o gerente recorrente que não foi condenado como responsável civil subsidiário pelo pagamento da multa não cobrada à sociedade condenada, nos termos do art. 8º nº1 do RGIT. Procede, assim, o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e decidindo-se, em substituição, indeferir o requerido prosseguimento da execução contra o ora recorrente na qualidade de responsável civil subsidiário, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., revogando o despacho recorrido e decidindo, em substituição, indeferir o requerido prosseguimento da execução contra o ora recorrente na qualidade de responsável civil subsidiário nos termos do art. 8º nº1 do RGIT. Sem custas Évora, 5 de novembro de 2013 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) (António João Latas) (Carlos Jorge Berguete) _________________________________________________ [1] E antes dela nos acórdãos do TC 129/2009 e 150/2009. [2] Também na fundamentação do Ac do Plenário do TC nº 437/2011 se refere que, “Nas duas situações [al. a) e al. b) do nº1 do art. 8º do RGIT] o quadro legal exige a verificação da culpa dos eventuais responsáveis subsidiários na não satisfação do crédito público resultante das multas ou coimas em causa, seja por um não pagamento culposo das mesmas no caso da al. b), seja pelo facto da insuficiência do património societário causadora do não pagamento a eles lhes ser imputável, como dispõe a al. a).”. Já no Ac TC n.º 129/2009 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 16-04-2009), a propósito das normas das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, se considerara que o que “ … artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT… prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.” [3] Como refere ISABEL MARQUES DA SILVA a propósito da responsabilidade civil dos administradores, gerentes e diretores pelas sanções pecuniárias em que for condenada a sociedade, ainda na vigência do art. 7º-A do RJIFNA “ … destaca-se o facto de se tratar agora de uma responsabilidade subsidiária e não solidária e a exigência de prova de que a insuficiência do património social para o pagamento das multas ou coimas foi culposamente causado por quem é responsabilizado. Esta responsabilidade dos membros dos órgãos de administração pelas sanções pecuniárias aplicadas à sociedade é autónoma e de diversa natureza daquela que pode responsabilizá-los também pela infração fiscal que cometam e também imputada à sociedade.” - cfr Responsabilidade fiscal penal cumulativa, UCE-2000 p. 188”. [4] Cfr - Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus administradores e representantes, Verbo, 2009, p. 444. [5] Como se escreveu no Ac. do TC 437/2011 – embora estivesse em causa a efetivação de responsabilidade civil subsidiária pelo mecanismo da reversão fiscal: - “ Essencial para que não se verifique qualquer inco0nstitucionalidade é que em concreto seja acautelada a existência de um processo equitativo e o inerente direito de defesa através do exercício do contraditório. A satisfação destas exigências constitucionais impõe, em primeiro lugar, o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente a culpa. Nos termos do art. 8º distinguem-se duas situações de responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas multas e coimas, com pressupostos diversos. A primeira, prevista na al. a) do nº1, integra a responsabilidade pelas multas ou coimas aplicadas em virtude de factos praticados no período do exercício do cargo ou por factos anteriores, quando tiver sido por culpa daqueles que o património societário se tornou insuficiente para a respetiva satisfação.O segundo caso, previsto na al. b) do nº1, abrange as multas ou coimas resultantes de factos anteriores [ao exercício do cargo], quando a decisão deinitiva que as aplicar for notificada durante aquele período e ljes sej imputável a falta de pagamento.” [6] A que não será alheia a falta de regulamentação adjetiva específica da execução das penas aplicáveis às pessoas coletivas, limitando-se o art. 90ºB do C. Penal a estabelecer no seu nº6 que “Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução do património da pessoa colectiva ou entidade ou entidade equiparada”. [7] Como escreve MARIANA PINTO NOITES, “ O artigo 8º do RGIT estabelece o requisito da culpa do gerente na insuficiência do património. Culpa essa que não se presume, antes tem de ser provada, não sendo à pessoa que exerce a gerência que cabe o ónus da prova de que a insuficiência do património ou a falta de pagamento não lhe é imputável”- cfr Ainda a problemática dos agentes das infrações tributárias: considerações sobre a aplicabilidade da reversão da execução fiscal como meio para efetivar a responsabilidade dos administradores e representantes das sociedades in Revista Fiscal. Dezembro-2009 p. 12. Vd ainda ISABEL MARQUES DA SILVA no trecho transcrito na nota 3). Também no Ac RP de 13.02.2013 (relatora Maria Manuela Paupério) se decidiu que “A responsabilidade civil subsidiária dos administradores, dos gerentes e de outras pessoas que tenham exercido, ainda que apenas de facto, funções de administração, pressupõe sempre a prova de que a impossibilidade de pagamento derivou de uma atuação culposa desse agente, concluindo-se que a responsabilidade civil subsidiária a que alude o artigo 8° n° 1 do RGIT tem de ser declarada na sentença e atuada pelo mecanismo da reversão fiscal. Diversamente, o art. 24º da LGT, que prevê e regula a responsabilidade subsidiária dos administradores, gestores e outros pelas dívidas tributárias (dívidas de impostos), estabelece no seu nº1 b) que relativamente às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recai sobre aqueles a prova de que a falta de pagamento não lhes foi imputável. Todavia, já o art. 24º nº 1 a) segue a regra geral de que cabe a prova do facto a quem o invoca, ao dispor: “a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação”. [8] Cfr Anabela M. Rodrigues, A fase de execução das penas e medidas de segurança no direito português in BMJ 380 (1988) p. 11 [9] Lembre-se que mesmo a execução da quantia correspondente a coima aplicada por contraordenação fiscal (ou contra a segurança social) através do mecanismo da reversão fiscal contra o responsável civil subsidiário, tem sido persistentemente questionada na doutrina e jurisprudência. Não só por falta de disposição legal que previsse a sua cobrança em execução fiscal (vd Ac STA de 1 de julho de 2009) lacuna que a citada nova alínea c) do nº1 do art. 148º do CPPT poderá não ter vindo colmatar (vd neste sentido, LOPES DE SOUSA, Responsabilidade subsidiária por multas e coimas aplicadas por infracções fiscais, acedido em www.amjafp.pt (intervenções) em outubro de 2013, mas também por falta de título executivo prévio, uma vez que o responsável civil não intervém no processo de contraordenações e o RGIT não dispõe sequer de norma que o permita, contrariamente ao disposto no art. 49º relativamente ao processo criminal por crime fiscal, sendo a oposição à execução o único meio de o revertido se defender.” Sobre a questão podem ver-se ainda, entre outros, os acórdãos do STA de 16 de dezembro de 2009 (relator Brandão de Pinho) e MARIANA PINHO NOITES, estudo citado supra, para além de FRANCISCO ROTHES, Algumas notas em torno da questão da responsabilidade dos gestores pelas dívidas por coimas tributárias aplicadas às sociedades, acedido em www.amjafp.pt (intervenções) em outubro de 2013, bem como a declaração de voto do então presidente do T.Constitucional - Conselheiro MOURA RAMOS – nos Ac TC 26/2011 e 24/11 (entre outros), que se transcreve parcialmente: - « (…) Assentando em que não é inconstitucional a responsabilização de gerentes e administradores pelo comportamento pessoal que, ao provocar a situação de incumprimento da sociedade, frustrou a cobrança coerciva do valor correspondente à coima, cumpre agora indagar se a efectivação daquela responsabilidade, pelo mecanismo da reversão, ao abrigo do artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, será desconforme com os princípios constitucionais. Parece-nos que a resposta afirmativa se impõe. Na verdade, o chamamento daqueles sujeitos à execução faz-se por reversão desta, baseada no título executivo que serviu para a instauração da execução contra a sociedade. Não comportando tal título a responsabilização dos administradores e gerentes pelo comportamento pessoal que terá conduzido à diminuição patrimonial da sociedade que a impossibilitou de pagar as coimas, o prosseguimento da execução, nele baseada, contra aquelas entidades envolve uma execução sem título, que, ao implicar a mobilização do poder coercitivo do Estado contra sujeitos de direito cuja responsabilidade se não acha estabelecida, configura uma violação do princípio do processo equitativo previsto no artigo 20º, nº 1, da Constituição e, em particular, das dimensões de audiência e defesa que lhe são naturalmente inerentes. (…) » [10] Veja-se, porém, o acórdão do TRP de 13.09.2013 (relator José Carreto) que mesmo num caso de responsabilidade solidária decidiu que, como responsável civil, o colaborador doloso na infracção tem de ser demandado no próprio processo penal, onde se efectivará ou não essa responsabilidade (sendo ou não condenado como tal) e que é inadmissível a prolação dessa condenação em despacho posterior à sentença. |