Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO AMARAL | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS DIREITO DE RETENÇÃO HIPOTECA | ||
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Data do Acordão: | 06/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | SANTARÉM | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | I- Nos precisos termos do art.º 759.º, n.º 2, Cód. Civil, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente registada. II- A sentença que reconhece um determinado crédito garantido por direito de retenção é oponível ao credor hipotecário porque a decisão transitada em julgado, embora afectando a consistência prática do crédito deste último, não contende com ele juridicamente. III- Estando esse crédito reconhecido, bem como a respectiva garantia, por sentença, ao credor apenas cabe, na fase da reclamação, reclamar o seu crédito exibindo o título que o suporta. IV- A mesma sentença que reconhece um determinado crédito garantido por direito de retenção não pode ser anulada; e menos ainda num processo de graduação de créditos. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora Na sentença de graduação de créditos, em consequência da insolvência de E…, Lda., foi graduado o crédito de A… e J…, garantido por direito de retenção, antes do crédito do Banco Espírito Santo, S.A., (em quem se fundiu o BIC) garantido por hipoteca. * Inconformado com esta graduação, o BES recorre defendendo que o seu crédito tem preferência sobre o dos citados credores.* A matéria de facto é a seguinte:1. Por sentença proferida no dia 03.05.2011, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de E…, Lda., com sede na Rua D… em Santarém. 2. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1039-A encontra-se registado em nome de E…, Lda., ó da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao prédio urbano sito na Rua A…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2749-A, e pela AP. 32 de 1999/08/30 encontra-se registada uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 229.565.000,00 escudos a favor do Banco Internacional de Crédito. 3. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1040-C encontra-se registado em nome de E…, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao prédio urbano sito na Rua A…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2743-C, encontra-se ainda registado pela AP. 33 de 1999/08/30 uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 229.565.000,00 escudos a favor do Banco Internacional de Crédito e pela AP. 42 de 2007/10/16 uma acção a favor de Aurora P… e de J… em que é pedido que seja decretada a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado entre os Autores e Ré em 22.11.2000, que seja a ré condenada a pagar aos autores a quantia de 291.915,40 euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação para esta acção até ao efectivo e integral pagamento e que seja reconhecido aos autores o direito de exercer retenção até que lhe seja feito o pagamento da quantia indicada. 4. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1040-H encontra-se registado em nome de E…, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao prédio urbano sito na Rua A…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2743-H, encontra-se ainda registado pela AP. 33 de 1999/08/30 uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 229.565.000,00 escudos a favor do Banco Internacional de Crédito e pela AP. 42 de 2007/10/16 uma acção a favor de A… e de J… em que é pedido que seja decretada a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado entre os Autores e Ré em 22.11.2000, que seja a ré condenada a pagar aos autores a quantia de 291.915,40 euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação para esta acção até ao efectivo e integral pagamento e que seja reconhecido aos autores o direito de exercer retenção até que lhe seja feito o pagamento da quantia indicada. 5. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1042-F encontra-se registado em nome de E…, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao prédio urbano situado em S…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2927-F, encontra-se ainda registado pela AP. 39 de 2001/05/10 uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 300.700.000,00 escudos a favor da Caixa Geral de Depósito, S.A. e pela AP. 53 de 2004/02/02 uma hipoteca voluntária a favor da mesma entidade para garantia do montante máximo assegurado de 526.225,00 euros. 6. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1043-C encontra-se registado em nome de E…, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao prédio urbano situado em Sacapeito (Chans),…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2928-C, e pela AP. 46 de 2001/11/19 encontra-se ainda registado uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 451.050.000,00 escudos a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A.. 7. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 1043-P encontra-se registado em nome de Estrela & Rodrigues, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “P” correspondente ao prédio urbano situado em Sacapeito …, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 2928-P e pela AP. 46 de 2001/11/19 encontra-se ainda registado uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 451.050.000,00 escudos a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A.. 8. Na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 788-E encontra-se registado em nome de E…, Lda., a fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao prédio urbano situado em Quinta…, concelho de Santarém, inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º 3257-E, e pela AP. 31 de 1999/08/30 encontra-se ainda registado uma hipoteca voluntária para o montante máximo assegurado de 216.447.000,00 escudos a favor do Banco Internacional de Crédito, S.A.. 9 - No apenso A do processo n.º 3052/10.1TBSTR, a que estes autos também estão apensos, consta no epigrafado “Auto de arrolamento e apreensão de bens” como apreendido pelo Administrador de Insolvência, um conjunto de denominados bens imóveis onde se incluem os constantes de 2. e 8. e ainda: a) O prédio urbano sito na Urbanização Jardim de s. Domingos, lote 201, freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém, sem descrição na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz sob o n.º 2168. b) O prédio rústico situado em Sacapeito…, concelho de Santarém, sem descrição na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz sob o n.º 9. 10 - No apenso A do processo n.º 3052/10.1TBSTR, a que estes autos também estão apensos, consta no epigrafado “Aditamento ao Auto de arrolamento e apreensão de bens” como apreendido pelo Administrador de Insolvência, um denominado bem móvel (contentor). 11 - Consta da lista de credores reconhecidos, e que não foram impugnados, os seguintes créditos reconhecidos, detidos pelas seguintes pessoas e entidades: (…) 12 – Por sentença datada de 23.04.2008, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 2313/07.1TBSTR deste 3.º Juízo Cível, em que foram Autores A… e de J… e Ré E…, Lda., foi declarada a resolução do contrato promessa de compra e venda, por parte dos Aurores, que estes celebraram com a Ré em 22 de Novembro de 2000, relativo às fracções “B”, “C” e “H” do lote 10, sito no Sacapeito… a primeira inscrita na matriz sob o art.º 2743-C, a segunda inscrita na matriz sob o art.º 2743-C e a terceira sob o art.º 2743-H, foi condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia de 291.915,40 euros correspondentes a devolução em dobro da quantia entregue a título de sinal, bem como no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento e reconheceu aos Autores o direito de retenção sobre as referidas fracções. * Pode-se sintetizar o conteúdo das alegações em três grandes grupos:I- Inoponibilidade da sentença que reconheceu aos recorridos o direito de retenção; II- Nos presentes autos de reclamação de créditos, os recorridos não estavam dispensados de alegar e provar os factos constitutivos do direito de retenção; III- A sentença favorável aos recorridos foi proferida nos termos do art.º 484.º, Cód. Proc. Civil, sendo certo que o direito em causa não pode ser constituído por contrato ou por confissão. * Como bem refere o recorrente, o problema é só o seguinte: crédito reclamado por A… e J… no valor de € 334.814,18 é um crédito garantido ou um crédito comum? * Nesta matéria existem dois problemas de raiz que, embora não resolvam a questão directamente, ajudam a compreender a solução que venha a ser encontrada.Em primeiro lugar, um problema político, mais concretamente, de política legislativa. A concessão, por lei, de garantias ocultas a determinados créditos deve ser limitada dado o entorse que pode ocasionar no comércio jurídico. Estas garantia, por serem ocultas, não são registáveis obrigatoriamente e são desconhecidas dos demais credores, desde logo dos credores que, estes sim, gozam de uma garantia real pública, registável, cognoscível por quem nisso tiver interesse. O problema coloca-se, em primeiro lugar, com os privilégios creditórios, dada a regra da sua prevalência estabelecida no art.º 751.º. O carácter parcimonioso com que o Cód. Civil de 1966 veio a reconhecer determinados créditos providos desta garantia tem-se vindo a perder. Com efeito, e como é sabido, a partir de certa altura, o legislador prodigamente tem vindo a alargar o leque dos créditos que gozam de privilégio creditório (veja-se uma lista em Cláudia Madaleno, A Vulnerabilidade das Garantias Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 16-20), inclusive créditos com privilégio imobiliário geral (note-se, a propósito, a redacção introduzida no art.º 735.º, n.º 3, Cód. Civil, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003). O mesmo se passa com o direito de retenção que, até 1980, não causou grande preocupação. Tratava-se de uma garantia para créditos, em geral, de pouco montante e restritivamente previstos, com requisitos apertados (teria que haver uma ligação íntima entre o crédito e a coisa). Com a concessão desta garantia real, que o é, ao promitente comprador de um edifício ou fracção pelo Decreto-Lei n.º 236/80, o problema ganhou outra dimensão uma vez que os valores em questão eram já bastante elevados e punham em risco os credores hipotecários que podiam ver a satisfação do seu crédito ser impedida pela garantia então concedida ao promitente comprador. O problema manteve-se com a publicação do Decreto-Lei n.º 379/86 que, entre outras coisas, aproveitou a ocasião para consagrar no local próprio o direito de retenção do «beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º» [nova al. f) do n.º 1 do art.º 755.º]. As críticas a esta solução continuaram — veja-se, por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 778; mais desenvolvidamente, Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1989, n.º 27 e n.º 38 — mas a lei manteve-se. A doutrina foi tentando explorar hipóteses de restringir a aplicação do art.º 759.º, n.º 2, de forma a apenas em poucos casos o direito de retenção poder prevalecer sobre a hipoteca (cfr. Cláudia Madaleno, ob. cit., pp. 193 e segs; cfr. também Maria Coelho, O Crédito Hipotecário Face ao Direito de Retenção, em http://www.verbojuridico.com/doutrina/2012/mariacoelho_creditohipotecariodireitoretencao.pdf, pp. 29 e segs.) No entanto, e como esta autora refere (a p. 31), «a solução passa, necessariamente, por uma alteração legislativa ao CC, procedendo-se à eliminação do n.º 2 do art.º 759.º» — que é, no final do trabalho, a sua proposta. Mas este, repete-se é um problema político, de política legislativa. * O segundo problema, que decorre do anterior, parte da constatação, pura e simples, que legalmente (1.º) o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, mesmo que registada anteriormente e (2.º) o «beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido» goza do direito de retenção.Ou seja, e independentemente das boas razões para restringir o alcance dos preceitos em causa, quando a sua aplicação possa afastar o conteúdo da garantia hipotecaria, o certo é que o direto positivo é o que se deixou exposto; o legislador, nesta matéria, fez as suas opções. Como escreve Almeida Costa, «tratou-se, sem dúvida, de uma deliberada opção legislativa, dentro de uma política de defesa do consumidor» (Contrato Promessa. Uma Síntese do Regime Actual, sep. da R.O.A., Lisboa, 1990, nota 79, pp. 55-56). * É tendo estas considerações em mente que serão analisados os argumentos do recorrente.* «A regra geral aplicável à eficácia subectiva do caso julgado é a de que este só produz efeitos em relação às partes» (Antunes varela et alli, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 720; sublinhado no original). No entanto, a autoridade do caso julgado pode atingir terceiros, no sentido de que a sentença se lhes impõe. São os chamados terceiros juridicamente indiferentes, pessoas «a quem a sentença não causa nenhum prejuízo, por não bolir com a existência ou validade do seu direito, embora possa afectar a sua consistência prática ou económica» (id., p. 726). No nosso caso, de confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, o recorrente não vê o seu direito (de crédito) nem a sua garantia juridicamente afectados. Sem dúvida que, por força da graduação, o recorrente pode ver o seu crédito parcialmente pago ou mesmo completamente por pagar. Como refere a recorrente nas suas alegações, citando um acórdão do STJ, «a concorrência de um crédito hipotecário com um crédito garantido pelo direito de retenção não se situa no mesmo plano do crédito comum que vê reconhecido outro crédito comum, hipótese esta em que a concorrência entre ambos se efectua, em igualdade de circunstâncias, e em que o único prejuízo do primeiro se traduz em poder não ser, totalmente, pago, tendo de ratear com o outro crédito o produto da garantia patrimonial do devedor, ao passo que, naquela primeira situação, se verifica uma graduação entre tais créditos, com prevalência do segundo, podendo, inclusivamente, acontecer que, pago este crédito, nada reste já para satisfazer o crédito hipotecário». Sem dúvida, repetimos, mas essa é uma consequência própria da graduação dos créditos, em função das prevalências que a lei estabelece. Daqui a afirmar que a «graduação de créditos operada pela sentença recorrida põe o credor hipotecário numa posição igual à dos credores sem garantida real» vai um passo grande na medida em que, desde logo, a hipoteca tem, por sua vez, preferência sobre esses créditos comuns. É certo que a jurisprudência vai no sentido de, perante o esvaziamento da garantia hipotecária (uma vez que há uma graduação e não um rateio), entender que o caso julgado é inoponível ao credor munido de hipoteca porque, como se escreve no ac. do STJ, de 7 de Outubro de 2010, (proc. n.º 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, em www.dgsi.pt), a sentença (que reconhece o direito de retenção) «contende com a consistência jurídica da sua posição de credor privilegiado, desde logo, porque nos termos dos arts. 442º, 755º, nº1, f) e 759º, nº2, do Código Civil o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente». Mas o que a doutrina exige, como se viu, é que tal afectação seja apenas jurídica, não prática. Queremos dizer, a sentença cuja oponibilidade se discute não se dirige ao credor hipotecário, que é terceiro, por de alguma forma pôr em crise o seu direito. Dirige-se a ele porque a sua situação prática, perante o direito de retenção, pode ser alterada, correndo o risco de não ver o seu crédito satisfeito. O crédito do recorrente, acompanhado da sua garantia, permanece intocável; nem a sentença que declara o direito de retenção põe em causa tal direito do credor hipotecário. Aliás, se formos ver os montantes aqui envolvidos, constata-se que o crédito reclamado por A… e J… é bastante inferior (perto de 60.000 contos) é bastante inferior aos montantes garantidos pela hipoteca (cerca de 230.000 contos). Se, porventura, o valor da venda não for suficiente para o pagamento de todos os créditos tal não se ficará a dever ao crédito garantido por direito de retenção. Por outro lado, não podemos olvidar que a solução defendida pelo recorrente também acaba por esvaziar o conteúdo prático do direito dos recorridos, sendo certo que a lei dá prevalência ao direito de retenção. Mas aquele é um simples resultado, inevitável, de qualquer graduação. Assim, entendemos, e no seguimento do ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de Maio de 2011 (proc. n.º 395/09.0TBSJM-B.P1, no mesmo local), que o direto de retenção prevalece, nos precisos termos do art.º 759.º, n.º 2, Cód. Civil, sobre a hipoteca. * Mas outras razões existem para afirmar, neste caso em concreto, a dita prevalência.Alega o recorrente, como se disse, que os recorridos não estavam dispensados de alegar e provar os factos constitutivos do direito de retenção. Mais concretamente (retirando o que se segue das conclusões das alegações): VI- Ainda que munidos de sentença transitada em julgado, cabia aos Recorridos e não ao Recorrente Impugnante, o ónus de alegar e provar os factos que sustentassem o direito de retenção que invocam. VII- Contrariamente ao raciocínio explanado na sentença recorrida, existem diferenças processuais relevantes que não permitem aplicar ao processo de insolvência as disposições do processo executivo comum no que concerne, designadamente, à matéria da reclamação e impugnação de créditos - vide artigo 130.º do CIRE e artigo 866.°,n.º 4 do CPC. VIII- Doutra forma, não se compreenderia porque razão, não obstante munidos de uma sentença transitada em julgado, impõe o CIRE aos Credores Reclamantes (Recorridos) que, ainda assim, tenham que reclamar o seu crédito no âmbito da Insolvência — vide artigo 128.º, n.º 3, do CIRE. IX- Extrai-se também do referido dispositivo que os Recorridos, ao reclamarem o seu crédito como privilegiado, não estavam dispensados de alegar e provar os factos que estiveram na origem do reconhecimento do direito de que se arrogam titulares. X- Acresce que, da sentença, transitada em julgado, invocada pelos Recorridos também nenhuns factos constitutivos se extraem que sustentem a existência de um direito de retenção a favor dos Recorridos, designadamente e em especial, a detenção da coisa retida — a posse dos imóveis era requisito constitutivo essencial ao direito de retenção em que os Recorridos se dizem investidos. XI-Aliás, na sua reclamação de créditos, os Recorridos também nenhuns factos constitutivos do seu direito de retenção alegam ou demonstram, limitando-se a juntar a sentença que, conforme supra referido, também nada esclarece quanto à constituição do invocado direito. XII- Em síntese, cabia, assim, aos Recorridos - não ao Recorrente/Impugnante, pretendendo fazer valer um direito de retenção na Insolvência, alegar todos os factos de que depende a constituição deste seu direito. A este respeito, começaremos por citar um ac. do STJ, de 19 de Novembro de 2009 (proc. n.º 1246/06.3TBPTM-H.S1, no mesmo local) cujo sumário é do seguinte teor: «Num processo de verificação e graduação de créditos, apenso a processo de insolvência, a simples alegação, por parte do credor-reclamante, de factos eventualmente integradores do direito de retenção, consagrado no nº 1 do artigo 755º do Código Civil, é, por si só, insuficiente para que lhe seja reconhecido o privilégio consagrado no nº 2 do artigo 759º, deste último diploma legal, com a consequente primazia sobre hipoteca, mesmo com registo anterior. «Para que tal possa ser uma realidade, torna-se necessário que prove os factos dessa alegação, juntando, para tanto, o título justificativo, que, no caso, é a sentença condenatória a reconhecer o incumprimento do promitente-vendedor e a tradição da coisa para o promitente-comprador». O art.º 128.º, n.º 3, do CIRE não obriga reclamante a alegar tudo quanto alegou na acção declarativa onde pediu o reconhecimento da sua garantia; o que aquele preceito legal diz, bem diferentemente, é que o credor, mesmo «que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (sublinhado nosso, claro). O que ele tem que fazer é exibir o título que lhe reconhece tal crédito e nos termos em que o faz. O que sustenta o direito de retenção invocado é o título, é uma sentença, e é este título que o reclamante tem de exibir para fundamentar o seu crédito e a sua garantia. Os demais credores reclamantes, caso nisso tenham interesse, é que têm que impugnar esse crédito e a garantia que o acompanha, nos termos do art.º 866.º, Cód. Proc. Civil (cfr. o citado ac. STJ, de 7 de Outubro de 2010), de forma a contrariar o título exibido.. Como bem se escreve na sentença recorrida, o «credor impugnante Banco Espírito Santo, S.A. impugnou o crédito de A… e de J…, não no que se refere à sua inclusão na lista, ou seja, não coloca em causa a existência e o valor do mesmo, mas tão só a sua qualificação como garantido». Se, porventura, o recorrente entende que a garantia não existe, ou seja e no fundo, que os recorridos não têm o direito que lhes é conferido pelo art.º 755.º, n.º 1, al. f), Cód. Civil, a ele caberia, contrariando o conteúdo da sentença, alegar isso mesmo. Repare-se que para prova do seu direito, os recorridos exibiram um determinado título que descreve o direito e a respectiva garantia; à outra parte, então, é que caberá afirmar que esse título não é válido, que a garantia não existe. Mas não foi isso que o recorrente fez; limitou-se a afirmar que o crédito dos recorridos não gaza de garantia real. * Resta o último grupo das alegações.Neste âmbito, alega o recorrente fundamentalmente o seguinte: XIII- O direito de retenção reconhecido aos Recorridos por força de sentença transitada em julgado, foi-o, erradamente, apenas e tão só por força do efeito cominatório previsto no artigo 484.º do CPC. XIV- Acontece que, não estando a constituição do direito de retenção na disponibilidade das partes (indisponibilidade da criação do direito de retenção), não pode o mesmo ser objecto de confissão ou, como in casu, de admissão por falta de impugnação. XV-Pelo que a sentença invocada pelos Recorridos encontra-se ferida de ilegalidade, estando a possibilidade de recurso ou impugnação, por qualquer forma, de tal decisão, irremediavelmente vedada ao Recorrente. O que o recorrente pretende é que a sentença que reconheceu o crédito dos recorridos seja reavaliada; o que pede é que ela seja declarada ilegal. Dito de outra forma, o recorrente pretende fazer tábua rasa de uma sentença transitada; é verdade que ela acaba por afectar, na prática (repetimos) a sua posição na graduação. Mas isto não lhe confere o direito de impugnar agora a sentença, de retirá-la, por força de um novo exame (como se ela fosse objecto deste recurso), da ordem jurídica. A sentença foi proferida transitou, existe. Outro tribunal não pode anular, pois que é isso o que se quer, aquela sentença — como não pode, claro, anular quaisquer outras nas mesmas condições. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso. Custas pelo recorrente. Évora, 14 de Junho de 2012 Paulo Amaral Rosa Barroso Francisco Matos |