Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
166/04-3
Relator: TEIXEIRA MONTEIRO
Descritores: ACÇÃO PAULIANA
REGIME DE ARGUIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1.º JUÍZO CÍVEL DE FARO
Processo no Tribunal Recorrido: 407/1998
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL EM ACÇÃO ORDINÁRIA DE IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Decisão: RRJEITADAS AS APELAÇÕES E CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário:
I – Os requisitos da instauração da acção pauliana estão taxativamente prescritos no art.610º do Código Civil, sem cuja verificação não obterá procedência ganho o pretenso credor, impossibilitado de obter satisfação do seu crédito;
II – Apesar daqueles requisitos de ordem substantiva, no art.611º do mesmo diploma está estabelecido o sistema de distribuição do ónus da prova dos intervenientes na lide para obtenção de ganho da mesma, em certa divergência com o regime do nº1 do art.342º do Cciv;
III – Fora da situação da prática de um acto gratuito (doação de pais a filhos), caso em que a procedência está assegurada, um dos requisitos fundamentais de prova, da parte do credor, é a demonstração fáctica de que os intervenientes na operação, ou operações de alienação, actuaram de má fé.
IV – Sendo aquela actuação de natureza jurídico-substantiva, está contida a censura de uma tal conduta e prática nas normas do art.456º, que aqui deve, cumulativamente, aplicar-se com as demais sanções..
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório:

O B. N. U., actualmente integrado na C. G. D, sedeada em L, instaurou a presente acção de impugnação pauliana, na forma de processo ordinário, contra:
- O S de A; e
- G J G A, casados entre si e domiciliados em F.; e ainda contra:
- M S O, d, residente na R. de S. M. em F.

O Pedido: - que as referidas transmissões da Fracção M e respectivo recheio e do direito a 1/7 da fracção A, identificadas nos arts. 9º e 10º da P.I.,não têm eficácia relativamente ao Banco autor, podendo este executar aqueles bens para satisfação dos seus referidos créditos indicados nos arts2º a 6º da mesma petição;
Que eventuais transmissões ou onerações daqueles bens posteriores ao registo da presente acção não terão igualmente eficácia relativamente ao autor, enquanto o referido crédito não se mostre satisfeito, já que é anterior ao acto de alienação dos bens que detinham o casal Réu;
Que sejam inscritas estas decisões na competente Conservatória do Registo Predial.

Em face da matéria contida nos pedidos, designadamente a remessa que fez para os correspondentes artigos descritivos dos bens a atingir e da fundamentação creditícia que justifica uma tal pretensão, foi ordenada e realizada a citação dos Réus, que vieram contestar, justificando os seus actos, o desconhecimento do dano que estavam a causar ao autor e impugnaram até o fundamento da pretensão da acção, negando a existência do acto da conduta da má fé existente entre todos os Réus.
Como o R. comprador tomou conhecimento que os primeiros RR. se queriam desfazer dos bens, em 1997 apresentou-se a comprá-los, com exclusão de qualquer acto de má fé.
Nesta sequência, veio o comprador a vender os ditos bens a Osvaldo Luís Gomes de Almeida que os comprou com a maior boa fé e os RR, estão convictos que esse terceiro adquirente também agiu de boa fé.

O autor requereu a intervenção principal do terceiro adquirente, O L G A, domiciliado em C, O., invocando que o registo da acção de impugnação pauliana ficou averbado como provisório em vista do ora requerido e proprietário registral, O L.G. A ser filho dos dois primeiros Réus. E, tal como consta da petição, inexistiu qualquer acto de verdadeira alienação dos sobreditos bens ao terceiro R., uma vez que após a escritura o casal continuou a fruir, como sua, a referida residência.
E como já foi invocado na petição inicial, quer o segundo réu comprador, quer o comprador O tinham perfeito conhecimento da situação debitória do casal.
O 2º R. era amigo do casal, nunca chegou a entrar na posse dos bens que disse ter–lhes adquirido e a escritura da venda dos bens da parte do comprador só foi executada para o Osvaldo, filho dos RR., depois destes terem sido (com o primeiro comprador) citados para os termos desta acção.
A autora também replicou às contestações.

Foi exarado despacho saneador de fls. 377/378, em fase que não era possível conhecer do mérito da lide, pelo que se estabeleceram quais os factos assentes e quais os que passariam a integrar a BI (Base Instrutória), na extensão que consta de fls.181-185.

Veio a dar-se a sucessão da Caixa Geral de Depósitos nos direitos e deveres do BNU, conforme fls.304, tendo prosseguido a fase da instrução, com a junção de substancial documentação, designadamente da certidão de filiação de fls.209
Como resulta de fls.303 e segs., realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com intervenção do tribunal colectivo que, em harmonia com a BI de fls.181-185, fixou na 1ª instância a matéria de facto, a fls.307 e verso, em que terá de assentar o presente julgamento.

Foi exarada a decisão final, de fls.312-319, cuja parte dispositiva reza:
« - Declara-se que as venda da dita fracção M e o respectivo recheio e a venda do direito a 1/7 da referida fracção, identificadas nos autos, não têm eficácia relativamente ao autor, podendo este executar aqueles bens para satisfação dos seus referidos créditos indicados nos arsts.2º a 6º da petição inicial;--------------------------
« -Condenam-se os RR e o interveniente, como litigantes de má fé, no pagamento de uma multa no montante de 35 (trinta e cinco) unidades de conta;-----------
« - Condenam-se os RR. e o interveniente no pagamento das custas.------
« - Ordena-se a notificação e o registo da sentença.»

Inconformados os RR., é desta decisão que os três primeiros RR. interpõem recurso de fls.324; e o interveniente O L A, pela peça de fls.327, deduz igual inconformidade com o decidido, ainda que os dois requerimentos de recurso venham interpostos pela mesma Ex.ma Causídica. Foram devidamente minutados e lavradas amplas e coincidentes conclusões que nada obstará ao estabelecimento de uma sua correspondente e sobreposta súmula.
Por seu turno, a recorrida também veio oferecer contra-alegações e pugnar pela manutenção do julgado.

Seria possível estabelecer uma maior síntese (nº4 do art.690º CPC) das conclusões dos recursos dos demandados, ora apelantes. E tanto assim é que a matéria das alegações e conclusões de ambos os recorrentes acabam por reconduzir a um único conjunto de questões que este Tribunal irá ter de dirimir.
Como a experiência nos vai ensinando que não é grande o resultado dessas determinações processuais para sintetização das conclusões, mais importante se nos afigura transcrevê-las no papel e procedermos a essa síntese, no momento da fixação das «questões a dirimir», o que se irá fazer mais abaixo, de ambos eles, para que dúvidas não sobejem sobre a temática a equacionar e resolver.

O conjunto das conclusões formuladas pelos apelantes:

Conclusões do 1º recurso: O S A, G, J L G A e M S O:
1) Os apelantes impugnam a decisão de facto relativa aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, vertidos na douta decisão recorrida sob as alíneas P., Q., R., S. e T. dos “Factos considerados provados”, uma vez que os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, assim se compaginando com a regra do artº 712º, nº 1, do C.P.C..
2. Os citados quesitos deverão ser considerados “não provados”, ao arrepio do que consta da decisão do Tribunal “a quo”.
3. Tais factos foram considerados provados pelo seguinte, de acordo com o que consta da decisão da matéria de facto, sob a rubrica “Fundamentação da convicção do tribunal”: “A resposta aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º resultou da conjugação dos depoimentos de parte prestados pelos réus O S A e M S de O, com o benefício da imediação da prova, tendo ainda em conta o depoimento prestado em audiência por Manuel Jesus Henriques, quanto aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º, os quais foram produzidos em relação a factos pessoais e que permitiram apurar, de forma segura, a veracidade do provado”.
4. Daqui flúi, de forma hialina, que o depoimento de Manuel de Jesus Henriques, por si só, seria insuficiente para produzir no Tribunal “a quo” a convicção que o levou a considerar tais factos como provados; só o cotejo desse depoimento com os depoimentos de parte conjugados dos réus Osvaldo e Mário terá sido genético de tal convicção.
5. O Tribunal “a quo” não podia considerar tais factos como provados, atendendo aos depoimentos de parte dos réus.
6. O réu Osvaldo prestou depoimento de parte relativamente aos quesitos 1º, 4º e 5º, e o réu Mário prestou depoimento de parte relativamente aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º, sempre da Base Instrutória.
7. Daqui decorre, de forma cristalina, no que tange aos factos insertos nos quesitos 8º e 9º, que a resposta aos mesmos NUNCA poderia ter resultado da conjugação dos depoimentos de parte de ambos os réus (uma vez que um deles nem sequer foi ouvido sobre essa matéria).
8. O depoimento de parte insere-se na “prova por confissão das partes”, prevista nos artº s 552º e segs. do C.P.C..
9. O artº 352º do C. Civil determina que “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
10. Daí que o artº 563º, nº 1, do C.P.C., imponha senpre a redução a escrito de tal depoimento, na parte em que tenha havido confissão do depoente.
11. Não foi reduzido a escrito o depoimento de qualquer dos réus, o que importa, necessária e inelutavelmente, que estes não admitiram nenhum dos factos quesitados sob os números 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, que lhes são, todos eles, desfavoráveis.
12. Se os réus não admitiram tais factos, só podem tê-los negado, mantendo, a esse respeito, a posição que já haviam expressado na sua contestação.
13. Portanto, o Tribunal “a quo” deu como provado o inverso do que os réus declararam relativamente os factos ora impugnados.
14. Contudo, o Tribunal recorrido não afirmou em momento algum que os réus mentiram ao prestar depoimento, incorrendo em crime de falsas declarações, nem que os seus depoimentos não foram credíveis.
15. O artº 655º, nº 1, do C.P.C., permite ao tribunal colectivo apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
16. Essa norma não desonera os juízes de enunciar a motivação e o raciocínio lógico que conduziram à sua convicção, em respeito ao estatuído no artº 653º, nº 2, do C.P.C..
17. O Tribunal “a quo” não enunciou a motivação e o raciocínio lógico que terão conduzido à sua “convicção” de que os factos deveriam ser considerados “provados”, em flagrante oposição com o depoimento dos réus (que o próprio Tribunal reconheceu ter sido essencial para fundar tal “convicção”).
18. O artº 516º do C.P.C. do C.P.C. estabelece que “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
19. Se o Tribunal “a quo” tivesse tido dúvidas sobre os factos ora impugnados – dado que certezas, nas condições acima referidas, não nos parecem possíveis – teria de resolver a questão dando os mesmos por “não provados”, uma vez que estes aproveitavam à autora e não aos réus.
20. Transpira da “Fundamentação da convicção do tribunal” ínsita na decisão da matéria de facto que o Colectivo não julgou por convicção – que é o “efeito que produz no espírito uma prova evidente”, a “certeza, obtida por factos ou razões, que não deixam dúvida nem dão lugar a objecção” – mas sim, quando muito, por intuição, que mais não é que um “pressentimento”, consistente numa “percepção rápida” dos factos, numa impressão, que traduz uma visão perversa e contrária à bondade de uma justiça que se pretende clara, transparente e objectiva (isto para além de o comando do artº 655º, nº 1, do C.P.C., exigir uma decisão por “convicção” e não por “intuição”).
21. Interpretar a norma exarada no artº 655º, nº1, do C.P.C., no sentido de que a livre apreciação das provas pelo tribunal colectivo desonera este órgão de enunciar a motivação e o raciocínio lógico que conduziram à sua convicção, é inconstitucional, por violar os artº s 2º (princípio do Estado de direito democrático) e 20º (direito de acesso aos tribunais) da Constituição da República Portuguesa, porque o direito fundamental de acesso aos tribunais tem inerente a proibição de indefesa e, não sendo dadas a conhecer aos litigantes as razões em que os juízes basearam a sua convicção, fica cerceada de maneira letal a sua possibilidade de aceder aos tribunais de recurso com pleno conhecimento da sua posição, por forma a poderem delinear, de forma cabal e lógica, a sua alegação.
22. Os elementos fornecidos pelo processo impõem uma resposta negativa aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, porque: a) ambos os réus negaram tais factos; b) não foi mencionado na “Fundamentação da convicção do tribunal” que os seus depoimentos não foram credíveis (pelo que a inferência lógica terá de ser que os mesmos se revelaram credíveis); c) o depoimento da testemunha Manuel Jesus Henriques não foi apto para, isoladamente, cimentar a convicção do Tribunal “a quo”; d) a regra atinente à repartição do ónus da prova vertida no artº 516º do C.P.C. impõe que, em caso de dúvida, e atento o caso vertente, tais quesitos sejam considerados não provados.
23. No que concerne aos quesitos 8º e 9º, os elementos fornecidos pelo processo impõem uma resposta negativa aos mesmos, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, pelos motivos expendidos no artigo antecedente, com a ressalva, no que concerne à alínea a), que o réu Mário (o único dos réus que sobre os factos neles inseridos foi ouvido) os negou.
24 - A matéria de facto ora impugnada é indispensável para a decisão de direito.
25 - Destarte, deverá o Tribunal “ad quem” alterar a matéria de facto inserta nos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, por forma a que os mesmos sejam considerados “não provados”.
26 - Em consequência, deverá o Tribunal “ad quem” alterar a decisão final, julgando a acção improcedente, por não provada, e absolvendo do pedido os réus e o interveniente.
27 -Na hipótese de se entender que não é aplicável, ao caso em apreço, a alínea b) do nº 1 do artº 712º do C.P.C., nesse caso deverá ser tido em consideração o conteúdo do nº 4 do mesmo preceito legal, mandando o Tribunal “ad quem” anular a decisão proferida na 1ª instância, por ser deficiente, obscura e contraditória a decisão sobre os pontos da matéria de facto acima referidos (quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória), determinando a repetição do julgamento em ordem à indagação da matéria de facto respeitante àqueles quesitos.
28 - A deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação das respostas, além de poderem ser arguidas mediante reclamação, nos termos do nº 4 do artº 653º do C.P.C., também podem sê-lo, ainda, no recurso a interpor da sentença.
29 - O artº 653º, nº 2, do C.P.C., reza o seguinte: “(...) a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, ANALISANDO CRITICAMENTE AS PROVAS E ESPECIFICANDO OS FUNDAMENTOS QUE FORAM DECISIVOS PARA A CONVICÇÃO DO JULGADOR”.
30 - A lei exige, em prol da transparência do processo e da decisão, por forma a permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, a colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente, e a possibilitar um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, que os juízes não se limitem a indicar, de forma vaga e genérica, os meios probatórios decisivos para a formação da sua convicção, mas que, ao arrepio, analisem criticamente os meios de prova produzidos e especifiquem os fundamentos que alicerçaram a sua convicção.
31 - No caso vertente, o Colectivo não fez qualquer análise crítica dos meios de prova produzidos, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tendo-se limitado a escudar-se no “benefício da imediação da prova” sem esclarecer que atitudes ou contradições dos réus detectou para extrair dos seus depoimentos o inverso do que declararam, e formulando a afirmação inane e fluida de que os depoimentos “(...) foram produzidos em relação a factos pessoais e que permitiram apurar, de forma segura, a veracidade do provado”.
32 Caso o Tribunal “ad quem” assim o entender, poderá lançar mão – isto sempre na hipótese de não considerar que é aplicável o artº 712º nº 1, do C.P.C. – do poder que lhe é conferido pelo nº 3 do artº 712º do C.P.C., determinando a renovação dos meios de prova que sejam indispensáveis para o apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada (os artigos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória).
33 Nesse caso, deverão ser novamente colhidos os depoimentos de parte dos réus e o depoimento da testemunha Manuel Jesus Henriques, no que tange a tais quesitos.
34 O Tribunal “a quo” violou, na decisão concernente à matéria de facto, os artigos 516º e 653º, nº 2, ambos do C.P.C..
35 -Não devendo ser considerados provados os factos enunciados na douta sentença recorrida e que alicerçaram a condenação dos ora apelantes como litigantes de má fé, não poderá ser-lhes aplicada essa sanção.
36 Além disso, os apelantes não foram previamente ouvidos sobre a questão da litigância de má fé.
37 Prevendo a possibilidade de condenação dos réus por litigância de má fé, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de lhes conceder um prazo para, a esse respeito, se pronunciarem, o que não fez.
38 Ao agir dessa forma, o Tribunal “a quo” violou o princípio do contraditório estabelecido no artº 3º, nº 3, do C.P.C., e os artº s 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
39 O Acórdão nº 289/02, de 03 de Julho de 2002, do Tribunal Constitucional, decidiu: “(...) b) Interpretar a norma extraída do artº 456º, nº s 1 e 2, do C.P.C., em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé depois de previamente ser ouvida a fim de se poder defender da imputação de má fé (...)”.
Termos em que
Deverá julgar-se procedente a apelação e, em consequência, deverá revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que ABSOLVA integralmente os réus e o interveniente do pedido e absolvendo-os igualmente quanto à litigância de má fé.
Somente no caso de o Tribunal “ad quem” entender não ser de absolver, para já, os réus e o interveniente, deverá anular a decisão recorrida, determinando a repetição do julgamento em ordem à indagação da matéria de facto respeitante aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, ou determinando a renovação dos meios de prova que sejam indispensáveis para o apuramento da verdade, quanto à matéria dos mesmos quesitos, devendo ser, nesse caso, colhidos novamente os depoimentos de parte dos réus e da testemunha Manuel Jesus Henriques, no que tange a tais quesitos.

Do 2º recurso:
1. O apelante impugna a decisão de facto relativa aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, vertidos na douta decisão recorrida sob as alíneas P., Q., R., S. e T. dos “Factos considerados provados”, uma vez que os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, assim se compaginando com a regra do artº 712º, nº 1, do C.P.C..
2. Os citados quesitos deverão ser considerados “não provados”, ao arrepio do que consta da decisão do Tribunal “a quo”.
3. Tais factos foram considerados provados pelo seguinte, de acordo com o que consta da decisão da matéria de facto, sob a rubrica “Fundamentação da convicção do tribunal”: “A resposta aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º resultou da conjugação dos depoimentos de parte prestados pelos réus Osvaldo Simões de Almeida e Mário Simões de Oliveira, com o benefício da imediação da prova, tendo ainda em conta o depoimento prestado em audiência por Manuel Jesus Henriques, quanto aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º, os quais foram produzidos em relação a factos pessoais e que permitiram apurar, de forma segura, a veracidade do provado”.
4. Daqui flúi, de forma hialina, que o depoimento de Manuel de Jesus Henriques, por si só, seria insuficiente para produzir no Tribunal “a quo” a convicção que o levou a considerar tais factos como provados; só o cotejo desse depoimento com os depoimentos de parte conjugados dos réus Osvaldo e Mário terá sido genético de tal convicção.
5. O Tribunal “a quo” não podia considerar tais factos como provados, atendendo aos depoimentos de parte dos réus.
6. O réu Osvaldo prestou depoimento de parte relativamente aos quesitos 1º, 4º e 5º, e o réu Mário prestou depoimento de parte relativamente aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º, sempre da Base Instrutória.
7. Daqui decorre, de forma cristalina, no que tange aos factos insertos nos quesitos 8º e 9º, que a resposta aos mesmos NUNCA poderia ter resultado da conjugação dos depoimentos de parte de ambos os réus (uma vez que um deles nem sequer foi ouvido sobre essa matéria).
8. O depoimento de parte insere-se na “prova por confissão das partes”, prevista nos artº s 552º e segs. do C.P.C..
9. O artº 352º do C. Civil determina que “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
10. Daí que o artº 563º, nº 1, do C.P.C., imponha sempre a redução a escrito de tal depoimento, na parte em que tenha havido confissão do depoente.
11. Não foi reduzido a escrito o depoimento de qualquer dos réus, o que importa, necessária e inelutavelmente, que estes não admitiram nenhum dos factos quesitados sob os números 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, que lhes são, todos eles, desfavoráveis.
12. Se os réus não admitiram tais factos, só podem tê-los negado, mantendo, a esse respeito, a posição que já haviam expressado na sua contestação.
13. Portanto, o Tribunal “a quo” deu como provado o inverso do que os réus declararam relativamente os factos ora impugnados.
14. Contudo, o Tribunal recorrido não afirmou em momento algum que os réus mentiram ao prestar depoimento, incorrendo em crime de falsas declarações, nem que os seus depoimentos não foram credíveis.
15. O artº 655º, nº 1, do C.P.C., permite ao tribunal colectivo apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
16. Essa norma não desonera os juízes de enunciar a motivação e o raciocínio lógico que conduziram à sua convicção, em respeito ao estatuído no artº 653º, nº 2, do C.P.C..
17. O Tribunal “a quo” não enunciou a motivação e o raciocínio lógico que terão conduzido à sua “convicção” de que os factos deveriam ser considerados “provados”, em flagrante oposição com o depoimento dos réus (que o próprio Tribunal reconheceu ter sido essencial para fundar tal “convicção”).
18. O artº 516º do C.P.C. do C.P.C. estabelece que “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
19. Se o Tribunal “a quo” tivesse tido dúvidas sobre os factos ora impugnados – dado que certezas, nas condições acima referidas, não nos parecem possíveis – teria de resolver a questão dando os mesmos por “não provados”, uma vez que estes aproveitavam à autora e não aos réus (ou ao interveniente).
20. Transpira da “Fundamentação da convicção do tribunal” ínsita na decisão da matéria de facto que o Colectivo não julgou por convicção – que é o “efeito que produz no espírito uma prova evidente”, a “certeza, obtida por factos ou razões, que não deixam dúvida nem dão lugar a objecção” – mas sim, quando muito, por intuição, que mais não é que um “pressentimento”, consistente numa “percepção rápida” dos factos, numa impressão, que traduz uma visão perversa e contrária à bondade de uma justiça que se pretende clara, transparente e objectiva (isto para além de o comando do artº 655º, nº 1, do C.P.C., exigir uma decisão por “convicção” e não por “intuição”).
21. Interpretar a norma exarada no artº 655º, nº 1, do C.P.C., no sentido de que a livre apreciação das provas pelo tribunal colectivo desonera este órgão de enunciar a motivação e o raciocínio lógico que conduziram à sua convicção, é inconstitucional, por violar os artº s 2º (princípio do Estado de direito democrático) e 20º (direito de acesso aos tribunais) da Constituição da República Portuguesa, porque o direito fundamental de acesso aos tribunais tem inerente a proibição de indefesa e, não sendo dadas a conhecer aos litigantes as razões em que os juízes basearam a sua convicção, fica cerceada de maneira letal a sua possibilidade de aceder aos tribunais de recurso com pleno conhecimento da sua posição, por forma a poderem delinear, de forma cabal e lógica, a sua alegação.
22. Os elementos fornecidos pelo processo impõem uma resposta negativa aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, porque: a) ambos os réus negaram tais factos; b) não foi mencionado na “Fundamentação da convicção do tribunal” que os seus depoimentos não foram credíveis (pelo que a inferência lógica terá de ser que os mesmos se revelaram credíveis); c) o depoimento da testemunha Manuel Jesus Henriques não foi apto para, isoladamente, cimentar a convicção do Tribunal “a quo”; d) a regra atinente à repartição do ónus da prova vertida no artº 516º do C.P.C. impõe que, em caso de dúvida, e atento o caso vertente, tais quesitos sejam considerados não provados.
23. No que concerne aos quesitos 8º e 9º, os elementos fornecidos pelo processo impõem uma resposta negativa aos mesmos, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, pelos motivos expendidos no artigo antecedente, com a ressalva, no que concerne à alínea a), que o réu Mário (o único dos réus que sobre os factos neles inseridos foi ouvido) os negou.
24 A matéria de facto ora impugnada é indispensável para a decisão de direito.
25 Destarte, deverá o Tribunal “ad quem” alterar a matéria de facto inserta nos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, por forma a que os mesmos sejam considerados “não provados”.
26 Em consequência, deverá o Tribunal “ad quem” alterar a decisão final, julgando a acção improcedente, por não provada, e absolvendo do pedido os réus e o interveniente, uma vez que o ora apelado não provou a existência de má fé por banda dos réus e do interveniente (artº s 612º, nº s 1 e 2, e 613º, nº 1, alíneas a) e b), todos do C.P.C.).
27 A absolvição impõe-se, mesmo na hipótese de só não se provar a má fé do interveniente, ora apelante (artº 613º, nº 1, alínea b), do C.P.C.).
28 Ora, quanto ao ora apelante, nunca poderá considerar-se provada a sua má fé, uma vez que a resposta aos quesitos pertinentes (8º e 9º - alíneas S. e T. da sentença final) só poderá ser “Não provado”, pois nunca poderia dimanar resposta diferente da conjugação dos depoimentos de parte dos réus Osvaldo e Mário (como pretende a 1ª Instância), atendendo a que o primeiro réu não foi sequer ouvido sobre essa matéria.
29 Na hipótese de se entender que não é aplicável, ao caso em apreço, a alínea b) do nº 1 do artº712º do C.P.C., nesse caso deverá ser tido em consideração o conteúdo do nº 4 do mesmo preceito legal, mandando o Tribunal “ad quem” anular a decisão proferida na 1ª instância, por ser deficiente, obscura e contraditória a decisão sobre os pontos da matéria de facto acima referidos (quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória), determinando a repetição do julgamento em ordem à indagação da matéria de facto respeitante àqueles quesitos.
30 A deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação das respostas, além de poderem ser arguidas mediante reclamação, nos termos do nº 4 do artº 653º do C.P.C., também podem sê-lo, ainda, no recurso a interpor da sentença.
31 O artº 653º, nº 2, do C.P.C., reza o seguinte: “(...) a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, ANALISANDO CRITICAMENTE AS PROVAS E ESPECIFICANDO OS FUNDAMENTOS QUE FORAM DECISIVOS PARA A CONVICÇÃO DO JULGADOR”.
32 A lei exige, em prol da transparência do processo e da decisão, por forma a permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, a colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente, e a possibilitar um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, que os juízes não se limitem a indicar, de forma vaga e genérica, os meios probatórios decisivos para a formação da sua convicção, mas que, ao arrepio, analisem criticamente os meios de prova produzidos e especifiquem os fundamentos que alicerçaram a sua convicção.
33 No caso vertente, o Colectivo não fez qualquer análise crítica dos meios de prova produzidos, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tendo-se limitado a escudar-se no “benefício da imediação da prova” sem esclarecer que atitudes ou contradições dos réus detectou para extrair dos seus depoimentos o inverso do que declararam, e formulando a afirmação inane e fluida de que os depoimentos “(...) foram produzidos em relação a factos pessoais e que permitiram apurar, de forma segura, a veracidade do provado”.
34 Caso o Tribunal “ad quem” assim o entender, poderá lançar mão – isto sempre na hipótese de não considerar que é aplicável o artº 712º nº 1, do C.P.C. – do poder que lhe é conferido pelo nº 3 do artº 712º do C.P.C., determinando a renovação dos meios de prova que sejam indispensáveis para o apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada (os artigos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória).
35 Nesse caso, deverão ser novamente colhidos os depoimentos de parte dos réus e o depoimento da testemunha Manuel Jesus Henriques, no que tange a tais quesitos.
36 O Tribunal “a quo” violou, na decisão concernente à matéria de facto, os artigos 516º e 653º, nº 2, ambos do C.P.C..
37 Não devendo ser considerados provados os factos enunciados na douta sentença recorrida e que alicerçaram a condenação do ora apelante como litigante de má fé, não poderá ser-lhes aplicada essa sanção.
38 Além disso, o apelante não foi previamente ouvido sobre a questão da litigância de má fé.
39 Prevendo a possibilidade de condenação do interveniente por litigância de má fé, o Tribunal “a quo” não poderia deixar de lhe conceder um prazo para, a esse respeito, se pronunciar, o que não fez.
40 Ao agir dessa forma, o Tribunal “a quo” violou o princípio do contraditório estabelecido no artº3º, nº 3, do C.P.C., e os artsº2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
41 O Acórdão nº 289/02, de 03 de Julho de 2002, do Tribunal Constitucional, decidiu: “(...) b) Interpretar a norma extraída do artº 456º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé depois de previamente ser ouvida a fim de se poder defender da imputação de má fé (...)”.

Termos em que
Deverá julgar-se procedente a apelação e, em consequência, deverá revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que ABSOLVA integralmente os réus e o interveniente do pedido e absolvendo igualmente o interveniente quanto à litigância de má fé.
Somente no caso de o Tribunal “ad quem” entender não ser de absolver, para já, os réus e o interveniente, deverá anular a decisão recorrida, determinando a repetição do julgamento em ordem à indagação da matéria de facto respeitante aos quesitos 1º, 4º, 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, ou determinando a renovação dos meios de prova que sejam indispensáveis para o apuramento da verdade, quanto à matéria dos mesmos quesitos, devendo ser, nesse caso, colhidos novamente os depoimentos de parte dos réus e da testemunha Manuel Jesus Henriques, no que tange a tais quesitos.
È assim que também pede Justiça.

A Apelada também veio apresentar as suas contra alegações, nas quais formulou conclusões entendidas pertinentes, pugnando pela manutenção do julgado, por entender que os recursos estão carecidos de fundamento legal.
As várias questões levantadas e que importa resolver nestes recursos:

Com base na matéria de facto considerada provada, cumpre, ora, solucionar a questão submetida a apreciação judicial, consubstanciada no pedido: verificar a existência/não existência dos pressupostos da impugnação pauliana. Esta questão, que é múltipla, como vai ver-se, haverá de conter um acervo de factos que, neste caso concreto, possa vir a satisfazer o conjunto dos requisitos legais que se mostram plasmados nos arts.610º a 613º do CC.
Nem é tarefa fácil de estabelecer, nem são assim tão sólidos os requisitos fácticos que as duas pontes a estabelecer se possam evidenciar sólidas a todas as provas.


      a) Das questões prévias a solucionar: «dos factos dados como provados» e da modificabilidade da decisão de factos, equacionadas a fls.333, 336, 354 e 357, por virtude da fundamentação das respostas à matéria da BI não reflectir o disposto no art.653º que a liberdade de julgamento do art.655º, ambos do CPC, não são satisfatórios para legitimar o despacho de fls.307?;

      b) Da renovação dos meios de prova: fls.344 e 366?;

      c) Da anulação da decisão da 1ª Instância: fls.343 e 365 (vista expressamente esta pretensão nas apelações à luz do disposto no art.712º, nº1, do CPC)?;

      d) Da litigância da má fé e da invocada falta de audição sobre essa questão, vista à luz do disposto no art.456º do CPC e da Doutrina do Ac. do TC nº289/2002, de 3.07.2002 e a sua aplicabilidade, ou inaplicabilidade ao presente caso?

      e) Qual o conjunto de normas processuais violadas, como invocam os apelantes, a fls.345 e 366 (516º e 653º, nº2, ambos do CPC)?
      Os Factos Provados nos presentes autos:

      ... dos factos assentes no Despacho do Saneamento:

      A. - 0 Banco autor a portador de quatro livranças, nos montantes de Esc. 7.400.000$00, 9.900.000$00, 2.400.000$00 e 9.800.000$00, subscritas por Alsol, Lda;
      B. - 0 pagamento destas livranças foi garantido pelo aval dos primeiros réus, que apuseram a sua assinatura na face anterior delas;
      C. - Tais livranças foram subscritas em 94.08.14, 94.08.25, 94.09.10, e 94.09.30, com vencimentos em 94.10.14, 94.11.25, 94.12.10 e 94.12.30, respectivamente, pagáveis em Faro, na agência do Banco autor, não tendo, porem, sido pagas nos respectivos vencimentos.
      D. - A fim de obter o pagamento dos seus créditos, o Banco autor instaurou contra os primeiros réus e demais co-obrigados, neste tribunal, uma acção executiva que corre termos pelo 2° Juízo Cível, sob o n° 102/97, na qual se exige o pagamento de Esc.: 37.702.906$50, de capital e juros vincendos e respectivo imposto de selo, ate integral pagamento;
      E . - 0 Banco autor é credor dos primeiros réus pela quantia referida na alínea D..
      F Tendo em vista assegurar o seu crédito, o autor diligenciou no sentido de saber que bens penhoráveis existiam em nome dos primeiros réus, tendo concluído que os mesmos foram proprietários de um imóvel e respectivo recheio e de um direito a outro im6vel, que se passam a identificar:
      a) «fracção autónoma, designada pela letra M, correspondente ao primeiro andar frente, destinado a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito no Gaveto da Rua Dr. Emiliano da Costa, n° 89 e 89-A com a Avenida de Olivença, da freguesia da Sá, concelho de Faro, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 5419-M e descrito na Conservatória do Registo predial de Faro sob o n° 2040 da freguesia da Se.
b) direito a um sétimo da fracção autónoma designada pela letra A, destinada a garagem, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no Gaveto da Rua Emiliano da Costa com a Avenida de Olivença, da freguesia da Se, concelho de Faro, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 5419-A e descrito na Conservatória do Registo predial de Faro sob o n° 2040 da freguesia da Se.
G. - Por ,escritura publica celebrada em 9 de Abril de 1996, no Cartório Notarial de Olhão, lavrada de fls. 6v° a 7v° do Livro n°230-A de notas para escrituras diversas, os primeiros réus "venderam" ao segundo réu a referida fracção autónoma designada pela letra M, alegadamente pelo preço de Esc.: 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos), assim como também todo o recheio da dita fracção, pelo preço de Esc.: 1.000.000$00.
      H. - E por escritura publica celebrada em 17 de Maio de 1996, no Cartório Notarial de Olhão, lavrada de fls. 92 a 93 do livro n°230-A de notas para escrituras diversas, os primeiros réus "venderam" ao segundo réu o referido direito a um sétimo da fracção autónoma designada pela letra A, alegadamente pelo preço de Esc.: 500.000$00 (quinhentos mil escudos);
      I. Os primeiros réus antes de a venderem, ocupavam a referida fracção "vendida" para sua habitação, nela dormindo, confeccionando as suas refeições, comendo, tratando das suas roupas, recebendo a sua correspondência, nela tendo instalado a sua residência permanente, assim como utilizavam a fracção destinada a garagem para guardarem o seu veiculo automóvel.
      J. - Depois da "venda", os primeiros réus continuaram a ocupar, para os mesmos fins, as ditas fracções, pelo menos ate 2 de Janeiro de 1997;
K. - Os primeiros réus conheciam os créditos do ora autor, referidos nas alíneas A. a D.
L - Pelas escrituras publicas de compra e venda celebradas em 13 de Novembro de 1998 e 27 de Novembro de 1998, Lavradas de fls. 30 a 32 e de fls. 86 a 87, dos Livros 141-A e 61-F, respectivamente, de notas parta escrituras diversas do 1° Cartório Notarial de Faro e do Cartório Notarial de Olhão, respectivamente, o segundo réu declarou vender ao interveniente Osvaldo Luís que declarou aceitar as vendas, pelos preços de PTE 13.000.000$00 e 600.000$00, respectivamente, os imóveis indicados nas alíneas F., (a. e b. );
M. - As escrituras referidas na alínea anterior foram realizadas depois da citação do réu M S A para a presente acção, o que ocorreu em 12 de Novembro de 1998;
N - 0 primeiro réu emitiu a favor da C G D, em 6 de Janeiro de 1997, um cheque visado de Esc.: 8.000.000$00, sobre o C P P, S.A. – F. - (cheque n° 2132640000;
O - O interveniente O L recorreu a empréstimo bancário com hipoteca e fiança para aquisição da fracção M, tendo recebido da C E M G a quantia de Esc.: 13.000.000$00 a titulo de empréstimo, para aquisição desse imóvel;

... das respostas dadas À base instrutória:

P. - Os primeiros réus e o segundo réu celebraram as escrituras de compra e venda referidas nas alíneas G. e H. dos factos assentes, no intuito do Banco autor não recuperar o seu crédito através do património dos réus devedores;
Q. - 0 segundo réu conhecia a existência dos créditos do ora autor sobre os primeiros réus. –
R. - 0 segundo réu era amigo dos primeiros réus;
S. - 0 interveniente Osvaldo Luís apenas quis com as escrituras referidas na alínea M. dos factos assentes fazer com que o ora autor não recuperasse os seus créditos através do património dos primeiros réus;
T. - Tendo agido em conluio com todos os réus;
U. - 0 réu Mário Simões de Oliveira entregou ao primeiro réu o cheque n° 158025564, do Banco Comercial Português, emitido sobre o montante de 7.700.000$00 (sete milhões e setecentos mil escudos) a ordem de Osvaldo Simões de Almeida;
V. - Esse cheque foi depositado pelo réu marido no dia 2 de Janeiro de 1997 na sua conta do Credito Predial Português, S.A. e o mesmo tinha boa provisão.;
W. - Por acordo entre os primeiros réus e o segundo réu, este permitiu que os primeiros continuassem na fracg5o da forma referida na alínea J. dos factos assentes;
X. - 0 primeiro réu marido passou algum tempo na cidade de Olhão;
Y. - Onde, quando ai se encontra, ocupa um apartamento que lhe foi emprestado por um amigo, sito na Avenida D. Bernardino da Silva, n° 66-7°-D, em Olhão;

... por confissão dos réus:

Z. - Não são conhecidos bens aos réus (art.º23ºda p.i., não impugnado pelos réus).
Em face da certidão de fls.209:
A1 – O Apelante O L G A é filho dos dois primeiros RR., também apelantes, como demonstra a certidão de nascimento junta aos autos, a fls.209, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida.
Fundamentação jurídica:
1 - As apelações vem questionar os factos dados como provados em audiência de discussão e julgamento, questões que se mostram titularmente enunciadas nas alegações de fls.333. e segs. e de fls.354 e segs..
Tal parece a convicção das apelantes em que essa matéria está mal valorada e exiguamente fundamentada, que se mostra insusceptível de convencer os recorrentes. E diremos que, em parte, até é acertada a crítica.
Em primeiro lugar, pelo simples facto do julgador ter omitido como provada a relação filial entre o quarto e os dois primeiros RR., o que poderia e deveria ter feito, nos termos do disposto no art.659º, nº3, do CPC (neste capítulo do presente Acórdão, sempre que se cite alguma norma, salvo se do contexto outra coisa resultar, estaremos a referir-nos a este diploma).
Tão crítica é a posição dos apelantes em relação à fundamentação da matéria de facto que acabam por peticionar a modificabilidade da decisão da «matéria de facto» (pags.336 e 357), que afirmam mesmo que não foi realizada a tal análise crítica das provas a que alude o art.653º, nº2, sem que com isso estejam a pretender violentar a liberdade de julgamento estabelecida no art.655º

2 - Se analisarmos o Manual do Processo Civil, do Prof. Antunes Varela (e outros), edição de 1984 (1ª ed.) no seu nº214, sob a epígrafe: “Regra da livre apreciação da prova. Os contratos probatórios”, é bem claro que aí se diz que a função do julgador (ao tempo, o Tribunal Colectivo), «tem como regra fundamental a livre apreciação da prova.»
Mas não se deixa de salientar que a resposta terá de ser dada segundo a livre convicção do julgador, aferida esta pela necessidade da motivação de tais respostas. Este princípio, herdeiro do direito romano pelas modernas legislações europeias, pese embora as diferenças entre os fundamentos do sistema francês (semelhante ao nosso) e o sistema germânico, com uma prova muito mais formal e vinculada.
Mas mesmo no nosso sistema se discute os limites dessa linha divisória e o que é e onde termina ou deixa de se poder falar em fundamentação ou falta de fundamentação (salvo se for absoluta) a essas respostas. É assim que se tem orientado a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, ou quando a fundamentação esteja em contradição entre fundamentos de factos e decisão jurídica. Só a título de exemplo referimos os Acs. da RL, de 3.11.94, T.5, p.90 da CJ; e desta mesma, de 25.05.2000, T.3, p.99.

3 - As audiências de discussão e julgamento não foram registadas em suporte magnético. Os elementos de prova dos autos são diversos, desde factos admitidos pelas partes nos articulados, factos evidenciados por meio de prova documental e factos relatados nas audiências de discussão e julgamento, não só com as declarações dos apelantes que não pretenderam confessar o factualismo em causa, até à inquirição de algumas testemunhas a depor nessas audiências.
Ora, nada mais legítimo ao julgador, que estava numa relação de imediação com todos os intervenientes processuais, o qual podia reter, não só as palavras ditas e as que se não queriam dizer, como perante a documentação dos autos e o real comportamento das partes durante alguns anos que o possam ter convencido da existência de todo esse factualismo.
Por outro lado, os apelantes, na rodinha que os bens percorreram até voltar à esfera dos mesmos parentes, não lograram convencer, nem levaram nenhuma testemunha a depor sobre a existência desse abundante património que os dois primeiros RR. dizem ainda possuir; e nem sequer requereram avaliação judicial para o demonstrar, em Juízo, do infundado do pedido do Autor.

4 - Perante todo este circunstancialismo, nem se pode concluir que as respostas dadas à matéria da BI (Base Instrutória), nem que, em face dos requisitos do nº1, e suas alíneas, se possa pôr em causa o problema nem da renovação dos meios de prova carreados para os autos; nem este Tribunal dispõe de meios processuais que o legitimem a modificar a decisão sobre a matéria de facto.
Por consequência, prejudicada fica a hipótese e pretensão dos apelantes de verem anulada a decisão da 1ª Instância e, obviamente, alterada a matéria de facto dada como provada até à audiência de julgamento, sem prejuízo do acrescento que aqui se fez do facto A1, relativo à prova da paternidade dos dois primeiros RR. em relação ao quarto deles.
Desta forma, deixamos solucionadas, pela forma negativa e em prejuízo dos apelantes, as questões equacionadas nas alíneas a), b) e c) de fls.14 deste Acórdão.

Os requisitos para a procedência de uma acção desta natureza, estão bem plasmados nas normas dos arts.610º a 613º do Cciv (deste diploma serão as normas que se citem sem indicação de outra sede, salvo se, do contexto, resultar o contrário). Esse conjunto de requisitos, estão especialmente especificados nas alíneas do art. 610º, sem prejuízo da definição das regras do ónus de prova constante do art.611º.
Por seu turno, o art. 612º vem pôr a claro o que se entende por requisitos de má fé num acto desta natureza. Estamos em sede de direito substantivo, e não temos que nos apegar cegamente à definição do conceito de litigância de má fé que vem definida no art.456º, nº2 do CPC. Não significa isto que não subjaza um conceito de censura em qualquer uma das condutas. O que compete dizer, no caso dos presentes autos, é que o requisito da má fé do adquirente de bens, em acto oneroso, em concordância com o seu alienante constitui um dos requisitos essenciais para que se possa dar como verificada essa situação bem tipificada juridicamente. Ou estão lá esses requisitos e procede a pretensão do autor, cuja prova, na maior parte das vezes lhe incumbe; ou não se verificam esses requisitos ou só se verificam parte deles e a acção não ganha procedência.
      Assim, compra e venda impugnada pela autora só obtém relevância, caso se verifiquem, «in casu», os requisitos enunciados de seguida, previstos no art. 610º do Código Civil (CCiv):
      a) - ser o credito anterior ao contrato impugnado;
      b) ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
      c) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade;

      Por força do disposto no art. 612°, 1,CCiv. impõe que "o acto oneroso só esta sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé", esclarecendo o n°2 do mesmo artigo que se entende por má fé "a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor - ou seja, basta a má-fé psicológica, como vem sustentado, nomeadamente, pelo Ac. STJ, de 81.02.12, «in» BMJ 304",-358.
      Como refere Vaz Serra, «in» RLJ, 111°,-156, nota 2, "Sendo a título oneroso e de boa fé a aquisição, não há lugar a acção pauliana.

      Considerando a matéria de facto provada, em especial o conjunto factual das alíneas P, Q, R, S, T e o que emerge do facto A1, não restam dúvidas que se mostram preenchidos os requisitos da acção pauliana, porque sendo os actos onerosos - tendo por outorgantes os réus e ainda, numa segunda transmissão do direito de propriedade, o interveniente - posteriores ao crédito da sociedade anónima autora, esta provou que as vendas foram efectuadas dolosamente, com o intuito de impedir a satisfação do seu crédito, o que os réus e o interveniente efectivamente alcançaram, porque não são conhecidos outros bens aos réus devedores.

      Se é certo que os primeiros RR. vêm invocar que tinham muitos outros bens para satisfazer, sobejamente o crédito da Autora, isso é que não logrou demonstrar, ou pela via documental, ou pela via pericial da avaliação em fase de instrução a anteceder a audiência de discussão e julgamento.
      Assim, o que consta das alegações de uma e outra das apelações não passa de falácias processuais.
      Assim, torna-se evidente que os apelantes actuaram de forma dolosa para retirarem ao credor a possibilidade de satisfazer seu crédito e infringiram, sem dúvida, a norma do art. 612º, nº1 e 2.
      Da litigância de má fé:

      Nos termos do disposto no art. 456° do Código de Processo Civil, diz-se litigante de ma fé quem, com dolo ou negligencia grave:
        a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
        b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
Tendo-se provado, designadamente, que «Os primeiros réus e o segundo réu celebraram as escrituras de compra e venda referidas nas alíneas G. e H. dos factos assentes, no intuito do Banco autor não recuperar o seu crédito através do património dos réus devedores.» e «0 interveniente, filho dos primeiros RR.,Osvaldo Luís, apenas quis com as escrituras referidas na alínea M. dos factos assentes fazer com que o ora autor não recuperasse os seus créditos através do património dos primeiros réus», «Tendo agido em conluio com todos os réus», o que foi impugnado pelos réus e pelo interveniente nos seus articulados, resulta manifesta a ma fé destes, a luz do preceito legal acima reproduzido.

Invocar falta de audição das partes sobre esta questão da litigância de má fé parece mesmo assunto divertido. Como já acima se disse, essa conduta era um dos pilares da procedência da lide. E os contestantes, logo os primeiros contestantes se aprestaram a afirmar que não se verificou qualquer conduta caracterizadora da litigância de má fé. Vir agora, nova e repetitivamente insistir em tal facto sé serve para se poder aquilatar da vontade dos apelantes em levantar estorvos à rapidez e à realização da Justiça. Mas deixemos «esse lapso» dos apelantes de lado que não merece mais considerações.

Ora, ponderando que, em sede de lei substantiva ficou demonstrada a conduta caracterizadora da litigância de má fé, só resta saber se existe norma que penalize uma tal conduta, à margem das consequências da ineficácia da conduta dos RR. face à credora que se propôs fazer uma tal prove, como veio a verificar-se que foi isso mesmo que sucedeu.
Essa norma existe no nº2 do art.456º, alíneas a) e d) do CPC.
Ponderando a elevada intensidade dolosa dos litigantes de ma fé, a cadeia de actos que congeminaram para tornar, quase impossível, a descoberta da verdade, o valor e a natureza da causa e a gravidade dos riscos económicos em causa, fixa-se a multa respectiva em 35 (trita e cinco) UC's, ao abrigo do disposto no art. 102°, a), do Código das Custas Judiciais.

Das normas violadas, como invocam ambas as apelações: arts.516º e653º, nº2, do CPC, fls.345 e 366:
Esta questão já está esvaziada de conteúdo com a solução que se resumiu na questão prévia e que englobou as alíneas a), b) e c) das questões a solucionar.
Em primeiro lugar, pelas explicações e implicações que a leitura e interpretação do nº2 do art. 653º contém com a do art. 655º do mesmo diploma.
Em segundo lugar, por se ter concluído que a decisão sobre a matéria de facto, não era destituída de fundamento. Se nos perguntam se aquela fundamentação constitui uma peça processual acabada, diremos que é imperfeita. Mas contém o mínimo dos mínimos para que se possa compreender, sem nela se surpreenderem contradições ou lacunas insuperáveis, como a jurisprudência já citada e muita outra, mesmo do STJ, vem decidindo.
Por isso, tem de se dizer que a norma do art.516º é aqui inócua para fundamentar crítica legal a tal despacho.
Nesse particular não podem proceder as apelações.
Por tudo isto, se conclui que as conclusões formuladas pelos apelantes não merecem o nosso acolhimento, não contendo mérito para suportar as questões acima equacionadas e delas emergentes, o que reconduzirá à rejeição de ambas as apelações.
Decisão:

Em consequência de tudo quanto se expôs, os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em rejeitar ambas as apelações, confirmando a decisão recorrida

Évora, 13/05/2004.

(José Teixeira Monteiro)
(Bernardo Domingos)
(Sérgio Abrantes Mendes).