Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
359/97.5TBLLE.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
CONSENTIMENTO PRÉVIO DO ARGUIDO
INÍCIO DO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: 1. Tendo o julgamento decorrido em 1.ª instância na ausência do arguido que, sendo residente fora do território nacional, deu o seu consentimento prévio a que a audiência de julgamento decorresse sem a sua presença, o curso do prazo de interposição de recurso relativamente ao acórdão que o condenou, não exige a respectiva notificação, nos termos do art. 113.º, n.º9 do CPP, bastando, para o efeito, que o mesmo seja notificado na pessoa do defensor oficioso que lhe foi nomeado e que o patrocinou no decurso do julgamento e que também esteve presente audiência em que teve lugar a publicação do acórdão, iniciando-se com o depósito do acórdão na secretaria o curso do referido prazo.

2. Esta interpretação não viola as garantias de defesa do arguido consagradas no art. 32.º da CRP. [1]
Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos autos supra mencionados foi proferida a seguinte decisão sumária:

«I – Relatório.

Nos autos de processo com o número acima referido do 1.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, o arguido MB foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo, pela prática en co-autoria material e em concurso real, de dois crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, alin. a) do CP (na forma consumada e continuada), dois crimes de abuso de confiança, um p. e p. pelo art. 205.º, n.º1 e 3 e outro, p. e p. pelo art. 295.º, n.º4, alin. a), ambos do CP.

Realizado o julgamento, que decorreu sem a presença do arguido, que tem a sua residência em Londres, Reino Unido, e que autorizou expressamente que o julgamento se fizesse na sua ausência (cf. fls.1210), o tribunal colectivo do Circulo de Loulé, por acórdão publicado no dia 28 de Abril de 2010, e nessa mesma data depositado, deliberou condenar o arguido, pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de dois crimes continuados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art. 265.º, n.º1, alin. a) e 30.º, ambos do C. Penal, e por cada um deles, na pena de três anos de prisão, e pela prática de dois crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205.º, n.º1, um deles agravado pelo n.º4, do C. Penal, nas penas, respectivamente, de um ano e três meses de prisão e dois anos e seis meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das referidas penas, aquele tribunal condenou o arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão.

O arguido esteve representado em julgamento por defensor oficioso, que esteve presente quer na audiência em que decorreu a produção de prova, quer naquela em que teve lugar a publicação do acórdão.

Em 28 de Abril de 2010 foi expedida carta ao arguido, notificando-o do teor do acórdão (cf. fls.1255), que lhe foi entregue em 3 de Maio de 2010.

Não conformado, o arguido, através de advogado que constituiu, veio, por requerimento enviado, por fax, no dia 7 de Junho de 2010, interpor recurso para esta Relação visando a reapreciação da prova gravada, nos termos constantes de fls.1260 a 1305.

O Ministério Público, em 1.ª instância, respondeu ao recurso nos termos constantes de fls.1365 a 1369, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

O recurso foi admitido a fls.1371, com subida imediata, nos próprios e com efeito suspensivo.

Nesta instância de recurso, a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer a fls.1379, suscitando, como questão prévia, a rejeição do recurso, por extemporaneidade, referindo, no essencial, o seguinte:

“O julgamento do arguido MM decorreu na ausência deste, mas com o seu consentimento (art. 334.º, n.º2 do CPP), sendo representado para todos os efeitos pelo seu defensor (n.º 4 do art. 334.º do CPP), que também esteve presente à leitura do acórdão, ocorrida em 28/04/2010, pelo que o arguido tem de considerar-se notificado do mesmo nessa data, nos termos do e 373.º, n.º3 do CPP.

E o acórdão foi depositado na Secretaria também na data de 28/04/2010.

Assim sendo, nos termos do art.411º n.º1, al. b) e nº 4, o arguido dispunha do prazo de 30 dias a contar do depósito do acórdão para interpor recurso, impugnando a prova gravada, prazo esse que terminava em 28/05/2010 sem multa, ou em 02/06/2010 com a multa a que alude o art. 145.º no 5 do CPC. Ora o arguido recorrente só em 07/06/2010 é que interpôs o recurso, pelo que o mesmo é extemporâneo, devendo ser rejeitado nos termos do art. 414.º nº 2 do CPP, o que se promove.”

Foi cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP, vindo o arguido a usar do direito de resposta, como segue:

“1 - Salvo douta opinião em contrário, o entendimento do digníssimo procurador Adjunto eclipsou o disposto no n° 9 do art° 113° do Código de Processo Penal.

2- Dispõe aquele n° 9 do art° 113° do Cód. Proc. Penal que "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, (...) as quais, porem, devem igualmente ser notificadas ao advogado e ao seu defensor. (Sublinhado nosso)

3 - A interpretação daquele n° 9 do art° 113° do CPP é clara ao dizer que a Sentença deve igualmente ser notificada ao defensor e advogado, ou seja, para além da obrigatoriedade ressalvada de notificação ao sujeito processual também deve ser notificado o seu advogado ou defensor.

4 - Aquele n° 9 do art° 113° do CPP não prevê uma faculdade mas uma obrigatoriedade sob pena de nulidade.

5 - Veja-se aliás o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código Processo Penal -2ª edição actualizada - pág. 289 onde refere no ponto 6. da anotação ao art° 113° que: refere" O art° 113° resolve também uma outra questão: a do critério da notificação dos advogados. A lei estabelece três situações diferentes:

a. Decisões relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, medidas de coação e de garantia patrimonial, pedido de indemnização civil: elas devem ser feitas aos sujeitos processuais por ela visados e aos respectivos advogados, valendo a data da última notificação (ou a do sujeito ou do seu advogado) como termo inicial de qualquer prazo para a prática de acto processual subsequente.

b. Todas as demais decisões que visem o arguido, assistente ou parte civil representada por advogado: elas devem ser notificadas aos advogados dos sujeitos processuais por ela visados por exemplo, a notificação para pagar a taxa de justiça devida pela interposição de recurso só tem de ser feita ao advogado, como conclui o acórdão do TRP de 30.06.2004 n C J XXXIX, 3, 221)

c. Todas as demais decisões que visem o arguido ou a parte civil não representada por advogado: e/as devem ser notificadas aos próprios visados.

4 - Parece esquecer-se o Digníssimo M.P. que o Código de Processo Penal presentemente impõe um regime obrigatório de notificação ao arguido da Sentença - art° 113º n° 9 do Cód de Proc. Penal, regime das notificações este bem distinto da matéria da representação na ausência.

5 - O Arguido estava no estrangeiro, foi notificado da douta Sentença e foi a partir dessa data que se procedeu à contagem do prazo, que se apresenta tempestivo para todos e os devidos efeitos.

7 - Termos em que deve ser considerado tempestivo o recurso apresentado pelo ora arguido.”

Efectuado o exame preliminar, o relator manifestou o entendimento de que o recurso era de rejeitar por ter sido interposto fora do prazo, como referido pela Exma. Magistrada do Ministério Público no seu parecer.

II – Fundamentação

A questão a delucidar é a de saber se, tendo o julgamento sido realizado sem a presença do arguido, o qual, por razões que terão a ver com a sua vontade e conveniência, abdicou de um direito, o de estar presente em julgamento e defender-se de viva voz, caso não pretendesse exercer o direito de remeter-se ao silêncio, e expressamente autorizou que o julgamento se fizesse na sua ausência, se impõe ou não a notificação àquele do acórdão proferido, nos termos do art. 113.º, n.º9 do CPP, só então se marcando o “dies a quo” do prazo de interposição de recurso.

O julgamento na ausência teve consagração na Lei Fundamental a partir da 4.ª revisão da CRP com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.

Estabelece o artigo 32.º, n.º 6: «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento».

Como expendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista, volume I, pág. 523: «O n.º 6, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/97, pretende dar guarida constitucional à dispensa do arguido ou acusado em actos processuais, designadamente a audiência de julgamento, permitindo o julgamento na ausência do arguido».

Consignam os Autores que «a Constituição condiciona a legitimidade destes actos à observância dos direitos de defesa. Entende-se por direito de defesa, nestes casos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em segunda data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, o direito de requerer e consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, o direito a defensor».

A nível de lei ordinária importa convocar para a presente questão o conjunto das normas dos artigos 113.º (na parte que ora interessa, a nova redacção de 2000 apenas operou a alteração de numeração, passando os n.ºs 3 a 10 para 5 a 12), 332.º, 333.º, e 334.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2001, e artigos 373.º, n.º 3, e 411.º n.º 1, do mesmo Código, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, intocados na versão de 2000, sendo o último alterado com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.

Estabelecem tais preceitos:

Artigo 113.º, n.º 9 (ex - n.º 7)

As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, á decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.”
Artigo 332.º:

“1 – É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, e 334.º, n.ºs 1 e 2.

Artigo 333.º:

1 – Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.

2 – Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida na s alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, a as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º.

3 – No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2.

4 – O disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do artigo 334.º, n.º 2.

5 – No caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.

6 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116.º, nºs 1 e 2, e 254.º e nos nºs 4 e 5 do artigo seguinte.

Artigo 334.º:

1. (…)
2. Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.

3. Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência, se isso for necessário;

4 – Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.

5. (…)

6. Fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente;

Artigo 373.º:
1. (…)

2. (…)

3 – O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.

Artigo 411.º

1 – O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:

a) A partir da notificação da decisão;

b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;

c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

2. (…)
3. (…)

4. Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.

5. a 7. (sem interesse).

Exposto o quadro legal aplicável e revertendo ao caso concreto, tendo presente as ocorrências mencionadas no relatório desta decisão, importa referir o seguinte:

De facto o art. 113.º do CPP, com a epígrafe de “regras gerais sobre as notificações”, estabelece no seu n.º 9 que as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial (…) , devem ser feitas não só ao arguido, mas também ao advogado ou defensor nomeado, contando-se o prazo para a prática do acto processual subsequente a partir da data da notificação efectuada em último lugar.

Mas há que conjugar este preceito com o que dispõem os art.332.º, 333.º, 334.º n.º2, 4 e 6 e 373.º, n.º3 do CPP.

O artigo 332.º, n.º 1 do CPP e no que respeita à presença do arguido na audiência estipula que “é obrigatória a presença do arguido na audiência sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2, do art. 333.º, e nos nºs 1 e 2 do art. 334.º.”

Como referido no acórdão do TC n.º 1183/96, de 20-11-1996, processo n.º 268/94-2ª secção, in DR, II Série, n.º 36, de 12-02-1997, o arguido tem o direito-dever a ser ouvido e a assistir ao julgamento. Só estando presente terá forma de ele próprio contribuir para a observância dos princípios da imediação da prova, pressuposto da obtenção da verdade material, e do contraditório, em suma, das garantias de defesa, com dação de elementos conducentes a um conhecimento da personalidade do arguido tão completo quanto possível, para que o juiz, que o julga, o possa conhecer.

Para além dos direitos e deveres especificados na lei, impende sobre o arguido o ónus de participar, pois só com uma efectiva participação se poderá alcançar o exercício pleno do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, 2ª parte, da Constituição, a que está subordinada a audiência de discussão e julgamento.

Portanto, a nossa lei consagra como regra e, em obediência à nossa Constituição, a regra da presença do arguido em audiência. As excepções admitidas são as que se encontram previstas nos nºs 1 e 2 dos art. 333.º e 334.º do CPP.

Para o julgamento na ausência do arguido, por iniciativa deste, rege o art. 334º, nºs 2 do C. Processo Penal. Assim, quando o arguido esteja praticamente impossibilitado de comparecer na audiência de julgamento, pode requerer ou consentir que ela tenha lugar na sua ausência (nº 2).

A lei indica três situações em que tem por verificada a aquela impossibilidade prática – idade [excessiva], doença grave ou residência no estrangeiro – mas trata-se de uma enunciação não taxativa como claramente decorre da utilização do advérbio «nomeadamente». Mas se o tribunal considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, podendo interromper a audiência, quando necessário (n.º3).

O arguido MM, que tem a sua residência no Reino Unido, após ter sido notificado do despacho que designou dia para julgamento, veio autorizar a realização da audiência de julgamento na sua ausência (cf. fls.1210 e 1211), o que lhe é consentido pelo n.º2 do art. 334.º do CPP, vindo esta a ser realizada sem a presença do mesmo, que foi representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu Exmo. Defensor nomeado, que esteve presente na data da publicação do acórdão que teve lugar no dia 28 de Abril de 2010 (cf. acta de fls1252 e n.º4 do art. 334.º do CPP), data em que o acórdão foi também depositado (fls.1254).

Por expressa exclusão legal (“Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2”), não é aplicável o regime do n.º 6 do artigo 334.º, correspondente ao n.º 5 do artigo 333.º, todos do CPP, pelo que não havia que notificar o arguido nos termos e para os efeitos prevenidos em tais preceitos.

Assim, a notificação enviada ao arguido, depois deste ter sido notificado na pessoa do respectivo defensor oficioso, para lhe comunicar o teor do acórdão, não pode valer para o efeito de protelar o início do prazo de interposição do recurso para a data em que o arguido recebeu a comunicação do tribunal no seu domicílio no estrangeiro.

Como refere o Professor Pinto de Albuquerque, no Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em anotação ao art. 373.º do CPP, “ A disposição do artigo 373, n.º3 constitui uma norma complementar do regime de notificação previsto pelos artigos 113, n.º9, 333, nºs 1, 2 e 5, 334, nºs 2 e 4, 332, nºs 5 e 6, e 325, nºs 4 e 5”, pelo que se o arguido esteve ausente da audiência nos termos do art. 334, n.º2 e da leitura da sentença ou acórdão, mas o seu defensor esteve presente na leitura da sentença ou acórdão, o arguido e o defensor devem considerar-se notificados e o prazo para a interposição do recurso inicia-se com a notificação ao defensor.

Salienta ainda o mesmo Mestre, obra e local citado:

A decisão de interposição do recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (art. 64, n.º1, alin. d), e a jurisprudência do TEDH citada em anotação ao art. 62), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor, mas o arguido esteve na audiência de julgamento (art. 373, n.º3) e, mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma conduta voluntária (art. 325, n.ºs 4 e 5, 332, n.ºs 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (art. 334 n.º2 e 4). Nestes casos, o arguido é representado para todos os efeitos legais pelo seu defensor, incluindo para efeitos da notificação da sentença penal, fixando-se o início do prazo legal para o recurso na data da notificação do defensor.

O conjunto normativo fixado nos art. 373 n.º3, 332, n.ºs 5 e 6, e 334, nºs 2 e 4 do CPP, interpretado neste sentido, não viola, pois, a Constituição da República. (sublinhado e itálico do relator).

O TC já teve ocasião de se pronunciar sobre questão idêntica, no seu aresto n.º 378/2003, de 15 de Julho, onde decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 373º, n.º 3, do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, do Código de Processo Penal (actual n.º 9 do artigo 113º), ambos na redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido”.

Em conclusão, e salvo o devido respeito e melhor justiça, o acórdão recorrido têm-se por notificado ao arguido com a leitura do mesmo perante o defensor que então o patrocinava.

O arguido dispunha de 30 dias para a interposição de recurso visando a reapreciação da prova gravada, que se conta a partir do depósito do acórdão na secretaria do tribunal recorrido (art. 411.º, n.º1, alin. b) do CPP).

Como o acórdão foi depositado na secretaria no mesmo dia da sua publicação, ou seja, no dia 28-04-2010, pelas 16,30 horas, o dito prazo, cuja contagem não sofreu qualquer interrupção ou suspensão, terminou no dia 28 de Maio de 2010 (art.ºs 104.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 144.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Todavia, o arguido poderia ainda interpor o recurso nos três dias úteis subsequentes, ou seja, até ao dia 2 de Junho de 2010 mediante o pagamento de multa, faculdade que lhe é conferida pelos art.ºs 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Sucede que também não o fez dentro desse prazo suplementar, nem invocou justo impedimento.

Assim sendo, a interposição de recurso, a 7 de Junho de 2010, terá de ser considerada extemporânea, como acertadamente afirmou no seu parecer a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta nesta Relação.

A admissão do recurso pelo tribunal recorrido não vincula este Tribunal (art. 414.º, n.º3 do CPP.

Assim, e pelo sumariamente exposto, entendemos que o recurso interposto pelo arguido deve ser rejeitado, por extemporaneidade.

Uma vez que o recurso é rejeitado, deve o recorrente pagar além das custas (cf. art. 513.º e 514.º do CPP e 87.º, n.º1, alin. b) do CCJ), uma importância entre 3 e 10 UC (n.º 3 do artigo 420.º do Código de Processo Penal).

III – DISPOSITIVO.

Face ao exposto, atento o disposto no artigo 417.º, n.º 6, alin. b) do Código de Processo Penal revisto, decido:

a) Rejeitar, por ter sido interposto fora do prazo, o recurso do arguido MM.

b) Condenar o recorrente em 3 UC de taxa de justiça, a que acresce condenação no pagamento de importância equivalente a 3UC, nos termos do n.º3, do art.420.º do CPP.(…)»

Notificado desta decisão sumária, veio o arguido dela reclamar para a conferência [2]nos termos do disposto nos art. 417.º n.º6 e 419.º, n.º3, alin. a) do CPP, requerendo que o recurso seja considerado tempestivo, alegando, para o efeito o seguinte:

«1. A decisão sumária proferida nestes autos fundamenta-se essencialmente na consideração de que o recurso apresentado pelo arguido perante o Tribunal da Relação de Évora foi extemporâneo.

2. A decisão sumária questionada, com todo o devido respeito, revela-se claramente apressada e de ainda mais chocante ligeireza na apreciação da questão, merecendo, por isso, a absoluta discordância do arguido.

3. Com efeito, e salvo o douto entendimento em contrário, a não admissão do recurso, constitui grave violação dos princípios constitucionais que impõe ao processo criminal assegurar todas as garantias de defesa do arguido, concretamente o que se dispõe no artigo 20°, 29°,32°, 202° e 205° da CRP e até o que se dispõe no artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

4. A decisão sumária aqui questionada, com todo o devido respeito enferma de todos os vícios apontados, estando ferida da apontada inconstitucionalidade e de total ilegalidade que se deixam, desde já, invocadas para todos os legais efeitos.

5. Alicerça-se o, Exmo. Senhor Juiz relator, para fundamentar a sua decisão, na tese minimalista e minoritária, que defende não ser inconstitucional a "fixação do inicio do prazo para interpor recurso da sentença no dia da leitura da sentença condenatória se o mandatário do arguido esteve presente, mas o arguido não esteve presente justificadamente (...)" in Comentário do Código Processo Penal -2° edição actualizada — Paulo Pinto de Albuquerque.

6. Contudo, e salvo o devido respeito, não atentou o Exmo. Senhor Juiz relator, na existência de mais duas teses, as quais têm sido maioritariamente adoptadas pelo Tribunal Constitucional.

7. Referimo-nos pois, á tese com promissória e á tese maximalista.

8. Aqueles que defendem a primeira, ou seja a tese compromissória, fazem "uma interpretação conforme á Constituição do novo regime do CPP no sentido de que o inicio do prazo de interposição do recurso da sentença deve ser notificado apenas no dia da notificação pessoal da sentença condenatória ao arguido ausente na audiência de julgamento e na leitura da sentença, independentemente dos motivos que determinaram a ausência e se os mesmos são ou não justificados". In Comentário do Código Processo Penal -2° edição actualizada -Paulo Pinto de Albuquerque.

9. Nesta senda, veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2005, que decidiu "interpretar as normas do n.º1 do artigo 411° e do n.°5 do artigo 333° do Código de Processo Penal no sentido de que o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não do depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis".

10. Por seu turno, a tese maximalista, defende que "não são constitucionalmente admissíveis a fixação do inicio do prazo para interposição de recurso da decisão condenatória com a notificação ao defensor, independentemente da notificação pessoal ao arguido (...)”. in Comentário do Código Processo Penal -2° edição actualizada — Paulo Pinto de Albuquerque.

11. Com efeito, postula esta teoria que nos processos de natureza criminal, "o inicio do prazo de interposição e motivação do recurso depende sempre, ("em qualquer caso") de o arguido ter tido "conhecimento efectivo" da decisão e da "oportunidade do arguido poder perante esse conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso", devendo para esse efeito o arguido ser sempre notificado pessoalmente daquela decisão. Portanto, tenha a o arguido estado na audiência de julgamento ou não, ele deve ser notificado da sentença lida na sua ausência."in Comentário do Código Processo Penal -2° edição actualizada - Paulo Pinto de Albuquerque.

12. Com efeito, defende esta corrente um princípio de oportunidade de acesso pessoal, conhecimento efectivo e objectivo do arguido ao teor da sentença/acórdão que foi proferido.

13. Pois só assim, pode o arguido preparar e organizar convenientemente a sua defesa.

14. Na realidade, "dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os Réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.°l do artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa, pois os interessados vêem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso." Acórdão do Tribunal Constitucional n. ° 199/86.

15. A douta decisão não atentou ao regime das notificações consagrado no artigo 113° do Código de Processo Penal.

16. Entende este douto tribunal que tendo o arguido, após notificação da data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, consentido em que o mesmo se realizasse na sua ausência, "foi representado para todos os efeitos possíveis pelo seu Exmo. Defensor nomeado, que teve presente na data da publicação do Acórdão que teve lugar no dia 28 de Abril de 2010". (sublinhado e negrito nosso).

17. Entende ainda, este Tribunal que "por expressa exclusão legal, não é aplicável o regime do n.°6 do artigo 334°, correspondente ao n.°5 do artigo 333°, todos do CPP, pelo que não havia de notificar o arguido nos termos e para os efeitos prevenidos em tais preceitos".

18. Está o Recorrente/arguido em crer, e sempre salvo douta opinião, que o Tribunal fez uma interpretação errónea do artigo 334° n. °2 conjugado com o artigo 113°.

19. Dispõe o artigo 334° n. °2 que o arguido pode recorrer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.

20. Estabelecendo o n.°4 que, sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor.

21. Contudo não se pode esquecer que existem direitos pessoalmente reservados ao arguido e que só pelo arguido podem ser exercidos.

22. Com efeito, o arguido pode retirar eficácia a qualquer acto realizado no âmbito da defesa,

23. Pode inclusivamente o arguido, sendo um direito que lhe assiste, constituir um novo mandatário, o que aconteceu no caso sub judice.

24. Entende o arguido, que só com a notificação da sentença/acórdão é que tem um conhecimento cabal do seu conteúdo e só nessa altura pode, ponderadamente decidir se deve ou não recorrer.

25. Pelo que não se afigura conforme à Constituição o entendimento de que o prazo para a interposição de recurso corra antes da notificação da sentença ao arguido,

26. Tanto mais que, o n. °9 do artigo 113° da C.P.P consagra a obrigatoriedade de notificação da sentença, sendo que tal omissão constitui nulidade insuprível.

27. O objectivo do legislador ao alargar o leque dos motivos pelos quais o julgamento pode ser realizado na ausência do arguido, não foi, salvo melhor entendimento coartar os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados.

28. Como se depreende do referido preceito legal, existem momentos e actos processuais que o legislador impôs que fossem notificados pessoalmente aos arguidos, sem prejuízo de igual notificação aos seus advogados ou defensores.

29. e essa imposição de notificação pessoal aos arguidos visa sobretudo salvaguardar a garantia de dar conhecimento efectivo aos arguidos para não lesar o exercício do seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32° n.°l da CRP, pelo menos nos momentos e actos mais significativos cujo desconhecimento efectivo poderia resultar na preterição dessa garantia fundamental.

30. Estando em causa direitos, liberdades e garantias, mormente a liberdade de um cidadão, não se compadecem com menos do que uma certeza absoluta e eficaz garantia de todos os direitos de defesa do arguido.

31. Não pode ter acolhimento, por ser inconstitucional, o entendimento de que o arguido "foi representado para todos os efeitos possíveis pelo seu Exmo. Defensor nomeado", uma vez que, e não obstante todos os deveres deontológicos que sobre o defensor recaem que o devem levar a comunicar ao arguido o resultado da sentença, se tal comunicação, não for efectivamente levada a efeito, ficam prejudicados os mais elementares direitos de defesa do arguido.

32. Em tal situação, fica o arguido a desconhecer totalmente as razões quer de facto quer de direito que levaram a que fosse condenado, inclusivamente da pena que lhe foi imposta.

33. Entende o ora recorrente, que só após a notificação ao arguido é que se pode afirmar com segurança que o arguido tem conhecimento da sentença e, por isso, só a partir desse momento é que pode decidir livre e sustentadamente que quer recorrer. Só assim ficam preservados os seus direitos de defesa, garantindo-lhe o conhecimento da sentença proferida e permitindo-lhe reagir contra a mesma.

34. Caso assim não fosse, estar-se-ia "a ficcionar uma realidade, já que nada garante que tal conhecimento tenha efectivamente ocorrido". - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.10.04.

35. Por força do disposto no n.°6 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, a dispensa da presença do arguido na audiência de julgamento pressupõe que o regime legal estabelecido assegure, em termos bastantes, o direito de defesa do ausente.

36. Salvo douta opinião em contrário, "não assegura suficientemente as garantias de defesa e de direito ao recurso um regime que se traduzisse em dispensar a notificação da sentença condenatória ao arguido, julgado na sua ausência, bastando-se com a notificação de tal decisão ao respectivo defensor, e contando-se a partir desta a dedução dos subsequentes meios impugnatórios, consentidos no caso de julgamento na ausência". - Acórdão do Tribunal Constitucional n. °278/03.

37. "Deveria Tribunal interpretar os preceitos desaplicados na decisão reclamada, como consagrando a necessidade de a decisão condenatória ser notificada ao arguido ausente, de forma a ser-lhe facultado o conhecimento da decisão contra ele proferida, contando-se de tal notificação o prazo para a dedução dos meios impugnatórios legalmente e constitucionalmente consagrados ao ausente". - Acórdão do Tribunal Constitucional n. °278/03.

38. A interpretação feita no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento e não esteve presente na leitura da sentença pudesse ser notificado da mesma na pessoa do seu defensor, viola o artigo 32° n. °l da CRP, que assegura todas as garantias de defesa e o direito ao recurso.

39. Também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.°274/03, vai no sentido da "necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou ser requerido novo julgamento".

40. Salvo douta opinião em contrário, o entendimento plasmado na decisão sumária eclipsou o disposto no n° 9 do art° 113° do Código de Processo Penal, a partir de " Ressalvam-se "

41. Dispõe aquele n° 9 do art° 113° do Cód. Proc. Penal que " As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor o advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, designação do dia para julgamento, e à sentença, (...} as quais, porem, devem igualmente ser notificadas ao advogado e ao seu defensor. (Sublinhado nosso)

42. A interpretação daquele n° 9 do art° 113° do CPP é clara ao dizer que a Sentença deve igualmente ser notificada ao defensor e advogado, ou seja, para além da obrigatoriedade ressalvada de notificação ao sujeito processual também deve ser notificado o seu advogado ou defensor.

43. Aquele n° 9 do art° 113° do CPP não prevê uma faculdade mas uma obrigatoriedade sob pena de nulidade.

44. Veja-se aliás o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código Processo Penal -2° edição actualizada - pág. 289 onde refere no ponto 6. Da anotação ao art° 113° que: refere" O art° 113° resolve também uma outra questão: a do critério da notificação dos advogados. A lei estabelece três situações diferentes:

a) Decisões relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, medidas de coação e de garantia patrimonial, pedido de indemnização civil: elas devem ser feitas aos sujeitos processuais por ela visados e aos respectivos advogados, valendo a data da última notificação (ou a do sujeito ou do seu advogado) como termo inicial de qualquer prazo para a prática de acto processual subsequente.

b) Todas as demais decisões que visem o arguido, assistente ou parte civil representada por advogado: elas devem ser notificadas aos advogados dos sujeitos processuais por ela visados (por exemplo, a notificação para pagar a taxa de justiça devida pela interposição de recurso só tem de ser feita ao advogado, como conclui o acórdão do TRP de 30.06.2004 n CJXXXIX, 3, 221)

c) Todas as demais decisões que visem o arguido ou a parte civil não representada por advogado: elas devem ser notificadas aos próprios visados.

45. Parece esquecer-se o Tribunal que o Código de Processo Penal presentemente impõe um regime obrigatório de notificação ao arguido da Sentença - art° 113° n° 9 do Cód de Proc. Penal, regime das notificações este bem distinto da matéria da representação na ausência.

ALIÁS,

46. bem andou o Tribunal Judicial de Loulé que, cumprindo o que determina aquele artigo 113° n° 9 do CPP, procedeu à notificação do Acórdão ao arguido, em 28 de Abril de 2010, ( fls 1255) que lhe foi entregue em 3 de Maio de 2010.

47. Ora, foi a partir dessa data que o arguido teve conhecimento da decisão condenatória contra si e que se pode afirmar com segurança que o arguido teve conhecimento da sentença e, por isso, só a partir desse momento é que pode decidir livre e sustentadamente que quer recorrer.

48. Só assim ficam preservados os seus direitos de defesa, garantindo-lhe o conhecimento da sentença proferida e permitindo-lhe reagir contra a mesma. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.10.04.

MAS HÁ MAIS,

49. O Arguido apresentou as suas alegações de Recurso, e, o Tribunal de Loulé ADMITIU O RECURSO.

50. Ao ter o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo admitido o recurso, - fls 1371 – com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, Transitou em julgado a sua admissão.

51. E isto pese embora o disposto no art° 414° n° 3 do CPP, norma esta que, salvo douta opinião em contrário, viola o disposto no art° 32° da constituição, sendo assim de igual forma inconstitucional.

52. O arguido, exercendo um direito que a lei lhe concede, consentiu que a audiência fosse realizada na sua ausência.

53. Sujeitou-se assim o arguido á disciplina processual penal nessa matéria expressamente regulada no artigo 334° do CPP.

54. Com efeito, dispõe o n.°2 do artigo 334° que "sempre que o arguido que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer á audiência (...), pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.

55. Dispõe ainda o n. °4 que, "sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis pelo defensor".

56. E no n. °6 diz-se que "fora dos casos previstos no n°l e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente'.

57. Da leitura conjugada destas disposições e, não sendo de aplicar o n. °6 deste artigo ao caso concreto, tem de se recorrer, necessariamente, às regras gerais sobre as notificações.

58. Preceitua o artigo 113° n.º l que as notificações efectuam-se mediante: (...) a) contacto pessoal com o notificando e no Lugar em que este for encontrado; b) via postal registada, por meio de carta ou avisos registados; b) via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou d) editais ou anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

59. Pelo que ao arguido aplica-se o n.º l, já que um dos casos expressamente previstos é o do artigo 196° n.º l al. c), segundo o qual o estatuto do arguido, sujeito a termo de identidade e residência, implica que "as posteriores notificações são feitas por via postal simples para a morada indicada (...) excepto que o arguido comunicar uma outra".

60. Da conjugação destes dois preceitos legais, resulta claramente que todos os actos posteriores ao termo de identidade e residência, são notificados ao arguido pela via postal, seja por carta registada com aviso de recepção, seja por via postal simples.

61. De tudo o que ficou dito, e pese embora as oscilações da jurisprudência do Tribunal Constitucional, é maioritário o entendimento de que o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória começa a contar a partir da notificação da sentença ao arguido.

62. A interpretação feita pelo Exmo. Senhor Juiz Relator, no sentido de que o prazo para interposição de recurso, começou a contar a partir do depósito na secretaria, afigura-se inconstitucional por violação do disposto artigo 32° n. °l da CRP conjugado com os artigos 113° n. °9 e 411° n.°l do CPP.

63. Reitera-se que, não obstante as "decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ora de inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional atendeu sempre á efectiva possibilidade de exercício de direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório que o afecta na concretização dessa oportunidade". -Acórdão do Tribunal Constitucional n. °476/2004.

64. Dispunha o arguido de trinta dias para apresentar o recurso e a sua motivação, tendo em conta que o mesmo pretendia a reapreciação da prova gravada. - Artigo 411° n. °4 do CPP.

65. O arguido tem a sua residência no estrangeiro, tendo sido notificado em 3 de Maio de 2010, pelo que o término do prazo ocorreria em 2 de Junho de 2010.

66. O recurso foi apresentado em 7 de Junho de 2010, ou seja, no terceiro dia útil após o termo do prazo para a prática desse acto, mediante a liquidação e pagamento da multa pela apresentação no terceiro dia útil.

67. Do exposto resulta que o recurso da decisão condenatória interposto pelo arguido foi devida e atempadamente apresentado.

68. Deveria pois o Exmo. Senhor Juiz Relator determinar o respectivo recebimento e prosseguimento da demais e normal tramitação processual.”

**
A Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta teve vista dos autos, reiterando tudo quanto disse no seu parecer, continuando a entender que o recurso deve ser rejeitado, por extemporâneo (fls.1428).

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Conhecendo:

Circunscrevendo o âmbito problemático ao que é estritamente relevante para a presente reclamação, importa decidir se tendo o julgamento decorrido na 1.ª instância na ausência do arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento prévio a que a audiência de julgamento decorresse sem a sua presença, o curso do prazo de interposição de recurso relativamente ao acórdão que o condenou, exige a respectiva notificação, nos termos do art. 113.º, n.º9 do CPP, ou se basta, para o efeito, a notificação na pessoa do defensor oficioso que lhe foi nomeado e que o patrocinou e esteve presente no julgamento e na audiência de publicação do acórdão. Na segunda hipótese, importa apreciar se o n.º 9 do artigo 113.º em conjugação com o n.º 4 e 6 do artigo 334.º e o n.º3 do artigo 373.º do Código de Processo Penal, com essa interpretação, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

Por último, se a rejeição do recurso pela Relação, nos termos do n.º3 do art. 414.º do CPP, depois do mesmo ter sido admitido na 1.ª instância viola o disposto no art. 32.º da CRP ou qualquer outro preceito da Lei Fundamental e da CEDH que o reclamante convoca na sua reclamação.

Sem embargo do respeito pela discordância do arguido em relação à decisão sumária proferida, são de todo inaceitáveis as críticas que a reputam de “claramente apressada e de ainda mais chocante ligeireza na apreciação da questão”.

De facto, a decisão de que se reclama foi devidamente ponderada e justificada em termos jurisprudenciais e doutrinais, nomeadamente jurisprudência do Tribunal Constitucional, e se estivéssemos perante uma decisão com a dita ligeireza, por certo que não se justificaria tão extenso arrazoado do reclamante para defender uma posição diversa da adoptada.

Sem prejuízo do que já foi referido na decisão sumária, impõe-se salientar que o arguido MM foi representado por defensor oficioso durante toda a fase do julgamento, e só veio a constituir mandatário judicial depois da publicação do acórdão na instância recorrida.

No próprio dia da publicação do acórdão foi-lhe dirigida carta registada para o seu domicílio no Reino Unido com vista à sua notificação do teor daquele (v. fls.1255), que lhe foi efectivamente entregue em 3 de Maio de 2010.

Não está aqui em causa a notificação do acórdão condenatório ao reclamante, cuja omissão – se tivesse acontecido – não constituiria qualquer nulidade, muito menos insuprível (como defende o recorrente – pois, dita-o o art. 118.º, n.º1 do CPP, só há nulidades nos casos expressamente previstos na lei – e, no caso, a lei não comina a falta dessa notificação como nulidade, pelo que, por exclusão de partes cairia no domínio das irregularidades, dependente de arguição – art. 123.º do CPP), o que está verdadeiramente causa é saber se, nos casos em que um arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento à realização do julgamento sem a sua presença e que neste esteve representado por defensor, basta a notificação do acórdão ao defensor, para efeitos de início do prazo de interposição do recurso, considerando-se o arguido notificado, nos termos do n.º3 do art. 373.º do CPP, ou esse prazo terá de contar-se a partir da data posterior em que o arguido teve conhecimento dele, por lhe ter sido formalmente notificado pelo tribunal recorrido.

É uma questão de interpretação do alcance do n.º4 do art.334.º do CPP.

E este tribunal entende que, tendo o arguido, ora reclamante, consentido expressamente que o julgamento se realizasse sem a sua presença, a representação por defensor oficioso “para todos os efeitos possíveis”, de que fala a lei, importa que se considere aquele notificado do acórdão proferido, depois deste ser lido perante o seu defensor, e que o prazo para interposição do recurso comece a correr a partir da leitura desse mesmo acórdão, que foi depositado no mesmo dia em que foi publicado, e não dias depois quando o mesmo foi recepcionado pelo arguido por via postal.

No caso, o acórdão foi lido e depositado no dia 28 de Abril de 2010, pelo que tendo o recurso sido interposto apenas em 7 de Junho de 2010, pelo Exmo. Advogado que veio a constituir, sem que tenha sido invocado justo impedimento, não pode deixar de reputar-se extemporânea essa interposição.

É esse o entendimento defendido no Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, a pág.833, § 2.º, pelo Professor Pinto de Albuquerque, ob. citada, anotação 6.ª ao art. 334.º do CPP e anotação 13.ª ao art.373.º do mesmo diploma legal.

Como refere o Prof. Pinto de Albuquerque, ob. citada, a fls.923, “a decisão de interposição de recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (art. 64, n.º1, alínea d) e a jurisprudência do TEDH citada na anotação ao artigo 62), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor….mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma sua conduta voluntária (artigos 325, nºs 4 e 5, e 332, nºs 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (artigo 334, nºs 2 e 4).”

Impõe-se referir ainda que o art. 334.º do CPP foi alterado recentemente pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, tendo o n.º6 e o n.º7 sofrido alterações que não beliscam a interpretação dada. O legislador apenas quis deixar claro que, fora dos casos previstos no n.º1 e 2 do art. 334.º, o prazo para interposição do recurso se conta a partir da notificação da sentença ao arguido e que nessa notificação o arguido deve ser expressamente informado do direito a recorrer da sentença (ou do acórdão) e do prazo para o exercício de tal direito.

Assim, o entendimento manifestado na decisão sumária não se afigura violador de qualquer preceito constitucional, nomeadamente do art. 32.º da lei Fundamental que consagra as garantias do processo criminal.

Reconhece-se que o Tribunal Constitucional não tem tido uma posição de unanimidade nas diversas vezes em que foi confrontado com questões de constitucionalidade respeitantes à relação entre a notificação pessoal ao arguido da sentença criminal condenatória e a garantia constitucional do direito ao recurso em processo penal, como se anota no acórdão do TC n.º 489/2008, de 7 de Outubro.

Denominador comum de todas as situações em que a questão se suscitou foi o facto de o arguido se não encontrar presente na audiência em que a decisão condenatória foi lida.

Assim, o Acórdão n.º 59/99 julgou inconstitucional a norma do artigo 113, n.º 5, do CPP (a que corresponde o artigo 113.º, n.º 7, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e o artigo 113.º, n.º 9, na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro) «quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado».

No caso decidido pelo Acórdão n.º 109/99, o arguido não esteve, justificadamente, presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, mas esteve presente o seu mandatário, pronunciando-se o Tribunal pela não inconstitucionalidade, nessas circunstâncias, da norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (actual art. 113.º, n.º9), do CPP.

O Acórdão n.º 378/03 recaiu sobre uma situação em que o arguido foi notificado da data em que viria a ocorrer a leitura da sentença (no termo da audiência de julgamento em que esteve presente). A sentença foi lida no dia designado para o efeito, na presença da defensora oficiosa do arguido. O Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7 (actual n.º 9 do mesmo artigo), interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar

No Acórdão n.º 429/03, idêntico juízo de não inconstitucionalidade versou sobre uma situação em que o arguido, tendo estado presente na audiência de produção de prova, na qual foi marcada a data para a leitura da sentença, não compareceu na audiência em que se procedeu a essa leitura, à qual assistiu defensor indicado pelo seu anterior defensor para o substituir

No caso, estamos perante um julgamento que decorreu sem a presença do arguido, ora reclamante, mas com o consentimento deste. Trata-se de uma situação diferente da abordada no aresto n.º 312/05 do TC.

Numa situação com alguma similitude da que nos ocupa, decidiu o TC, no seu aresto n.º 111/2007, “Não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença”.

Não pode esquecer-se que o arguido foi notificado da data da realização do julgamento e no próprio dia que estava marcado para a realização deste remeteu ao tribunal declaração de consentimento da efectivação do julgamento na sua ausência. O arguido foi, inclusive, notificado dos contactos, inclusive telefónicos do defensor que lhe foi nomeado e que o patrocinou na fase de julgamento (cf. fls.1176).

Como se refere no citado acórdão n.º489/2008, “para ajuizar da efectivação, em suficiente medida, da garantia de recurso consignada no artigo 32.º, n.º 1, o que está fundamentalmente em causa é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado, de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida. Para emissão de um tal juízo há que ter em conta os deveres funcionais e deontológicos a que fica sujeito o defensor nomeado e a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo, no termo do qual pode ser sancionado com uma pena privativa de liberdade.”

Quanto ao primeiro vector, impõe-se dizer que o primitivo defensor, que patrocinou o arguido em julgamento, esteve presente na audiência da leitura do acórdão, tendo a mesma sido depositada na secretaria do tribunal. Fácil lhe seria, em cumprimento de um dever elementar, ao tomar conhecimento da decisão, comunicá-la, em tempo útil, ao seu representado, pois o contacto telefónico deste consta dos autos, sendo certo que nem sequer foi alegado que não tivesse tido conhecimento do acórdão condenatório pelo seu defensor.

Independentemente desse aspecto, o próprio arguido tomou conhecimento da decisão através da notificação que lhe foi remetida pelo tribunal logo após a publicação do acórdão, que recebeu no 5.º dia posterior a essa data.

Um simples telefonema ao defensor oficioso, cujos contactos lhe foram comunicados pelo Tribunal, permitir-lhe-ia ficar ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de vários ilícitos criminais e da reacção, a nível de imposição de penas, que lhe foram aplicadas e das possibilidades de recurso e do prazo de que dispunha para o fazer. Note-se que na notificação do acórdão feita pelo tribunal recorrido não é mencionado qualquer prazo para reagir contra a decisão condenatória ou sequer referida a possibilidade de recurso.

Assim sendo, e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se qui­ser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo re­curso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência, tanto mais que para a reapreciação da prova gravada dispunha de um prazo de 30 dias.

E se houvesse algum contratempo que pusesse em causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime processual penal permitia sempre que o arguido invocasse a figura do justo impedimento (artigo 107.º, nº 2, do C.P.P.), para que pudesse exercer de modo efectivo aquele seu direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual desprotegida.

Se houve negligência da sua parte em constituir mandatário para o representar em sede de recurso, não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta activa de obtenção de uma informação decisiva para a efectivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias. Colocado numa situação como a dos autos, de possibilidade eminente de sujeição a uma pena de prisão, um arguido medianamente diligente não se teria desligado do andamento do processo, a ponto de deixar esgotar um prazo bem razoável de interposição de recurso [30 dias + 3 (estes últimos, todos dias úteis)].

Assim, em nosso juízo, nenhuma afronta aos preceitos constitucionais ocorrerá pelo facto de considerar-se que o acórdão foi notificado ao arguido, ora reclamante, no dia da sua leitura, na pessoa do defensor que representou na fase de julgamento e que esteve presente em ambas as audiências, iniciando-se com o depósito o prazo de interposição do recurso daquele acórdão.

Resta apreciar a alegada inconstitucionalidade do disposto no artigos 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal interpretado no sentido de permitir a destruição dos efeitos formais e substanciais decorrentes da decisão que admitiu o recurso em 1.ª instância e lhe fixou o efeito e regime de subida, por alegadamente ter transitado em julgado.

Trata-se de alegação manifestamente infundada.

A decisão sumária limitou-se a aplicar a regra de que a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior. Trata-se de uma opção do legislador já que não estabelece qualquer forma de impugnação para as decisões que admitam recursos.

Na verdade, a reclamação prevista no art. 405.º do CPP apenas existe para os despachos que não admitam recursos ou que os retenham, não vinculando também o tribunal superior a decisão do presidente do tribunal a que o recurso se dirige que revogar o despacho que não tenha admitido o recurso (cf. n.º4 do artigo 405.º).

Para o despacho que admita um recurso fora das condições legais não existe nenhum meio de impugnação, pelo que o legislador entendeu por bem a sua sindicância pelo tribunal superior, permitindo a apreciação das questões da conformidade do recurso – recorribilidade, legitimidade e interesse em agir, tempestividade, ou de forma – decididas na 1.ª instância.

Não há, por isso, qualquer desrespeito de caso julgado,[3] ou do art. 32.º da CRP, nem a decisão sumária proferida fere qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente os tutelados pelos artºs 20.º, 29.º, 202.º e 205.º da CRP, a que o reclamante alude no ponto 3 da sua reclamação, ou afronta ao art. 6.º da CEDH.

Não se vê, por isso, motivo, para alterar o julgado.

III- Decisão:

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada quanto à rejeição, por extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.84.º do CCJ).

(Processado por computador e revisto pelo relator, que assina em 1.º lugar)

Évora, 2011-01-27

Fernando Ribeiro Cardoso (relator)

Martinho Cardoso (adjunto)

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[1] - Este acórdão foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que confirmou o juízo de não inconstitucionalidade (Acórdão n.º 81/2012, de 9 de Fevereiro de 2012, acessível in www.tribunalconstitucional.pt

[2] - Não obstante, certamente por lapso, convocar o art. 405.º do CPP e ter dirigido a reclamação ao Senhor Presidente do Tribunal desta Relação, como se fosse uma reclamação de decisão do tribunal recorrido.

[3] - A situação em apreço não tem qualquer similitude com a apreciada no acórdão do TC n.º103/2006, de 7 de Fevereiro, que dizia respeito a uma prorrogação do prazo para recorrer ou motivar o recurso, deferida precedentemente pela primeira instância, por decisão que não foi impugnada por outro sujeito processual.