Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
11/05.0FCPTM.E1
Relator:
MARTINHO CARDOSO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ARGUIDO ESTRANGEIRO
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
NULIDADES
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 04/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. A atribuição do prazo de 30 dias a que se refere o n.º 4 do art. 411.º do CPP não depende da perfeição com que venha a ser feita a impugnação da matéria de facto. Assim, bastará o pedido do duplicado da gravação da prova testemunhal produzida em audiência e depois uma ainda que ineficaz impugnação da matéria de facto, para que o recorrente veja o prazo de 20 dias para interpor recurso alargado para 30.

2. No nosso ordenamento penal adjectivo – e em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – não existe qualquer norma que imponha a obrigatoriedade da entrega de tradução, quer da acusação, quer do despacho que designa dia para julgamento, a arguidos estrangeiros que não compreendam ou dominem convenientemente a língua portuguesa. Da conjugação do preceituado nos art. 92.º, n.º2, 111.º, n.º1, alin. b) e c) e 113.º, n.º9 do CPP, o que resulta é a obrigatorie­dade da intervenção de intérprete nos actos da notificação do arguido estrangeiro que não compreenda a língua portuguesa, com vista a transmitir-lhe o conteúdo, no caso dos autos, da peça acusatória por forma a dar-lhe conhecimento dos factos que na acusação lhe são imputados, e do despacho a designar datas para julgamento.

3. A omissão de tradução ou a falta de nomeação de intérprete a arguido estrangeiro que não percebe a língua portuguesa, aquando da notificação da acusação, ou da notificação do despacho que designa datas para julgamento, constitui uma nulidade relativa ou dependente de arguição, tipificada no art.º 120.º, n.º 1 al.ª c) do CPP, sendo extemporânea a sua arguição apenas em sede de recurso.

4. A deficiente documentação da prova por declarações produzida em audiência constitui nulidade dependente de arguição, que deve ser invocada antes de terminar a audiência no tribunal recorrido, tendo-se por sanada se assim não acontecer.

5. Não satisfaz a exigência prevenida na alin. b) do n.º3 do art. 412.º do CPP a afirmação de que determinados factos que o tribunal deu como assentes não resultam nem das declarações das testemunhas inquiridas, nem dos documentos carreados para os autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo … do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, o arguido A. foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1, na pena de 6 anos e 10 meses de prisão.
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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1-Conforme melhor consta de fls. 1151 e seguintes dos autos, foi remetido ao aqui Recorrente carta registada com prova de depósito, onde alegadamente se notificava o Recorrente da dedução da acusação e da possibilidade de requerer a abertura de instrução, nos termos do disposto no artigo 287° e seguintes.

2-Da "notificação" efectuada resulta que a acusação se mostra escrita em língua Portuguesa. O aqui Recorrente é Espanhol.

Não fala nem compreende Português escrito.

3-Assim, mal andou o Tribunal a quo ao não proceder à notificação do despacho de acusação e, ainda, da notificação dos efeitos decorrentes da mesma.

4-Inexistindo tradução e, não podendo o aqui Recorrente entender o teor da notificação efectuada, deverá ser ordenada a repetição do acto, sob pena de violação grave dos direitos do arguido, aqui Recorrente.

5-Mais, o aqui Recorrente foi "notificado" do despacho que designa a data e hora para a realização da audiência de discussão e julgamento.

6-Mais uma vez o Tribunal a quo, apesar de saber que o aqui Recorrente é Espanhol, desconhecendo a língua Portuguesa falada e escrita, notifica o ora Recorrente em Português.

7-Deveria o Tribunal a quo ter diligenciado na tradução do referido despacho sob pena de violação grosseira dos direitos do arguido, aqui Recorrente.

8-Efectivamente, recaí sob o arguido o dever de comparecer o dever de comparecer sempre que a lei o exigir e para tal for regular e devidamente notificado, o que in casu, se não verifica (artigo 61° do CPP).

9-Por não ter sido devidamente convocado verifica-se, nos termos do disposto na alínea c), do artigo 119° do CPP, nulidade insanável, a qual ora se invoca, para todos os efeitos legais.

10-Nos presentes autos de processo comum, para julgamento por Tribunal Colectivo, vinha o arguido, aqui Recorrente, acusado da prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do n°. 1 do artigo 21°, do Decreto-Lei n°.: 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C que lhe é anexa.

11-O aqui Recorrente, por não se conformar com:

A) a decisão proferida sobre alguns pontos da matéria de facto;

B) com a subsunção efectuada pelo Tribunal "a quo" da sua conduta às normas jurídico-penais;

C) Com a condenação como autor material pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do n°. 1 do artigo 21°, do Decreto-Lei n°.: 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C

D) Com a medida da pena aplicada;

12- A documentação da prova por meio de gravação visa garantir os poderes de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, ou seja o segundo grau de jurisdição através do amplo recurso da decisão táctica de primeira instância.

13-Só com a efectiva gravação dos elementos de prova é que as partes podem sindicar, com a necessária amplitude, a decisão da matéria de facto em causa. Assim, deverá ser declarado nulo o julgamento, ordenando-se a repetição do mesmo.

14-Não entende o aqui Recorrente como pode o Tribunal "a quo" ter dado como provado que o aqui Recorrente procedeu ao desembarque de 117 fardos de haxixe.

15-É que, tal não resulta,

A)Nem das declarações das testemunhas inquiridas;
B)Nem dos documentos carreados para os autos.

16-Por não ter sido produzida qualquer prova e por inexistir qualquer suporte na prova produzida tal conclusão, no entender do aqui Recorrente, não faz qualquer sentido;

17-Não entende o aqui Recorrente como pode o Tribunal "a quo" ter dado como provado o ponto dois da matéria de facto dada como provada.

18-É que, tal não resulta,

A)Nem das declarações das testemunhas inquiridas;

B)Nem dos documentos carreados para os autos.

19-Como é que se pode concluir que o aqui Recorrente tenha efectuado um carregamento de haxixe?

20-Não entende o aqui Recorrente como pode o Tribunal "a quo" ter dado como provado o ponto terceiro da matéria de facto dada como provada

21-É que, tal não resulta,
A)Nem das declarações das testemunhas inquiridas;
B)Nem dos documentos carreados para os autos.

22-Tendo o Tribunal considerado que o aqui Recorrente, de forma deliberada e consciente, procedeu à descarga de mais de três toneladas de produto estupefaciente.
23-Ora, dando aqui por reproduzido tudo o que acima se disse, quanto à prova produzida, quanto à valoração da mesma, vem, o arguido, aqui Recorrente, impugnar a subsunção que o Tribunal "a quo" faz da sua conduta.

24-Entende o aqui Recorrente que inexistem nos autos elementos de prova suficientes para uma condenação.

25-Entende o aqui Recorrente que deveria ter sido absolvido da prática do crime de que foi acusado, sendo que só assim se faria justiça.

26-Mesmo a dar-se como provado o envolvimento do aqui Recorrente na operação de tráfico de droga, o que em nenhum momento se admite, sempre se diria que os factos dados como assentes integrariam a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 25°, do Decreto-Lei n°.: 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C que lhe é anexa.

27-O Tribunal a quo elaborou o seu raciocínio tendo apenas em atenção a quantidade da droga apreendida. Se, tal facto é relevante na determinação da medida da pena, o que em momento algum se discute, a verdade é que para além do momento da detenção do ora Recorrente, existe momento anterior e posterior, ou seja, existe um indivíduo. Individuo esse que o Tribunal não chegou a conhecer, invocando a sua falta a audiência de julgamento (primeira data).

28-O aqui Recorrente não teve qualquer intervenção nos factos.

29-Assim, da factualidade apurada o que temos necessariamente, em nosso entender, é a absolvição.

Na dúvida absolve-se.

E, salvo o devido respeito, a dúvida é necessariamente muita face:
-à inexistência de prova directa;
-à inexistência de indícios - sequer indícios suficientes.

30-No acórdão de que ora se recorre mal andou o tribunal a quo, em nosso modesto entendimento, face à lei.

-Foi violado o disposto no artigo 70° do Código Penal
-Foi violado o disposto no artigo 71° do Código Penal
-Foi violado o disposto no artigo 61° do Código de Processo Penal
-Foi violado o disposto no n°. 2, do artigo 374° do Código de Processo Penal.
-Foi violado o princípio In dubio pro reo
-Foi mal interpretado a disposto no artigo 21° n°. 1 do Decreto-Lei n°. 15/93, de 22 de Janeiro
-E, Foi mal entendido o princípio da livre apreciação da prova – artigo 127° do Código de Processo Penal.

31-Mal andou o mui douto Tribunal a quo no enquadramento jurídico das factos, face à factualidade apurada, no que concerne à condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido nos termos do n°. 1, do artigo 21°, do Decreto-Lei n°. 15/93, de 22 de Janeiro.

32-Entende o Recorrente que existe clara violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo o Tribunal a quo confundido a livre apreciação da prova com a mera impressão gerada no seu espírito pelos diversas meios de prova.

33-A justiça necessita / exige um processo intelectual lógico e ordenado que manifeste e articule os factos e o direito à lógica e às regras de experiência.

34-No entender do aqui Recorrente a aliás douta sentença de que ora se recorre não convence nem o arguido, nem a sociedade. Impunha-se, no entender da defesa, um exame crítico, a indicação das razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
35-A fundamentação constante de fls....e seguintes do aliás douto acórdão de que ora se recorre é no entender da defesa insuficiente, pois, impede, por forma absoluta, o exame do processo lógico ou racional que esteve subjacente à decisão, desde logo se desconhecendo as razões de ciência das testemunhas.

36-Ora, uma fundamentação em que se não indiquem concretamente as provas, bem como a razão de ciência das testemunhas, nem se faz o respectivo exame crítico, viola manifestamente o disposto no n°. 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal e, como tal, acarreta a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea a) do n°. 1 do artigo 379° do supra citado diploma legal.

37-É certo, e de entendimento pacífico que nem todos os factos têm necessariamente que constar dos factos dados como provados ou dos factos dados como não provados.

38-Está assim, a aliás douta sentença de que ora se recorre ferida de nulidade.

39-Conforme resulta da leitura da acusação, factos há que não se encontram nem na rubrica factos provados, nem na rubrica factos não provados

40-Factos que se mostram essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, que influenciam directamente na determinação da medida da pena, na sua graduação e, logo na boa decisão da causa.

41-Os factos constantes dos artigos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 7°, 8°, 10°, 11°, 12°, 13° (no que ao peso total do produto estupefaciente diz respeito), 15°, 16°, 17°, 18°, 19° e 20° da aliás douta acusação do Ministério Público não constam nem da factualidade dada como provada, nem da factualidade dada como não provada.

42-Por tal razão, ficou o aqui Recorrente sem saber se o tribunal "a quo" contemplou todos os factos que foram submetidos à sua apreciação, factos esses alegados pela acusação.

43-Face à não indicação, à falta de referência aos mesmos, não se sabe, assim, se tais factos foram ou não submetidos à apreciação do tribunal, tal omissão constitui violação do aludido comando do n°. 2 do artigo 374°, do Código de Processo Penal, sendo, no entender do aqui Recorrente nula a sentença proferida, por força do estatuído no artigo 379°, n°. 1, alínea a) do supra citado diploma legal.

44-Ora, se assim resulta, necessária será, salvo melhor e mais douto entendimento, a repetição do julgamento, para a apreciação em concreto das questões apontadas.

45-Por violação do disposto no n°. 2 do artigo 374°, sendo declarada nula a sentença por força do estatuído no n°. 1, alínea a) do artigo 379°, ambos do Código de Processo Penal, só com a repetição do julgamento para análise em concreto das questões apontadas em sede de contestação / acusação e que não se encontram nem na rubrica "factos provados" nem na rubrica "factos não provados", se poderá suprir as omissões apontadas.

46-Nos termos do que resulta do aliás mui douto acórdão de que se recorre os factos constantes dos pontos 1º, 2°, 3°, 4°, 5° 7°, 8°, 100 11°, 12°, 13° (no que ao peso total do produto estupefaciente diz respeito), 15°, 16°, 17°, 18°, 19° e 20° da douta acusação do Ministério Público não mereceram qualquer resposta por parte do Tribunal a quo.

47-A título exemplificativo veja-se o que refere a aliás douta acusação no ponto 15°

"Em conjugação de esforços e mediante acordo prévio".

Ora, quanto a esta matéria nada diz o acórdão de que ora se recorre.

Agiram os arguidos de forma concertada? tendo em vista o mesmo objectivo? Agiram em conjugação de esforços? Agiram mediante acordo prévio? Nenhuma destas perguntas mereceu resposta por parte do Tribunal a quo.

48-No entender do aqui Recorrente tal configura a violação do disposto no n°. 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal.

49-Entende o aqui Recorrente que a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. A decisão ultrapassa claramente as premissas. Do aliás douto acórdão de que ora se recorre, na factualidade dada como provada, não se encontra:

-a motivação da prática do crime;
-o grau de participação do aqui Recorrente;
-as finalidades visadas;
-os condicionalismos da sua detenção,
deverá concluir-se que, se verifica na decisão sob recurso, o vício previsto na alínea a), do n°. 2, do artigo 410° do Código de Processo Penal.

50-Por tudo o exposto, entende, o aqui Recorrente que deve ser absolvido do crime de que vinha acusado, pois, só assim se fará a costumada justiça.

Nestes termos (…) deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, com todas as legais consequências, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que absolva o aqui recorrente da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do n°. 1, do artigo 21°, do decreto-lei n°. 15/93, de 22 de Janeiro, por ser de inteira justiça!
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A Ex.ma Procuradora do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

QUESTÕES PRÉVIAS

Extemporaneidade do Recurso

1ª - Tendo o recorrente sido notificado do Acórdão em 16 de Outubro de 2008 (como consta a fls. 1914), o prazo para recorrer terminou em 5 de Outubro de 2008, eventualmente no dia 10 de Outubro se tivesse pago a multa do artigo 145° do CPC, o que não fez; tendo interposto recurso e motivado por fax em 11 de Novembro de 2008, afigura-se-nos como seguro que o recurso deve ser rejeitado por extemporâneo, nos termos do disposto no artigo 420° n° 1 alínea b) conjugado com o n° 2 do artigo 414°, ambos do CPP.

2ª - Nos termos do disposto no artigo 411º n° 3 do CPP o prazo para recorrer é de 20 dias, sendo de 30 dias no caso de o recurso ter por objecto a apreciação da matéria gravada. Para recorrer da matéria de facto não basta ao recorrente escrever no requerimento da interposição do recurso que o mesmo visa a reapreciação da matéria de facto e de direito, limitando-se depois na Motivação a dizer que considera determinados pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, porque não resulta da prova produzida em Audiência: tal, para além de não ser impugnação da matéria de facto não reflecte o cumprimento das exigências estabelecidas nos n°s 3 e 4 do artigo 412 do CPP, concretamente cumprir o ónus da impugnação especificada contido no n.° 3 do referido normativo e proceder à indicação das concretas passagens em que ancora a impugnação, individualizando os factos que considera incorrectamente julgados, indicando o conteúdo específico das passagens da gravação em que baseia a impugnação.

3ª - Não tendo actuado assim, não se pode aceitar que o recurso visa a reapreciação da matéria de facto, logo não se pode aceitar que o recurso é tempestivo.

4ª - Não há que dar cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 3 já que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido, para além do que era susceptível de violar o seu n.º 4.

5ª - O recorrente parte de um pressuposto falso ao associar a falta de comparência do arguido ao julgamento pelo facto de a notificação do despacho de acusação estar em português quando ele é espanhol: não é verdade que o arguido não compreende o português como o comprova o "documento" junto a fls. 580 onde o arguido apresenta uma justificação por não ter comparecido a uma notificação vinda dos autos, o que manifestamente contraria a tese agora defendida e demonstra que percebe a língua portuguesa: a não comparência do arguido deveu-se a qualquer outro motivo sem relevância para os autos, não se verificando, assim, a nulidade prevista no artigo 119º alínea c) do CPP.

6ª - Mesmo a ser verdadeiro tal facto, tal não constituiria uma nulidade, quando muito uma irregularidade que se encontraria sanada por não ter sido arguida tempestivamente, sendo certo que o arguido já foi inclusive julgado.

7ª - Quanto à arguida Nulidade pela não tradução para o espanhol da notificação do Despacho que designou dia para julgamento, para além do pressuposto falso referido, também aqui o recorrente parte de um pressuposto que não corresponde aos ditames da lei: nos termos do disposto no artigo 61º n.º 1 alínea a) do CPP o arguido tem o direito de estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, não tendo aqui aplicação o seu n.º 3 alínea a) que respeita aos deveres do arguido, como resulta necessariamente da sua conjugação com o artigo 333º n.º 2, 3 e 4.

8ª - Assim nunca existiria a nulidade insanável p. no artigo 119º alínea c) do CPP, quanto muito constituiria uma irregularidade que igualmente se encontraria sanada pois o arguido estava representado em Audiência pelo seu defensor e nada requereu nesse sentido como consta da respectiva Acta.

9ª - Quanto à arguida Nulidade pela deficiente gravação da documentação da prova o recorrente somente refere que as cassetes com a gravação da prova não reproduzem na íntegra a audiência de discussão e julgamento, que em alguns momentos se verifica deficiente gravação, não diz imperceptibilidade da prova e, assim, na situação dos autos é deficiente a gravação, mas perceptível a prova o que tem relevo, já que o recorrente não especifica nem concretiza que partes da gravação são deficientes, não pretendendo, assim, o recorrente tirar qualquer resultado daquilo que alegou de forma vaga e genérica, podendo concluir-se que a prova se encontra gravada, como consta da respectiva Acta da Audiência, não se verificando a nulidade consagrada no artigo 363º do CPP, na redacção introduzida pela Lei no 48/2007, de 29/08.

10ª - A convicção do Tribunal sobre os factos provados formou-se com base no que referiram as testemunhas, agentes da Brigada Fiscal da GNR com testemunho isento e objectivo, conjugado com o teor das fotografias juntas aos autos e o exame ao estupefaciente.

11ª - Da prova produzida resultou sem qualquer dúvida que no dia 11-4-2005, na Ria de Alvor houve um descarregamento de fardos que laboratorialmente se sabe tratar-se de haxixe; que o veículo onde este produto estava ser transportado tinha uma roda desfeita e que o rasto indicado por esta roda indicava que a viatura tinha vindo da praia; que as pessoas que seguiam no Jipe, entre as quais o ora recorrente, tinham as pernas molhadas e com areia o que significava que anteriormente tinham estado na praia e com cheiro a gasolina e também que tinham estado perto do motor de uma embarcação.

12ª - Tendo em conta o relatado pelas testemunhas, as fotografias e o facto de laboratorialmente se ter constatado que se tratava de facto de haxixe fácil foi fazer a conjugação de todos os factos e apreciando o tribunal segundo as regras da experiência e a sua livre convicção chegar à conclusão que tinha havido um desembarque na praia e que o recorrente tinha participado no descarregamento do barco e no carregamento no Jipe.

13ª - Não restam dúvidas que se trata de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p, pelo artigo 21º do Decreto-Lei no 15/93 de 22.1, não tendo sustentação legal o poder admitir-se tratar-se de um crime de tráfico do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1, já que é muito elevada a ilicitude do facto, não só pela quantidade de droga descarregada (quase 4 toneladas), como pelos meios empregues que patenteiam uma organização de grande envergadura, de contornos internacionais, como o releva o facto de a droga ser introduzida no País por via marítima, com o que isso implica de meios logísticos que não se compadecem com estruturas amadoras, a que acresce a danosidade social agregada ao consumo de estupefacientes, tanto a nível de saúde pública como a nível de criminalidade que está associada e que o tráfico vem potenciar.

14ª - Ao dar aqueles exactos factos como provados fê-lo o tribunal na sequência da conjugação de todas as provas apresentados em Audiência de Julgamento segundo um percurso lógico e intelectual que preside à fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, valorando as provas de acordo com a experiência comum e com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção, esclarecendo devida e pormenorizadamente a razão porque chegou àquelas conclusões consubstanciadas nos factos provados, não merecendo, assim, o douto Acórdão recorrido qualquer censura., nem padecendo de qualquer nulidade, nomeadamente a p. no artigo 379º n° 1 alínea a) do CPP.

15ª - A circunstância de haver factos constantes da acusação que não constam da factualidade dada como provada ou como não provada no Acórdão não constitui violação do n° 2 do artigo 374º do CPP, não havendo qualquer omissão, nem é nula a sentença nos termos do disposto no artigo 379º n.º 1 alínea a) do CPP, já que a lei não obriga a verter todos os factos na acusação, tão-só os factos que constituam crime e se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação do agente e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, o que não são os referidos pelo recorrente.

16ª - Quanto ao pretenso vício da insuficiência da matéria de facto provada reclamado pelo recorrente, há a reconhecer que o mesmo não resulta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum; por outro lado não faltam elementos, antes aqueles que o recorrente refere são dispensáveis e desnecessários.

17ª - A pena aplicada é a mesma justa e adequada, tendo o Tribunal tido em conta a culpa do arguido, bem como todas as circunstâncias que constam do no 2 do art. 71º do Código Penal, nomeadamente a ilicitude elevada a intensidade do dolo, as exigências de prevenção geral, atenta a danosidade social do tráfico de estupefacientes, a exigir uma penalização severa de modo a dissuadir os potenciais traficantes, mas também as necessidades de prevenção especial.

18ª - O douto Acórdão não violou qualquer disposição legal, nomeadamente os artigos 70° e 71º do Código penal, 61°, 127° e 374° n° 2 do CPP e 21° do Decreto-lei n° 15/93 de 22.1

19ª - Nos termos do disposto no artigo 412º n.º 6 do CPP não há lugar à transcrição da prova produzida em Audiência de Julgamento.

Termos em que deve ser rejeitado o recurso por extemporâneo, ou se assim não for doutamente entendido devem ser julgadas improcedentes as nulidades arguidas pelo recorrente e negado provimento ao Recurso, confirmando-se o douto Acórdão recorrido
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Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu, como é seu timbre, douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:
1. No dia 11.4.2005, na Ria de Alvor, Portimão, o arguido A., juntamente com pelo menos mais quatro indivíduos, procedeu ao desembarque de 117 fardos de haxixe (com o peso total de cerca de 3.800 quilogramas);

2. O arguido A., juntamente com os outros indivíduos, procedeu depois ao carregamento dos fardos para o veículo que ostentava a matrícula …DDH, após o que este seguiu viagem na direcção de Odiáxere, Lagos, até se imobilizar por destruição da roda traseira direita, a cerca de um quilómetro da saída da E.N. 125;

3. O arguido A. agiu de forma livre, deliberada e consciente, querendo participar na operação de descarga de haxixe, sabendo contudo que o transporte deste é proibido;

4. O arguido A. não tem antecedentes criminais.
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-- Factos não provados:

1.1 Que o arguido G, tenha tido qualquer participação na operação de descarga;

2.2 Os atinentes à proveniência do haxixe e a mais pormenores relativos ao seu transbordo, transporte, compensação dos descarregadores e outras actividades que estes possam ter levado a cabo no dia da descarga;

3.3 Outros relativos à vivência do arguido A.
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Fundamentação da convicção:

A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base nos dois primeiros testemunhos prestados em audiência, conjugados com o teor das fotografias juntas aos autos e com o do exame ao estupefaciente.

Assim, aquelas testemunhas, agentes da Brigada Fiscal da G.N.R., relataram em audiência que ao passarem em patrulha depararam com a carrinha que ostentava a matrícula ….DDH, desocupada, na estrada que liga a Meia Praia a Odiáxere. Acercando-se da mesma, repararam que a mesma tinha a roda direita de trás destruída e que na sua caixa de carga tinha fardos que tudo levava a crer serem de haxixe. Entretanto chegou ao local o jipe de matrícula … CP onde se jazia transportar o arguido A. (ao lado do condutor) e os outros quatro indivíduos, tendo o respectivo condutor tentado seguir viagem mal se apercebeu da presença dos membros da patrulha. Abordado o condutor, indocumentado, afirmou não saber o que ali estava fazer, apercebendo-se as duas testemunhas que os ocupantes do jipe tinham as roupas molhadas, com areia da praia e cheiravam a gasolina.

As biógrafas de fls. 222 a 230 ilustram, pelos rastos deixados pela roda traseira da carrinha à medida que se ia desfazendo, o local onde decorreu o desembarque do haxixe e o carregamento para aquele veículo.

Assim, sabemos que o haxixe foi trazido pelo mar e descarregado para a carrinha, pois tal é indicado pelos rastos da destruição da roda daquele veículo, conjugado com as características das roupas dos descarregadores (naturalmente molhadas, com areia e apresentando o cheiro característico de quem esteve durante algum tempo muito perto de motor de barco a gasolina). Do mesmo passo e à luz das mesmas e elementares regras de experiência comum, sabemos também quem procedeu à descarga: o arguido A. e os seus quatro companheiros, que se preparavam para assegurar a detenção do haxixe quando foram surpreendidos pela presença da autoridade.

Quanto aos factos não provados cumpre dizer que tal se fica a dever à circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida prova, realçando-se que muito embora o arguido G. haja sido detido na manhã do mesmo dia, acompanhado de outros três indivíduos oriundos da Europa do Leste, indocumentados, tal sucedeu a alguns quilómetros do local onde a caninha estava imobilizada e sem que apresentassem qualquer vestígio físico da terem participado na descarga, pelos que os indícios de participação na operação são insusceptíveis de demonstrar a respectiva realidade.

Por outro lado, quer a falta do arguido A. à audiência, quer a circunstância de residir fora do País, impedem a realização de qualquer diligência no sentido do apuramento das suas condições de vida.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

Alvitra a Ex.ma Procuradora que na 1.ª Instância respondeu ao recurso ter sido o mesmo interposto fora de prazo, uma vez que o recorrente utilizou o prazo de 30 dias pelo art.º 411.º, n.º 4, concedido para o recurso da matéria de facto, mas depois acabou por na motivação não cumprir o formalismo que para esses recurso impõem os n.º 3 e 4 desse mesmo preceito legal. Assim, como o recurso é, afinal, ineficaz para impugnar a matéria de facto, o prazo para a sua interposição é o de 20 dias mencionado no n.º 1 do art.º 411.º, o qual se encontrava excedido quando o recurso deu entrada no processo. Daí que, em seu entender, o recurso fosse de rejeitar por extemporaneidade.

Acontece que como a atribuição do prazo de 30 dias a que se refere o n.º 4 do art.º 411.º não depende da perfeição com que venha a ser feita a impugnação da matéria de facto, temos que basta o pedido do duplicado da gravação da prova testemunhal produzida em audiência e depois uma ainda que ineficaz impugnação da matéria de facto, para que o recorrente veja o prazo de 20 dias para interpor recurso alargado para 30.

Se isto é uma habilidade de que em abstracto os recorrentes desmazelados se podem valer para os seus atrasos em apresentar o recurso? – é!, mas isso é um problema do legislador.

De forma que no exame preliminar a que alude o art.º 417.º, n.º 1, se considerou ser o recurso é o próprio e ter sido admitido de forma regular, nada obstando ao seu conhecimento ou justificando a sua rejeição.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que ao ter notificado em língua portuguesa o recorrente, que é de nacionalidade castelhana, quer da acusação, quer do despacho que designava dia para julgamento, cometeu o tribunal "a quo" a nulidade insanável do art.º 119.º al.ª c), do Código de Processo Penal;

2.ª – Que o julgamento deve ser declarado nulo por deficiência de gravação de alguns momentos da produção de prova testemunhal;

3.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido praticou o crime pelo qual depois o condenou;

4.ª – Que o tribunal "a quo" violou o princípio da livre apreciação da prova;

5.ª – Que, nos termos dos art.º 379.º, n.º 1 al.ª a) e 374.º, n.º 2, o acórdão recorrido é nulo por falta de exame crítico da prova e insuficiência de fundamentação da convicção;

6.ª – Que, nos termos dos art.º 379.º, n.º 1 al.ª a) e 374.º, n.º 2, o acórdão recorrido também é nulo por não ter dado nem como provados nem como não provados factos constantes da acusação; e

7.ª – Que, mesmo a dar-se como provada a matéria de facto assim fixada pelo tribunal "a quo", aquela não integra, todavia, o cometimento pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1, pelo qual foi condenado, mas antes o de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do mesmo diploma legal;

#
Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas, a de que ao ter notificado em língua portuguesa o recorrente, que é de nacionalidade castelhana, quer da acusação, quer do despacho que designava dia para julgamento, cometeu o tribunal "a quo" a nulidade insanável do art.º 119.º al.ª c):

O art.º 92.º, n.º 1, prescreve que nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade. E o n.º 2, que quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada.

O art.º 111.º, n.º 1 al.ª b) e c) dispõe que a comunicação dos actos processuais destina-se a transmitir, além do mais, uma convocação para participar em diligência processual e o conteúdo de acto realizado ou de despacho proferido no processo.

E o art.º 113.º, n.º 9, impõe que as notificações respeitantes à acusação e à designação de dia para julgamento têm de ser feitas também ao arguido.

Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, face ao teor do art.º 8.°, n.º 2, da Constituição, vigora na ordem jurídica interna portuguesa com valor infra constitucional mas, de acordo com Irineu Cabral Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Almedina, 3.ª ed., pág. 45, "superior às leis ordinárias", estabelece no seu art.º 6.º, n.º 3 al.ª a), que o acusado tem, como mínimo, o direito a ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada.

Mas a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não chega a exigir a tradução de qualquer acto, mesmo o da acusação, ficando-se pela mera exigência de que o acusado deve, ao menos, dispor de um esclarecimento oral do significado do acto.

Aliás e como já se decidiu, v.g., no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 547/98, de 23-9, publicado no BMJ n.º 479-212 «o art.º 92.°, n.º 2, do CPP, em conjugação com o disposto no art.º 111.°, n.º 1 al. c), do mesmo Código, interpretado no sentido de que a notificação da acusação deduzida contra o arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradu­ção escrita pelo intérprete nomeado, não lesa as suas garantias de defesa, constitucionalmente estabelecidos nos arts. 32.°, n.º 1, 16°, n.º 1, 6.°, n.º 3, al. a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».

Do exposto resulta pois que no nosso ordenamento penal adjectivo – e em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – não existe qualquer norma que imponha a obrigatoriedade da entrega de tradução quer da acusação, quer do despacho que designa dia para julgamento, a arguidos estrangeiros que não compreendam ou dominem convenientemente a língua portuguesa.

Da conjugação de tais preceitos, o que resulta é a obrigatorie­dade da intervenção de intérprete nos actos da notificação do arguido estrangeiro que não compreenda a língua portuguesa, com vista a transmitir-lhe o conteúdo, no caso dos autos, da peça acusatória por forma a dar-lhe conhecimento dos factos que na acusação lhe são imputados, e do despacho a designar datas para julgamento.

Agora, por uma questão de funcionalidade do sistema, o direito à compreensão dos actos pelo arguido estrangeiro que não compreenda a língua portuguesa tanto pode envolver a presença de intérprete na altura em que são feitas as notificações, como a entrega da notificação já traduzida e com o teor do despacho também já traduzido em documento escrito previamente elaborado para o efeito; daí que, perante a pouca exequibilidade de andar um intérprete com o carteiro ou com o oficial de justiça quando estes forem entregar a notificação ao arguido, muitas vezes se siga o sistema de remeter ao arguido as notificações e os despachos já traduzidos.

No caso dos autos, porém, não procedeu o tribunal "a quo" nem de uma, nem de outra maneira. Mal andou, pois, nessa matéria, o referido tribunal.

Agora a questão é a de saber o que fazer daqueles dois actos processuais mal executados, o da notificação da acusação e o da notificação do despacho a designar datas para julgamento.

Acerca do assunto vigora entre nós o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo nos demais casos o acto ilegal qualificado de irregular (art.º 118.º, n.º 1 e 2).

Alvitra o recorrente que se está perante a nulidade insanável prevista no art.º 119.º al.ª c): ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.

Acontece que, como é sublinhado no acórdão do STJ de 14-11-2007, proc. n.º 07P4289, acessível em www.dgsi.pt, a al.ª c) do art.º 119.º deve ser lida em conjugação com o art.º 61.º, n.º 1, que enumera os direitos do arguido e que distingue com clareza entre o direito de estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito [al.ª a) do n.º 1] e o direito de ser ouvido sempre que o tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o afecte [al.ª b) do mesmo n.º 1]. São, pois, direitos distintos, com protecção jurídica também diferente, sendo evidentemente mais forte a do primeiro, que se reporta a situações em que o direito de defesa tem que beneficiar de uma mais intensa protecção. O direito à presença do arguido em determinado acto tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma superior garantia de defesa, ao permitir ao arguido a imediação com o julgador e com as provas que contra ele são apresentadas, estando naturalmente esse direito circunscrito a um número reduzido de actos, entre os quais sobressai o julgamento. O direito de audição – como é o caso do direito do arguido notificado da acusação poder «fazer-se ouvir» a requerer a instrução – não envolve a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor.

Assim, se dúvidas não existem de que a omissão de tradução ou intérprete na notificação da acusação a arguido estrangeiro que não percebe a língua portuguesa não integra a nulidade insanável mencionada al.ª c) do art.º 119.º, já algumas dúvidas se poderiam pôr quanto à mesma omissão no tocante ao despacho que designa dia para julgamento.

Mas vejamos:

O art.º 118.º, n.º 1, determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

Que o arguido foi notificado para julgamento, foi-o. Foi é sem intérprete (ou tradução).

Ora aonde está «expressamente cominada na lei» a omissão de intérprete é no art.º 120.º, n.º 2 al.ª c): constituem nulidades dependentes de arguição (…) a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória.

Assim se conclui que a omissão de tradução ou intérprete a arguido estrangeiro que não percebe a língua portuguesa quer da notificação da acusação, quer da notificação do despacho que designa datas para julgamento, constitui uma nulidade relativa ou dependente de arguição tipificada no art.º 120.º, n.º 1 al.ª c).

A arguição tem prazos para ser feita, findos os quais, a nulidade relativa ou dependente de arguição em causa se tem por sanada.

No caso dos autos, prazos diferentes por se estar perante actos diferentes: a arguição da nulidade relativa à omissão de intérprete ou tradução da acusação terá, que ser arguida pelos interessados no prazo estabelecido no n.º 3 al.ª c), ou seja, no caso dos autos, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.

E aqui é que, achando-o conveniente como agora pelos vistos o acha, devia ter entrado em cena o defensor do arguido, que a fls. 1.154 foi notificado da acusação.

Quanto à nulidade relativa ou dependente de arguição respeitante à omissão de intérprete ou tradução na notificação do despacho que designava dia para julgamento, a mesma devia ter sido arguida na contestação, se apresentada, se não, no momento processual referido no art.º 338.º, na fase do julgamento em que o tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.

Ora, não obstante o empenho agora posto no assunto pelo recorrente, o certo é que na altura não o expôs em contestação, nem no momento processual mencionado pelo art.º 338.º, n.º 1, alturas em que podia de novo ter entrado em cena de forma eficaz. Depois de realizado o julgamento, que é o palco aonde afinal com todas as garantias para os direitos, liberdades e garantias do arguido tudo se expõe e é tratado, é que o recorrente vem falar no assunto.

Baldadamente, porém, uma vez que o prazo para o fazer já decorreu.
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que o julgamento deve ser declarado nulo por deficiência de gravação de alguns momentos da produção de prova testemunhal:

O arguido não concretiza em que concretos passos da gravação se torna a mesma deficiente.

Não obstante:

O art.º 363.º estabelece que as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.

Esta nulidade pode ser parcial se for omitida a documentação de parte da prova produzida na audiência ou se a documentação deficiente disser respeito a parte da prova produzida na audiência. Em qualquer um destes casos, se houver lugar à repetição da prova, a mesma só terá lugar em relação à parte omitida ou deficientemente documentada, por força do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais inválidos (art.º 122.º).

De qualquer modo, como esta nulidade não é qualificada no art.º 363.º como sendo insanável e também não consta do elenco do art.º 119.º, temos de concluir que se trata de uma nulidade dependente de arguição.

Sobre as nulidades dependentes de arguição prescreve o art.º 120.º, citado apenas na parte que agora interessa ao caso e entremeando já a aplicação concreta ao caso, que:

1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.

2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais (como, por exemplo, a enunciada no referido art.º 363.º):
a) …;
b) …;
c) …;
d) ...

3 - As nulidades referidas nos números anteriores (entre as quais se contam, pois, as que forem cominadas noutras disposições legais e, por conseguinte, a enunciada no art.º 363.º) devem ser arguidas:

a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) …;
c) …;
d)...

Do exposto se conclui, pois, que para surtir o efeito pretendido de repetir a produção da prova que não ficou gravada, reabrindo-se, em consequência, o julgamento da 1.ª Instância, deveria a citada nulidade ter sido arguida antes de terminada a audiência, o que não aconteceu (conforme se constata das actas do julgamento), devendo, assim, considerar-se como sanada, por força do disposto no art.º 120.º, n.º 2 al.ª a) [1] .

A ser arguida, devia-o pois ter sido perante o tribunal "a quo" e não em recurso. É que, como consta do art.º 399.º, é permitido recorrer de acórdãos, sentenças e despachos, isto é, recorre-se do que o juiz decide, não do mau funcionamento ou uso deficiente das máquinas que rodeiam o juiz.

Arguida a nulidade perante o tribunal "a quo" e antes de terminada a audiência, se a decisão do juiz sobre o assunto não agradasse ao invocante, então aí recorria; recorria da decisão do juiz, não do mau funcionamento ou uso deficiente da máquina.

Improcede, pois, também esta questão.
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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido praticou o crime pelo qual depois o condenou:

O art.º 412.º, n.º 3, estabelece que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.

4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Ora para fundamentar a má avaliação da prova efectuada pelo tribunal "a quo", o recorrente limita-se a dizer que os factos assentes como provados por aquele tribunal nos pontos 1, 2 e 3, não resultam:

A)Nem das declarações das testemunhas inquiridas;
B)Nem dos documentos carreados para os autos.

Ao assim dizer parece o arguido ter descoberto a fórmula mais cómoda de contornar a maçada da exigência contida no art.º 412.º, n.º 3 al.ª b), do Código de Processo Penal, de que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Na verdade, se ele insinua que absolutamente ninguém falou naqueles factos durante o julgamento, é obvio que não existe na gravação da prova testemunhal qualquer passagem que ele possa citar; restaria pois a esta Relação ouvir integralmente a prova oral produzida, a fim de verificar se alguém a final falara ou não naqueles factos, quantos tinham a final falado e o que tinham dito sobre o assunto.

Doravante pois, os excelentíssimos impugnantes de matéria de facto limitar-se-iam a dizer mais ou menos isto: sobre o facto X assente como provado não se produziu em julgamento qualquer prova, pelo que nenhuma podemos pois citar ao abrigo do art.º 412.º, n.º 3 al.ª b), do Código de Processo Penal; o tribunal que a ouça lá toda e diga qual é, para nos convencer do contrário.

Com o cuidado dialéctico necessário para não embarcarmos também nós num mero jogo de palavras ocas, dir-se-á desde logo que, de qualquer forma, o impugnante não estaria dispensado de, ao abrigo da mencionada disposição legal, indicar as concretas provas da falta de prova dos factos impugnados…

De resto, ainda e sempre com a brevidade necessária a que um ilogismo de 3 linhas não nos leve a produzir 3 folhas, basta ler a motivação da convicção do acórdão recorrido para nos apercebermos que as testemunha falaram naqueles factos. Se o recorrente não concorda com as ilações que em termos de matéria de facto provada o tribunal "a quo" retirou do que então se disse, devia ter indicado concretamente com quais desses dizeres discordava terem sido interpretados como o foram pelo tribunal recorrido.

Pelo que não se conhecerá de tal impugnação da matéria de facto feita pelo recorrente.
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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que o tribunal "a quo" violou o princípio da livre apreciação da prova:

Este princípio significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.).

O art.º 127.º, do Código de Processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-11-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201.

Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos – acórdãos do STJ de 6-3-02, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.002, II-44 e da Relação de Évora de 25-5-04, Colectânea de Jurisprudência, 2.004, III-258.

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Ora não podemos deixar de aceitar a posição do julgador no caso concreto agora trazido em recurso pelo arguido, porque baseada na imediação e que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova produzida.

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No tocante à 5.ª das questões postas, a de que, nos termos dos art.º 379.º, n.º 1 al.ª a) e 374.º, n.º 2, o acórdão recorrido é nulo por falta de exame crítico da prova e insuficiência de fundamentação da convicção:

Resulta das disposições conjugadas dos art.º 379.°, n.º 1 al.ª a) e 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sentença é nula se não contiver a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Acerca da fundamentação da matéria de facto, escreve Marques Ferreira, em «Meios de Prova», Jornadas de Direito Processual – O Novo Código de Processo Penal», págs. 228 e ss.:

«Exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.»

«Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.»

Ora a fundamentação da convicção da decisão recorrida cumpriu tais ensinamentos, não sendo de se lhe exigir explicações ao minuto ou a cada vírgula.

A lei não impõe a indicação dos meios de prova atinentes a cada um dos factos provados, mas sim a especificação de todos aqueles em que o tribunal se baseou para dar como provados os factos constitutivos de cada uma das infracções, os relativos à personalidade do arguido, às suas condições de vida, situação económica, conduta anterior e posterior aos factos praticados, bem como qualquer outra circunstância tomada em consideração na determinação da pena ou, sempre que for caso disso, os factos integradores de exclusão da culpa e da pena – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-12-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-229.

Tal como está, a fundamentação cumpre o objectivo de – continuando com as palavras de Marques Ferreira – permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso.

Mas o recorrente acrescenta ainda mais às razões do seu descontentamento nesta matéria: diz que o tribunal não analisou criticamente as provas produzidas.

Na verdade, o art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, exige ao tribunal que na sentença – sob pena de nulidade da mesma, de acordo com o disposto no art.º 379.º, n.º 1 al.ª a) do mesmo diploma, – se faça o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A finalidade é a de ser possível perceber como é que, de acordo com a experiência comum e a lógica, se formou a convicção do tribunal num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro.

Apesar do texto da lei não definir como se deve operar e descrever o exame crítico das provas, deixando ao julgador uma larga margem de critério, deve considerar se cumprida essa exigência, nos casos em que ainda que de forma simplificada, conste da sentença de forma suficientemente explícita a motivação porque se aceitou como revelador da verdade histórica determinado elemento probatório e/ou se rejeitou outro dando-o como afastado dessa verdade.

A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 7-2-2001, proferido no proc. n.º 3998/00 3.ª Secção, disse o seguinte: «II Não dizendo a lei em que consiste o exame critico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Basta a fundamentação e motivação necessárias à decisão».

Em idêntico sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 4-4-2001, proferido no proc. n.º 691 /01 38 Secção, onde se afirma: «II. O art.º 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, tem de ser interpretado dentro de uma visão sistémica legal do processo penal, em conjugação com os demais preceitos adjectivos que garantem aos sujeitos processuais um reexame da matéria de facto, o que serve não só o princípio do direito de defesa, incluído o recurso, como também o desenvolvimento do princípio do contraditório, na fase processual do julgamento e dos recursos. III. Não define o texto legal (art.º 374.°, n.º 2, do CPP), de modo estrito, como se deve operar e descrever o exame crítico das provas, deixando ao julgador uma larga margem de critério. Todavia, não se pode deixar de entender, até numa visão teleológica da exigência legal, que devem presidir a este exame crítico critérios de normalidade e razoabilidade, segundo o padrão do homem médio. IV. A descrição do processo lógico que conduziu à convicção do julgador, sem prejuízo da livre convicção probatória deste, princípio basilar do processo penal, terá de ser minimamente expressivo para dar a conhecer a razão que formou o decidido de facto, não exigindo o texto legal que seja exaustiva ou, até, que se deva proceder a extracto de cada depoimento ou declaração. V. De qualquer forma, terá sempre a descrição crítica de explicar porque se aceitou, como revelador da verdade histórica, determinado elemento probatório e se rejeitou outro, porque afastado desta verdade».

Ora, examinando a parte da decisão recorrida que se reporta à convicção probatória, constata-se que a mesma está alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade e que nela se procedeu à indicação da prova e a uma análise crítica da mesma, feitas de forma suficientemente cuidada e criteriosa, resultando dela o processo lógico e racional que levou o julgador a dar como provados e como não provados os factos assim considerados no acórdão, não configurando essa decisão uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum.

Com efeito, dela não só consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal no que respeita aos factos provados e não provados, bem como se apresenta suficientemente abonada com a apreciação crítica das provas que foram produzidas e examinadas na audiência.

Assim, o acórdão recorrido mostra-se elaborado em conformidade com o que dispõe o n.º 2 do art.º 374.° do Código de Processo Penal, pelo que não padece de insuficiência ou falta de fundamentação, designadamente no tocante ao exame crítico do depoimento prestado pela única testemunha de defesa ouvida em julgamento e, por conseguinte não é nulo.
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No tocante à 6.ª das questões postas, a de que , nos termos dos art.º 379.º, n.º 1 al.ª a) e 374.º, n.º 2, o acórdão recorrido também é nulo por não ter dado nem como provados nem como não provados factos constantes da acusação:

E dá como exemplo:

47-A título exemplificativo veja-se o que refere a aliás douta acusação no ponto 15°
"Em conjugação de esforços e mediante acordo prévio".
Ora, quanto a esta matéria nada diz o acórdão de que ora se recorre.
Agiram os arguidos de forma concertada? tendo em vista o mesmo objectivo? Agiram em conjugação de esforços? Agiram mediante acordo prévio? Nenhuma destas perguntas mereceu resposta por parte do Tribunal a quo.

Mas o recorrente não tem razão.

Na parte do acórdão recorrido referente à matéria de facto assente como não provada consta que (o sublinhado é nosso):

Não se provaram outros factos nomeadamente:

2.2 Os atinentes à proveniência do haxixe e a mais pormenores relativos ao seu transbordo, transporte, compensação dos descarregadores e outras actividades que estes possam ter levado a cabo no dia da descarga;

Pormenores nos quais se incluem as interrogações do recorrente de se Agiram os arguidos de forma concertada? tendo em vista o mesmo objectivo? Agiram em conjugação de esforços? Agiram mediante acordo prévio?

E bem fez o tribunal "a quo" em se ter pronunciado desta maneira sobre aqueles temas, pois até e apenas da própria fundamentação da convicção resulta que não tinha elementos suficientes para ter concluído de outra maneira. Se o tivesse feito, teríamos provavelmente o arguido a impugnar a matéria de facto por … se ter pronunciado afirmativamente sobre matérias sobre as quais nenhuma prova se produzira em julgamento …

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No tocante à 7.ª das questões postas, a de que, mesmo a dar-se como provada a matéria de facto assim fixada pelo tribunal "a quo", aquela não integra, todavia, o cometimento pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1, pelo qual foi condenado, mas antes o de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do mesmo diploma legal:

Estabelece o art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, citado apenas na parte que agora interessa ao caso:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

E o art.º 25.º al.ª a), do mesmo diploma legal, prescreve o seguinte, citado também apenas na parte que agora interessa ao caso:

«Se, nos casos dos artigos 21.º ..., a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

«a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI ».

O citado art.º 25.° daquele D.L. n.º 15/93 – tráfico de menor gravidade – não exige que o agente detenha e/ou destine à venda uma quantidade diminuta de droga.

Na realidade, a lei anterior é que dava relevo à detenção de quantidade diminuta de droga. Agora o que releva no art.º 25.° do D.L. 15/93, é a ilicitude ser considerada «consideravelmente diminuída» e, a título exemplificativo, indicam-se alguns dos elementos de um tal «circunstancialismo atenuativo», nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações estupefacientes.

Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-97, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 471, pág. 163, têm interesse, designadamente, o período de tempo da actividade, o número de pessoas adquirentes da droga, a repetição de vendas ou cedências, as quantidades vendidas ou cedidas, os montantes envolvidos no negócio de tráfico de estupefacientes e a natureza dos produtos

Também o Ac. STJ de 18/2/99 (in C.J., Ac. STJ, VII, tomo I, págs. 220 e segs.) refere que, para efeitos de consideração do tráfico de menor gravidade, podem ser levadas em conta outras circunstâncias, além das previstas no mencionado art.º 25.°. E explicita que «o vigente Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, não acolheu a técnica usada pelo seu antecessor D.L. 430/83, de 13/12, em cujo art.º 24.° se aludia a "quantidades diminutas", definindo estas como as que "não excedem o necessário para o consumo individual durante um dia".

«Presentemente, a intenção político-legislativa (...) é, sobretudo, a de permitir ao julgador operar com melhor segurança, por mais ampla ser a abrangência, a distinção, identificando-lhes as diferenças entre casos de tráfico importante (ou significativamente importante) e os de tráfico menor (ou de menor gravidade).»

De acordo com tal jurisprudência e apoiando-se na melhor doutrina nesta matéria (cfr. Lourenço Martins, in "Droga e Direito”, Aequitas, Ed. Notícias, págs. 146 e segs.), ali se conclui que «... para lá do registo da "quantidade", tem de atender-se à "qualidade" das substâncias traficadas, aos "meios utilizados e à modalidade ou circunstâncias da acção", elementos do preceito que não reveste natureza taxativa».

Isto significa que o julgador tem agora ao seu dispor um leque mais diversificado de itens pelos quais poderá aferir do enquadramento da conduta de um agente na previsão do art.º 25.º; mas não quer dizer que cada caso concreto forneça ao julgador elementos suficientes para analisar a situação por todos e cada um de tais itens. Naturalmente que o julgador se terá de contentar em utilizar os que a matéria de facto devidamente apurada permita avaliar.

Assim, não obstante a quantidade das plantas, substâncias ou preparações envolvidas ter deixado de ser o único critério diferenciador entre o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes e o tráfico de menor gravidade, a quantidade de droga traficada, bem como a sua natureza ou o seu grau de pureza, continuam a ser um dos critérios diferenciadores, de forma alguma menosprezável (neste sentido: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-7-2007, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos deste tribunal, 2007, II-234).

De modos que é também por ele que faremos o cotejo da acção imputada ao arguido, para aferir então da razão ou falta dela por parte do recorrente.

E é logo por aí que vemos da sem razão do recorrente, ao pretender que um tráfico de 3.800 quilogramas de haxixe se reduza a um tráfico de menor gravidade; afinal, o arguido podia-nos ter elucidado de quantas toneladas de haxixe será necessário traficar para, na sua opinião, se tratar de um tráfico que não seja de menor gravidade.

Por outro lado, o facto de se tratar de haxixe também não impõe a aplicação ao crime da previsão do art.º 25.º al.ª a) do D.L. n° 15/93. Como se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29-5-03, in Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.003, II-205: «Acresce que o facto de a "cannabis" ser considerada uma droga "leve" não permite que a sua detenção, por si só, leve a concluir que a respectiva ilicitude possa ser tida como consideravelmente diminuída, pois, como é sabido, ela gera apetências gradativamente mais exigentes, acabando por ser o acesso directo à iniciação de drogas perniciosas».

Além disso, os meios empregues patenteiam uma organização de grande envergadura, de contornos internacionais, como o releva o facto de a droga ter sido introduzida no País por via marítima, com o que isso implica de meios logísticos que não se compadecem com estruturas amadoras.

Pelo que improcede a sugestão apontada pelo recorrente.

IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC (art.º 87.º, n.º 1 al.ª b), do Código das Custas Judiciais).

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Évora, 22-04-2010
(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso

António Latas





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[1] No mesmo sentido, acórdão desta Relação de Évora de 01-07-2008, relatado pela Ex.ma Senhora Desembargadora Guilhermina Freitas no processo: 310/08-1, acessível em www.dgsi.pt.