Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALMEIDA SIMÕES | ||
Descritores: | CAUSA DE PEDIR CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO NULIDADE PROCESSUAL | ||
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Data do Acordão: | 11/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - A causa de pedir é o acto ou facto jurídico, simples ou complexo, mas sempre concreto, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer. A sua falta motiva a ineptidão da petição inicial. II – Existindo anomalias nos articulados ou faltar um documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da acção, o Juiz tem de convidar a parte a aperfeiçoar o articulado ou a juntar o documento – art. 508º, nº 2 CPC. A falta de tal convite é causa de nulidade processual. Quando nos articulados faltem factos essenciais, a sua alegação seja ambígua ou obscura o Juiz pode convidar as partes a suprir a insuficiência ou imprecisão, concretizando a matéria de facto – art. 508º, nº 3 CPC. A falta de tal convite não é causa de nulidade processual. | ||
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Decisão Texto Integral: | * “A”, demandou, no Tribunal de …, “B”, “C” e “D”, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 196.350,00 euros, a título de indemnização por prejuízos sofridos em resultado de conduta culposa dos réus. PROCESSO Nº 2016/08-3 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * Alegou, no essencial, que celebrou com a ré “B” um contrato de prestação de serviços que tinha como objecto a instalação e a manutenção de um sistema de rega, que foi instalado nos prédios da autora, sitos em … e que se destinava a irrigar searas de milho e sorgo e vinha, tendo celebrado com o réu “C” um contrato de prestação de serviços que tinha por objecto a plantação de bacelos adquiridos pela autora e destinada aos mesmos prédios; celebrou, ainda, com o réu “D” um contrato de trabalho, ficando este encarregue de todos os trabalhos executados nos prédios propriedade da autora. Alegou, de igual modo, que pereceram 49.000 pés de vinha que plantou em 2001, o que foi causado pelo mau funcionamento do sistema de rega, à má orientação dos trabalhos, nomeadamente, atrasos significativos na mobilização do solo, o que originou uma plantação tardia, causada por incompetência do Senhor “D”. Invocou que as avarias do sistema de rega nunca foram atempadamente reparadas, permanecendo semanas sem funcionar correctamente e que houve incúria e negligência do réu “D”, que nunca alertou a para o funcionamento defeituoso. Referiu as grandes perdas nos bacelos que foram plantados no ano de 2002, por plantação tardia, sem aproveitamento das excelentes condições de um dos armazéns, o qual conservava adequadamente os bacelos, devendo-se os resultados ao funcionamento deficiente do sistema de rega e à incúria do feitor, bem como à conduta do réu “C”, que manteve os bacelos demasiado tempo nas caixas, período que nalguns casos chegou a ser de três meses. Houve contestação dos réus “B” e “D”. Na saneador, a petição foi julgada inepta, por falta de causa de pedir, em virtude de não terem sido alegados quaisquer factos concretos, constitutivos de uma causa de pedir, e passíveis de integrar uma condensação, com destrinça de matéria de facto assente e base instrutória. Considerou o senhor juiz a fundamentar a ineptidão da petição inicial: ... a autora constrói o seu articulado com recurso a factos genéricos no que diz respeito a tempo, espaço e modo, recorrendo a conceitos conclusivos ou de direito. Da leitura da petição inicial não se logra extrair quais os terrenos concretos de que a autora é proprietária; em que datas concretas celebrou os "contratos" com os réus e quais os terrenos em que os mesmos se obrigaram a prestar funções; quais as obrigações concretas emergentes de cada um dos contratos celebrados; quais os defeitos existentes no funcionamento do sistema ou sistemas de rega; quais os actos/omissões concretas dos segundo e terceiro réus, concretizadas em termos de espaço, tempo e modo, que constituem um incumprimento contratual (o qual, reitera-se, só poderia ser apreciado em confronto com as obrigações contratuais especificamente assumidas). Ainda que partilhando a tese perfilhada por Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pag. 323, de que a alegação do facto constitutivo do direito pode ser feito mediante a junção do documento em que ele conste, não traduzindo inexistência ou ininteligibilidade da causa de pedir a remissão feita na petição inicial para a matéria constante de documentos com ela juntos, desde que deles se infira com certeza o que se pretende e foi realmente articulado e percebido pelo réu, nada se alcançaria nos presentes autos. Com efeito, não são, sequer, juntos à petição inicial quaisquer documentos referentes à matéria que constitui a "causa de pedir" que possam considerar-se como alegação tácita de factos. Não pode olvidar-se (o que se extrai das normas em cuja indicação o autor baseia a sua pretensão) que a presente acção visa o ressarcimento por incumprimento contratual - assim, haveria que delimitar de forma clara os contratos celebrados pelas partes e os actos/omissões constitutivos dessa responsabilidade. * Entendeu também o senhor Juiz, de outro passo, que, verificando-se a inexistência de elementos que consubstanciem uma causa de pedir contra qualquer dos réus contra quem a acção vem interposta, mostra-se afastada a possibilidade ser proferido um convite ao aperfeiçoamento - na verdade, a apresentação de uma petição onde se materializassem todos os aspectos sobre os quais já se disse não terem sido alegados factos concretos, constituiria uma nova petição inicial, em vez de uma petição aperfeiçoada. Inconformada, a autora agravou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem: 1ª. Face à alegada insuficiência da causa de pedir quanto a factos que, não obstante terem sido alegados, não consubstanciam factos concretos os suficientes, aliada à alegada falta de apresentação de documentos essenciais, por parte da autora, para determinar a procedência da acção. 2ª. Pese embora a acção ter sido contestada por parte dos réus, o que demonstra que a mesma é clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir. 3ª. Em tais circunstâncias, deveria o juiz proferir despacho vinculado de aperfeiçoamento, convidando a autora a suprir as irregularidades e/ou omissões da p.i., concedendo-lhe prazo para o efeito. 4ª. Caindo por isso no âmbito dos nºs 1 al. b) e 2 do art. 508º do CPC. 5ª. Caso as referidas insuficiências não fossem supridas no prazo concedido ou fossem supridas de forma deficiente, só então deveria o juiz extrair as consequências de tal omissão. 6ª. A omissão desse convite ao aperfeiçoamento põe em crise o princípio da cooperação consagrado no CPC, nos seus artigos 266º e 266°-A. 7ª. A omissão do despacho ao convite de aperfeiçoamento é uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, constituindo, por isso, uma nulidade tal como dispõe o n° 1 do art. 201 ° do CPC, que vicia o despacho exarado pelo tribunal "a quo". 8ª. Termos em que deve a decisão do tribunal de 1ª instância ser anulada e ser a autora convidada ao aperfeiçoamento da petição inicial. Não foram apresentadas contra-alegações. Os Exmos Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos. De acordo com as conclusões apresentadas pela apelante, que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, a questão a resolver consiste em saber se a omissão de prolação de despacho de aperfeiçoamento, no tocante à alegação de factos integradores da causa de pedir, constitui nulidade (artigo 508° nºs 2 e 3 do CPC). Vejamos, então: Como se sabe, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico, simples ou complexo, mas sempre concreto, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, isto é, o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido. Se falta a causa de pedir, designadamente, por ausência de alegação da factualidade que a integra, a petição diz-se inepta (art. 1930 n° 2 al b) do CPC). O artigo 508° n° 2 do CPC dispõe que, na fase de pré-saneamento, o juiz deve convidar as partes a suprir irregularidades dos articulados ou juntar documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. Dispondo o n° 3 do mesmo normativo que o Juiz pode convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto. Estamos, no entanto, perante situações diversas. No primeiro caso (n° 2 do art. 508°), a lei prevê o convite vinculado do juiz destinado à correcção de anomalias dos próprios articulados ou quando ocorra a falta de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. No segundo caso (n° 3 do art. 508°), a lei atribui ao juiz a possibilidade de convite ao suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, isto é, quando não se encontrem articulados todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura (cf. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg. 304). Trata-se, aqui, de um convite não vinculado, de uma mera faculdade atribuída ao Juiz, no âmbito dos seus poderes discricionários, que pode ou não utilizar conforme as circunstâncias. Ora, na situação que se aprecia, está em causa o convite que a agravante entende que o senhor juiz devia ter feito para correcção da petição inicial, no sentido da alegação dos factos integradores da causa de pedir, ou seja, de um convite não vinculado, nos termos do nº 3 do art. 508° do CPC. Assim sendo, a omissão do convite de aperfeiçoamento, não integra, in casu, qualquer nulidade, designadamente a do n° 1 do artigo 201° do CPC, uma vez que o senhor juiz limitou-se a não fazer uso de uma faculdade discricionária, tendo explicitado no despacho recorrido as razões que o levaram a não fazer uso dessa faculdade. Por outro lado, estando em causa o não exercício de uma faculdade discricionária, não pode a Relação censurar a omissão do convite de aperfeiçoamento da petição inicial (cf art. 6790 CPC). Ante todo o exposto, negando provimento ao agravo, acorda-se em confirmar a decisão impugnada. Custas pela agravante. Évora, 6 Nov. 2008 |