Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GAITO DAS NEVES | ||
Descritores: | PROCEDIMENTOS CAUTELARES RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE LEGITIMIDADE INSPECÇÃO JUDICIAL LIBERDADE DE JULGAMENTO FALTA DE MOTIVAÇÃO EXPRESSÃO OFENSIVA | ||
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Data do Acordão: | 06/03/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | I - Embora o esbulhador seja casado, se dos factos alegados não resultar que a mulher tenha perturbado o direito do Requerente, o seu não chamamento à acção não motiva a ilegitimidade passiva. II - Não existe omissão do dever de apurar a verdade material, quando o juiz refere não proceder à realização duma requerida inspecção judicial, por dos documentos juntos aos autos ou da audição das testemunhas, a mesma se tornar desnecessária para o esclarecimento do Tribunal. III - A liberdade de julgamento não constitui um poder arbitrário do Juiz, pois está vinculado a especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção. IV - Num procedimento cautelar tutelam-se direitos de forma provisória, porquanto estes só serão definitivos com o trânsito em julgado na acção a instaurar. V - Dos artigos 154º e 266 - B do CPC não resulta que o Juiz possa aplicar qualquer multa a um Advogado, por, em seu entender ele se tenha excedido quer por escrito quer por palavras. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA “A”, casado, residente em ..., instaurou o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse, contra* “B”, casado, residente em ..., alegando: O Requerente é dono do prédio urbano, composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com um logradouro descoberto de 258 m2, sito nos ..., descrito na CRP de ... com o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ... O prédio confronta a Norte e Poente com “B”; Sul com José ...; Nascente com caminho. O acesso ao logradouro do Requerente sempre se fez por um caminho de terra batida, que se revela através de sinais permanentes, bem visíveis e inequívocos, com 220 metros de comprimento e 3 de largura. E por tal caminho sempre passaram o Requerente, familiares e amigos, à vista de todos, sem oposição, quer a pé, quer de carro ou outro meio de transporte, sendo o único que dá acesso ao prédio. Tal caminho tem o seu início numa estrema do prédio do Requerido, atravessa todo o terreno deste, para depois servir de divisão entre os prédios do Requerente e Requerido, até terminar no logradouro do primeiro. Acontece que em finais de Novembro de 2001, o Requerido começou por mandar erigir uma parede a Nascente do prédio do Requerente, indiciando que pretendia construir uma casa, isto no caminho usado pelo Requerente e bem em frente à casa deste. Como o Requerente se tivesse oposto a tal construção o Requerido não concluiu a obra. Porém, iniciou a construção dum muro em tijolo, abrindo os alicerces e mais uma vez no caminho utilizado pelo Requerente. Perante a oposição deste, mais uma vez suspendeu a obra. Colocou, depois, o Requerido grossas estacas de madeira, firmadas no solo, impedindo que a viatura do Requerente entre no logradouro, bem como na garagem, pois que as estacas distam 1,5 metro da porta. Chegou ao conhecimento do Requerente, que o Requerido solicitou à Câmara Municipal de ... licença para construir uma arrecadação no sítio da passagem. Termina, pedindo: a - Que seja reconhecida a posse do Requerente sobre o caminho ou servidão; b - Seja ordenada a restituição sem citação ou audiência do esbulhador; c - Seja o Requerido notificado para se abster de erigir qualquer construção na área descoberta que se encontra em frente da entrada da casa do Requerente; d - Ser o Requerido notificado para se abster de praticar actos que impeçam a utilização da passagem, retirando as estacas. * Inquiridas as testemunhas, na Primeira Instância foi dada como provada a seguinte matéria factual:*** 1 - O Requerente é dono e legítimo proprietário do prédio urbano composto de rés-do-chão e 1º andar, destinado a habitação e logradouro descoberto, com área total de 258 m2, sito nos ..., descrito na matriz predial urbana sob o artigo ... 2 - O referido prédio confronta a Norte e Poente com “B”, a Sul com José ... e a Poente com caminho. 3 - A qualidade de proprietário do prédio supra descrito, advém-lhe do facto de ter adquirido, ao Requerido, um talhão de terreno para construção urbana, por escritura pública de compra e venda, outorgada em 23.12.86, no 1º Cartório Notarial de ... 4 - O talhão de terreno que foi destacado do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., da mesma freguesia e desanexado do prédio descrito na CRP de ... sob o número ..., pertença do Requerido. 5 - No talhão de terreno em causa, o Requerente edificou uma casa de habitação, após ter requerido nas autoridades competentes - Câmara Municipal de ... a respectiva autorização de construção. 6 - O Requerido é dono e legítimo proprietário do prédio confinante sito no ... 7 - O prédio do Requerente confronta do Norte e do Poente com o prédio do Requerido, do Sul com José ... e do Nascente com caminho. 8 - O acesso ao logradouro do Requerente, faz-se e sempre se fez por um caminho de terra batida, com as dimensões e com a configuração especificadas na planta junta como documento 7. 9 - É nesse logradouro que o Requerente tem o portão da sua garagem, bem como a única entrada para a sua residência. 10 - O caminho tem aproximadamente 220 metros de extensão, por 3 metros de largura, estando bem definido em todo o seu comprimento. 11 - Seja de carro, de motorizada, bicicleta ou a pé, tal caminho configura a única solução para o Requerente entrar na sua residência ou o automóvel na garagem que lhe pertence. 12 - Desde que construiu o prédio urbano melhor descrito no número 1, sempre foi esse caminho que o Requerente, familiares e amigos utilizaram. 13 - O caminho em causa tem o seu início numa das estremas do prédio do Requerido, atravessando todo o terreno daquele, para depois servir de divisão entre os prédios de Requerente e Requerido, acabando finalmente no logradouro daquele primeiro. 14 - Desde há mais de 15 anos, o Requerente utiliza essa passagem, à vista de todos, sem oposição de qualquer pessoa, nomeadamente do Requerido. 15 - Sendo utilizado diariamente pelo Requerido e família, como via de acesso à via pública até à sua casa de habitação. 16 - Desde finais do mês de Novembro de 2001, do lado Nascente do prédio do Requerente, o Requerido iniciou actos tendentes a limitar o Requerente quanto ao uso da serventia. 17 - O local da construção sempre se destinou a serventia. 18 - O Requerente insurgiu-se contra a construção e obstáculos na serventia. 19 - O Requerido iniciou a construção de um muro em tijolo abrindo alicerces. 20 - O Requerente tentou chegar a acordo com o Requerido. 21 - Foram abertos buracos para as estacas juntas à garagem e que estão firmadas no terreno. 22 - O Requerente encontra-se impedido de entrar com o carro na garagem. 23 - O Requerido disse “isto aqui é meu”. 24 - O Requerido chegou a colocar estacionada em frente ao portão da garagem do Requerente, o seu veículo automóvel, impedindo dessa forma o acesso à referida garagem. 25 - A mulher do Requerente desloca-se com o auxílio de bengala. * Perante tal factualidade, foi o procedimento cautelar julgado procedente.*** * O Requerido deduziu oposição, alegando:*** O Requerido doou ao Requerente o terreno, não tendo constituído qualquer servidão, permitindo-lhe a serventia, aproximadamente com a extensão de 220 metros e 3 metros de largura. Mas tal reconhecimento não implica que seja reconhecido ao Requerente “a posse sobre o caminho ou servidão”. A decisão proferida não faz mais do que ordenar o que sempre existiu. Se é certo que o prédio do Requerente estrema com o caminho, este estrema com o prédio do Requerido. O que não é verídico é que o prédio do Requerente confina com o do Requerido, sob pena do assento da servidão ser propriedade do Requerente. O Requerente altera a verdade dos factos, quando diz que o Requerido construiu um muro a 1,5 metro da sua garagem, altera as confrontações e por nunca o Requerido o ter perturbado no uso da servidão, pelo que deve ser condenado em indemnização a favor do Requerido. Termina, pedindo que deve ser revogada a decisão e o Requerente condenado como litigante de má fé. * Respondeu o Requerente ao pedido de condenação como litigante de má fé, concluindo pela sua improcedência.*** * Procedeu-se a exame pericial ao local e foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo Requerido.*** * A folhas 169, o Exmº Juiz diz que estando o Requerente e Requerido de acordo quanto à servidão, a única questão que se suscita é a de saber se o muro erigido pelo Requerido está ou não implantado na dita servidão.*** Que da prova testemunhal e pericial resultou: 1 - O prédio do Requerente tem uma área total de 232,1 m2 (cfr. relatório pericial), sendo que a área de ocupação da habitação (superfície coberta) é de 88,3 m2. 2 - A casa do Requerente foi construída dentro do lote. 3 - À frente da garagem do Requerente e em toda a extensão do lado Nascente da casa de habitação existe um patim, com cerca de 80 centímetros de largura. 4 - O muro construído pelo Requerido dista cerca de três metros da porta da garagem/quina da casa do Requerente. * Perante tal factualismo, na Primeira Instância foi decidido:*** a - Julgar a oposição improcedente e mantida a decisão que decretou a restituição provisória de posse. b - Absolver o Requerente do pedido de condenação como litigante de má fé. c - Multar o Ilustre Mandatário do Requerido com 2 Uc’s, por ter utilizado uma linguagem excessiva e susceptível de ofender a honra do Requerente. d - Fosse extraída certidão e remetida ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados. * Com tal decisão não concordou o Requerido, tendo interposto o respectivo recurso, onde formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1 - O tribunal a quo errou jurídica e judicialmente ao decretar a presente Restituição Provisória de Posse, por não estarem presentes os seus requisitos ad substantia e cumulativos: a posse, o esbulho e a violência.*** 2 - O requisito, notoriamente, violado foi o da violência, pois ela não existiu e tal está provado e declarado na matéria provada e na decisão. 3 - Na matéria e resposta da matéria provada e não provada somente se lê, e V.as Ex.as confirmarão que: - “art.s 21º e 22º, provado apenas que o requerente se insurgiu contra a construção e obstáculos na serventia”, - “art. 35º, provado apenas que o requerido disse «isto aqui é meu»”. Na decisão somente se lê, que - “W) o requerido disse «isto aqui é meu»” (ora, isto não é violência, nem sequer ameaça de violência). 4 - A posse não está minimamente comprovada, pois o Tribunal a quo, limita-se a presumir e erradamente. O muro dista, diz o Tribunal, 3 metros da garagem do Rte e o Rdo deixou a largura da serventia, que é de 3 metros. 5 - Não houve, como devia nesta matéria Inspecção Judicial. 6 - O esbulho não está focado, pois só se pode esbulhar o que é alheio. 7 - O Despacho não está motivado como determinam os artigos 304º/5 e 653º/2, o que constitui violação da norma constitucional 205º. Com o devido respeito, dizer-se “provado” ou “não provado” é dizer-se nada ou fazer do juiz um deus infalível e, ainda mais, quando pode ser objecto de Recurso. 8 - A parte passiva está mal constituída, pois diz-se e bem que o Rdo é casado e a cônjuge não é citada. 9 - Em definitivo, o(s) presentes Despacho(s) contêm erros demais: falta de requisitos ad substantia e cumulativos, mormente o de “violência”, o de não motivação e o de ilegitimidade da parte passiva, tudo acompanhado da omissão do dever de averiguação da verdade material, artigos 265º/3 e 650º/1. Deve o despacho ou despachos do tribunal a quo ser(em) revogado(s), por manifestos erros jurídicos e mandar(em)-se repeti-lo(s) na forma devida, art. 395º ou, simplesmente, julgá-lo(s) improcedente(s). * Contra-alegou o Agravado, concluindo pela improcedência do recurso.*** * Também o Ilustre Advogado do Requerido não concordou com a multa que lhe foi aplicada, tendo interposto o respectivo recurso, onde apresentou as seguintes CONCLUSÕES:*** 1 - O Tribunal omitiu a Inspecção Judicial requerida - indeferindo - o dever funcional determinado pelo artigo 265º/3 e, principalmente, numa restituição provisória de posse, quando o local dista 2 Km. 2 - O tribunal, melhor, a juiz a quo errou na interpretação e aplicação do art. 393º, pois falta o requisito da posse, do esbulho e da violência e na violência é a própria juiz a declarar que a não houve na resposta ao artigo 35º: “provado apenas que o requerido disse isto aqui é meu” ou em W): “o requerido disse isto aqui é meu”. 3 - O tribunal, melhor, a juiz a quo não gostou e, com a devida vénia, irritou-se com as reclamações da parte às deficiências deste julgamento cautelar: - indeferimento da inspecção judicial - e verificar-se-ia a mentira ou perjúrio de 1,5 m em contraste com os reais 3,20 m. - se não há violência, vide W), não há que aplicar o 393º, mas o 395º do CPC, bem como não há esbulho em coisa própria. 4 - A convicção do juiz forma-se no final da instância e nunca antes do meio. E foi o caso. 5 - As conclusões antecedentes foram sempre reclamadas pelo aqui Advogado e mandante, o que - não se percebe - irritaram a juiz a quo. 6 - É a própria juiz a quo a classificar que “o mandatário utilizou uma linguagem excessiva”, donde não utilizou uma “linguagem ofensiva”. E é esta a punida e não aquela. Aliás, diz FIGUEIREDO DIAS, “não são ilícitas as expressões do advogado que seriam utilizadas ou justificadas em domínio como a luta política, o debate parlamentar, a crítica literária ou desportiva...” (ROA, 1992, p 288). “EXCESSIVA” significa que está dentro dos limites do normal ou do razoável. 7 - O efeito do “excessiva” é, para este juiz, a “susceptível de ofender a honra do requerente”. Ora, “susceptível” significa “probabilidade”, “ser capaz de“, donde não é um facto certo, logo, pode ofender ou não ofender a honra do requerente. Pelas conclusões 6ª e 7ª a AQUI JUIZ A QUO TORNOU-SE, SIMULTANEAMENTE, ADVOGADO E JUIZ, pois a contraparte nada disse. 8 - As ditas expressões além de ser pertencentes ao mandante, estão dentro do art. 154º/3. 9 - Maliciosa e gratuitamente, é o termo correcto, o tribunal, melhor, a juiz a quo menciona o art. 8º da Oposição - veja-se 8º -, a dizer que tem uma linguagem excessiva e o que lá se diz é: “o certo é que o requerido deixou a ‘dita construção’ a 3 metros da porta da garagem (e mais uns centímetros). (porquê este desmando?). 10 - O tribunal, melhor, a juiz a quo confunde os conceitos de “mandatário”, art. 208º da CRP, 1157º do C.C. e 38º do CPC com “parte”. E aquele nunca é esta, inclusive, a parte pode estar em tribunal, artº 32º. 11 - O mandatário age em nome e por conta da parte. 12 - O tribunal, melhor a juiz a quo erra na interpretação e aplicação dos artigos que fundamentam a decisão: - O art. 266º - B/2 do CPC, não se aplica, pois este só refere “as partes” e nunca o “Mandatário”, - O 266º -B/1 refere, principalmente, a recíproca correcção e esta está a dizer a verdade, e “as relações entre advogados e magistrados pautam-se por um especial dever de urbanidade”. Da nossa parte sim. - O artigo 154º/5, não se aplica, pois o “mandatário” não são “as partes ou outras pessoas”. o mandatário é, em concreto, o Advogado. 13 - O mandatário sempre manteve e teve, aliás, é seu timbre e vai para alguns e bons anos, o respeito e a cortesia pelos tribunais e juizes e a “Oposição” é a forma pundonorosa e adequada de exprimir o seu cliente e, até, de defender os interesses e direitos deste. 14 - Este despacho, inclusive, no seu conjunto por erro na interpretação e aplicação e, em concreto, nesta parte da multa ao mandatário e pelas vicissitudes da juiz a quo, com a devida vénia, pensamos, acreditamos e ensinamos, não honra a Justiça de 1ª Instância. 15 - O DESPACHO, NESTA MATÉRIA DE MULTA, É OFENSIVO DA HONRA DO ADVOGADO, que nada fez para a merecer. Mas, por vezes e foi a primeira e única, também acontece. É a vida do Advogado de toga - porém não devia. VENERANDOS DESEMBARGADORES SÓ REVOGANDO ESTE DESPACHO INSÓLITO, SE CUMPRIRÁ A LEI E O DIREITO. ASSIM, ESPERAMOS A HABITUAL JUSTIÇA, ALIÁS, SEMPRE O TIMBRE DESSA VENERANDA E NOBRE RELAÇÃO. * Foi proferido despacho de sustentação.*** * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*** * Três notas prévias:*** Nos termos do artigo 752º, nº 2, do Código de Processo Civil, começaremos por apreciar o Recurso de Agravo interposto pelo requerido “B” (fls. 179) e seguidamente o apresentado pelo Exmº Advogado deste (fls. 180). As conclusões de recurso limitam o objecto do mesmo - artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil. Registe-se que o Exmº Mandatário do Agravante, apresenta-se em Juízo como Mestre em Direito que “pensa, acredita e ensina” (fls. 188, última linha). Permita-se-nos, então, uma ligeira apreciação quanto a uma mera coincidência. Quando se dirige ao Tribunal ou à Exmª Juiz fá-lo sempre com letra minúscula. Todavia, quando se refere a Advogado, já a ortografia surge com letra maiúscula. RECURSO INTERPOSTO PELO REQUERIDO Importa apreciar: a - Falta de citação do cônjuge do Requerido; b - Falta de inspecção judicial; c - Falta de motivação; d - Falta de pressupostos . A - FALTA DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO REQUERIDO Atentemos no requerimento inicial: “A” veio a Juízo pedir que seja reconhecido o seu direito de passagem através duma servidão, pois que “B” está a levar a cabo uma conduta que isso perturba . Se é certo que “B” é casado, pergunta-se: O que está a fazer a mulher deste que impeça a passagem daquele? Ao longo do articulado, não o vislumbramos. Daí que pretender invocar-se uma ilegitimidade por não estar em juízo uma pessoa estranha aos factos relatados, não se compreende. Mais. Não estará em causa a perda de qualquer bem comum dum casal, pois que o Requerido aceitou a existência da servidão e no seu requerimento de interposição de recurso até diz que “vai proceder ao «recuo» da construção da sua futura garagem em 80 cm, em prol da paz social”. Servindo-nos, analogicamente, do que diz o artigo 1281º, nº 2 do Código Civil, constatamos que numa acção de restituição de posse estará do lado activo o esbulhado e do lado passivo o esbulhador ou o possuidor da coisa, com conhecimento do esbulho. Ora, nada vem alegado quanto ao ser a mulher do Requerido que detém a posse da construção duma futura garagem. Sendo assim, nos termos do artigo 26º do Código de Processo Civil, as partes que estão no processo são as legítimas. B - FALTA DE INSPECÇÃO JUDICIAL No seu requerimento de oposição, “B” requereu prova por inspecção judicial. Conforme consta da Acta de 23 de Setembro de 2002, a folhas 119, Requerente e Requerido solicitaram que se procedesse à realização de um exame pericial a efectuar pelos Serviços Geográficos-Cadastrais. Foi deferida a pretensão. Encontram-se nos autos os resultados da perícia efectuada - folhas 136 a 138. Reclamou o Requerido, tendo solicitado uma segunda perícia - folhas 143 e 144. Foram prestados esclarecimentos quanto ao exame pericial - folhas 156. A folhas 165, encontramos o seguinte despacho: “Considerando que o exame pericial efectuado, bem como as fotografias juntas aos autos, conjugado com o depoimento das testemunhas, nos permitem averiguar o que o requerido pretendia com a dita inspecção judicial, indefere-se a mesma pela sua desnecessidade”. Foi tal despacho proferido aos 04 de Junho de 2003 e estiveram presentes todas as partes convocadas, inclusive o Exmº Mandatário do ora Agravante (conf. Acta de folhas 164 a 166). Segundo reza o artigo 685º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, tendo estado presente, o recurso deveria ter sido interposto no prazo de 10 dias. Vem, agora, nas alegações da Decisão Final, suscitar a eventual irregularidade. Mas, salvo o devido respeito, o recurso sob apreciação foi interposto no dia 25 de Junho de 2003. Sendo assim, o artigo 671º do Código de Processo Civil, atribui-lhe força de caso julgado. Torna-se, pois, impossível a esta Relação debruçar-se sobre o pretendido. Embora assim, sempre diremos que procede-se a uma inspecção judicial, quando, por iniciativa própria ou por tal lhe ter sido requerido, o Tribunal entenda que tal diligência se mostre pertinente para a convicção factual e não ponha em causa a intimidade ou dignidade das pessoas - conf. art. 612º do Código de Processo Civil. Dizer-se que houve “omissão do dever de averiguação da verdade material”, quando o Juiz referiu que a diligência se mostra desnecessária por os factos constarem do Relatório Pericial, prova documental e depoimento testemunhal, é algo que pode raiar pretender o Agravante que o Tribunal pratique um acto inútil, o que é proibido por lei - artigo 137º, do Código de Processo Civil. Embora assim, posteriormente diremos o que pensar quanto ao estar o Tribunal perfeitamente esclarecido ou não. C - FALTA DE MOTIVAÇÃO Sempre temos defendido que a liberdade de julgamento estabelecida no artigo 655º do Código de Processo Civil não constitui um poder arbitrário do Juiz, pois que está vinculada a uma análise crítica das provas, especificando-se os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do Julgador - art. 653º, do mesmo Diploma. Um Juiz julga consoante as provas que lhe são apresentadas e não por ter um poder inato para tanto. Quando um Juiz diz que dá como provado certos factos por a convicção resultar da prova testemunhal e pericial, não está, minimamente a dizer que tal facto está ou não provado, por lhe apetecer que assim seja. Está a tomar uma concreta posição (embora devesse ser mais preciso) quanto aos alicerces da sua posição. Não poderá aceitar-se a afirmação gratuita e infundamentada assumida pelo Agravante na sua conclusão 7ª que: “O Despacho não está motivado como determinam os artigos 304º/5 e 653º/2, o que constitui violação da norma constitucional 205º. Com o devido respeito, dizer-se «provado» ou «não provado» é dizer-se nada ou fazer-se do juiz um deus infalível e, ainda mais, quando pode ser objecto de Recurso”. Mas, também contra esta violação legal por parte do Agravante, não deixa de ser elucidativo o desenvolvimento dos autos. No requerimento em que suscitou oposição à decretada restituição provisória, o Agravante, pela pena do seu Exmº Advogado, requereu a acareação da testemunha F..., Advogado, pois que prestou FALSAS DECLARAÇÕES (sic). Mais requereu que as testemunhas F... e F... prestassem esclarecimentos. Pois bem. O Exmª Juiz, no seu despacho de 04 de Junho de 2003 - fls. 164 dos autos, tomou posição quanto ao acima requerido, indeferindo-o, dizendo: Primeiro - Não poderá ser deferida a acareação, pois pretende confrontar-se um depoimento prestado com outros que ainda o não haviam sido - as testemunhas arroladas no requerimento de oposição; Segundo - Quanto à prestação de esclarecimentos não foi indicado o respectivo objecto. Repetindo, foi tal despacho proferido aos 04 de Junho de 2003. Esteve o Requerido presente, bem como o seu Exmº Mandatário. Só agora, nas alegações de recurso suscita a questão. Todavia, ao fazê-lo, olvida que se depara com um despacho transitado em julgado, pelas razões já atrás esclarecidas. Por assim ser, esta Relação está, legalmente, impossibilitada de apreciar a questão. D - FALTA DE PRESSUPOSTOS Conforme já se deixou dito - e assim foi referido na Primeira Instância - na oposição que deduziu, o ora Agravante reconhece que o Requerente-Agravado tem o direito a passar pela servidão com aproximadamente 220 metros de extensão e 3 metros de largura, que tem o seu início numa das estremas do prédio do Requerido, atravessa todo o prédio deste, separando numa parte do itinerário os dois prédios, até atingir o logradouro do prédio do Requerente. Se atentarmos à matéria factual considerada provada, não poderão restar quaisquer dúvidas que o assento da servidão é propriedade do Requerido. O Requerente detém o direito ao uso de passar pela servidão, quer seja a pé, com qualquer meio de transporte, bem como o direito de que pela mesma passem os familiares e amigos que se dirijam à sua residência. Foi instaurado o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, previsto no artigo 393º, do Código de Processo Civil: “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a sua posse, o esbulho e a violência”. Analisemos cada um dos pressupostos. POSSE Vem definida no artigo 1251º, do Código Civil: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. A redacção de tal normativo leva-nos a concluir que nem só um proprietário poderá deter a posse. Ela é atribuída igualmente, a não proprietários, designadamente àqueles que exerçam um direito baseado num direito real ou direito das coisas. Pois bem, o Legislador incluiu as servidões no Título VI, do Livro III, do Código Civil, que aglutina as normas relativas ao Direito das Coisas. Logo, as servidões são consideradas como direitos reais, susceptíveis de posse. Há posse da coisa quando uma pessoa desfruta uma coisa nos termos de um direito, ou seja, quando uma pessoa exerce sobre uma coisa a actividade correspondente ao conteúdo de um direito real - Menezes Cordeiro , Dtºs Reais, 1979, pág.397. Considerando que o Requerido-Agravante reconhece que o Requerente-Agravado tem direito à servidão, não valerá a pena perdermo-nos em considerações quanto ao corpus e o animus. Temos por reconhecida a servidão. É serviente o prédio do Requerido e dominante o do Requerente. Como características da servidão encontramos: Tem início numa estrema do prédio serviente, atravessa-o na totalidade, servindo numa parte de limitação entre este prédio e o dominante e termina quando atinge o prédio dominante. Tem o comprimento de 220 metros e a largura de 3 metros. Poderemos, assim, concluir que o Requerente tem direito a ser restituído ao seu direito de exercício de uso da servidão, caso se verifiquem os outros dois pressupostos. Vejamo-los: ESBULHO Segundo dispõe o artigo 1565º, nº 1, do Código Civil, “O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação”. Importa verificar se indiciariamente - (cfr. Acórd. do S.T.J. de 11/7/61, no BMJ, 109 - 564), a conduta do Agravante coloca ou não em causa o uso da servidão. Haverá, todavia, que considerar: A tutela do direito do Requerente, através do presente procedimento cautelar reveste um carácter provisório, porquanto não se definem direitos em termos definitivos, Os procedimentos cautelares, como diz Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, ed. 1981, Vol. I, pag. 130 “Os procedimentos cautelares nada mais são que simples medidas destinadas a prevenir os perigos da natural demora do julgamento ou curso de qualquer acção”. E, mais adiante, a folhas 131 “De maneira genérica pode dizer-se que os procedimentos cautelares ou visam assegurar os resultados da acção, mantendo o «status quo» para que ele se não altere em condições tais que não seja susceptível de reintegração, ou antecipando a realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido, dada a urgência na sua efectivação”. Importa, agora, definir o que se entende por esbulho. Depararamos com um esbulho, quando um possuidor ou um titular dum direito real fica privado de exercer aquela ou este por acto de terceiro. Terá, então, direito à restituição do que foi privado. VIOLÊNCIA É pacífica a orientação Jurisprudêncial e Doutrinal que um acto violento tanto pode ser exercido sobre pessoas (seja física ou moral) ou sobre coisas. Ora, não poderá duvidar-se que a colocação de objectos, fixados ou amovíveis, sobre o assento duma servidão, denota uma conduta violenta contra a própria servidão. Aqui chegados, importa definir, em concreto, o direito do Autor: ele terá o direito de passar através duma servidão com três metros de largura, com assento no prédio do Requerido, até atingir o seu e pelo local por onde sempre o fez. O Requerente construiu um urbano no prédio que adquiriu. O que importa averiguar, no presente procedimento cautelar, é se a conduta levada a cabo pelo Agravante estreitou a servidão, por forma a que ela não tenha os três metros de largura no local em que coincide com o prédio do Requerente e onde antes sempre esteve. O que indiciariamente se prova é, por um lado, que o Requerido ora Agravante construiu um muro em tijolo, abrindo alicerces, tendo sido abertos buracos para estacas juntas à garagem e que estão firmadas no terreno e que o Requerente se encontra impedido de entrar com o seu carro na garagem e, por outro, que o Requerido, ora Agravante chegou a colocar estacionado, em frente ao portão da garagem do Requerente o seu veículo automóvel, impedindo-o, por essa forma, também o acesso à referida garagem. Constata-se, assim, perante estes factos que o Requerido com a sua conduta tem impedido que o Requerente usufrua da servidão conforme sempre até aí fizera, já que antes entrava e saía livremente da garagem sem qualquer obstáculo. Questões concretas como a delimitação exacta da servidão em causa, designadamente a sua largura e o início desta (se do lancil do patim, da quina da casa / porta da garagem ou da parede vertical da casa) serão esclarecidas em sede da respectiva acção principal por extravasarem o âmbito da presente providência cautelar. Sendo assim, e para efeitos da presente providência cautelar, basta-nos a prova indiciária acima referida (summaria cognitio ou prova de primeira aparência) para o deferimento da providência, tal como foi doutamente decidido em 1ª instância. RECURSO INTERPOSTO PELO EXMº ADVOGADO DO REQUERIDO “C” Transcrevamos o exarado pelo Exmº Juiz na sentença que proferiu e que motivou o recurso: “... o ilustre mandatário do requerido ..., no respectivo articulado, utilizou uma linguagem excessiva e susceptível de ofender a honra do requerente (cfr. arts. 6º, 7º e 8º, da oposição), violando dessa forma o dever de correcção que sobre si impende, quanto mais não seja pelo disposto no art. 266º-B, nº 2, do CPC. Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art. 266º-B, nº 1 e nº 2, do CPC, bem como do art. 154º, nº 5, do CPC, e ainda no art. 100º, al. b), do CCJ, fixa-se em duas Uc’s a multa devida pelo Exmº Mandatário do requerido. Vejamos, então os pontos mencionados. Ponto 6 - “Agora, não permite é ser ROUBADO PELO REQUERENTE no seu direito de propriedade e de posse, isto é, que o requerente se aproprie com mais do que é legítimo: servidão de aproximadamente 220 metros de comprimento, por três de largura”. Ponto 7 - “O requerente, em ATITUDE MENTIROSA - incompreensível - diz no artigo 31º que «a dita construção está erigida a 1,5 m da porta da sua garagem» e depois apresenta 4 fotografias de ângulo inverso, (doc.s 16 a 19), dando uma falsa realidade da situação real. Porém, esta situação é desmentida pela fotografia de doc. 14 e pelas nossas, doc.s 1,2 e 3, pois a distância métrica é evidente. ALIÁS ESTA MENTIRA MONSTRUOSA - artigo 31 - deverá ser comprovada por Inspecção Judicial, a requerermos infra”. Ponto 8 - “O certo é que o requerido deixou a «dita construção» a 3 metros da porta da garagem (e mais uns centímetros). Para a questão suscitada nenhum interesse revestirão as duas primeiras conclusões; quanto à terceira, limitamo-nos a constatar o facto de o ora Exmº Recorrente, em seu entender, ter interpretado que a Senhora Juiz ficou irritada com as reclamações apresentadas pelo Exmº Advogado. Na conclusão quinta, o Exmº Recorrente afirma que a Senhora Juiz formou a sua convicção antes de concluída a prova. Nenhum interesse para a apreciação do posição sob recurso. Quanto à conclusão 5ª, mais uma vez é referido o entendimento que o Senhor Advogado fez quanto ao estado de espírito da Senhora Juiz: irritado. Passemos agora à apreciação em conjunto de todas as restantes conclusões. Há uma, todavia, que mais adiante colocaremos em destaque. Prevê o Código de Processo Civil duas situações: I A primeira refere-se à “manutenção da ordem nos actos processuais” e vem regulada no artigo 154º. Acaso no decurso dum acto judicial um Advogado perturbar a ordem necessária à realização do mesmo, o Juiz que a ele presida deve: Primeiro adverti-lo com urbanidade; Segundo retirar-lhe a palavra se insistir na sua conduta; Terceiro fazê-lo sair do local onde ocorra o acto; Quarto se for interposto recurso quanto ao retirar a palavra ou da ordem para abandonar o local, deve o Juiz suspender, de imediato, a cessão até que seja decidido o recurso. Quinto dar conhecimento à Ordem dos Advogados da situação ocorrida. Atentemos agora aos números 5 e 6 do mesmo normativo. No 5 está previsto serem “as partes ou outras pessoas” a perturbarem os trabalhos em curso. Também elas serão advertidas, se persistirem, será ordenada a sua saída do local e podem ser condenadas em multa; No 6 estão previstas duas situações. Quanto “às partes ou outras pessoas” pode ser interposto recurso de agravo da decisão que lhes retire a palavra, as mande abandonar o local ou as condene em multa; Quanto aos Advogados a lei só prevê recurso quanto ao retirar da palavra ou mande sair do local. Então, não se compreende que pudesse ser aplicada uma multa e não houvesse recurso. É, assim, óbvio que nenhuma multa possa ser aplicada. E porquê? É que a sanção será aplicada pela respectiva Ordem, a quem, obrigatoriamente tem que ser dado conhecimento da conduta. II A segunda refere-se ao “dever de recíproca correcção”. Já não interessa que seja no decorrer dum acto processual, pois que a lei se refere aos próprios escritos - artigo 266-B. É, pois, mais abrangente. Vejamos. Se é certo que a lei diz que todos os intervenientes processuais devem agir com correcção recíproca, no número 2 o Legislador precisou que “Nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões ... injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra...”. Embora assim, neste preceito já não se prevê qualquer sanção para quem infrinja o dever de correcção. Porquê? Sentir-se “ofendido na honra ou no bom nome” é algo de pessoal. E, por o ser, quem assim se sentir, que proceda criminalmente contra o infractor. Não tem o Juiz, que substituir-se ao visado. Aliás, foi este mesmo o entendimento da Exmª Juiz, a folhas 218, quando ordenou que fosse extraída certidão do articulado de folhas 181 a 189, por se sentir ofendida na sua honra e consideração. O acabado de referir não obsta a que, em nosso entender, o Exmº Mandatário, Advogado de profissão e Mestre em Direito poderia ter utilizado expressões menos melindrosas. E isto não só pelo que dispõe o artigo 89º do E.O.A. como ainda por a sua sensibilidade considerar ser insólito o despacho que “NESTA MATÉRIA DE MULTA É OFENSIVO DA HONRA DO ADVOGADO”. Por não existir sanção processual aplicável oficiosamente quanto às expressões exaradas no articulado de oposição pelo Agravante, terá a multa que ser revogada. DECISÃO Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação: Primeiro Quanto ao recurso de agravo interposto pelo requerido “B”: nega-se provimento, confirmando-se o douto despacho recorrido. Segundo Quanto ao recurso de agravo interposto pelo Exmº Advogado “C”: concede-se provimento e, consequentemente, revoga-se a decisão na parte em que o condenou em multa. Custas: Quanto ao recurso de agravo interposto por “B”: pelo recorrente; Quanto ao recurso interposto pelo Exmº Advogado: Sem custas. * *** Évora, 3 de Junho de 2004 |