Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE DISTRIBUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/21/2016 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A figura do conflito de distribuição não se encontra regulada na lei processual penal, pelo que teremos de lançar mão das correspondentes disposições do CPC, por via da remissão operada pelo art. 4° do CPP. 2. A lei processual civil não contém norma expressa relativa aos conflitos de distribuição que surjam entre Juízes do mesmo Tribunal da Relação, porém o art.º 114º do CPC, estatui que «o disposto nos artigos 111º a 113º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…». 3. Para os casos de anulação de julgamento e reenvio, rege o artigo 426º, nº 4, do CPP, na redação introduzida pela Lei nº 20/2013. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º N.º 410/09.8TAPTM.E2 Conflito de Distribuição. Entidades em Conflito: Juiz Desembargador Dr. AA E Juiz Desembargador Dr. BB * Relatório[1] «1- Em 3/12/13, o presente processo deu entrada neste Tribunal da Relação, pela primeira vez, proveniente do então 2° Juízo Criminal de Portimão, actualmente Tribunal da Comarca de Faro, Instância Local de Portimão, Secção Criminal, com vista à apreciação de um recurso interposto de uma sentença por um arguido e demandado, tendo sido, na mesma data distribuído, na qualidade de Relator, ao Exmº Desembargador Dr. AA (2ª Capa do 7º volume e fls. 1566); 2- Em 22/4/14, foi proferido acórdão deste Tribunal da Relação, relatado pelo Exmº Desembargador a quem os autos haviam sido distribuídos, no qual, muito em síntese, se ajuizou que a sentença recorrida enfermava do vício da insuficiência da matéria de facto provada para decisão e se determinou o «reenvio do processo para novo julgamento restrito às questões fácticas mencionadas, ou outras que ao Tribunal se afigurem pertinentes para a boa decisão da causa», sob invocação dos arts. 410º nº 2 al. a), 426º e 426°-A do CPP (Fls. 1612 a 1651); 3 - O acórdão desta Relação de 22/4/14 transitou em julgado (fls. 1655); 4 - Em execução do decidido no acórdão desta Relação de 22/4/14, os autos desceram à primeira instância e procedeu-se a novo julgamento, no termo do qual foi proferida sentença, depositada em 23/2/16 (fls, 2482 a 2509); 5 - Desta nova sentença, o arguido e demandado interpôs recurso para este Tribunal da Relação, o qual foi admitido (fls. 2537 a 2559 e 2561); 6 - Com vista à apreciação deste segundo recurso, os autos deram de novo entrada neste Tribunal e, depois de terem sido continuados com «vista» à Digna PGA, foram feitos conclusos, sem nova distribuição ao Exmº Desembargador Dr. AA, que, em 23/6/16, proferiu despacho em que ajuizou, sintetizando, que o procedimento seguido apenas se justificaria se a anulação do julgamento da primeira instância decidida no anterior acórdão tivesse tido por fundamento o normativo do art.º 379° do CPP, em particular o seu nº3, o que não foi o caso, não existindo no art. 410° do CPP disposição idêntica à do n.º 3 do art. 379°, pelo que ordenou a remessa dos autos à distribuição, dando-se as competentes baixas (fis. 2578 e 2579)». * Em cumprimento do determinado no despacho referido no número anterior, o processo foi distribuído ao Exm.º Desembargador Dr. BB, que por despacho de fls. 2582 a 2590, contestou e declinou a distribuição, declarando em despacho, exaustivamente fundamentado, que os autos deveriam ser afectos ao Exm.º Desembargador Dr. AA, a quem foram inicialmente averbados, porquanto assim o impõem as disposições conjugadas dos art.ºs 410º nº 2 al. a) e 426º nº 4 do CPP.Suscitado o conflito, foram os autos com vista ao MP, que emitiu o seguinte parecer: « Emitindo parecer sobre a questão controvertida, cabe desde já dizer, que o primeiro recurso apreciado por este Tribunal da Relação de Évora ordenou o reenvio dos autos para novo julgamento, em virtude da decisão recorrida padecer do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos dos artigos 410° nº 2 a) e 426° e 426°-A do CPP. Porém o art.º 426° do CPP, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 20/2013 de 21/02, disciplina no seu nº 4 que «se da nova decisão a proferir no tribunal recorrido vier a ser interposto recurso, este é sempre distribuído ao mesmo relator, excepto em caso de impossibilidade». Pelo que é nosso parecer que o presente conflito se deve dirimir deferindo a manutenção da primeira distribuição e devendo o recurso da nova decisão ser apreciado e decidido pelo Exmo. Senhor Desembargador AA». * Cumpre apreciar e decidir.Antes de entrar na apreciação da questão controvertida, convém assinalar que não estamos perante um verdadeiro conflito negativo de competência, tal como definido pelo n.º 1 do art.º 34° do CPP. Mas a verdade é que estamos perante um conflito atinente à distribuição do processo, havendo decisões contraditórias dos Juízes a quem, sucessivamente, o processo foi atribuído e que implicam a paralisação do mesmo e a consequente recusa para dele conhecer. Como bem se salienta no despacho do Exm.º Desembargador Dr. BB «há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido». No caso sub judicio, nem o Exmº Desembargador Dr. AA nem Exm.º Desembargador Dr. BB, denegam competência para o conhecimento do objecto do processo, mas antes entraram em divergência sobre a necessidade legal de os autos serem sujeitos a distribuição, com vista ao julgamento, por este Tribunal da Relação, do recurso interposto da segunda sentença proferida em primeira instância. Este tipo de divergência tem vindo a ser encarada nos Tribunais da Relação como «conflito negativo de distribuição»[2]. A figura do conflito de distribuição não se encontra regulada na lei processual penal, pelo que teremos de lançar mão das correspondentes disposições do CPC, por via da remissão operada pelo art. 4° do CPP. Ora havendo divergências quanto ao resultado da distribuição, estabelece o art.º 205º do CPC o seguinte: «1 - A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final. 2 - As divergências resultantes da distribuição que se suscitem entre juízes da mesma comarca sobre a designação do juízo em que o processo há-de correr são resolvidas pelo presidente do tribunal de comarca, observando-se processo semelhante ao estabelecido nos artigos 111º e seguintes». A lei processual civil não contém norma expressa relativa aos conflitos de distribuição que surjam entre Juízes do mesmo Tribunal da Relação, porém o art.º 114º do CPC, estatui que «o disposto nos art.ºs 111º a 113º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…». Por sua vez o art.º 12º nº 2 do CPP, estabelece que «Compete aos presidentes das relações, em matéria penal: a) Conhecer dos conflitos de competência entre secções; Como já se disse não estamos perante um verdadeiro conflito negativo de competências, entre juízes ou entre secções, mas sim perante um conflito de distribuição que tem de ser resolvido por aplicação das regras comuns na resolução dos conflitos. Ora seja por apelo à analogia com a situação prevista no art.º 205 do CPC, seja por argumento a fortiori, decorrente da competência atribuída ao Presidente do Tribunal da Relação, para resolver os conflitos de competência entre Secções do mesmo Tribunal[3] sempre terá de se concluir que a entidade competente para dirimir este conflito será o Presidente do Tribunal da Relação a que pertencem os juízes em conflito. * Esclarecida esta questão, cumpre apreciar o objecto do dissídio. Quanto à questão controvertida, defende o Exmº Desembargador Dr. AA que o processo não lhe poderia ter sido averbado directamente porquanto não se estava em presença de uma situação contemplada no nº 3 do art.º 379º do CPP e que reza assim: 1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391ºF; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359.°; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º4 do artigo 414º 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade. Afirma ainda que o Art.º 410º do CPP não contém norma idêntica à daquele nº 3 e consequentemente, não tendo o julgamento sido anulado nos termos do disposto no art.º 379º do CPP, não pode ser aplicado ao caso a disciplina do seu nº 3º. Tem inteira razão o Exmº Desembargador Dr. AA quando afirma que não tendo o julgamento sido anulado nos termos do disposto no art.º 379º do CPP, não pode ser aplicado ao caso a disciplina do seu nº 3º.. Porém olvidou o Exmº Desembargador que a Lei nº 20/13 de 21 de Fevereiro, veio introduzir um novo nº 4 no art.º 426º do CPP que, contemplando outras situações de anulação de julgamentos, designadamente por existência dos vícios referidos no nº 2 do art.º 410 do mesmo diploma, impõe um regime de afectação dos recursos interpostos da nova decisão, em tudo idêntico ao estabelecido no citado art.º 379º nº 3 do CPP. Vistos os autos verifica-se que o reenvio do processo ordenado pelo acórdão desta Relação de 22/4/14 não teve como fundamento a verificação de qualquer das nulidades de sentença previstas no nº 1 do art.º 379° do CPP e consequentemente, ao recurso interposto da decisão proferida no âmbito do reenvio, não pode ser aplicável o disposto nº 3 daquele artigo. A anulação parcial e a decisão de reenvio foram motivadas sim por se ter concluído pela insuficiência da matéria de facto e pela necessidade de apurar determinados factos. É indubitável que este vício se enquadra na previsão da al. a) do nº 2 do art.º 410 do CPP. Para os casos de anulação de julgamento e reenvio, rege o art.º 426º do CPP, que no seu nº 4 (redacção introduzida pela Lei nº 20/2013) estabelece que « Se da nova decisão a proferir no tribunal recorrido vier a ser interposto recurso, este é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade». Esta disciplina é exactamente a mesma que já vigorava para os casos contemplados no nº 3 do art.º 379º do CPP. Concluindo Deste modo e pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decide-se dirimir o conflito de distribuição, atribuindo o processo ao Exmº Desembargador Dr. AA, a quem o mesmo deve ser averbado, dando-se baixa da distribuição ao Exmº Desembargador Dr. BB. Sem custas. Notifique. Évora, em 21 de Julho de 2016, O Vice-presidente da Relação de Évora, (Des. Bernardo Domingos) __________________________________________________ [1] Transcrito do despacho do Exmº Juiz Des. S…. [2] Veja-se a propósito as decisões do Exmº Desembargador Presidente da Relação do Porto, Dr. José António Sousa Lameira, de 16/1/14, 7/2/14 e 15/7/14, respectivamente, nos processos n.ºs 828/10.3JAPRT.P2, 47/03.5IDAVR.Pl e 1499/08.2TDPRT.P2 (disponíveis em www.trp.pt). [3] Se tem competência para dirimir os conflitos entre secções, por maioria de razão também terá para dirimir os conflitos entres juízes da mesma ou de diversas secções. |