Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | BAPTISTA COELHO | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO ERRO NA FORMA DE PROCESSO | ||
| Data do Acordão: | 03/30/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. Há erro na forma do processo quando se utiliza o processo comum para o pedido de impugnação de um despedimento, que foi comunicado por escrito ao trabalhador. 2. Não sendo possível convolar o processo para a forma especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos arts.º 98º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, deve porém determinar-se o prosseguimento da ação, sob a forma de processo comum, quanto aos pedidos relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho, que foram cumulados na petição inicial com o de impugnação do despedimento. (Sumário do relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 166/13.0TTPTG.E1 Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal do Trabalho de Portalegre, e em ação com processo comum, instaurada a 25/6/2013, B…, de nacionalidade ucraniana, e melhor identificado nos autos, demandou C…, S.A., com sede em …, pedindo a condenação da R. no reconhecimento da ilicitude do despedimento proferido contra ele A., no pagamento da correspondente indemnização, no valor de € 2.356,83, e bem assim no pagamento da quantia de €25,415,67, acrescida de juros, e relativa a créditos salariais a vários títulos. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. como motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias em 11/8/2010, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo; a empregadora veio porém a despedi-lo em 19/10/2012, após lhe ter instaurado processo disciplinar que é nulo, por da respetiva nota de culpa não constar a suspensão preventiva do trabalhador, mas um despedimento imediato, e porque os factos que dela constam não integram justa causa para o efeito; para além disso, a R. ficou ainda a dever-lhe valores a título de ajudas de custo, trabalho prestado em sábados, domingos e feriados, e em dias que deveriam ser de descanso compensatório, salários de Setembro e Outubro de 2012, férias, e respetivo subsídio, a gozar em 2012, e férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal proporcionais. Recebida a p.i. em juízo, foi designada a audiência de partes prevista nos arts.º 54º, nº 2, e 55º, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), no âmbito da qual resultou porém frustrada a tentativa de conciliação realizada, sendo em conformidade desde logo designada data para audiência final. A R. veio contestar de seguida, impugnando a matéria alegada pelo A., e concluindo pela improcedência da ação e pela absolvição de todos os pedidos formulados. Na data marcada para a audiência de julgamento, que entretanto fora adiada por contingências processuais, a Ex.ª Juiz veio no entanto a dá-la sem efeito, para o efeito proferindo despacho em que, na parte dispositiva, decidiu: - Declarar verificada a nulidade consubstanciada em erro na forma de processo e, consequentemente, declarar nulo todo o processo e absolver a Ré, C…, SA, da instância. - Condenar o Autor nas custas do processo, fixando-se as mesmas, no mínimo legal - artº 446º do Código de Processo Civil. * Inconformado com o assim decidido, desse despacho veio então apelar o A.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões: - à matéria alegada pelo A. de 21 a 78 da sua petição inicial aplica-se a forma de processo comum e não a especial prevista no art.º 98º do C.P.T. e a sentença judicial aplicou a exigência legal dessa forma de processo especial a factos e a matéria em discussão na qual não é exigível a forma de processo especial prevista e exigível pelo referido art.º 98º do C.P.T.; - o tribunal da primeira instância não pode exigir que na matéria que concerne aos pedidos de pagamento de diferenças salariais de cláusula 74/7, prémio TIR, retribuições por liquidar e créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho o processo próprio, necessário e adequado seja o processo especial previsto no art.º 98º; - a decisão judicial também não respeitou o princípio do aproveitamento dos atos processuais previsto no art.º 193º do CPC, quanto à matéria vertida de 21 a 78 da petição inicial, face ao entendimento indicado nas alíneas anteriores. E terminou o recorrente pedindo que a ação prossiga em tudo o que não respeite à apreciação da licitude ou ilicitude do despedimento. * Notificada da interposição do recurso, a R. não contra-alegou. Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da apelação dever ser julgada procedente. Redistribuídos que foram depois os autos ao ora relator, foram dispensados os vistos dos Exs.º adjuntos. Cumpre pois decidir. * A discordância manifestada pelo apelante relativamente ao sentido absolutório da decisão recorrida, de acordo com as alegações de recurso apresentadas e as respetivas conclusões, que como se sabe delimitam o objeto do mesmo (cfr. arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), respeita apenas à não consideração, naquele despacho, dos créditos remuneratórios que haviam sido peticionados e que não decorriam diretamente da alegadamente ilícita cessação do contrato de trabalho. Na tese do recorrente, quanto a esse segmento da ação não deveria a R. ter sido absolvida da instância, pois aos pedidos que nessa vertente foram formulados correspondia a forma de processo comum. Nessa lógica, a regra do aproveitamento possível dos atos processuais praticados, acolhida no art.º 193º do C.P.C., determinaria que a ação deveria ter prosseguido nessa parte, ao invés de ter sido proferida uma absolvição da instância que pôs termo ao processo. Não está portanto agora em causa o entendimento da 1ª instância que julgou ter havido erro insuprível na forma do processo quanto ao pedido de impugnação do despedimento do A., decisão que nessa medida o próprio apelante, nas suas alegações de recurso, referiu não pretender questionar. Ainda que a mesma pudesse também ser discutida, até porque a R. não arguira a caducidade do direito a impugnar o despedimento, o certo é que tal matéria está em definitivo arrumada, e por isso dela não nos ocuparemos. O que importa pois agora apreciar é se, não obstante tal entendimento, deveria ainda assim a ação ter prosseguido, quanto aos demais pedidos formulados. Mas recordemos, antes de mais, o que a propósito se escreveu na decisão recorrida. Disse a Ex.ª Juíza: ‘No caso concreto, é o próprio Autor que alega ter sido despedido através de uma comunicação escrita de despedimento proferida no âmbito de um processo disciplinar promovido pela entidade empregadora. Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerandos se conclui que, no caso vertente, o Autor recorreu indevida e inadequadamente ao processo comum, devendo ter recorrido à acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulado nos artigos 98-B e seguintes do Código de Processo de Trabalho na versão introduzida pelo DL 295/2009, de 13/10, encontrando-se, pois, verificada a nulidade consubstanciada em erro na forma de processo. Tal nulidade determina a anulação de todo o processado, considerando não se revelar viável o aproveitamento dos actos praticados (artº 193º do Código de Processo Civil), nem a convolação da presente de processo comum em acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. Efectivamente, inexiste nos autos o formulário aprovado pela Portaria n.º 1460-C/2009, de 31/12, que necessariamente dá origem à referida acção especial, constando, de outra sorte, do processo vários articulados que aqui são impertinentes, atendendo à estrutura invertida da acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, na qual o Autor, ao invés de apresentar os seus pedidos na petição inicial (que não existe), apresenta-os na contestação, sob a forma de reconvenção. Não podemos ainda deixar de consignar que o prazo legal de que o trabalhador dispõe para intentar a acção de impugnação da regularidade do seu despedimento, através da apresentação do formulário próprio no tribunal competente é, conforme dispõe o art. 387º, nº 2 do CT acima transcrito, de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior. Ora, resulta dos próprios articulados apresentados pelo Autor nos presentes autos que, no seu entender, a cessação do seu contrato de trabalho operou através da decisão escrita de despedimento datada de 19.10.2012, que lhe foi comunicada por carta com a mesma data, tendo o mencionado prazo começado a correr a partir da recepção de tal carta o mencionado prazo. Tal prazo não tem a natureza de prazo processual, sendo antes um prazo de natureza substantiva, concretamente um prazo de caducidade, que se rege pelo preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 279º, 296º e 298º do C.Civil e não pelo disposto no actual art.138º do CPC, que corresponde ao anterior art. 144º de tal diploma. O mesmo é dizer que o prazo de 60 dias de que o A. dispunha para propor a acção de impugnação do seu despedimento correu deforma contínua, encontrando-se, pois, já totalmente decorrido à data da propositura dos presentes autos (26.06.2013). ….. A nulidade de todo o processo, constitui uma excepção dilatória insuprível, conducente à absolvição da Ré da instância, o que, sendo de conhecimento oficioso, se deverá decretar de imediato, deixando-se consignado que, apenas por lapso manifesto, pelo qual nos penitenciamos, se não decretou tal nulidade no início do processo - cfr. artº 278º, nº1, alínea b), 576°, nº 1 e 2, e 577º, alínea b), todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artº 1º, nº 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho.’ * Como resulta da fundamentação expendida na decisão recorrida, nenhuma referência se faz nela quando aos pedidos de créditos remuneratórios que na petição foram cumulados com o pedido de reconhecimento da ilicitude do despedimento. E o certo é que tal vertente não podia ter sido ignorada, na precisa medida em que, ao ter decidido pela nulidade de todo o processo, não poderia a Ex.ª Juíza ter deixado de ponderar também dois princípios fundamentais que se lhe impõem na conformação do dever de gestão processual, genericamente enunciado no art.º 6º do C.P.C.: por um lado, o já falado princípio de aproveitamento possível dos atos processais, do citado art.º 193º; por outro, a regra da adequação formal, acolhida no art.º 547º do mesmo C.P.C., e que na hipótese dos autos nos parece particularmente pertinente. Com efeito, ao estatuir-se neste preceito que ‘o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo’, pretende-se exatamente que o rigor formal, que é naturalmente exigível numa área que em larga medida é reservada a técnicos do Direito, deva ainda assim sempre que possível ceder o passo à solução substantiva de um litígio, assegurados que estejam os direitos e as garantias processuais das partes em confronto. E o caso dos autos parece-nos configurar um exemplo flagrante: constatado um erro, tido por insuprível, na forma de processo utilizada pelo A., quanto a um dos pedidos deduzidos, impunha-se que, em homenagem aos referidos princípios, a ação pudesse prosseguir quanto aos demais pedidos, relativamente aos quais era aquela forma a adequada. É aliás em idêntico sentido que aponta o art.º 98º-M, do C.P.T., em particular quando se tenha em atenção os casos em que, findos os articulados, possa desde logo concluir-se pela licitude do despedimento: a ação prosseguirá, sob a forma de processo comum, para apreciação dos créditos litigiosos, emergentes do contrato de trabalho, que hajam sido oportunamente reclamados pelo trabalhador. Concluimos pois, e em suma, pela procedência das alegações do apelante, e pelo prosseguimento da ação, na parte que é objeto do recurso interposto. * Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação procedente, assim revogando o despacho recorrido na parte em que absolveu o R. da instância quanto a todo o objeto da ação, que deverá prosseguir para apreciação dos pedidos formulados pelo A. e relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho. Custas pela recorrida. Évora, 30-03-2016 Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator) José António Santos Feteira (adjunto) Moisés Pereira da Silva (adjunto) |