Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | AUTO-ESTRADA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONCESSIONÁRIO PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/08/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A responsabilidade civil da concessionária das auto-estradas, pelos acidentes nelas ocorridos em consequência de objectos existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais ou líquidos na via, tem natureza extracontratual, e decorre da circunstância de, sendo ela detentora de um poder de facto sobre essas vias, com o dever de as vigiar permanentemente e de assegurar aos utentes todas as condições de segurança e comodidade, pelo que se integra na previsão do n.° 1 do art. 493º, que estabelece uma presunção de culpa da concessionária, enquanto detentora da coisa, com obrigação de a vigiar e de assegurar o seu funcionamento em condições de segurança. II- A norma do art. 12.° da Lei n.° 24/2007 veio por termo às divergências jurisprudenciais e doutrinais quanto à existência da presunção de culpa da concessionária, relativamente aos acidentes ocorridos nas auto-estradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, e independentemente da sujeição ao pagamento de portagem pelo utilizador, incumbindo-lhe o ónus da prova do cumprimento, em concreto, das obrigações de segurança. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 126/08.2TBCTX.E1 Apelação 2ª Secção Recorrente: Brisa – Auto-estradas de Portugal, S.A. Recorridos: Ministério Público * Relatório [1] O Ministério Público, em representação do Estado Português - Supremo Tribunal de Justiça intentou contra a Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A., com sede na Quinta da Torre da Aguilha, Edificio Brisa, 2785-599, S. Domingos de Rana, os presentes autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 7.824,96€ (sete mil, oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação. Alega, em súmula, que no dia 12/09/2007, pelas 20h15m, Femando ............ da ............ ............, motorista por conta, no interesse e sob as ordens do Supremo Tribunal de Justiça, conduzia a viatura automóvel da marca comercial "BMW", modelo "525" e com a matricula 75-AZ-32, na Auto-estrada AI, sentido Norte-Sul, pela faixa da direita e que entre os quilómetros 51 e 49 da referida A.E., na zona de A veiras, próximo da respectiva saída, encontrava-se uma polly que se desprendeu de um veículo pesado, no centro da sua faixa de rodagem, tendo o condutor sido surpreendido pelo obstáculo, o qual não teve tempo para mudar a trajectória do veículo que timonava, tendo passado por cima da "polly". A Ré não cumpriu as suas obrigações de concessionária da auto-estrada, designadamente a que obriga a assegurar, permanentemente, em boas condições dê segurança a circulação em tal via, sendo seu dever providenciar pela remoção, sinalização ou aviso dos utentes da A 1 de que naquele ponto da via se encontrava um obstáculo, o que não sucedeu. Em consequência do acidente o AZ sofreu estragos diversos cujo custo da reparação o STJ suportou, despendendo a quantia de €7.824,96. A R. contestou negando qualquer responsabilidade pelo acidente e impugnando, por desconhecer, o montante e extensão dos danos alegados pelo A .. Termina pedindo a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido. * Foi proferido despacho saneador onde se julgou estarem reunidos todos os pressupostos de validade e regularidade da instância e dispensada a selecção da matéria de facto controvertida, nos termos do disposto no art. 787°, n.º 2 do Código de Processo Civil. * Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tal como consta da respectiva acta, respondendo-se seguidamente à matéria da base instrutória pela forma constante do despacho de fls. 149 a 156, da qual não houve reclamação e de seguida foi proferida sentença, onde se decidiu o seguinte: « … julga-se totalmente procedente a acção e, em consequência, condeno a R. BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S. A., a pagar ao A. a quantia de 7.824,96€ (sete mil, oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento». * Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões : «1.a Nos presentes autos a gravação sonora da audiência de discussão e julgamento não foi integral, dado que apresenta deficiências aquando da gravação de toda a prova produzida por videoconferência, tendo ficado as mesmas imperceptíveis ou de difícil percepção os depoimentos das testemunhas José ….. - sistema Cícero de 00:47:76 a 00:58:32, Sérgio …………, agente da GNR-BT que tomou conta da ocorrência - sistema Cícero de 00:58:32 a 01 :21 :42, e Jorge……… - sistema Cícero de 01 :53:53 a 02:01 :00. 2.a O que viola o disposto no n.º 1 e 2 do art.º 690-A do CPC., verificando-se uma irregularidade prevista no art.° 201°, n.º 1 do CPC., "devendo-se em consequência, declarar-se inválidas a audiência de discussão e julgamento, bem como a respectiva acta e a sentença proferida (por adaptação, Ac. da Rel de Lisboa de 11 de Abril de 2000 - R 1200/00 - in Col. de Jur., 2000, 11, 156 e Ac. da Rel. de Coimbra de 7 de Julho de 1993 - R 684/92 - in BoI. Do Min. Da Justiça, 429, 892). 3.a Quanto à matéria de facto, apesar de se dar como provado que a BRISA efectuou patrulhamentos no local da ocorrência, no mesmo sentido, e que em concreto passou naquele quilómetro às 19,50 horas (pontos 11) e 13) dos factos provados, resultando dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente do Sr. Desembargador Pedro ……. (sistema Cícero de 00: 18: 12 a 00:29:57), o Sr. Motorista Fernando ............ ............ ............ (sistema Cícero de 00:29:57 a 00:47:76) e do Sr. oficial mecânico Paulo …………. (sistema Cícero de 02:01 :00 a 02:13:07), que o acidente terá ocorrido cerca das 20 horas, contraditoriamente à prova produzida, julgou-se facto provado que o objecto encontrado na AE estava na mesma há tempo indeterminado. 4.a Tal conclusão de facto é tanto mais contraditória com a matéria provada em audiência quanto, dos depoimentos das testemunhas referidas na conclusão anterior ressalta que a cerca de 30/50 metros da viatura AZ circulava muito devagar e pela berma um camião com as luzes de emergência ligadas, a que as mesmas testemunhas, assim que souberam no local que tinham embatido numa polly de um veículo pesado de imediato associaram àquele camião, donde só se poderia retirar que o objecto estivesse caído na via imediatamente antes do AZ passar, ou, maxime, atendendo à hora do patrulhamento, não mais do que 10 minutos. 5.a Tanto mais evidente isto se torna quanto resultou dos mesmos depoimentos que só ocorreu outro acidente e logo após o do descrito nos presentes autos. 6.a Por outro lado, faz ainda a douta sentença recorrida errada aplicação do art.° 12° da Lei 24/2007, nomeadamente na conjugação dos seus n.os 1 e 2, porquanto resulta dos depoimentos audíveis que a causa do acidente não foi confirmada no local por entidade policial competente, atendendo a que a GNR-BT compareceu apenas na barreira de portagem de Aveiras uma hora depois da ocorrência sem que se tenha deslocado ao local, km 51,800 da A 1 . 7.a Assim sendo, prevê aquela Lei 24/2007 que sem a confirmação obrigatória da causa do acidente por autoridade policial competente não se verifica a inversão do ónus da prova quanto ao cumprimento das obrigações de segurança, desaparecendo por esta via a presunção de não cumprimento previsto no n.º 1 daquele art.° 12°. 8.a Ao considera-se na douta sentença recorrida que a concessionária apenas provou genericamente o cumprimento das suas obrigações de segurança, existe flagrante contradição com a matéria de facto provada, nomeadamente pontos 11) a 16) dos factos provados, bem como se faz errada interpretação e aplicação dos n.ºs 1 e 2 do art.° 12° da Lei 24/2007. 9.a Por outro lado, não faz parte do conteúdo ou do objecto do dever da apelante que em nenhum momento o piso possa estar molhado, ou a água ou nela caia óleo ou em momento algum caia uma pedra, um pneu ou uma polly. Não integra o objecto desse dever que, num momento, sem que se saiba como, um objecto alheio à AE surja na via. No objecto do seu dever não existe semelhante obrigação que pudesse fundar quer a ilicitude da sua conduta quer uma presunção de culpa pela sua verificação. Tendo surgido esses factos, que são ou podem ser instantâneos, haverá então que averiguar se houve da apelante negligência na sua remoção. Mas a não verificação deles não integra originariamente um dever da recorrente para com os utentes, pois isso constituiria a estatuição originária de um dever impossível de cumprir e sabe-se que não poderia considerar-se válida tal estatuição originária de dever impossível de cumprir. 10.a Inexistindo no objecto do dever da concessionária tal responsabilidade originária não lhe poderá ser atribuída uma conduta ilícita nem uma presunção de culpa pelo surgimento de tais factos. Só através da demonstração de culpa por omissão subsequente à verificação daqueles factos poderá a recorrente vir a ser responsabilizada. 11.a Inexistindo tal dever originário estamos fora da responsabilidade contratual pois que esta pressupõe a pré-existência da obrigação violada. A modalidade de responsabilidade civil da concessionária terá de ser definida perante tais condicionalismos sendo eles então impeditivos de que ela possa ser a responsabilidade contratual por impossibilidade de os integrar no dever originário que a lei lhe determina. A possibilidade de surgimento de um gato numa auto - estrada é uma possibilidade real, que os condutores devem considerar, pela qual a concessionária pode ser ou não responsável, caso tenha ou não cumprido, em concreto as obrigações e deveres que para si decorrem do contrato de concessão. 13.a Não constitui dever da recorrida, por impossível de cumprir, o de impedir instantaneamente que um qualquer objecto caído de um veículo seja retirado ou sinalizado. Os condutores, têm o dever de prever essa eventualidade e por isso se lhes impõe a obrigação de respeitar as normas de conduta estabelecidas no Código da Estrada. 14.a A recorrente é obrigada a assegurar aos utentes auxílio sanitário e mecânico e a circulação permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, devendo vigiá-las (Bases XXXVI e XXXVII). Este dever, porém, não tem fonte contratual, existe independentemente da constituição de qualquer relação obrigacional entre a BRISA e aquele que paga a taxa de portagem, mantém-se nos troços dela isentos e também a favor de utentes pessoalmente isentos de taxa de portagem e de todos os passageiros das viaturas. Este dever tem antes a sua fonte em "disposição legal destinada a proteger interesses alheios" (artigo 4830 do Código Civil) e cuja violação é portanto apreciada no âmbito da responsabilidade civil extraobrigacional. 15.a A retirada imediata e instantânea de um objecto da auto-estrada é facto impossível de cumprir. Tal aparecimento de objectos na auto-estrada só poderia, eventualmente, evitar-se mantendo um guarda em permanência, 24 horas por dia em cada 100 metros da auto - estrada. Isso implicaria organizar um trabalho, por cada ponto, envolvendo várias pessoas por turnos, diurnos e nocturnos e criar instalações para a presença de guarda (armado), dia e noite e em situações de mau tempo. Porventura não poderia estar apenas um guarda, pois carecia de naturais ausências momentâneas e lá aconteceria a queda de objectos com a ocorrência de acidentes em escassos minutos. 16.a A circulação em auto - estrada pauta-se pelos princípios do padrão elevado e da igualdade rodoviária. 17.a A solução justa é a que permite fazer apelo à responsabilidade aquiliana, a que decorre da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios - artigo 483°, n° 1 do Código Civil. 18.a A" disposição" é constituída pelas normas das Bases da concessão, aprovadas pelo Decreto - lei n° 294/97, de 24 de Outubro, que tutelam os utentes. 19.a Compete aos interessados provar o incumprimento dessas normas, a razoável conexão entre esse incumprimento e o dano verificado e isso em circunstâncias que permitam o juízo de culpa. 20.a De todo o modo, sempre se dirá que independentemente do tipo de responsabilidade da concessionária da auto-estrada perante os utentes, os factos dados como provados permitem a conclusão de que ela agiu com a diligência que lhe era exigível vigiando a auto-estrada com assiduidade, tendo passado no local cerca de 10 minutos antes. 21.a Face a tudo o que se provou na presente acção tinha a BRISA, ora apelante, forçosamente que ser absolvida do pedido, contrariamente ao que se decidiu na douta sentença recorrida. Termos em que deve considerar-se procedente o presente recurso, revogando-se a douta Sentença, absolvendo-se a R. Brisa Auto-estradas de Portugal, S.A. porque nada se provou quanto à ilicitude e culpa da Ré Brisa…» * Contra-alegou o MP, pedindo a improcedência da apelação e sustentando que não deve conhecer-se da questão da inconstitucionalidade do art.º 12º da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, porquanto embora constando das alegações de recurso não foi levada às conclusões. * Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [2] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [3] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). Das conclusões do recurso resulta que são duas as questões suscitadas pela R. 1- A alteração da decisão de facto no que concerne à matéria constante do n.º 4, por forma a responder-se que a polly, referida no número anterior, se encontrava no local do acidente, não «há tempo indeterminado» mas sim « há cerca de 10 minutos, antes do acidente». 2- Erro na aplicação do direito, por não se ter violado dever contratual e não se estar em presença de responsabilidade contratual e por não se verificar por parte da R. qualquer acto ilícito e culposo gerador de responsabilidade civil aquiliana. * Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. As conclusões terão de ser, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso, tendo como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal. As conclusões não podem nem devem ser afirmações desgarradas de qualquer premissa, e sem qualquer referência à fundamentação por que se pede o provimento do recurso. Não podem ser consideradas conclusões as indicadas como tal, mas sem qualquer referência à fundamentação do recurso, nem se deve tomar conhecimento de outras questões que eventualmente tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas, mas não levadas às conclusões. Por isso, só devem ser conhecidas, apenas e só, as questões suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas . Neste sentido, vd. Acs. do STJ de 21-10-1993 e de 12-01-1995: CJ (STJ), respectivamente, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19 e mais recentemente o Ac. do STJ de 6/05/2010, proc. n.º 1227/04.1TBVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj... Analisadas as alegações e as conclusões, verifica-se que a recorrente nas suas alegações apoda de inconstitucional o art.º 12º da Lei n.º 24/2007, porém nas conclusões nem uma única referência é feita a tal assunto. Assim e pelas razões expostas, não se toma conhecimento de tal questão, que não faz parte do objecto do recurso [4] . Dos factos Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos: 1) « No dia 12/09/2007, pelas 20h15m, Fernando ............ da ............ ............, motorista por conta, no interesse e sob as ordens do Supremo Tribunal de Justiça, conduzia a viatura automóvel da marca comercial "BMW", modelo "525" e com a matricula 75-AZ-32, na Auto-estrada AI, sentido Norte-Sul, pela faixa da direita (art.º 1.0 da petição inicial); 2) A viatura automóvel em questão é propriedade do Supremo Tribunal de Justiça, seguindo na mesma, em exercício de funções, para além do dito motorista, o Mmo. Juiz Conselheiro do S.T.J., Dr. Joaquim ............ e o Mmo. Juiz Desembargador, Chefe do Gabinete do Presidente do S.T.J., Dr. Pedro ……. (art.º 3.° da petição inicial); 3) Entre os quilómetros 51 e 49 da referida A.E., na zona de Aveiras, próximo da respectiva saída, comarca do Cartaxo, encontrava-se uma polly de um pesado, no centro da sua faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul (art.º 4.° da petição inicial); 4) A mesma encontrava-se naquele lugar há tempo indeterminado, depois de se ter desprendido de um veículo pesado (art.º 5.° da petição inicial); 5) O condutor Fernando ............, que foi surpreendido pelo obstáculo, não teve tempo para mudar a trajectória do veículo que timonava, tendo passado por cima da "polly" (art.º 6.° da petição inicial); 6) Em consequência, o veículo automóvel do S.T.J. sofreu estragos na parte inferior, cuja reparação implicou serviços de bate-chapa, pintura, mecânica, desempena, compra de diverso material novo, para substituição e mão-de-obra (art.º 9.° da petição inicial); 7) No dia 11/10/2007, pela reparação, entretanto feita na viatura, o STJ pagou €140,00 em peças e €1.100,00 em mão-de-obra, no valor total de €1.240,00, sobre o qual acrescem €260,00 de IV A (21 %); no dia 26/1 0/2007, pela reparação, entretanto feita, o STJ pagou €4.291,54 em peças e €935,37 em mão-de-obra, no valor total de €5.226,91, ao qual foram somados €1.097,65 de IVA (21%) (art.º 10.° da petição inicial); 8) O somatório das reparações feitas nos dois dias, e suportadas pelo cofre do S.T.J., foi de €7.824,96, tendo sido o valor total dos estragos sofridos e suportados pelo STJ, exactamente nesse valor de €7.824,96 (sete mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e seis cêntimos) (art.º 11.° da petição inicial); 9) A Ré Brisa no dia 12.09.2007, pelas 20,53horas, foi informada da ocorrência do acidente pela participação na barreira de portagem de Aveiras de uma reclamação (art.º 5° da contestação); 10) Após tal informação a Brisa deslocou de imediato um oficial mecânico ao local, onde o reclamante Fernando ............ da ............ ............ afirma ter embatido numas pedras e que veio a encontrar ao Km 51,800, sentido Norte-Sul da AI, uma "polli" de um veículo pesado partido em dois (art.º 6° da contestação); 11) A Ré não sabe de que modo e em que circunstâncias surgiu na faixa de rodagem o objecto descrito como causador do acidente, dado que as suas patrulhas nada detectaram quando passaram pelo local, no mesmo sentido, no seu patrulhamento regular cerca das 19,50horas (art.º 8° da contestação); 12) A Ré desconhece o proprietário do veículo pesado de onde caiu a "polli" ou quem aí o deixou, bem como e quando o referido objecto foi parar à faixa de rodagem (art.º 10° e 12° da contestação); 13) A Ré Brisa efectuou patrulhamentos naquele troço da AI, tendo passado naquele mesmo local, Km 51,800 da AI, sentido N/S, cerca das 19.50h, nada tendo sido avistado, nem quanto ao referido objecto (art.º 13° da contestação); 14) A Ré Brisa não avistou qualquer objecto caído na via de trânsito, aquando dos seus patrulhamentos regulares, nem a existência do mesmo lhe foi comunicada por qualquer utente ou pela GNR-BT, que também patrulha as auto-estradas (art.º 14°,15 e 17° da contestação); 15) Ao longo da A 1 a R. efectua vigilância constante através das suas patrulhas, na detecção e verificação de situação anómalas, pondo termo às mesmas (art.º 23° da contestação ); 16) A R. tem ao seu dispor meios efectivos de fiscalização que são compostos por veículos automóveis da Brisa que, constantemente, 24 horas sobre 24 horas, 365 dias ao ano, circulam pelas várias auto-estradas do país, a fiscalizar, a verificar e a solucionar eventuais problemas que surjam e a prestar assistência aos demais utentes dessas mesmas auto-estradas, como ainda existem os patrulhamentos intercalares da GNR-BT (art.º 24° da contestação)». * Defende o recorrente que a matéria constante do n.º 4 da decisão de facto, não corresponde à prova produzida em julgamento, a qual aponta no sentido de a polly, onde embateu o veículo do STJ, se encontrar no local «há cerca de 10 minutos antes do acidente» e não há tempo indeterminado, como acabou por se julgar. Estriba-se a recorrente nos depoimentos do sr. Juiz Desembargador Pedro ……., do motorista Sr. Fernando ............ e o mecânico da Brisa Sr. Paulo………. Diz a recorrente que ao decidir como decidiu o Tribunal, também entrou em contradição com a factualidade dada como provada sob os n.ºs 13º e 16º. Vejamos. Apesar da deficiente qualidade da gravação dos depoimentos, com grande dose de paciência, foi possível ouvi-los integralmente e perceber o seu conteúdo. Analisada toda a prova e, designadamente, os depoimentos referidos pela recorrente, entendemos que dos mesmos nunca poderia retirar-se que a dita polly, onde embateu o veículo do STJ, apenas estaria no local há cerca de 10 minutos, quando muito poderia dizer-se que a mesma não estaria ali, há mais de 25 minutos, por força do que resulta do facto constante do n.º 13. Quem alegou o facto traduzido na resposta impugnada foi o A..À R. competia alegar e provar que tal objecto se encontrava no local há muito pouco tempo. Ora a R. nem sequer isso alegou e como tal não se podia dar como provado há quanto tempo tal objecto ali estaria. Efectivamente o que a R. alegou e que acabou por ser dado como provado foi que patrulhou «aquele troço da A1, pelas 19h e 50m… nada tendo sido avistado, nem quanto ao referido objecto». Uma coisa é a R. ou os seus serviços nada terem avistado outra completamente diferente é não estar lá nenhum objecto, designadamente a dita polly. Daquele facto não pode com segurança retirar-se que o referido objecto estaria ali sequer há menos de 25 minutos. Por outro lado do depoimento das testemunhas não decorre que a referida polly se tivesse soltado do camião que o Dr. Pedro ……..e o Sr. Fernando ............ viram a circular na berma com as luzes de emergência ligadas. Nenhuma prova foi produzida nesse sentido. As referidas testemunhas, quando informadas pelo mecânico da Brisa, da natureza do objecto em que teria embatido o veículo onde seguiam, limitaram-se a admitir como possível que a dita polly, poderia pertencer ao dito camião, que a R. nunca identificou, sendo certo que tem meios à sua disposição para o poder fazer. Assim bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu, já que, nenhuma prova se fez no sentido pretendido pela recorrente. Deste modo mantém-se inalterada a decisão de facto proferida na primeira instância. Do direito No domínio da responsabilidade civil temos efectivamente a considerar a responsabilidade contratual (a proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes de contratos, de negócios unilaterais ou da lei) e a responsabilidade extracontratual - ou aquiliana - ( a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem). No que respeita a acidentes de viação ocorridos em auto-estradas e motivados pela existência de animais ou objectos na via, tem sido ampla e variada a discussão, tanto na doutrina como na jurisprudência, sobre a natureza da responsabilidade a imputar ao concessionário, se contratual, extracontratual ou mista. No sentido No sentido da responsabilidade extracontratual, podem ver-se os seguintes arestos: - Ac. STJ, datado de 12.11.1996, processo nº 96A373; Ac. RC, datado de 26.09.2000, processo nº 1824/2000; Ac. RP, datado de 19.11.2002, processo nº 0221549; Ac. STJ, datado de 20.5.2003, processo nº 03A1296;Ac. RP, datado de 27.4.2004, processo nº 0420858; Ac. RP, datado de 16.9.2004, processo nº 0434088; Ac. STJ, datado de 14.10.2004, processo nº 04B2885; Ac. RP, datado de 22.2.2005, processo nº 0323371; Ac. RP, datado de 31.3.2005, processo nº 0531214; AC RL, datado de 9.6.2005, processo nº 4808/2005-6; Ac. RC, datado de 29.11.2005, processo nº 3290/05; Ac. RP, datado de 13.2.2006, processo nº 0650359; Ac. RC, datado de 19.9.2006, processo nº 90/06-2, todos disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt. No sentido da responsabilidade contratual podemos encontrar, entre outros os seguintes: - Ac. STJ, datado de 17.2.2000, processo nº 99B1092; Ac. RC, datado de 8.5.2001, processo nº 3289/2000; Ac. STJ, datado de 22.6.2004, processo nº 04A1299; todos disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt; Ac. STJ, datado de 2.2.2006, publicado na Col. Jur. (Acs. STJ) Ano XIV, tomo I, pág. 56. No sentido da responsabilidade extracontratual mas sujeitando os factos ao regime previsto no artigo 493º, nº 1 do CC – Ac. RC, datado de 13.1.2004, processo nº 2808/03; Ac. RG, datado de 20.10.2004, processo nº 1304/04-2; Ac. RC, datado de 25.1.2006, processo nº 2649/05; Ac. RP, datado de 9.10.2006, processo nº 0653456; todos disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt. Há ainda uma terceira via que defende que pode optar pelo regime contratual ou pelo regime extracontratual ou até cumular as regras de uma e de outra das modalidades de responsabilidade. Neste sentido veja-se o Ac. da RC, de 10.1.2006, processo nº 2554/05, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. Quanto à doutrina o Sr. Prof. Carneiro da Frada defende a tese da responsabilidade extracontratual – parecer publicado no Boletim Informação e Debate IVª Série, nº 6/Setembro de 2005; O Ac. STJ, datado de 2.2.2006, publicado na Col. Jur. (Acs. STJ) Ano XIV, tomo I, pág. 56, dá nota que o Sr. Prof. Meneses Cordeiro – Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação em Auto-Estradas – alinha pela tese da responsabilidade extracontratual e que os Srs. Prof. Sinde Monteiro RLJ Ano 133º e Armando Triunfante sustentam a tese da responsabilidade contratual. Mas hoje pode afirmar-se que a doutrina e jurisprudência tendem, maioritariamente, para considerar tais acidentes à luz da responsabilidade civil extracontratual, pelo que é através deste pressuposto que passamos a analisar o recurso. É esse também o nosso entendimento. Vejamos então se a R. pode ser responsabilizada pelos danos sofridos pelo veículo do Estado (STJ). Pelo Decreto-lei nº 467/72, de 22.11, foi outorgada à "Brisa Auto-Estradas de Portugal SA" a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, nos termos das bases anexas ao mesmo diploma legal. Este regime foi sucessivamente alterado pelos seguintes diplomas governamentais: Dec. Reg. nº 5/81, de 23.01., DL 458/85, de 30.10. , DL 315/91, de 20.08 e DL 294/97, de 24.10 e DL nº 294/97, de 24.10 Aquando da ocorrência dos factos reportados nos autos, o contrato de concessão constava do Anexo ao Decreto-lei nº DL nº 294/97, de 24.10 relevando para a apreciação da questão em análise as seguintes bases: · As auto-estradas deverão ser dotadas com as seguintes obras acessórias: vedação em toda a sua extensão, devendo ser as passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante também vedadas lateralmente em toda a sua extensão (alínea a) do nº 5 da Base XXII). · A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem objecto da concessão em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidade, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente (nº 1 da Base XXXIII). · A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem (nº 2 da Base XXXVI). · A concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação (nº 1 da Base XXXVII). · A concessionária fica isenta de responsabilidade por falta, deficiência ou atraso na execução do contrato quando se verifique caso de força maior devidamente comprovado (nº 1 da Base XLVII). · Para os efeitos indicados no número anterior, consideram-se casos de força maior unicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos da concessão (nº 2 da Base XLVII). · Serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão (nº 1 da Base XLIX). Do que acaba de transcrever-se das bases do contrato de concessão, em que apenas são partes o Estado e a concessionária, decorrem para esta uma série de deveres que, em última análise, visam a protecção de terceiros - os utentes da auto-estada. Muitos dos deveres impostos à concessionária visam a protecção dos utentes – terceiros. Estes são alheios ao contrato e porque não são sujeitos dessa relação jurídica e tal contrato não tem a natureza de contrato a favor de terceiros [5] , não podem exigir à concessionária o cumprimento do contrato. O cumprimento enquanto realização da prestação, só pode ser exigida pela contraparte e não por terceiros, ainda que abrangidos pelo o escopo do contrato. Com o contrato de concessão o concessionário, além dos deveres de prestação em relação à contraparte, assume ou é colocado na posição de ter de adoptar "deveres de cuidado" em relação a uma pessoa estranha ao negócio» [6]. Estes deveres, sendo violados, conferem aos terceiros beneficiários – os utentes – o direito de exigir a reparação dos danos que, o cumprimento visava evitar. Pela concessão o Estado transfere para a concessionária a obrigação de garantir de segurança nas vias concessionadas aos utentes destas e por isso estes podem exigir desta a reparação dos danos decorrentes do incumprimento dessas normas que visam a sua protecção, ainda que não possam exigir dela, directamente, o cumprimento dos deveres inerentes. [7] Nos termos da do nº 1 da Base XLIX, «serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão». Ao remeter para a lei geral sobre o dever de indemnizar fundado em responsabilidade civil, não existindo, portanto, um regime especial, teremos de aplicar o regime geral da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana [8], tal como sucede com o Estado e as autarquias no que respeita às vias não concessionadas. O STA, em Ac. de 27.01.87 decidiu que a responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, que tem a sua base no art.º 483º, nº 1 do C. Civil. E neste se contém efectivamente o princípio geral da responsabilidade civil por actos ilícitos. Com efeito, estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Temos, assim, que são pressupostos da obrigação de indemnizar, relativamente à responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos: 1.prática de um acto ilícito; 2.culpa pela prática desse acto; 3.dano; 4.nexo de causalidade entre o facto e o dano. Por seu turno, o nº 2 do mencionado artigo determina que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Estabelece-se aqui a responsabilidade fundada no risco ou objectiva, a qual não depende de culpa do agente e tem carácter excepcional, pois que se exige, para cada caso, uma previsão legal expressa a admiti-la, o que não é o caso dos autos. Mas, nos termos do art.º 486º, "as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido". No âmbito da responsabilidade civil extracontratual compete ao lesado a prova da culpa da concessionária na ocorrência do acidente – artigo 487º, nº 1 do CC – a menos que se entenda que recai sobre a ré/apelada – concessionária – a presunção de culpa vertida no artigo 493º, nº 1 CC. Determina o nº 1 do artigo 493º do CC: Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Esta norma prevê responsabilizar por culpa presumida quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar, relativamente aos danos causados pela «coisa». Uma auto-estrada é uma coisa imóvel e no conceito de coisa integram-se não só as faixas de rodagem, como as portagens, zonas de descanso, sinalização vertical diversa e as vedações, recaindo sobre a concessionária a presunção de culpa quando, por falta de vigilância do imóvel, ocorra um acidente. Era exactamente com base nesta norma que o STJ ultimamente vinha justificando a existência de culpa presumida por parte das concessionárias de auto-estradas, quer o dano tivesse sido provocado pela auto-estrada em si mesma, quer pelo incorrecto funcionamento de qualquer das coisas acessórias que a integram, e que visam contribuir para assegurar os desejáveis níveis de segurança" (cfr. os acórdãos do STJ de 09-09-2008 e de 01-10-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08P1856 e 1082/04.1TBVFX.S1). Com a publicação da Lei n.º 24/2007, a questão da presunção de culpa e da repartição do ónus da prova quanto culpa, ficou definitivamente resolvida no que respeita aos casos previsto no art.º 12º [9] , tanto mais que tal norma tem vindo a ser considerada lei interpretativa relativamente a tal matéria. Efectivamente, a globalidade da jurisprudência, vem considerando que a norma do art. 12.º da Lei n.º 24/2007 funciona como "lei interpretativa" do regime legal anterior aplicável à responsabilidade civil da concessionária das auto-estradas [10]. Sobretudo quando estão em causa acidentes rodoviários, com consequências danosas para pessoas ou bens, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. Isto porque a história do processo legislativo que deu origem à referida lei, designadamente na exposição dos motivos constantes do preâmbulo do projecto de lei n.º 164/X, que esteve na base da norma do actual art. 12.º, revela que houve clara intenção do legislador em intervir no debate que se vinha travando na jurisprudência e na doutrina sobre o ónus da prova em matéria de culpa nos acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas concessionadas, provocados pelas condições da via, incluindo a existência indevida nas faixas de rodagem de objectos, animais e líquidos, visando pôr termo a essa controvérsia (mas sem tomar partido sobre a natureza jurídica da responsabilidade donde emerge a obrigação de indemnizar ) com a imposição legal de uma das soluções que já vinha sendo praticada quer pela tese contratualista da responsabilidade, e, portanto, no sentido de que incumbia ao devedor a prova de que agiu sem culpa na determinação do dano, por força das disposições conjugadas dos artigos 799.º, 342.º, 344.º, n.º 1, e 350.º do Código Civil, quer pela tese extra-contratualista da responsabilidade que preconizava a aplicação à concessionária da presunção de culpa estabelecida no art. 493.º, n.º 1, do Código Civil. Por expressivos não deixaremos de transcrever os ensinamentos do Sr. Prof. Sinde Monteiro a propósito do alcance a conferir a esta norma. Defende este ilustre Mestre: (…) na decisão em análise é equacionada a aplicação do artigo 493º, nº 1 do CC, o qual, contudo, possui uma «hipótese» complexa, compreendendo os danos causados por coisas, móveis ou imóveis, e animais. Deste último ponto de vista, não parece na realidade ter cabimento uma responsabilidade da concessionária por culpa presumida. Constituiria uma pura ficção admitir que, a partir do momento em que um animal se encontra em liberdade na zona da auto-estrada, sobre aquela possa recair o encargo da sua vigilância. Mas as coisas já poderão aparecer a outra luz se considerarmos a auto-estrada como uma coisa imóvel, sobre a qual a BRISA detém um poder de facto, com o dever de a vigiar. Neste plano, não nos parece suficientemente esclarecedor olhar apenas para a estrutura física da auto-estrada descarnada de todo o contexto envolvente. Uma via de circulação rápida deste tipo não é constituída apenas pelas pistas de asfalto. São necessários separadores diversos, placas de sinalização, estruturas físicas para cobrança de portagens, sinalização de emergência, vedações. E decerto que a concessionária é a detentora destas coisas, respondendo por culpa presumida quando o seu incorrecto funcionamento estiver na origem de um acidente (…) [12]. Conforme emerge da matéria de facto provada, no dia «no dia 12/09/2007, pelas 20h15m, Fernando ............ da ............ ............, motorista por conta, no interesse e sob as ordens do Supremo Tribunal de Justiça, conduzia a viatura automóvel da marca comercial "BMW", modelo "525" e com a matricula 75-AZ-32, na Auto-estrada AI, sentido Norte-Sul, pela faixa da direita (art.º 1.0 da petição inicial) e entre os quilómetros 51 e 49 da referida A.E., na zona de Aveiras, próximo da respectiva saída, comarca do Cartaxo, encontrava-se uma polly de um pesado, no centro da sua faixa de rodagem, no sentido Norte-Sul. O condutor Fernando ............, foi surpreendido pelo obstáculo e não teve tempo para mudar a trajectória do veículo que timonava, tendo passado por cima da "polly" . Em consequência, o veículo automóvel do S.T.J. sofreu estragos na parte inferior, cuja reparação implicou serviços de bate-chapa, pintura, mecânica, desempena, compra de diverso material novo, para substituição e mão-de-obra. A R. nos termos do contrato de concessão e em particular do teor das Bases XXXVI e XXXVI, tem o dever de assegurar aos utentes uma utilização da auto-estrada em condições de segurança, rapidez e comodidade e tem por isso o dever de vigiar a auto-estrada e toda a sua extensão e envolvência de modo a assegurar aos utentes uma utilização segura, rápida e cómoda à velocidade legalmente permitida de 120 quilómetros/hora. A existência de objectos estranhos na faixa de rodagem põe em causa a segurança da circulação na medida em que podem causar danos nos veículos e colocar em perigo a segurança dos utentes e dos veículos. Incumbe à R. vigiar a auto-estrada para detectar e remover o os objectos ou animais que possam fazer perigar a segurança da circulação, garantindo «em permanência» a via em boas condições de circulação. Por outro lado e nos termos das bases XXXVI, n.º 3 e XXXVII, n.º 1 do anexo ao Dec-lei 294/97, sobre a R. impende a obrigação de …« estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da rede concessionada (...)» – (n.º 3 da Base XXXVI) e de … «a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização» (n.º 1 da Base XXXVII). Estas normas e os deveres que delas resultam para a concessionária - que impõem a implementação dos mecanismos necessários para garantir a monitorização do trânsito, a detecção de acidentes e a consequente informação de alerta aos utentes, bem como assegurar-lhes a assistência, incluindo a vigilância das condições de circulação – visam assegurar que as auto-estradas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, permitindo aos que as usam (aos utentes) a circulação em boas condições de segurança e de comodidade, minimizando os riscos de acidente e proporcionando aos utentes que nelas sejam vítimas de acidente, uma assistência pronta e adequada, de modo não só a salvaguardar a saúde e os bens dos acidentados mas também a evitar perturbações para a circulação dos demais utilizadores [13]. No caso dos autos a existência duma polly de um veículo pesado na faixa de rodagem, a sua não detecção e remoção em tempo útil ou mesmo a sua sinalização, indiciam claramente a violação por parte da concessionária dos deveres decorrentes das normas citadas e portanto uma actuação omissiva ilícita e presuntivamente culposa. A presunção da culpa decorre não só da violação dos deveres referidos a que se acha adstrita a R., e do disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, mas também do disposto no art.º 12º n.º 1 al. a) da Lei nº 24/2007, na medida em que a causa do acidente foi verificada pela autoridade policial no local como consta do auto de participação de ocorrência de fls. 15 (n.º 2 do art.º 12º da Lei n.º 24/2007). Incumbia à R. ilidir tal presunção de culpa. Porém, como resulta claramente da factualidade dada como provada, não logrou fazê-lo. Na verdade para afastar a presunção não basta alegar que faz patrulhamentos regulares e não detectou nada de anormal. A R. alegou que tinha patrulhado aquele troço cerca de 25 minutos antes do acidente «nada tendo sido avistado» que pudesse fazer perigar a boa circulação. Ora a R. não alegou e por isso não podia provar, que quando fez o patrulhamento o objecto causador do acidente não se encontrava na via. Apenas alegou que não foi avistado. Se lá se encontrava ou não naquele momento, não o sabemos pois nada foi alegado por quem tinha o ónus de o fazer, a Ré. Mas ainda que se admitisse que a polly só foi deixada no troço posteriormente, incumbia a R. alegar e provar que não tinha sido por negligência sua que a mesma não foi detectada, removida ou sinalizada ou os condutores avisados da existência de perigo. Mas a R., também não logrou fazê-lo. A R. até dispunha de meios que a podiam alertar para a existência de perigo, designadamente através das câmaras de vigilância e bem assim de meios de aviso desse perigo aos utentes – os painéis electrónicos informativos. Foi referido que a polly se terá soltado de um camião e logo após o acidente dos autos foi visto um camião em marcha lenta a circular pela berma o que só por si já constitui um perigo para o trânsito! No entanto os serviços da R., pelos vistos, não identificaram o veículo, nem alertaram para o perigo. Assim é evidente que não pode considerar-se que a R. ilidiu a presunção de culpa decorrente das normas citadas, não se podendo sequer considerar que a defesa que apresentou fosse suficiente para cumprir o ónus de provar que cumprira as obrigações de segurança que para si decorrem do contrato de concessão e demais legislação. Consequentemente não pode deixar de ser responsabilizada, como o foi na sentença recorrida, pelo ressarcimento dos danos reclamados pelo A.. Improcede assim a apelação. Concluindo I - A responsabilidade civil da concessionária das auto- estradas, pelos acidentes nelas ocorridos em consequência de objectos existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais ou líquidos na via, tem natureza extracontratual, e decorre da circunstância de, sendo ela detentora de um poder de facto sobre essas vias, com o dever de as vigiar permanentemente e de assegurar aos utentes todas as condições de segurança e comodidade, pelo que se integra na previsão do n.° 1 do art. 493º, que estabelece uma presunção de culpa da concessionária, enquanto detentora da coisa, com obrigação de a vigiar e de assegurar o seu funcionamento em condições de segurança. II- A norma do art. 12.° da Lei n.° 24/2007 veio por termo às divergências jurisprudenciais e doutrinais quanto à existência da presunção de culpa da concessionária, relativamente aos acidentes ocorridos nas auto-estradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, e independentemente da sujeição ao pagamento de portagem pelo utilizador, incumbindo-lhe o ónus da prova do cumprimento, em concreto, das obrigações de segurança. * Em face do exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a sentença recorrida. Custas pela agravante. Registe e notifique. Évora, em 8 de Julho de 2010. -------------------------------------------------- (Bernardo Domingos – Relator) --------------------------------------------------- (Silva Rato – 1º Adjunto) --------------------------------------------------- (Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto) ___________________________________ [1] Relatório constante da sentença. [2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs. [3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [4] Em todo o caso sempre se dirá que, no tocante a esta questão não assistiria qualquer razão à recorrente, como, aliás, tem decidido o Trib Constitucional –vide ac. n.º 596/2009 e 597/2009, ambos proferidos em 18-11-2009 e ambos disponíveis, em texto integral, no site do Tribunal Constitucional, através dos links http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090596.html,http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090597.html. [5] O "contrato a favor de terceiro é aquele em que um dos contraentes (o promissário) obtém do outro (o promitente) a obrigação de efectuar uma prestação a favor do terceiro estranho ao negócio (o destinatário) – art.º 443 e 444º do CC. Nele exige-se que o estipulante tenha na promessa um interesse digno de protecção legal e caracteriza-se pelo facto do promissário agir em nome próprio e também pelo facto de o terceiro não ser um simples destinatário da promessa, mas adquirir um direito de crédito autónomo" (Almeida Costa, in Obrigações, 104). E embora só sejam intervenientes no contrato o promitente e o promissário, "o terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação" (nº 1 do citado art.º 444º). [6] Sinde Monteiro in RLJ ano 132, pag 60 e 61. [7] Em caso de incumprimento por parte da concessionária das obrigações emergentes do contrato, só o Estado a poderá sancionar através da aplicação das multas contratuais (nº 1 da Base XLIII) ou exigir o seu cumprimento coercivo. [8] Ac. RC, de 29.11.2005, processo nº 3290/05 e disponível em http\\www.dgsi.pt. [9] O n.º 1 do art.º 12º da Lei nº 24/2007 é do seguinte teor: « Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais» [10] Neste sentido cfr. os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2007, Proc. 07A3564, de 16.09.2008, Proc. 08A2094 e de 1710/09 , proc. nº1082/04.1TBVFX.S1, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj, e de 02.11.2008, na Col. Jur. (Acs. do STJ), ano XVI, tomo III, pág. 108. [12] Prof. Sinde Monteiro, RLJ Ano 131º, pág. 50 [13] Cfr. Ac. do STJ de 1710/09 , proc. nº1082/04.1TBVFX.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj, |