Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7895/05.0TBSTB.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ACTIVIDADES PERIGOSAS
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O transporte duma grua em suspensão por um reboque com encaixe, em que a lança foi engatada no veículo de reboque na frente da grua-automóvel, para que esta ficasse apenas com as rodas traseiras a rodar no asfalto e o eixo dianteiro da grua automóvel ficou suspenso na lança do rebocador é uma actividade perigosa, pois o peso da grua arrastada dificulta o controlo do veículo, potenciando o descontrole do veículo.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório

Em 11.10.2005, a «Companhia de Seguros AA SA» intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra «BB, Lda» e «Companhia de Seguros CC, SA», alegando em síntese, o seguinte:
A A. Companhia de Seguros AA, na qualidade de sucessora da DD, SA., é seguradora de uma grua móvel, pertencente à EE (atualmente FF).
Porque a mencionada grua se encontrava avariada foi rebocada por um veículo da R. BB cujo respetivo motorista não procedeu com as cautelas devidas ao ligar a mencionada grua ao reboque o que provocou o capotamento dessa grua durante o seu transporte para as instalações da sua proprietária.
A A., no âmbito do contrato de seguro celebrado com a proprietária da grua, indemnizou-a dos prejuízos sofridos com o acidente, do qual decorreu a perda total da grua em causa.
A BB, tinha transferido para a R. Companhia de Seguros CC a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua atividade.
Deste modo, pede a A. que as RR. sejam condenadas a reembolsar-lhe o valor que pagou à proprietária da grua e regularização do sinistro, ou seja, a quantia de 37.695,10€.
A R. BB contestou no sentido de o acidente não lhe ser imputável, devendo-se a avaria na grua.
A R. Companhia de Seguros CC contestou no sentido de os contratos de seguro celebrados com a BB não abrangerem os danos causados a terceiros fora das instalações da tomadora do seguro.
Pedem a improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador a fls. 337 e ss. dos autos principais.
Foi determinada a apensação dos autos nº 3854/07.6TBSTB, onde está em causa o mesmo acidente.
Nesse processo a A. FF, Lda, na qualidade de proprietária da grua danificada no acidente acima mencionado, vem pedir contra os RR. BB, Companhia de Seguros CC, GG (este por ser o condutor do reboque) e Instituto HH, a reparação dos prejuízos não abrangidos pela indemnização que lhe foi paga pela Companhia de Seguros AA, prejuízos estes no valor total de 23.168,50€, decorrentes, nomeadamente, do remanescente do valor da grua e da privação do respetivo uso.
As RR. BB e Companhia de Seguros CC contestaram nos mesmos termos que na ação principal.
O R. GG não apresentou contestação.
O IHH contestou dizendo que os danos causados na grua e porque esta se encontrava a ser transportada por outro veículo, estão excluídos da responsabilidade do FGA, pelo que, invoca a sua ilegitimidade.
O IHH foi considerado parte ilegítima.
Realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento da causa.
Foi proferida sentença que julgou as acções improcedentes e absolveu os Réus dos respectivos pedidos.
Desta Sentença recorreu a Autora «Companhia de seguros AA» e nas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:
«1ª O acidente que danificou a grua segurada pela apelante ocorreu quando esta era rebocada por um veículo pertencente à BB, Lda., segurada na ex-CC;
2ª O reboque era uma actividade remunerada, sendo o veículo rebocador conduzido por comissário da entidade sua proprietária, sob direcção e interesse desta;
3ª Foi o comissário da 1ª Ré quem procedeu à ligação entre o veículo rebocador e a grua, de forma a que as rodas da frente desta iam penduradas e sem apoios;
4ª O conjunto assim formado, instável e perigoso por natureza e meios, acabou por se desequilibrar e sair da estrada, com perda total da grua, cujo valor a apelante pagou à respectiva segurada, com subrogação legal e contratual;
5ª O conjunto entre veículo rebocador e rebocado gera uma actividade perigosa pelos meios, que recai sobre o primeiro, uma vez que considerado como veículo único;
6ª Da natureza perigosa da actividade e da presunção legal de culpa do comitente, resultam que esta apenas será ilidida se demonstrar que foram tomadas todas as medidas e providências para evitar a efectivação do risco, como resulta do disposto nos artºs. 483º, 487º, 493º e 503º do Código Civil, não ponderados na douta sentença recorrida;
7ª A constatação de terem ocorrido circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor, como se lê no ponto nº. 19 da douta sentença não basta para ilidir a presunção legal, o que só poderia ocorrer a ter-se provado em concreto que este agira com cuidado e diligência de “bom pai de família” nas circunstâncias, quer no atrelar dos veículos, quer na condução do instável conjunto;
8ª A prova positiva da diligência do comissário da 1ª Ré não foi produzida, nem reconhecida, não se extraindo do vago e difuso conceito de circunstâncias fortuitas;
9ª Por outras palavras, o que ilidiria a presunção seria provar que o comissário tomou todas as cautelas na montagem e condução do conjunto unificado, e não a mera referência de que circunstâncias fortuitas e indeterminadas geraram o acidente, sem ponderar a componente preventiva exigida ao responsável, pois a inexistência abstracta de culpa não equivale à inexistência de responsabilidade civil;
10ª Este circunstancialismo resulta do conjunto de prova prestada em audiência, cuja transcrição global segue em anexo;
11ª Estando provados o dano e a legitimidade da recorrente, subrogada pelo pagamento deste a sua segurada, verificam-se todas as condições de procedência do pedido;
12ª Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença com a decorrente condenação das Rés no pedido, tal como é de J U S T I Ç A ».
A «Companhia de Seguros CC, SA contra –alegou, formulando as seguintes conclusões:
Entende a recorrida que a sentença sub judice não merece censura pois a matéria de facto dada como provada foi correctamente decidida, de acordo com a prova produzida nos autos, e exemplarmente subsumida ao direito aplicável, como aliás, resulta da respectiva fundamentação, à qual se adere e se abstém de transcrever.
Antes de mais, diga-se que a A. não cumpre os requisitos de que depende a alteração da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, atento o disposto no art. 640º do CPC.
Efectivamente, a A. não cumpriu nomeadamente, o disposto na al. a) do nº 2 do citado preceito legal, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, assim impedindo o tribunal ad quem de avaliar a censura imputada à sentença sub judice.
Assim, não basta anexar as transcrições feitas na íntegra das inquirições das testemunhas se nas conclusões não identifica qual das testemunhas e em que passagem é que referiu um facto contrário à decisão da matéria de facto que a A. Está a recorrer.
Entende, assim a recorrida que o recurso deve ser rejeitado no que concerne à impugnação da matéria de facto, mantendo-se assente a fundamentação de facto da sentença ora em crise.
Ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, sempre se diga que, da perspectiva da recorrida, não merece qualquer fundamento a censura imputada à sentença sub judice, conforme oportunamente se demonstrará.
Relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, basta analisar a respectiva fundamentação e a prova que a este respeito foi produzida no processo, nomeadamente em sede de audiência de julgamento, gravada no sistema informático, conforme consta na ata da audiência de julgamento, para verificar a justeza da decisão devidamente fundamentada na matéria de facto apurada.
Assim, andou bem o tribunal a quo quando entendeu que:
“O facto de a estrada tem um traçado reto no local do acidente, de a velocidade de circulação ser baixa, de o condutor vir atento à condução e de já circularem há cerca de 30 Km (desde perto de Montemor-O-Novo) e há mais de uma hora, quando se deu o acidente fazem concluir que o acidente ocorreu em virtude de circunstâncias estranhas ao condutor do reboque e respectiva condição, fazendo também concluir que a grua não vinha mal presa ao reboque, pois se tal ocorresse dado o grande peso da grua e o facto de a mesma circular apenas com as rodas de trás na estrada e, portanto, em situação mais instável, se não estivesse bem presa o despiste teria de ocorrer bastante mais cedo, acresce que, a testemunha II referiu que a grua, após o acidente continuava ligada ao reboque pelo cabo de aço” sublinhado e negrito nosso.
Na realidade, basta ouvir o depoimento do Réu GG, gravado com a duração entre 00:00:04 e os 00:04:53, conforme consta da ata da audiência de julgamento de 18 de Março de 2014, para perceber com clareza a dinâmica do acidente em discussão nestes autos.
Desse depoimento resulta evidente que o Réu tomou todas as diligências necessárias para engatar a grua ao reboque, que o sistema utilizado para o transporte era o indicado para aquele tipo de gruas e que o réu vinha devagar e com atenção à estrada.
Por outro lado, a única testemunha do acidente- II – nas declarações que prestou, gravado com duração entre 00:0004 e os 00:06:20, conforme consta da ata da audiência de julgamento de 18 de março de 2014, não contrariou o depoimento do condutor do veículo do reboque, antes pelo contrário, confirmou a versão do réu GG.
Assim ao contrário do que a A. Tenta demonstrar no seu recurso, resultou provado que o condutor do reboque tomou todas as diligências ao engatar a grua ao reboque até porque mesmo depois da grua ter caído continuou pressa o que não aconteceria se estivesse mal encaixada.
Resulta também provado através das inquirições supra que o reboque seguia a uma velocidade muito reduzida, que a via não apresentava irregularidades e que o condutor do reboque seguia com atenção à estrada e tentou controlar o reboque por forma a evitar o despiste.
Importa ainda referir que as demais testemunhas inquiridas não tinham conhecimento directo dos factos, porque não assistiram ao acidente em discussão nestes autos.
Atenta a prova produzida nos autos conjugada com as regras da experiência, da normalidade e do bom senso comum, às quais o tribunal pode e deve recorrer, a resposta dada aos quesitos não merece qualquer censura.
Com o que, negando provimento ao recurso, e mantendo a sentença sub judice, farão V. Exªs a costumada JUSTIÇA!!»
Factos dados como provados na 1ª instância:
«1 – A DD, SA de quem a A., Companhia de Seguros AA é sucessora, celebrou com a EE, Lda, contrato de seguro titulado pela apólice nº 99341350065, tendo como objeto a grua móvel PPM 380 ATT.
2 – Tratava-se de um contrato de seguro de máquinas-cascos, pelo qual a A., Companhia de Seguros AA, se obrigou até ao limite legal do contrato, ressarcir a segurada pelos danos sofridos nos bens indicados em consequência do sinistro ocorrido dentro do período de vigência da apólice, qualquer que seja a causa.
3 – No dia 27/7/04, a grua PPM 380 ATT, todo o terreno de lança telescópica, com capacidade máxima de elevação de 40 T, fabricada no ano de 1986, referência interna G045, chassis nº 00045054, circulava, por seus próprios meios, pela A2, quando por avaria mecânica a nível do motor ficou subitamente imobilizada e incapacitada de seguir o seu trajeto.
4 - Dada a impossibilidade de remover a grua do local, sito na A2 entre Marateca e Setúbal, a EE, atualmente FF contratou com a Ré BB, empresa especializada em reboques de veículos pesados, a remoção do veículo pra as instalações da FF em Vil Figueiras, Porto Alto.
5 - Para efetuar o serviço de remoção da grua a 1ª ré, Sacavol, enviou ao local o veículo de matrícula UA-XX-XX, marca DAF, modelo 2800, conduzido pelo R. GG, propriedade da R. BB.
6 - Entre a ré Companhia de Seguros CC e a ré EE foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº 090.50341060, cuja apólice se encontra junta a fls. 228 a 258, tendo como objeto o veículo identificado na alínea anterior.
7 - Entre a ré CC e a ré EE foi ainda celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração, titulado pela apólice 55.00036873 que se encontra a fls. 259 a 268.
8 – Entre a R. BB e a R. CC foi celebrado um contrato de seguro ramo automóvel, titulado pela apólice 9050341060, cuja cópia foi junta como documento nº 2 a fls. 46 e 47, e documento nº 3 a fls. 52 a 80, tendo por objeto o veículo comercial de reboque de matrícula UA-XX-XX.
9 – Entre a R. BB e a R. CC foi celebrado um contrato de seguro, responsabilidade civil de exploração, titulado pela apólice 5500036873, cuja cópia foi junta como documento nº 2 a fls. 48 e 49 e documento nº 4 a fls. 81 a 85.
10 – A A. FF, antes EE, era dona da grua identificada em 3, à data do acidente em causa nos autos.
11 – O condutor do reboque, o R. GG, é trabalhador da BB, tendo a mando e no interesse da mesma procedido ao engate da lança do veículo de reboque na frente da grua-automóvel, de forma a que esta ficasse apenas com as rodas traseiras a rodar no asfalto.
12 – Tendo o eixo dianteiro da grua automóvel ficado suspenso na lança do rebocador.
13 – Cerca das 16h30m do dia 27/7/2004, ao Km 39,9, quando o veículo de reboque se deslocava no sentido sul-norte o seu condutor GG perdeu o controlo do mesmo, despistou-se e foi embater no separador central ali existente, que separa os sentidos de tráfego Sul-Norte e Norte-Sul, tendo o veículo e reboque ficado imobilizados junto ao separador central.
14 – A A2 tem duas faixas de rodagem, a via no local do acidente permite boa visibilidade, o traçado tem uma reta com cerca de 1km.
15 – Em consequência do despiste referido em 13, a grua capotou, rodando sobre a sua parte lateral esquerda
16 – Do despiste resultou a destruição total das duas cabines, bem como do jib e dos contra-pesos da grua.
17 – A torreta e diversos elementos do cabrestante ficaram com deformações e fraturas.
18 – Não sendo economicamente viável a reparação da grua.
19 – O acidente ocorreu por circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor do rebocador e respetiva condução.
20 - À data do acidente a grua acima identificada valia, cerca de 43.080,50€.
21 - Valor que a autor pagou à sua segurada no âmbito do contrato de seguro referido acima referido, deduzida a franquia de 4.308,05 e 2.500,00€ relativos aos salvados.
22 - A autora teve ainda de despender 1.442,65€ em custos de peritagem.
23 - Desde o local de início do reboque até ao local do acidente a grua circulou mais de uma hora e cerca de 30km.
24 – A A. FF ficou privada da utilização da grua automóvel na sua atividade desde o dia 27/7/2004 até pelo menos 24/5/2005, data em que recebeu a indemnização referida em 21.
25 – A grua, na data do acidente apresentava uma avaria no motor.
26 – A grua trabalhava habitualmente, pelo menos, cinco dias por semana e 8h por dia.
27 – Por cada dia de trabalho a A. FF cobrava à data o valor ilíquido de cerca de 400,00€ .


2 – Objecto do Recurso:

Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684º, nº 3 CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (Significa isso que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso):
- Impugnação de facto-incumprimento do ónus de impugnação.
- Impugnação de Direito:


3. Análise do recurso:


3.1 – - Impugnação de facto-incumprimento do ónus de impugnação:

Vem a recorrida pedir expressamente a rejeição do recurso, referindo que não não indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, assim impedindo o tribunal ad quem de avaliar a censura imputada à sentença sub judice, pois não basta anexar as transcrições feitas na íntegra das inquirições das testemunhas se nas conclusões não identifica qual das testemunhas e em que passagem é que referiu um facto contrário à decisão da matéria de facto que a A. está a recorrer.
Cumpre decidir:
Parece-nos óbvio que a recorrida tem razão.
Efectivamente, também entendemos que não é cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto.
Não basta, nem se pode admitir que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica dos factos que impugna, recorrendo á transcrição integral dos depoimentos.
É preciso que indique, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais as concretas passagens dos depoimentos que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente.
Ora, no caso dos autos, a recorrente não o faz.
Esta forma de impugnação da matéria de facto sendo, sem dúvida, muito fácil e expedita, não é a legalmente imposta.
Ora, não tendo a apelante cumprido os normativos indicados e nos termos acima expostos, vedado fica ao tribunal, sob pena de violação da lei imposta, conhecer do recurso ora interposto, concretamente, sobre a reapreciação e modificabilidade da matéria de facto, devendo o recurso ser rejeitado quanto à alteração da matéria de facto (cfr., neste sentido, o acórdão desta Relação de 24/11/2011, proferido no processo n.º 3750/09.2TJVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt, de 26/6/2012, 4/12/2012, 11/12/2012, 5/3/2013 e de 16/4/2013 por nós proferidos nos processos n.ºs 384/10.2TBAGN.P1, 12452/12.1YIPRT.P1, 3112/11.1TJVNF.P1, 1386/09.7TBVNG.P1 e 5839/09.9TBMTS.P1, entre outros, que aqui quase que reproduzimos).
A este propósito, explica Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 2ª Ed. vol. I, págs. 468 e 592, em anotação, respectivamente, aos artigo 522º-C e 690º-A do CPC: «sabendo-se que o pretendido pelo legislador não foi, pura e simplesmente, obter a repetição do julgamento junto do Tribunal da Relação, mas antes «a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) não previu o diploma a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa esta matéria e com a finalidade evidente de desincentivar o uso de manobras dilatórias, que a lei sempre quer diminuir – art. 265º n.º 1 do CPC.
Também neste sentido, Acórdãos do STJ, de 25-11-04, de 20-09-2004 e de 31-05-06, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª ed., Almedina, pág. 161 e Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, p. 519-520.
E deste modo, apenas e só com a matéria dada como provada e considerada assente, a qual se deve considerar como definitivamente fixada, se poderá questionar a decisão.


3.2 – Impugnação de Direito:

Na sentença recorrida entendeu-se que existia culpa presumida do condutor do veículo de reboque mas que os factos provados são suficientes para elidir a culpa do mesmo, já que o acidente ocorreu por circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor do rebocador e por isso conclui que não há obrigação de os RR. reembolsarem a A. Companhia de Seguros AA relativamente aos valores que esta despendeu a indemnizar o seu segurado, nem há lugar ao pagamento de qualquer indemnização à A. FF.
No presente recurso a Companhia de Seguros AA insurge-se contra esta conclusão, alegando que, não foi considerado o facto de estarmos perante uma actividade perigosa constituída pelo conjunto entre veículo rebocador e rebocado o que significa que existe uma presunção de culpa sobre a proprietária do veículo, pois circulava no seu interesse e na direcção efectiva e essa presunção só será ilidida se demonstrar que foram tomadas todas as medidas e providências para evitar a efectivação do risco, como resulta do disposto nos artºs. 483º, 487º, 493º e 503º do Código Civil, não ponderados na douta sentença recorrida.
Alega que a proprietária não fez essa demonstração, já que a mera constatação de terem ocorrido circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor, como se lê no ponto nº. 19 da douta sentença não basta para ilidir a presunção legal, o que só poderia ocorrer a ter-se provado em concreto que este agira com cuidado e diligência de “bom pai de família” nas circunstâncias, quer no atrelar dos veículos, quer na condução do instável conjunto.
Conclui a recorrente que a prova positiva da diligência do comissário da 1ª Ré não foi produzida, nem reconhecida, não se extraindo do vago e difuso conceito de circunstâncias fortuitas.
Vejamos:
A A. Companhia de Seguros AA vem requerer o reembolso de quantias pagas à sua segurada em virtude de acidente sofrido por uma grua desta, acidente esse cuja ocorrência a A. imputa ao motorista da R. BB.
É certo que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1º, nº 1, 2º, 10º e 31º nº 4 da Lei nº 100/97 de 13/9 e 593º, nº 1 do C. Civil, assiste à A. direito de regresso contra os responsáveis pelo acidente que deu causa aos pagamentos efetuados, no entanto, para que a A. possa obter tal reembolso é necessário que no caso, estejam preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar.
Defende a recorrente que estamos perante uma actividade perigosa, o que não foi tomado em consideração pela sentença.
Nos termos do art. 493º nº 2 do C. Civil «Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»
Este artigo pressupõe o carácter perigoso da actividade exercida.
Vaz Serra (“Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades”, BMJ nº 85, p.378,em nota) apoiado pela doutrina italiana que cita, define-as como as “que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades”.
Para Mário Júlio de almeida Costa (Direito das Obrigações, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, p. 529), “ deve tratar-se pois de actividade que mercê de qualquer dessas duas razões (da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados), tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.
Por sua vez Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra p. 495) defendem que “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade…ou da natureza dos meios utilizados…É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.
A jurisprudência vem entendendo que, em certos casos concretos, ocorre perigosidade na actividade desenvolvida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados.
No caso dos autos trata-se do transporte duma grua em suspensão por um reboque com encaixe.
A lança foi engatada no veículo de reboque na frente da grua-automóvel, para que esta ficasse apenas com as rodas traseiras a rodar no asfalto e o eixo dianteiro da grua automóvel ficou suspenso na lança do rebocador
Facilmente se compreende que o peso da grua arrastada dificulta o controlo do veículo.
Entendemos que a recorrente tem razão ao dizer que se trata de actividade perigosa, podendo ocorrer, aliás como ocorreu, o descontrole do veículo.
As providências idóneas a adoptar pelo sujeito para evitar os danos resultantes do exercício de uma actividade perigosa são ditadas pelas normas técnicas ou pelas regras de experiência comum, as quais se aferem pela diligência de um bom pai de família neste sentido Ac. STJ de 4.10.84, BMJ 340º - 370.
«Deve partir-se do critério abstracto relativo à capacidade e diligência do agente e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que “ devia e podia ter agido de outro modo” – Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I Almedina, Coimbra, 9º Ed. P. 582.
Competia à proprietária mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados.
Entende a sentença que o acidente ocorreu por circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor do rebocador.
Certamente baseou-se no facto provado (que no fundo não é um facto mas uma conclusão) de que «19 – O acidente ocorreu por circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor do rebocador e respetiva condução.»
Ora, como diz a recorrente “O conceito de circunstâncias fortuitas é vago e difuso”.
O conceito de caso fortuito ou de força maior encontram-se associados a situações não imputáveis àquele que se encontra obrigado, por revestirem as características da imprevisibilidade e e da inevitabilidade. – neste sentido Ac. RL de 9.06.2005, CJ 2005, 3º p. 101.
Nada ficou demonstrado de concreto neste sentido.
E sendo uma actividade perigosa a proprietária responderá pelos danos causados se não se provar ter usado de todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir o sinistro.
A culpa presumida, no plano civilista, incide sobre a entidade comitente, proprietária do UA-XX-XX, já que o veículo circulava no seu interesse e direcção efectiva.
Ora, sabemos que o acidente ocorreu no decurso da deslocação do reboque a que a grua estava atrelada.
Mas, como já referimos, só se provou que:
«19 – O acidente ocorreu por circunstâncias fortuitas estranhas ao condutor do rebocador e respetiva condução. »
Assim, entendemos que a recorrente tem razão ao concluir que a ré não demonstrou que fez tudo o que de acordo com a experiência comum, seria adequado a evitar o perigo.
Não demonstrou que tomou os cuidados possíveis para evitar o acidente, pelo que a culpa presumida não foi ilidida.
O artº. 483º do Código Civil estabelece o princípio geral sobre responsabilidade civil e a incidência das presunções de culpa, sublinhadas no artº. 487º, 493º, nº. 2 (face à natureza dos veículos e cargas e perigosidade do transporte) e 503º, todos do Código Civil).
Concluímos assim pela responsabilidade das Rés, verificam-se toda as condições de procedência do pedido da autora.



4. Dispositivo.

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e consequentemente revogar a sentença recorrida e condenar as Rés BB, Lda e a «Companhia de Seguros CC, SA» a reembolsar a autora do valor que pagou à proprietária da grua e regularização do sinistro, ou seja, a quantia de 37.695,10€.

Custas pelos recorridos.


Évora, 25.06.2015


Elisabete Valente

Maria Cristina Cerdeira

Maria Alexandra Afonso de Moura Santos