Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | DENÚNCIA CALUNIOSA NÃO PRONÚNCIA FALSIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - O preceito incriminador da “denúncia caluniosa” exige, além do mais, que a denúncia ou suspeita seja, no seu conteúdo essencial, falsa, e que o agente atue com a consciência da falsidade da imputação. II - Se, de todo o acervo provatório carreado para os autos, não resulta, minimamente, que, no momento em que efetuou a denúncia, a arguida soubesse que os factos imputados eram falsos (nem sequer se tendo apurado que esses factos fossem efetivamente falsos), e possuindo a arguida razões para crer que as imputações em causa (feitas ao seu irmão, e relacionadas com a situação pessoal do seu pai) eram verdadeiras, é inviável a “pronúncia” da arguida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 644/13.0TAVNO, da Comarca de Santarém (Santarém - Instância Central - Secção de Instrução Criminal - Juiz 2), veio o assistente AMM recorrer do despacho judicial que não pronunciou a arguida MFMG. Apresentou as seguintes (transcritas) conclusões, extraídas da motivação do recurso: “1) O recorrente apresentou queixa contra MFMG, pela prática por parte desta de factos integradores do crime de denúncia caluniosa; 2) Entendeu a douta Procuradora Adjunta proceder ao arquivamento dos autos; 3) O ora Recorrente, requereu a abertura de instrução, pedindo no final a pronúncia da arguida pelo crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365º, n.º 1, do Código Penal; 4) Após a realização do debate instrutório a Meritíssima Juiz a quo decidiu: “De harmonia com o artigo 308º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não pronuncio a arguida MFMG, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, n.º 1 do Código Penal”; 5) O Recorrente não concorda com a decisão recorrida; 6) Atendendo à prova produzida em sede de inquérito, e posteriormente em sede de instrução, nunca se poderia ter decidido da forma como se decidiu; 7) Embora o despacho recorrido tenha começado por fazer o saneamento do processo, considerando não haver nulidades ou questões prévias, e, seguidamente, passando a conhecer do mérito do requerimento instrutório, tendo concluído pela não pronúncia da arguida, omite, no entanto, completamente, a decisão fáctica, isto é, não descreve nem especifica quais os factos que considera suficientemente indiciados e os que não considera suficientemente indiciados; 8) Só após essa discriminação é que se poderia seguir a tarefa de decidir se os factos indiciados eram ou não suficientes para a sujeição da arguida a julgamento pelo crime imputado; 9) O cumprimento dessa exigência é essencial para a fixação dos efeitos do caso julgado da decisão de não pronúncia, ficando o valor deste despacho consequentemente afetado por via de tal omissão; 10) A decisão contida no despacho objeto deste recurso padece de nulidade, que aqui se requer a sua apreciação; 11) De facto o Tribunal a quo remete a fundamentação da decisão recorrida para o despacho de arquivamento, fazendo constar do despacho sob recurso, de forma vaga, genérica e não especificada, a conclusão pela insuficiência dos indícios da prática do crime denunciado pelo Recorrente; 12) Por se tratar de despachos que põem termo ao processo exige-se um completo esclarecimento a prestar aos interessados sobre os concretos fundamentos de facto e de direito que o motivam; 13) Trata-se assim de uma decisão que, no que respeita à fundamentação, se encontra irremediavelmente eivada de nulidade, porque se baseou numa interpretação extensiva do artigo 307º, n.º 1, in fine do C.P.P. que para além de não se encontrar abrangida pela respetiva ratio, contraria lei expressa; 14) A referida norma, em conjugação com o disposto no artigo 308º, n.º 2, do mesmo diploma legal, não permite outra interpretação que não seja a de que a fundamentação do despacho de não pronúncia tem de conter expressa e especificadamente os elementos constantes das als. b) e c) do n.º 3, do artigo 283º do C.P.P.; 15) Exigência legal que, no caso vertente não foi, de todo, observada, de onde decorre a nulidade do despacho sob recurso, nos termos do disposto no artigo 283º, n.º 3, do C.P.P.; 16) O despacho recorrido tem a natureza de uma verdadeira sentença, como a define o n.º 1 do artigo 97º do C.P.P., porque conhece do objeto do processo, decidindo que a arguida não deve ser responsabilizada criminalmente e põe termo aos autos; 17) Deve assim entender-se que lhe é aplicável o disposto nos artigos 374º, e 379º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C.P.P., que exigem que a decisão contenha a respetiva fundamentação, especificando os motivos de facto e de direito que a determinam, e o conhecimento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal; 18) Por a decisão não se encontrar devidamente fundamentada, está eivada de nulidade por violação do disposto nos artigos 379º e, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2, do C.P.P., o que se requer seja reconhecido e declarado por V. Exas., mandando-se corrigir o vício de que a decisão enferma; 19) Circunstância que conduz, inevitavelmente, a que o despacho de não pronúncia de que ora se recorre enferme de contradição, na medida em que a prova produzida no inquérito e na instrução impunha decisão diversa da constante da decisão recorrida; 20) De facto, de acordo com o disposto no artigo 308º, n.º 1, do C.P.P., a fase de instrução termina com a prolação do despacho de pronúncia sempre que, da prova recolhida inquérito e nas diligências instrutórias, resultarem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança; 21) Critério que é concretizado no artigo 283º, n.º 2, do C.P.P., aplicável ex vi do n.º 2, do artigo 308º do mesmo diploma legal, no sentido de que os indícios devem ser considerados suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança; 22) Juízo de probabilidade sobre a verificação dos elementos objetivos dos tipos de crime (únicos que importa considerar para efeito da decisão instrutória) que, no presente caso, face aos elementos de prova recolhidos em inquérito e na instrução, deve considerar-se completamente assegurado, relativamente ao crime denunciado pelo recorrente e a que respeita este recurso; 23) Desde logo verifica-se que a prova testemunhal e documental constante dos autos não deixa persistir quaisquer dúvidas sobre o preenchimento dos elementos objetivos do crime de denúncia caluniosa; 24) Contrariamente ao entendimento da Meritíssima Juiz a quo, existiam nos autos indícios mais do que suficientes, para que a arguida fosse pronunciada pelo crime de denúncia caluniosa; 25) A conclusão retirada pela Meritíssima Juiz a quo da inexistência de indícios suficientes nos autos assenta em premissas que não se verificam no caso presente; 26) Tal deve-se à desconsideração por parte da Meritíssima Juiz a quo do meio de prova junto aos autos - Certidão Judicial - no que se refere à prova dos factos ou à existência de indícios diretamente relacionados com o crime em causa; 27) Na verdade, a Meritíssima Juiz a quo refere que “é incontroverso que a arguida MFMG, no dia 28.06.2013, apresentou contra o ora assistente, nos Serviços do Ministério Público de Ourém, dando origem ao Inquérito n.º 467/13.7TAVNO, onde imputou os factos aí melhor explanados, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (cfr. Certidão de fls. 10 a 14)”; 28) Porém, no que se refere a outros factos que constam da mesma certidão, já a Meritíssima Juiz a quo tem diversa interpretação não lhe atribuindo o valor que deveria ter em face da Lei; 29) A Meritíssima Juiz a quo entendeu, erradamente, seguindo o mesmo entendimento do Ministério Público com o qual concordou, que o arquivamento dos autos no que se refere ao referido processo 467/13.7TAVNO aconteceu não porque se provou que não tivesse existido crime mas por não ter sido possível apurar qualquer dos factos denunciados não tendo sido recolhidos indícios suficientes da prática pelo ora recorrente do crime de sequestro; 30) O que não corresponde à verdade nem ao que resulta da prova consistente no relatório da polícia judiciária inserto na Certidão; 31) Aliás, existe até contradição na fundamentação apresentada; 32) Diz a Meritíssima Juiz a quo o seguinte: «… Conforme decorre de fls. 38 a 41 o referido processo foi arquivado “por não ter sido possível apurar qualquer dos factos denunciados”, uma vez que “foi afirmado pela alegada vítima que não estava a ser, nem nunca foi restringido por quem quer que seja nos seus movimentos” …». 33) Provou-se pois que a denúncia feita pela arguida contra o Recorrente não tinha qualquer fundamento, depois de ouvidas as testemunhas e a própria “vítima” do crime de sequestro imputado ao ora Recorrente; 34) Tais provas resultam do que foi apurado pela Polícia Judiciária e que constam do relatório final (fls. 8 e 9) por esta elaborado e que se encontra junto aos autos em forma de certidão judicial, e que acima se transcreveu; 35) A interpretação feita pela Meritíssima Juiz a quo quanto aos indícios recolhidos nos autos carece de qualquer sentido e é contraditória com a prova indiciária recolhida; 36) Ficou provado que o ora recorrente nunca poderia ter cometido o crime de sequestro, porque este nunca ocorreu, quer em face das declarações da pretensa vítima de sequestro, JAM, quer das declarações de todas as testemunhas ouvidas a esse propósito – DMM, TMM, LMO – para além do que foi dito pelo Recorrente; 37) Parece que a Meritíssima Juiz a quo, tal como a douta Procuradora Adjunta, defende que para a prova de que o Recorrente não cometeu o crime que lhe era imputado na denúncia apresentada pela arguida seria necessário que houvesse uma acusação e que a mesma prosseguisse para julgamento e que neste o mesmo viesse no final a ser absolvido - aí sim é que se provaria que o Recorrente não tinha cometido o crime pelo qual era denunciado e estaria então legitimado para apresentar denúncia caluniosa contra a arguida; 38) Defender tal interpretação, para além de não ser lógica, violaria os princípios mais elementares do sistema de justiça, como sejam o da presunção da inocência até prova em contrário e até o próprio princípio da celeridade, quando á partida, e após a realização de diversas diligências, se constatou que a denúncia de sequestro apresentada pela arguida contra o ora recorrente não tinha qualquer fundamento, sendo por via disso caluniosa; 39) Quanto à questão da consciência da falsidade da imputação por parte da arguida, não podemos deixar de concluir, contrariamente ao defendido pela Meritíssima Juiz a quo, de que ela está presente quando a denúncia foi apresentada pela arguida, embora através de mandatário judicial, já que este foi para tanto mandatado pela arguida; 40) A denúncia foi feita por escrito e expressamente dirigida à Exmª Procuradora Adjunta dos Serviços do Ministério Público de Ourém, contra o ora recorrente, imputando a este diversos factos integradores do crime de sequestro - conforme resulta da certidão junta aos autos; 41) E a arguida, inquirida sobre a matéria, manteve todo o teor da denúncia apresentada - vide Relatório da Polícia Judiciária (fls. 8); 42) Acresce ainda que o entendimento que a Meritíssima Juiz a quo tem quanto ao preenchimento dos requisitos do tipo legal de crime de denúncia caluniosa não resulta do que se encontra expresso na Lei; 43) A arguida MFMG apresentou participação criminal, em 28 de Junho de 2013, perante o Ministério Público, contra o ora Ofendido AMM, imputando a este factos que integram a prática do crime de denúncia caluniosa, conforme consta da participação, designadamente os acima identificados; 44) Sabendo que tais factos imputados ao ora Recorrente, que configuram a prática do crime de sequestro, são falsos e não correspondem à verdade como se veio a apurar na sequência do Inquérito que contra ele foi instaurado - Processo de Inquérito n.º 467/13.7TAVNO; 45) A Arguida MFMG pretendeu, com tal participação criminal, que, contra o ora Recorrente, fosse instaurado, tal como aconteceu, procedimento criminal; 46) Bem sabendo que tais factos e imputação não correspondiam à verdade; 47) Cometeu, pelo exposto, a arguida um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365º, n.º 1, do Código Penal; 48) Dúvidas não existem de que a arguida MFMG terá de ser pronunciada pelo crime previsto no artigo 365º, n.º 1, do Código Penal, revogando-se a decisão recorrida; 49) Não houve, assim, uma correcta apreciação do tribunal sobre a matéria em análise nos presentes autos; 50) Bem como não houve uma correcta apreciação por parte do tribunal dos elementos constantes do processo; 51) Resulta claramente dos autos que a arguida manifestou condutas susceptíveis de consubstanciar a prática do crime de denúncia caluniosa, nos termos das normas legais supra indicadas; 52) Há necessidade de alterar a decisão proferida em primeira instância, enviando-se o processo para julgamento, com o fim de se apurar a verdade dos factos; 53) A arguida terá de ser julgada pelo crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo artigo 365º, n.º 1, do Código Penal; 54) Existe de facto prova suficiente para levar a arguida a julgamento; 55) Lendo atentamente a decisão recorrida, verifica-se que não indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efetiva situação do verdadeiro motivo de não pronúncia da arguida; 56) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205º da C.R.P., uma vez que, segundo esta disposição Constitucional, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”; 57) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser devidamente fundamentada; 58) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204º da C.R.P., uma vez que esta disposição é tão abrangente que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta e tão só que violem os princípios nela consignados; 59) A decisão recorrida viola os princípios consignados na C.R.P., nomeadamente os consignados nos artigos 13º, 27º, 28º, 29º e 32º; 60) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202º da C.R.P., nomeadamente o nº 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos … e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados; 61) Neste caso, essa circunstância não se verifica; 62) Isto é, o Tribunal, a Meritíssima Juiz a quo, com a decisão recorrida não assegurou a defesa do recorrente; 63) A Meritíssima Juiz limitou-se, apenas e tão só, a emitir uma decisão “economicista”; 64) Isto é, na decisão recorrida não se apreciou devidamente a prova produzida em inquérito e instrução, conforme já vimos; 65) Estamos plenamente convictos que este Venerando Tribunal alterará a decisão proferida em primeira instância, ordenando-se o envio do processo para julgamento; 66) Dúvidas não existem de que a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos artigos 307º, 308º e 283º do C.P.P.. Termos em que se requer a V. Exas a revogação do despacho recorrido, substituindo-o por um despacho que pronuncie a arguida pelo crime de denúncia caluniosa e a submeta a julgamento”. * A Exmª Magistrada do Ministério Público e a arguida responderam ao recurso, no sentido de ser negado provimento ao mesmo e mantida a decisão revidenda.* Neste Tribunal da Relação, aquando da vista a que se reporta o artigo 416º do C. P. Penal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na argumentação expendida pela Exmª Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso, que sufragou, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta. Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso. Duas questões, em breve síntese, são suscitadas no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: 1ª - A nulidade do despacho revidendo, por falta de fundamentação (nomeadamente por nele não serem indicados quais os factos indiciados e não indiciados). 2ª - A existência de indícios suficientes, sendo de pronunciar a arguida pela prática de um crime de denúncia caluniosa. 2 - A decisão recorrida. O despacho revidendo é do seguinte teor (na parte aqui relevante - pois tudo o resto são considerações, de ordem genérica, sobre o enquadramento jurídico da fase da instrução, sobre a noção de “suficiência dos indícios”, e, ainda, no tocante à tipificação legal do crime de denúncia caluniosa -): “Centrando-nos no caso dos presentes autos, cumpre averiguar se há indícios suficientes de a arguida, apesar do seu propósito de que fosse instaurado procedimento criminal ao assistente, tenha tido consciência da falsidade da imputação em causa. Como ensina o Prof. Costa Andrade (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra, 2001, pág. 548), a consciência da falsidade “significa que, no momento da ação, o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objeto da denúncia ou suspeita”. É incontroverso que a arguida MFMG, no dia 28-06-2013, apresentou queixa contra o ora assistente, nos Serviços do Ministério Público de Ourém, dando origem ao Inquérito nº 467/13.7TAVNO, onde imputou os factos aí melhor explanados, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (cfr. certidão de fls. 10 a 14). Ouvido o ora assistente AMM (a fls. 25), e as testemunhas DMM (fls. 34-35), TMM (fls. 36-37), em sede de diligências de inquérito, e a testemunha LMO, em sede de diligências instrutórias (cfr. fls. 123-124), estas nada vieram adiantar quanto aos factos ora em causa nestes autos, referindo-se apenas aos factos imputados ao ora assistente no Inquérito nº 467/13.7TAVNO, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Ourém. Conforme decorre de fls. 38 a 41, o referido processo foi arquivado “por não ter sido possível apurar qualquer dos factos denunciados”, uma vez que “foi afirmado pela alegada vítima que não estava a ser, nem nunca foi, restringido por quem quer que seja nos seus movimentos”. Terão sido estas as considerações que levaram o Ministério Público a arquivar os autos quanto a estes factos, no referido Inquérito nº 467/13.7TAVNO, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Ourém, não porque se provou que não tivesse existido crime, mas, como aí se afirma expressa e claramente, arquivado “por não ter sido possível apurar qualquer dos factos denunciados”, não tendo sido recolhidos indícios suficientes da prática pelo ora assistente do crime de sequestro referido, atento o disposto no artigo 277º, nº 2, do C. P. P. É pois claro para qualquer pessoa que o facto de não se saber se um facto ocorreu não equivale à prova de que não sucedeu. Destas considerações resulta claramente que não podemos afirmar, com nenhum grau de certeza, que os factos denunciados pela arguida não são verdadeiros ou que, ainda que o fossem, a mesma não agiu na plena convicção de que falava com verdade, sendo pois lógica e juridicamente inviável a sua pronúncia. A ponderação dos indícios existentes nos autos leva a concluir pela sua inconsistência e insuficiência para imputar, ainda que indiciariamente, os factos eventualmente integradores do crime de denúncia caluniosa à denunciada. A seriedade de que se deve revestir a decisão de submeter qualquer pessoa a julgamento não se compatibiliza com a existência de imputações pouco seguras, como sucede in casu. Tudo, pois, conduz à conclusão de que, perante as provas recolhidas no inquérito e durante a instrução, a probabilidade de a arguida vir a ser condenada em julgamento, pela autoria do crime que lhe é assacado pelo assistente no requerimento de abertura de instrução, é claramente inferior à de vir a ser absolvida. Pelo exposto, não há, nestes autos, indícios bastantes de que a arguida terá praticado os factos cuja prática o assistente lhe atribui. Decisão: De harmonia com o artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, não pronuncio a arguida MFMG, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1, do Código Penal. Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça pelo seu mínimo legal”. 3 - Apreciação do mérito do recurso. a) Da nulidade do despacho revidendo. Alega o recorrente que o despacho recorrido não obedece aos requisitos legais de fundamentação, designadamente não estando explicitados em tal despacho quais os factos considerados como indiciados e como não indiciados. Cumpre apreciar e decidir. Ao ser proferido despacho de não pronúncia (como acontece in casu), deve sempre especificar-se o conjunto de factos que se consideram indiciados e não indiciados (até para se garantirem os direitos de defesa dos arguidos). Ora, tal foi feito no despacho revidendo, suficientemente, e ainda que (em algumas partes) por mera remissão para peças processuais constantes dos autos. Esta nossa conclusão é, com o devido respeito por diferente opinião, inteiramente segura: no despacho recorrido estão elencados, de modo suficiente e apreensível, os factos (que preencheriam os elementos típicos do crime imputado à arguida) que se consideram indiciados e que se não consideram indiciados. O artigo 308º, nº 2, do C. P. Penal, que versa sobre o regime do despacho de pronúncia ou de não pronúncia, manda aplicar a este despacho o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º do mesmo diploma legal (acusação pelo Ministério Público), sendo que o nº 3, al. b), de tal artigo 283º, refere que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (...)”. Por sua vez, o artigo 307º, nº 1, do C. P. Penal, estabelece que, quanto ao despacho de pronúncia ou de não pronúncia, o juiz pode fundamentar o mesmo “(...) por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução”. Ora, ponderando as questões colocadas no requerimento para abertura da instrução (e os factos aí descritos), e olhando à forma como são indicados, no despacho revidendo, os factos considerados como indiciados e os factos tidos como não indiciados, é manifesto que não ocorre a nulidade invocada pelo recorrente. Com o devido respeito pelo alegado na motivação do recurso, a Mmª Juíza a quo elencou os factos (dados como indiciados e como não indiciados), suficientemente, sem contradições, e de modo apreensível, ponderando tudo que de relevante foi invocado, em termos fácticos, no requerimento para abertura da instrução. Com efeito, e em primeiro lugar, os factos tidos como indiciados (no despacho sub judice) correspondem àquilo que foi alegado no artigo 16º do requerimento para abertura da instrução: “A arguida MFMG, no dia 28-06-2013, apresentou queixa contra o ora assistente, nos Serviços do Ministério Público de Ourém, dando origem ao Inquérito nº 467/13.7TAVNO, onde imputou os factos aí melhor explanados, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (cfr. certidão de fls. 10 a 14)”. Em segundo lugar, os factos tidos como não indiciados são, naquilo que se mostra essencial, os factos alegados nos artigos 17º e 18º do mesmo requerimento para abertura da instrução: “Os factos denunciados pela arguida não são verdadeiros ou que, ainda que o fossem, a mesma não agiu na plena convicção de que falava com verdade”. Ou seja, a Mmª Juíza, na concreta situação destes autos, definiu, em termos apreensíveis e aceitáveis, a factualidade que considerou e que não considerou suficientemente indiciada. Aliás, basta lermos a motivação do presente recurso para concluirmos, sem hesitações, que o assistente compreendeu (e bem) tudo o que foi decidido no despacho revidendo, tudo o que estava (e está ainda) em discussão, e tudo o que é ou não relevante para o destino dos presentes autos. Em face do exposto, não assiste razão ao recorrente nesta vertente do recurso. A propósito do que vem alegado na motivação do recurso (na vertente em análise), cumpre deixar consignadas algumas considerações: - A decisão de não pronúncia não assume a natureza de uma sentença (cfr. o disposto no artigo 97º, nº 1, do C. P. Penal), e, assim sendo, as exigências de fundamentação do despacho de não pronúncia não são as mesmas da sentença, nomeadamente não lhe sendo assacável a nulidade prevista nos artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do referido diploma legal. - Não basta invocar violações de diversos preceitos constitucionais, sendo necessário, obviamente, concretizar tais violações em confronto com o caso colocado à apreciação deste tribunal ad quem, o que, com o devido respeito, o recorrente não faz (sendo infundamentadas as alegações de que se mostra desrespeitado, no despacho revidendo, o estatuído nos artigos 13º, 27º, 28º, 29º, 32º, 202º, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa). - Não se vislumbra, minimamente, como é que, com a decisão recorrida, a Mmª Juíza não assegurou a “defesa do recorrente” (constituído assistente nos autos), e, muito menos ainda, como é que a Mmª Juíza se limitou a emitir uma decisão “economicista”. Em conclusão, e sem outros considerandos (por desnecessários): improcede a nulidade invocada pelo recorrente. b) Da existência de indícios suficientes. Entende o recorrente que é de pronunciar a arguida pela prática de um crime de denúncia caluniosa, por existirem indícios suficientes para o efeito. Cabe decidir. Nesta tarefa, analisaremos: - Em primeiro lugar, o conceito de “indícios suficientes”. - Em segundo lugar, a definição (ainda que sumária) do tipo legal do crime de denúncia caluniosa. - Por último, teremos de aplicar todas essas considerações à concreta situação aqui colocada, decidindo se é ou não de pronunciar a arguida pela prática do referido tipo legal de crime. Do conceito de “indícios suficientes”. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Penal, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. E, como dispõe o nº 1 do artigo 308º do mesmo diploma legal, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Na expressão do artigo 283º, nº 2, do Código de Processo Penal, consideram-se suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. A este respeito, o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1º Vol., 1981, pág. 133 - a respeito do Código de Processo Penal anterior mas ainda com total utilidade para a compreensão do actual) refere lapidarmente que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”. E acrescenta o mesmo autor (ob. e local citados): “tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução (...) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”. Também Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Ed. Verbo, Vol. II, 4ª edição, 2008, pág. 117) diz que por indiciação suficiente se deve entender “a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já admitidos no processo, uma pena ou medida de segurança”. No dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª edição, pág. 332, nota nº 10 ao artigo 127º), indícios suficientes são “as razões que sustentam e revelam uma convicção sobre a maior probabilidade de verificação de um facto do que a sua não verificação”. Mais conclui o mesmo autor (ob. e local referidos) que, “por isso, é inconstitucional a valoração da prova indiciária que subjaz ao despacho de pronúncia que se basta com a formulação de um juízo minimalista segundo o qual só não deve haver pronúncia se da submissão do arguido a julgamento resultar um acto manifestamente inútil (Acórdão do TC nº 439/2002)”. A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal. Assim, e no dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2003 (Processo nº 03P1493), “indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, traduzidos em vestígios, suspeitas, presunções, sinais e indicações suficientes e bastantes para convencer de que existe um crime do qual aquele agente é responsável”. Seguindo o exposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-06-1988 (in BMJ, nº 378, pág. 787), os indícios suficientes “significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado”. Em síntese, e em todo o caso, podemos concluir que a arguida só deve ser pronunciada se, já em face das provas recolhidas no inquérito e na instrução, a sua condenação for mais provável que a sua absolvição. Do crime de denúncia caluniosa Preceitua o artigo 365º, nº 1, do Código Penal: “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. No que diz respeito ao tipo objetivo de ilícito, exige o preceito incriminador acabado de transcrever: 1º - A conduta típica, caracterizada pela denúncia ou pelo lançamento de suspeita da prática de um crime, sendo que tal conduta pode concretizar-se através de qualquer meio. Assim, as suspeitas podem ser lançadas através de enunciados verbais, isto é, “afirmações de facto com recurso à linguagem oral ou escrita”, e podem também compreender aquelas que se revelam através da “manipulação, falsificação ou invenção de provas” (Prof. Manuel da Costa Andrade, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, pág. 531). 2º - Que a denúncia ou suspeita seja, no seu conteúdo essencial, falsa, ou seja, que a imputação, no fundamental, se afaste da verdade. 3º - Que a ação de denúncia ou suspeita se reporte a outra pessoa. 4º - Que o objeto da conduta típica (denunciar, lançar suspeita) incida sobre factos que constituam crime. 5º - Que a denúncia seja feita ou a suspeita seja lançada directamente “perante autoridade” (Tribunais, Ministério Público e Órgãos de Polícia Criminal, por exemplo) ou “publicamente” (as denúncias ou suspeitas devem considerar-se feitas publicamente “quando são imediatamente acessíveis a um círculo indeterminado - pelo número ou pelas suas qualificações - de pessoas” - Prof. Manuel da Costa Andrade, obra citada, pág. 547). No que tange ao tipo subjetivo, o ilícito tem natureza dolosa, comportando o dolo (qualificado) duas exigências cumulativas: por um lado, o agente tem de atuar “com a consciência da falsidade da imputação”, e, por outro lado, e complementarmente, tem de o fazer “com intenção de que contra ela se instaure procedimento” (Prof. Manuel da Costa Andrade, obra citada, pág. 548). Da concreta situação posta nos autos. Feitos os anteriores excursos teóricos em redor da noção de “indícios suficientes” e da estrutura típica do crime de denúncia caluniosa, há que aplicar tais considerandos ao caso em apreço. É possível colocar, em poucas palavras, toda a questão concreta posta nestes autos: - A arguida e o assistente são irmãos. - A “vítima” do “sequestro” denunciado pela arguida é o pai de ambos (pessoa que, na altura dos factos, tinha 77 anos de idade e possuía visíveis dificuldades de locomoção). - Arguida e assistente andavam desavindos um com o outro, correndo, na altura, um processo de inventário para partilha dos bens deixados pela mãe (da arguida e do assistente), que falecera tempos antes. - Um Ilustre Advogado, com procuração passada pela arguida, apresentou “queixa” contra o ora assistente, nos Serviços do Ministério Público de Ourém, em 28-06-2013. - Nessa “queixa”, e em breve resumo, é dito que, durante longo tempo, a ora arguida não conseguiu ver o seu pai e não conseguiu contactar com o mesmo (nem por telefone, nem fisicamente), sendo que o seu pai havia passado a residir em casa do seu irmão (o ora assistente). - Mais diz a arguida, nessa “queixa”, que o seu irmão (o assistente) nunca abriu a porta da respetiva casa, para que a arguida pudesse contactar com o seu pai, situação que se mantinha há já largo tempo (desde há anos). - Conclui a arguida a referida “queixa” do seguinte modo: “crê que quanto deixa expresso configura comportamento criminal, nomeadamente sequestro, razão por que requer a Vª Exª seja instaurado procedimento criminal”. - Aberto o competente inquérito, foram ouvidas a ora arguida (que, no essencial, manteve o teor das suas denúncias e suspeitas), o ora assistente (que contextualizou tudo no âmbito do litígio existente entre si e a irmã), o pai de ambos (que rejeitou as suposições feitas pela sua filha), e, naquilo que é relevante, outros elementos da família - todos estando, de uma forma ou de outra, de relações cortadas com a ora arguida -. - Nenhuma dessa prova foi concludente sobre a verificação do crime de sequestro, e, por isso, o respetivo inquérito foi arquivado. Ora, depois de assim colocada a questão, e analisada toda a prova produzida no aludido inquérito (que não foi abalada por qualquer outra prova), chegamos a conclusões inteiramente distintas (e contrárias) das obtidas na motivação do presente recurso. É certo que não foi produzida prova sobre a verificação do “sequestro” denunciado pela ora arguida. Contudo, e do mesmo modo, também nenhuma prova (concreta) foi produzida sobre a existência da denúncia caluniosa que o assistente agora quer ver imputada à arguida. Por exemplo, nenhuma testemunha referiu saber se a ora arguida conseguia ou não ver o seu pai, se conseguia ou não contactar com o mesmo, se o seu irmão (o assistente) lhe abria ou não a porta da respetiva casa (para que a arguida pudesse contactar com o pai), e se a ora arguida algo sequer sabia sobre o estado (nomeadamente de saúde) do seu pai. Dito de outro modo: todas as testemunhas afirmaram, sem hesitações, que o pai do assistente e da arguida nunca se viu privado da sua liberdade, mas nenhuma de tais testemunhas foi capaz de assegurar que a ora arguida sabia que essa privação de liberdade não sucedeu. Ou seja, não existe qualquer prova afirmativa de que a arguida efetivamente soubesse, ou devesse saber, que a situação que denunciava às autoridades (relativa ao seu pai - pessoa já idosa e com dificuldades de locomoção, facto este que também é reconhecido pelas testemunhas) não correspondia à verdade. Mais (e conforme é relatado pelas testemunhas ouvidas): toda a família havia cortado relações com a ora arguida; o seu pai era pessoa idosa e tinha dificuldades físicas de locomoção; o pai da arguida residia em casa do agora assistente; o pai da arguida não falava com esta. Perante tudo isso, e com o devido respeito por opinião contrária, não é absurdo entender que a arguida estivesse convencida que a liberdade do seu pai havia sido limitada (ou mesmo totalmente coarctada). A arguida sabia que o seu pai só saía acompanhado (por dificuldades de locomoção), sabia que ninguém na sua família lhe falava, e sabia que não conseguia comunicar com o pai (não o podendo ver, nem visitar, nem sequer contactar telefonicamente). Ora, perante tal circunstancialismo, não é logicamente absurdo (nem contraria as regras da experiência comum) admitir que a arguida estivesse convencida que o seu pai se encontrava privado de liberdade. Analisada, objetiva e conjugadamente, toda a prova produzida, não existem elementos (minimamente consistentes) que nos permitam chegar à conclusão contrária. Aliás, e também ao invés do que parece entender-se na motivação do recurso, o inquérito nº 467/13.7TAVNO, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Ourém, foi arquivado nos termos do disposto no artigo 277º, nº 2, do C. P. Penal, isto é, por não ter sido possível apurar quaisquer dos factos denunciados, e não por ter sido apurado que o aí arguido (e agora assistente) não praticou os factos que lhe eram imputados na denúncia. Acresce que, lida e relida a “queixa” apresentada pela ora arguida nos autos de inquérito nº 467/13.7TAVNO, verifica-se, com algum espanto até, que a mesma está repleta de opiniões, de dúvidas, de considerações pessoais, sempre com a descrição pormenorizada das relações familiares que estão em pano de fundo, e, muitas vezes, com a utilização de expressões como “a denunciante não sabe” ou “a denunciante crê”. Em jeito de síntese: por um lado, nos autos de inquérito nº 467/13.7TAVNO, assim como nas diligências instrutórias realizadas nos presentes autos, não se logrou apurar que o assistente não cometeu os factos e a infração que lhe foram imputados pela ora arguida, e, por outro lado, não é descabido entender-se que a arguida estivesse convencida que a liberdade do seu pai havia sido tolhida. De todo o acervo provatório carreado para os autos não resulta, minimamente, que, no momento em que efetuou a denúncia, a arguida soubesse que os factos imputados eram falsos (aliás, nem sequer se apurou que esses factos fossem efetivamente falsos). Tudo nos leva a considerar, isso sim, que a ora arguida tinha razões para crer que as imputações em causa (feitas ao seu irmão, e relacionadas com a situação pessoal do seu pai) eram verdadeiras. Subscrevemos, pois, inteiramente, a seguinte asserção, constante do despacho revidendo: “não podemos afirmar, com nenhum grau de certeza, que os factos denunciados pela arguida não são verdadeiros ou que, ainda que o fossem, a mesma não agiu na plena convicção de que falava com verdade, sendo pois lógica e juridicamente inviável a sua pronúncia”. A decisão sub judice fez uma correta apreciação da matéria de facto e dos indícios recolhidos nestes autos. Face a tudo o que ficou dito, o recurso do assistente é totalmente de improceder. III - DECISÃO Nos termos expostos, os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso interposto pelo assistente, confirmando, integralmente, o despacho revidendo. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.. * Texto processado e integralmente revisto pelo relator.Évora, 02 de junho de 2015 João Manuel Monteiro Amaro Maria Filomena de Paula Soares |