Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
12/12.1GCASL.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: JULGAMENTO EM PROCESSO SUMÁRIO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
RECURSO
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA POR FALTA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Prevendo o regime jurídico do processo sumário apenas a interposição de recurso da sentença ou da decisão que puser termo ao processo, tal recurso pode ter como objecto as nulidades, os vícios de procedimento, o julgamento dos factos ou a decisão de direito.

2. Por isso que, no recurso interposto da sentença, é lícito ao recorrente invocar a nulidade da decisão que lhe rejeitou requerimento formulado com vista ao adiamento da audiência de julgamento.

3. A possibilidade de o julgamento, em processo sumário, ser realizado sem a presença do Arguido que, devidamente notificado [do dia, hora e local em que se deve apresentar e advertido de que o julgamento se realiza sem a sua presença], não compareceu, contribui, segura e decisivamente, para a realização de significativo número de julgamentos dessa espécie processual – melhorando o sentimento, tão necessário, de uma justiça célere –, face à sua aptidão para impedir adiamentos.

4. Mas tal regime está configurado para o infrator/arguido relapso e não para aquele que, por motivos apresentados e considerados como justificados – de doença, como é o caso dos autos – não dispõe de condições para comparecer em Tribunal e se submeter a julgamento.

5. Tendo o arguido, através do respectivo defensor, declarado não prescindir de prestar declarações, perante a ausência daquele na data designada para esse efeito, por comprovados motivos de saúde, deve adiar-se a audiência de julgamento e designar-se nova data para sua audição.

6. Ao indeferir a pretensão do arguido incorreu o tribunal na nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO
No processo sumário n.º 12/12.1GCASL, da Comarca do Alentejo Litoral, Alcácer do Sal – Instância Criminal, o Ministério Público acusou JP, solteiro, carpinteiro, nascido a 27 de novembro de 1971, na freguesia de S. Sebastião, concelho de Setúbal, filho de..., residente na Rua..., Grândola, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, foi o Arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1. e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no total de € 735,00 (setecentos e trinta e cinco euros), a que correspondem 70 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

1. O estado clínico do arguido – grave quadro ansioso e depressivo – devidamente documentado nos autos e que provavelmente já se verificaria em momento anterior aos factos objeto dos mesmos, limitou o real e efetivo exercício da sua defesa penal!

2. O estado clínico do arguido veio a agravar-se desde o início do julgamento, sofrendo de ansiedade profunda – quadro de ataques de pânico – mostrando, inclusivamente, tendência para atentar contra a própria vida, situação que determinou a impossibilidade de comparecer – temporariamente, segundo informou – na audiência de julgamento.

3. O arguido foi recomendado para acompanhamento em psiquiatria e fortemente medicado, tendo comparecido inúmeras vezes no Hospital, como atestam os documentos juntos ao requerimento apresentado pelo arguido em 09 de Abril de 2012.

4. O arguido não tinha, como foi informado ao tribunal, condições psicológicas para organizar a sua defesa, nem sequer para indicar um simples rol de testemunhas.

5. Desde o início o arguido nunca prescindiu de prestar declarações na audiência (Cfr. ata da Sessão de 14/03/2012, p.1, 1.º §).

6. Na situação ora vertida, não se estava em presença de qualquer das exceções a que alude o n.º 1. do artigo 332.º, do CPP, que permitisse ou justificasse, que todo o julgamento fosse realizado à revelia do arguido, apenas com a presença do seu defensor.

7. O tribunal a quo, ignorou simplesmente o interesse do arguido em estar presente em julgamento e o facto de ter manifestado desejo de prestar declarações, incumprindo de forma direta o estatuído no n.º 2, do artigo 334.º, que, ao remeter para o n.º 6, do artigo 117.º, do CPP, sempre determinava, perante a condição clínica do arguido, que “Havendo impossibilidade de comparecimento, mas não de prestação de declarações ou de depoimento, esta realizar -se -á no dia, hora e local que a autoridade judiciária designar, ouvido o médico assistente, se necessário.”

8. Considerando a situação clínica do arguido, nos moldes em que estava documentada nos autos, o tribunal a quo deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 351.º, do CPP, determinando a realização de perícia, para aferir o efetivo estado psicológico do arguido e, designadamente, se o mesmo estaria em situação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída.

9. Não o fazendo, violou o aludido artigo 351.º, do CPP e praticou nulidade insanável, como se prevê a alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, do CPP.

10. O tribunal de primeira instância não respeitou o direito do arguido a “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito” e o de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte” (violando o artigo 61.º, n.º 1, alínea a) e alínea b), do CPP).

11. A ausência do arguido na audiência, nesta situação concreta configura nulidade insanável, que o tribunal praticou nos termos previstos no artigo 119.º, alínea c),do CPP.

12. Entende o arguido que na vertida situação, não se poderia prosseguir com o julgamento sem a presença do arguido, depois de este ter manifestado diretamente o interesse em estar presente e em prestar declarações e apenas não o tendo feito por estar impossibilitado temporariamente por questões de saúde devidamente documentadas.

13. Interpretar-se diversamente o disposto no artigo 332.º, n.º 1, do CPP, por se entender estar perante qualquer das exceções aí previstas, configura uma interpretação materialmente inconstitucional de tal normativo e dos n.º 1 e 2 dos artigos 333.º e 334.º, do CPP, por violação do n.º 6, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa!

14. A aplicação da pena e a determinação da sua dosimetria só poderia considerar-se adequada, se fosse possível, no âmbito do processo e durante a produção de prova apreender o grau de culpa do agora recorrente. O tribunal a quo não dispunha de elementos que permitissem aferir o grau de culpa do arguido.

15. A conclusão alcançada pelo tribunal é a de que o crime praticado pelo arguido o foi com dolo, quando na verdade não existem quaisquer elementos concretos que permitam alcançar tal conclusão; consequentemente, concluir-se que in casu a culpa se “molda no dolo direto” é um puro arbítrio, sem qualquer verdadeiro suporte factual!

16. Por outro lado, o tribunal também não tinha posse de elementos suficientes para enquadrar o elemento subjetivo do tipo de ilícito, e entender que o arguido atuou com dolo intenso é, salvo o devido respeito, uma decisão arbitrária, sem qualquer fundamentação efetiva.

17. O tribunal a quo não sabia se as condições pessoais do arguido, nomeadamente a sua situação económica, familiar e social, justificariam a pena aplicada, pelo que se lhe impunha que tivesse determinado a realização de um relatório social, ao abrigo do disposto no artigo 370.º, do CPP; não o tendo feito, o tribunal de primeira instância praticou nova nulidade insanável, que está prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, do CPP, por ter omitido uma diligência essencial à descoberta da verdade.

18. O tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º do CP, porque aplicou uma pena, desconhecendo a medida da culpa do arguido ou mesmo se ela existiria, e, porque usou deficientemente os critérios contidos no n.º 2 do mencionado artigo 71.º, na medida em que não estava munido de dados suficiente para ponderar, entre o mais, sobre a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, e, as condições pessoais do agente e a sua situação económica!

19. Caso o tribunal houvesse persistido na condenação sem estar em posse de elementos minimamente necessários, nunca poderia ter aplicado ao arguido mais do que a pena fixada nos seus limites mínimos, o que teria que ocorrer de igual modo, com a pena acessória, isto a benefício dos dois princípios mais marcantes no ordenamento jurídico-penal: favor rei e in dubio pro reu!

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Excias doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, reconhecer-se a nulidade da douta sentença recorrida, anulando-se o julgamento, para que assim, com rigor, seja feita a mais lídima

Justiça!

O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 - No caso em apreço, a realização da audiência de discussão e julgamento na ausência do arguido não encerra qualquer nulidade, muito menos insanável, prevista no artigo 119º, alínea c) do CPP.

2 – Pois o artigo 332º, n.º 1 do CPP estabelece que é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333º, e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 334º do CPP.

3 – E o artigo 333º, n.º 2 do CPP estabelece que: “Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar ao rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117º”.

4 - O n.º 3 daquele preceito legal estabelece que: “No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz, ao abrigo do n.º 2 do artigo 312º”.

6 - Ora, das actas das audiências de julgamento verifica-se que, após ter sido concedido prazo para defesa, em que não foi apresentado qualquer requerimento de prova, na sessão de julgamento de dia 14 de Março de 2012, o arguido faltou e juntou certificado de incapacidade por motivo de doença.

7 - Foi julgada justificada a falta do arguido e decidido pelo Tribunal que a presença do arguido não era imprescindível, dando-se início à audiência com a respectiva produção de prova, com a concordância do mandatário do arguido, que requereu, no entanto, que fosse designada uma segunda data para ouvir o arguido, o que foi feito.

8- Foi designado então o dia 11 de Abril de 2012, pelas 14 horas, única e exclusivamente para serem tomadas declarações ao arguido, conforme requerido pela defesa. Contudo, nessa data, o arguido voltou a não comparecer, novamente por motivo de doença.

9 – Foi então, pela Mm.ª Juíza, declarada encerrada a produção de prova e designado dia para leitura da sentença.

10- Ora, de acordo com as normas legais supra aludidas, resulta que, face à falta do arguido à audiência de julgamento, para que fora regularmente notificado, a audiência deve prosseguir, porque só é adiada se o Tribunal considerar absolutamente indispensável desde o seu início. Mantém o arguido o direito de ser ouvido até ao fim da audiência e o seu defensor pode requerer que seja ouvido na 2.ª data designada, nos termos do artigo 333º, n.ºs 2 e 3 do CPP, o que foi respeitado, até tomando-se em consideração o período de incapacidade indicado no certificado junto pelo seu mandatário.

11- Porém, na segunda data designada, o arguido voltou a não comparecer, tendo sido justificada a falta. Parece-nos que o Tribunal a quo não tinha outra opção senão proceder ao julgamento e de encerrar a produção de prova, uma vez que a lei apenas prevê a possibilidade da audiência se adiar uma vez para se proceder à audição do arguido que tenha faltado à primeira sessão, independentemente dos motivos dessa falta e se foi justificada ou não.

12 – Nestes termos, e não tendo o Tribunal julgado indispensável a presença do arguido desde o início da audiência, mostra-se legitimada a realização das sessões julgamento sem a presença física do arguido, considerando-se este suficientemente representado pelo seu ilustre mandatário.

13 - Uma vez que foram respeitados os procedimentos legais previstos no artigo 333º, n.º 3 do CPP, entendemos que não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c) do CPP, pois a ausência do arguido ou do seu defensor só constitui a nulidade (insanável) prevista na al. c), do artº119º, do CPP, pelo recorrente invocada, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, o que, não é o caso.

14 - Quanto à questão da falta de cumprimento do disposto no artigo 351º do CPP pelo Tribunal a quo, dir-se-á que a documentação clínica que foi junta aos autos é referente a data posterior à data da prática dos factos, tendo sido o recorrente referenciado por ansiedade e períodos de depressão prolongada.

15 – Mas nada daquela documentação clínica faria levantar a questão da inimputabilidade do arguido. E, o ora recorrente, representado pelo seu ilustre mandatário, durante as várias sessões de julgamento, nunca suscitou tal questão, nem requereu a realização de exames e perícias de natureza psiquiátrica e psicológica.

16 – Nem o Tribunal “a quo” ordenou a realização de exame pericial de natureza psiquiátrica ao arguido, embora o pudesse ter feito oficiosamente.

17 – Porém, a perícia psiquiátrica, a que se reporta o artigo 159.º do Código de Processo Penal, tendo em vista apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, só deverá ser realizada, nos termos do artigo 351º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, quando se suscitar, fundadamente, a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido.

18 – Ora, com base no supra descrito, não nos parece que o Tribunal “a quo” o devesse ter feito, pela manifesta ausência de elementos que suscitassem a questão da imputabilidade e/ou inimputabilidade do recorrente.

19 - Além do mais, parece-nos que a questão da inimputabilidade do recorrente é uma questão nova, porquanto nunca antes suscitada, a não ser em sede de alegações apresentadas pelo mandatário do arguido, conforme se pode ler na motivação da sentença. E uma vez que os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, como é o caso.

20 – Quanto à culpa do recorrente, encontra-se devidamente fundamentada na sentença recorrida o preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime praticado, em concreto, o dolo directo.

21 – O que não nos parece suscitar dúvidas, sobretudo para alguém que apresenta uma TAS de 2,23 g/l, com os efeitos que, segundo estudos médico científicos, levam à diminuição da atenção e da destreza.

22 – Taxa essa que se situa quase no dobro do valor a partir do limite mínimo em que a conduta é considerada crime, pelo que o arguido/recorrente tinha de saber que tinha ingerido bebidas que o levariam a apresentar uma TAS superior à legalmente permitida e ainda assim não se coibiu de conduzir um veículo automóvel na via pública. São factos de conhecimento de um homem médio normal e cuja conclusão se pode extrair das regras de experiência comum.

23 - Quanto à dosimetria da pena, também não vemos nada a apontar à sentença recorrida, pois apesar de não se ter solicitado o relatório social, a Mm.ª Juíza teve em atenção as informações constantes na documentação clínica e no certificado de incapacidade, bem como as informações prestadas pelo arguido a fls. 28, aquando da simulação efectuada para a concessão provisória do apoio judiciário, pelo que não pode o recorrente vir alegar que o Tribunal a quo desconhecia as suas condições pessoais e que não estava munido de dados suficientes para ponderar.

24 - Deste modo, entendemos que nenhuma razão assistir ao arguido, ora recorrente, pelo que deverá o recurso por si interposto ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Termos em que, Vossas Excelências farão a habitual Justiça.»

O recurso foi admitido.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, manifestando adesão à resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância e acentuando estar já transitada em julgado a decisão que indeferiu o adiamento da audiência de julgamento, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
v
Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Não foi apresentada resposta.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

O objeto do recurso interposto pelo Arguido João Paulo Pereira da Silva, delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento:

- da nulidade decorrente da ausência do Arguido na audiência de julgamento;
- da insuficiência da matéria de facto para a decisão;
- da desadequação da pena imposta, por excesso.

Previamente, importará determinar se a decisão interlocutória que também é objeto de recurso se encontra já transitada em julgado.
v
Com interesse para a decisão a proferir, fornecem os autos os seguintes elementos:

i) Após ter sido intercetado a conduzir veículo automóvel pela via pública com uma TAS de 2,23 g/l, cerca das 23H58 do dia 1 de março de 2012, foi o Arguido, ora Recorrente, notificado para comparecer nos Serviços do Ministério Publico da Comarca do Alentejo Litoral – Alcácer do Sal, no dia seguinte, 2 de março de 2012, pelas 10H00, para ser submetido a audiência de julgamento em processo sumário, com a advertência da realização de tal diligência, mesmo na sua ausência e sendo nela representado por defensor – fls. 2, 3 e 14.

ii) No dia 2 de março de 2012, o Ministério Público formulou acusação contra o Arguido, em processo sumário – 18 e 19.

E enviados os autos para julgamento, foi designado o dia 5 de março de 2012, pelas 9H00, para a sua realização – fls. 26.

O que foi dado a conhecer ao Arguido, que compareceu, conforme havia sido convocado, no Tribunal de Alcácer do Sal, com a advertência de que, em caso não comparência na data designada, a audiência será realizada na sua ausência, sendo representado nela pela Defensora entretanto nomeada nos autos – fls. 29.

iii) No dia 5 de março de 2012, teve início a audiência de julgamento, com a presença do Arguido.

A requerimento da Defensora que nos autos foi nomeada ao Arguido, com vista à preparação da defesa, foi a audiência de julgamento adiada para 14 de março de 2012.

Foi o Arguido notificado desta data, com a advertência do n.º 3 do artigo 387.º do Código de Processo Penal – fls. 40 e 41.

iv) No dia 14 de março de 2012, o Arguido não compareceu a julgamento, tendo apresentado certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença.

O Mandatário do Arguido, entretanto constituído nos autos, não se opondo ao início dos trabalhos da audiência sem a presença do Arguido, fez ainda constar da ata respetiva que o mesmo não prescindia de prestar declarações.

Considerada justificada a falta do Arguido, deu-se início à audiência de julgamento [com a inquirição da testemunha A] e designou-se o dia 11 de abril de 2012 para a sua continuação, com vista a assegurar a possibilidade de presença do arguido – fls. 42 a 47.

v) No dia 9 de abril de 2012, o Mandatário do Arguido dirigiu requerimento ao processo, com vista ao adiamento da audiência de julgamento agendada para 11 de abril.

Nele invoca o agravamento do estado de saúde do Arguido – depressão, com quadro de ansiedade grave e tendência para atentar contra a própria vida – que levou a intervenção em meio hospitalar e à constatação de necessidade de acompanhamento psiquiátrico.

E que, em semelhantes circunstâncias, não existem condições para a organização da defesa e para garantir a presença do Arguido em julgamento.

Invoca-se, ainda, o interesse do Arguido em comparecer a julgamento, com o propósito de esclarecer o seu comportamento, integrador do crime que lhe é imputado, e que será necessário o decurso de 3 (três) meses para que o possa fazer.

Pretende o signatário de tal requerimento o adiamento da audiência por um período não inferior a 3 (três) meses, com o compromisso de não se opor à valoração da prova anteriormente produzida.

Com este requerimento foi junto ao processo documento subscrito por médico, comprovativo de comparência do Arguido no Hospital de Setúbal, resumo de episódio de urgência e prescrição de medicamentos – fls. 51 a 56.

vi) No dia 11 de abril de 2012, no decurso da sessão de julgamento para esse dia designado, o Ministério Público pronunciou-se sobre a referida pretensão do Arguido, nos seguintes termos:

«Quanto ao requerimento apresentado pelo arguido a fls. 56 dos autos, promovo que o mesmo seja indeferido, uma vez que a presente audiência já se tinha iniciado, tendo inclusive uma primeira data sido adiada onde foi concedido prazo para preparação da defesa, nem se percebendo neste momento quais as diligências pretendidas pelo arguido pois, atenta a factualidade em causa e a prova já produzida, entendemos que os direitos do arguido permanecem salvaguardados e continuando-se a entender, como já anteriormente manifestado, que a presença do arguido também não é essencial no decurso desta audiência de julgamento.»

Concedida a palavra ao Mandatário do Arguido, que a solicitou, pela mesmo foi dito que:

«A presença do arguido em audiência é, salvo exceções consagradas na lei, obrigatória.

Nos presentes autos, embora a audiência tenha tido início na ausência do arguido, e quanto a isso tenha havido a sua anuência, este não prescindiu da sua presença, como resultará certamente da ata da anterior sessão da presente audiência.

Permitir-se a continuação, ou melhor a finalização do julgamento sem que ao arguido seja concedida efetiva possibilidade de exercer o seu direito não só da presença na audiência como todo o direito à sua defesa penal consubstanciaria uma grave ilegalidade, desde logo contrária aos artigos 332º, 333º e 334º do C.P. Penal mas essencialmente do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, como é alegado no requerimento anteriormente sujeito à apreciação do Tribunal, atendendo ao melindroso e delicado estado psicológico do arguido este está de facto e objetivamente, quanto mais não seja por incapacidade mental temporária, impossibilitado de exercer os seus direitos à sua defesa penal

Após o que a Senhora Juíza proferiu despacho com o seguinte teor:

«Inexiste qualquer razão à defesa.

Recorda o Tribunal que em 03/03/2012, a pedido da defesa, foi a audiência adiada para que a mesma pudesse, em 10 dias, organizar e preparar a audiência e a defesa.

Nesta altura foi então reagendada a audiência para 14/03/2012 e como se extraí da ata de fls. 45 o arguido não compareceu ao julgamento tendo a respetiva falta ido justificada naquela sede e nada tendo sido oposto a que o julgamento fosse iniciado sem a presença do mesmo, sem prejuízo de se assegurar a presença do mesmo numa outra data.

Na audiência designada para o dia de hoje com vista à audição do arguido que continua impossibilitado de comparecer, o que o Tribunal compreende, mas tal facto não pode ser considerado como fator que impossibilite o exercício do seu direito de defesa.

Efetivamente, para além dos documentos juntos, que são posteriores aos factos da acusação, não trouxe a defesa aos autos qualquer prova, nomeadamente testemunhal, que pudesse auxiliar à descoberta da verdade e nomeadamente no que concerne à situação de vida do arguido, situação esta que não se vê como tendo sido prejudicada pela situação de saúde do mesmo.

Acresce que o arguido constituiu advogado pelo que a sua representação está plenamente assegurada em nada vendo o Tribunal que a sua defesa seja por isso vedada ou prejudicada, pois que foi ao seu mandatário que o mesmo confiou os respetivos poderes de representação.

Tudo para concluir pois que não consentindo a lei o protelamento dos trabalhos da audiência sem qualquer produção de prova e não trazendo a defesa nada de novo aos autos é inviável a pretensão do adiamento por 3 meses do julgamento na expectativa remota de em tal data ser possível colher qualquer declaração do arguido que além do mais sempre poderia, caso assim entendesse, contribuir com declarações prestadas nem que fosse por escrito, o que também não se verificou.

Face ao exposto, indefere-se o adiamento requerido.
Notifique

E concluído o julgamento, com as alegações dos intervenientes processuais, foi designado dia para a leitura da sentença – fls. 58 e 59.

Foi o Arguido notificado do dia designado para a leitura da sentença, que ocorreu sem a sua presença – fls. 64 e 65.

Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«
No dia 1 de Março de 2012, pelas 23H00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de matrícula ---LN, da sua propriedade, na Estrada Nacional 261, Km 2,500, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,23 g/l.


O arguido, antes de ter iniciado o exercício daquela condução havia ingerido bebidas alcoólicas.


Sabia, por isso, que tinha ingerido bebidas alcoólicas que, pela sua quantidade, determinavam uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admissível e, não obstante tal conhecimento, não se absteve de conduzir o mencionado automóvel na via pública.


Agiu o arguido, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que era punida por lei.


O arguido foi condenado por sentença proferida no processo nº 177/06.1GBGDL, do Tribunal de Alcácer do Sal, transitada em julgado em 24.07.07, pela prática em 8.07.06, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do artigo 292º do CP na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 meses.


O arguido encontrou-se com incapacidade para o trabalho por motivo de doença desde 13.03.012 a 24.03.012.


No dia 4 de Abril de 2012 deu entrada na urgência do Centro Hospitalar de Setúbal, tendo alta no mesmo dia.


No dia 9 de Abril de 2012 foi novamente assistido no serviço de urgência do mesmo hospital, vindo referenciado por médico assistente para avaliação por psiquiatria por ansiedade e períodos de depressão prolongados que o levam a isolamento, sem antecedentes depressivos prévio, queixa-se que há cerca de um mês ficou acometido por nervosismo, humor deprimido, insónias, por vezes ideação suicida, como reactivas a um problema laboral em que um sócio o terá prejudicado em quantia avultada de dinheiro.


O arguido encontra-se medicado com antidepressivos

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Inexistem factos não provados

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«O tribunal fundou a sua convicção na prova pericial constante dos autos (talão de alcoolímetro de fls. 4) que se conjugou com as declarações prestadas pelo agente André Batista que fiscalizou o arguido em virtude da ocorrência a que foi chamado – o acidente de viação em que o arguido foi interveniente e condutor.

Referiu então que fiscalizou o arguido, submetendo-o ao teste de alcoolemia e que a sua identificação e demais elementos que consignou no auto foram facultados por documentos que o arguido possuía, inexistindo razões para duvidar da sua autenticidade.

Também esclareceu que o arguido não desejou contestar o resultado do teste de álcool, não desejando contraprova.

No mais, atendeu-se ao CRC do arguido, aos documentos clínicos juntos na pendência dos autos e reportados a período posterior aos factos, comprovativos do estado de saúde actual do arguido.

Como se aludiu a defesa não apresentou contestação e apesar de insistir em adiamentos processualmente inadmissíveis, nada que inquinasse a matéria da acusação trouxe aos autos, salientando-se que o estado de saúde actual do arguido não se reporta à data dos factos pelo que não pode agora vir-se alegar mesmo que em sede de alegações orais de julgamento que não se sabe se o arguido é imputável ou não e que o mesmo até poderá ter agido ao abrigo de qualquer causa justificativa ou exculpatória. Ora, a defesa que se decida e invoque fundadamente os seus argumentos que não podem limitar-se a aventar teses, sem suporte.

Se assim fosse então todos os julgamentos de arguidos na ausência, redundariam numa absolvição por se desconhecer o estado de saúde dos mesmos à data dos factos, mesmo que nada, como no caso, leve o tribunal a ter quaisquer dúvidas quanto a tal conspecto até face ao teor das informações médicas juntas.

E se o arguido com a taxa de álcool elevadíssima que apresentou se conformou com o respectivo resultado, é bom de ver que sabia perfeitamente o estado influenciado e etilizado com que conduzia, mais sabendo até porque já sofrera uma condenação criminal pelos mesmos factos que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
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Conhecendo.

1. Da questão suscitada pelo Ministério Público, nesta RelaçãoO trânsito em julgado da decisão que indeferiu o adiamento da audiência de julgamento, na sequência de requerimento, nesse sentido, formulado pelo ora Recorrente.

Diz o Senhor Procurador Geral Adjunto, no parecer que elaborou, que «(…) o despacho que indeferiu a pretensão do ora recorrente para ver adiada a audiência de julgamento por período não inferior a 3 meses, de acordo com requerimento entrado na véspera da 2.ª audiência – a fls. 50 e sgs – transitou em julgado, pelo que, nos parecem descabidas, com o devido respeito, as considerações sobre a questão agora trazidas em sede de recurso da sentença, a qual não se pronunciou sobre essa matéria, mas, antes, em despacho anterior que não foi objecto de recurso.»

Opinião que não foi objeto de resposta, por banda do Recorrente.

Encontramo-nos no âmbito de processo especial, o sumário, cujo regime se revela especialmente vocacionado para o combate célere e eficaz da criminalidade menos grave – a pequena e a média criminalidade – e apto a aliviar a investigação criminal e a economizar tempo aos intervenientes processuais.

Subjacente a semelhante opção legislativa está também a convicção de que o julgamento realizado a “curta distância” garante melhor o sentimento de validade e de proteção dos bens jurídicos e assegura, em patamar mais elevado, as exigências de prevenção.

E num processo que se pretende breve, tratamento diverso do comum teve a forma de reagir às decisões que nele são proferidas.

Sobre tal matéria rege o artigo 391.º do Código de Processo Penal - «Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de decisão que puser termo ao processo

De semelhante regra decorre que o recurso pode abranger as nulidades, os vícios de procedimento, o julgamento dos factos ou a decisão de direito.

Ou seja, só em recurso interposto da sentença – porque outra decisão não houve que tenha posto termo ao processo – podia o Recorrente invocar a nulidade da decisão que lhe rejeitou requerimento formulado com vista ao adiamento da audiência de julgamento.

O que nos permite concluir, sem necessidade de maiores explicações, que não se encontra transitada a decisão que indeferiu o adiamento da audiência de julgamento pretendido pelo Recorrente.

E que não assiste razão ao Ministério Público, nesta Instância.

2. Da ausência do Arguido em julgamento e suas consequências
O artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa – reportando-se às garantias de processo criminal – estabelece, no seu n.º 1, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso.

Aí, ainda se consagra – no n.º 5 –, que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

Todavia, no n.º 6 do mencionado artigo 32.º, estabelece-se que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.

«A escolha e aplicação das formas de processo especiais dependem da verificação de circunstâncias que requerem maior simplificação na tramitação processual. Assim, “a frescura, a simplicidade e a evidência da prova” são circunstâncias que legitimam, em regra, a opção por formas processuais mais expeditas do que o processo comum.

Trata-se essencialmente de garantir, através de formas simplificadas de processo, uma resposta célere e eficaz aos casos de pequena e média criminalidade.

Condição essencial destes processos é a de que o caso seja simples ou seja, que não apresente qualquer dificuldade, nem do ponto de vista dos factos nem do direito, podendo ser esclarecido facilmente.

O processo especial sumário, como em certa medida o processo abreviado, são as únicas formas de processo em que é possível a apresentação do arguido a julgamento sem a realização de uma fase processual preliminar (inquérito ou instrução). Com efeito, é traço característico dos processos acelerados deste tipo a possibilidade de “julgamento imediato.”»[[3]]

O processo sumário, cujo regime legal surge configurado pelos objetivos supra assinalados, é aplicável, face ao disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, quando:

- o arguido tenha sido detido em flagrante delito;

- por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infrações

- quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial ou ainda quando a detenção tiver sido efetuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma das entidades atrás referidas, tendo esta redigido auto sumário de entrega.

Ainda no domínio dos pressupostos gerais de aplicação desta forma de processo, surge o disposto no artigo 387.º do Código de Processo Penal, que impõe que a audiência se inicie no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas após a detenção, apenas podendo ser adiada até ao limite do 5.º dia posterior à detenção [quando houver interposição de um ou mais dias não úteis no prazo de 48 (quarenta e oito) horas após a detenção] ou até ao limite de 30 (trinta) dias [se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa ou o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade].

Relativamente à fase do julgamento, cumpre acentuar que se o arguido – que não se encontra detido – não comparecer, mostrando-se devidamente notificado, será julgado na sua ausência, sendo representado pelo defensor – alínea a) do n.º 3 do artigo 385.º do Código de Processo Penal.

E que o julgamento se regula pelas disposições relativas ao julgamento em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, sendo os seus atos e termos reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa – artigo 386.º do Código de Processo Penal, e com as modificações decorrentes do disposto nos artigos 388.º [as pessoas com legitimidade para tal, podem constituir-se assistentes ou intervir como partes civis se assim o solicitarem, mesmo que só verbalmente, no início da audiência], 389.º, n.º 2 [o Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção], n.º 3 [o pedido de indemnização civil pode ser formulado verbalmente no início da audiência] e 389.º-A [a sentença é proferida verbalmente e ditada para a ata], todos do Código de Processo Penal.

Aqui chegados, é tempo de avaliar a bondade da decisão que rejeitou requerimento formulado pelo Arguido com vista ao adiamento da sessão de julgamento agendada para 12 de abril de 2012.

Temos como certo e seguro que a lei não exige, no âmbito do processo sumário, a presença do Arguido na audiência de julgamento.

Mas como assente temos também que não pode o Arguido, em qualquer forma processual, ser impedido de estar presente na audiência de julgamento – que é ato processual que diretamente lhe diz respeito – e de ser ouvido pelo Tribunal sempre que deva ser tomada decisão que pessoalmente o afete – que é o escopo da sentença, enquanto ato decisório que conhece a final do objeto do processo.[[4]]

Porque estamos perante direitos de que o Arguido goza, expressamente consagrados na lei processual penal – nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 61.º –, que asseguram a defesa e o contraditório inscritos no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, a possibilidade de o julgamento, em processo sumário, ser realizado sem a presença do Arguido que, devidamente notificado [do dia, hora e local em que se deve apresentar e advertido de que o julgamento se realiza sem a sua presença], não compareceu, contribui, segura e decisivamente, para a realização de significativo número de julgamentos dessa espécie processual – melhorando o sentimento, tão necessário, de uma justiça célere –, face à sua aptidão para impedir adiamentos.

Mas está configurado para o infrator/arguido relapso e não para aquele que, por motivos apresentados e considerados como justificados – de doença, como é o caso dos autos – não dispõe de condições para comparecer em Tribunal e se submeter a julgamento.

Ora, a decisão recorrida, onde expressamente se manifesta compreensão pela situação que impossibilita o Arguido de comparecer em Tribunal e onde se acolhe, sem rebuço, a situação de doença do mesmo, não concluiu da forma que fazia antever.

Porque deslocou a defesa do Arguido para a esfera de terceiros – o seu Advogado, entretanto constituído, e as testemunhas que não se arrolaram –, desvalorizando a génese da mesma.

E porque revelou uma maior preocupação na conservação da prova entretanto produzida em audiência de julgamento, embora limitada ao depoimento de uma única testemunha, do que em permitir ao Arguido o efetivo direito de se defender, ainda que – eventualmente – restrito à revelação das suas condições de vida e que constituem elemento indispensável à determinação da punição justa.

Ao que acresce que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a necessidade de obter do Arguido a sua versão dos acontecimentos que o conduziram a julgamento, para que se pudesse concluir pela não essencialidade de semelhante diligência para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa.

A descrita tramitação processual constitui a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

A sua arguição – face ao que já se deixou dito aquando do conhecimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, nesta Instância – revela-se tempestiva.

As suas consequências encontram-se previstas no artigo 122.º do Código de Processo Penal – invalida os atos processuais posteriores ao momento em que a decisão por ela afetada foi proferida.

O que conduz a que se revogue a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, deferindo o requerimento formulado pelo Arguido, designe dia para a audição do mesmo, na audiência de julgamento em curso.

A procedência de tal vício, nos termos e com as consequências acabados de expor, afeta a apreciação das restantes questões suscitadas pelo recurso, razão pela qual se torna inútil prosseguir no seu conhecimento.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, concedendo provimento ao recurso, decide-se revogar a decisão que indeferiu requerimento com vista ao adiamento da audiência de julgamento – que deve ser substituída por outra que, deferindo tal requerimento, designe dia para a audição do Arguido, na audiência de julgamento em curso – e declarar nulos os atos posteriores à mesma.

Sem tributação.

Évora, 22 de Janeiro de 2013
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Maria Cristina Capelas Cerdeira)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] Helena Leitão, in “PROCESSOS ESPECIAIS: OS PROCESSOS SUMÁRIO E ABREVIADO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (APÓS A REVISÃO OPERADA PELA LEI 48/2007 DE 29 DE AGOSTO)”, página 2 – acessível em www.cej.mj.pt
[4] Cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Código de Processo Penal.