Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS BERGUETE COELHO | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DEVASSA DA VIDA PRIVADA FALSIDADE INFORMÁTICA DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO MEDIDA DA PENA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 03/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – A suspensão da execução da pena de prisão funda-se em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que, na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e não colidam com as necessidades preventivas que se deparem II - Não é de suspender a execução da pena de prisão se o arguido praticou os crimes durante o período de suspensão da execução de prisão em que foi anteriormente condenado, não reconheceu ter tido os comportamentos que a seu respeito se provaram, assumiu-se como vítima e desvalorizou o impacto negativo dos actos que praticou em relação à ofendida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do Código Penal (CP), um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º da Lei 109/2009, de 15.09, um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1, alínea d), do CP, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), por referência aos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 3.º, n.º 2, alínea h), da Lei 5/2006 de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 12/2011, de 27.04. A ofendida B, que se constituiu como assistente, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo o pagamento de 200.000,00€ a título de danos não patrimoniais. O arguido não apresentou contestação. Em audiência de julgamento, após produção da prova, foi comunicada alteração da qualificação jurídica, passando a imputar-se ao arguido, ao invés de um crime de violência doméstica, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, mantendo-se, no mais, o imputado pela acusação. Proferido acórdão, decidiu-se: - condenar o arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso real efetivo: a. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão b. pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, na pena de 3 (três) anos de prisão; c. pela prática de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1, alínea d), do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão; d. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 2, alínea h), e n.º 7 alínea a), todos da Lei n.º 5/2006 de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 12/2011, de 27.04, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo o total de 840,00€; - em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo o total de 840,00€; - julgar o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente B. parcialmente procedente e em consequência: - condenar o arguido/demandado no pagamento à demandante de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), acrescido de juros de mora à taxa de 4% contabilizados desde a data da decisão até efectivo e integral pagamento. Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1º - Da matéria de facto assente como provada e não provada que decorre do texto do Douto Acórdão, entende o recorrente que: 2º - O Acórdão ora recorrido enferma de irregularidades processuais, nomeadamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação e valoração da prova. 3º - Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, als. a), b) e c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P. 4º - O recorrente não praticou os crimes pelos quais vem acusado, artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, deve ser absolvido. 5º - Em virtude da insuficiência da prova produzida para fundamentar as conclusões extraídas, o Tribunal “a quo” estaria limitado a absolvição, por falta de fundamentação legal. 6º - Como se não fosse suficiente, o Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal “a quo” agiu de forma desproporcionada e exagerada, no que tece ao Arguido A., Contudo, 7º - Sempre o Meritíssimo Juiz Presidente teve para com os Advogados presentes, assistente e restantes sujeitos processuais uma postura urbana e de enorme respeito a considerar. 8º - Somente no que tece ao Arguido, cometeu o Meritíssimo Juiz Presidente o exagero de tentar fazer com que as mesmas assumissem e mostrassem arrependimento de factos que NÃO praticaram, nem tão pouco foi feita prova, este o nosso profundo lamento. Mais: 9º - Se Assim o podem admitir, face às suposições que suportam os factos que o Tribunal “a quo” considerou provados, o arguido teria que ser absolvido, à luz do princípio “In dubio pro Reo”. 10º- Da análise dos depoimentos das testemunhas, resulta que nenhuma consegue com certeza identificar o arguido como autor da prática dos factos e que seja o mesmo o homem nos vídeos in casu, não foi tão pouco apurado a data concreta da prática dos factos. 11º - Ao Arguido recorrente, A., foi aplicada a pena mais gravosa de prisão efetiva de 3 (três) anos e 9 (nove) meses, sem haver prova que sustente tal decisão e desconsiderando por completo que o Arguido é primário nos tipos de crimes que veio acusado e pelos quais foi condenado. Mais ainda, 12º - O Ofendido disse de forma inequívoca que não praticou tais factos de que veio acusado e foi condenado justificando que tudo não passou de uma vingança por parte da assistente, essa sim que violou o direito à fidelidade, O Arguido mostrou uma revolta legitima e que o Meritíssimo Juiz Presidente “a quo” considerou que o mesmo adotou uma postura de vitimização. 13º - A assistente confirmou e assumiu que trabalha em bares noturnos e que o que levou à discussão entre arguido e assistente foi o facto da mesma ter praticado o adultério, ter violado o direito à fidelidade para com o Arguido, mesmo assim o Meritíssimo Juiz Presidente “a quo” manteve sempre ab initio uma postura para com o Arguido, FORMULANDO UM JUÍZO PROGNOSE DE TOTAL REPROVAÇÃO E CONDENAÇÃO E UMA POSTURA INTIMIDATÓRIA NÃO PERMITINDO AO ARGUIDO O EXERCICIO DO CONTRADITÓRIO NO QUE TECE À FACTOLOGIA APRESENTADA PELA ASSISTENTE. 14º - Por contradição, considera o Meritíssimo Juiz Presidente “a quo”, NÃO provado que, o Arguido tenha deixado intencionalmente os vídeos no telemóvel que vendeu à testemunha AF. 15º - Ao invés, o Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal “a quo” como já foi relatado no decurso da elaboração deste recurso, tentou de forma pouco ortodoxa fundamentar que em pleito foi feita prova que tinha sido o Arguido efetivamente a praticar os factos descritos na Douta Acusação. Ora, 16º - Na verdade e na boa acessão da mesma, nada se passou da forma como a assistente quis parecer. 17º - Assim sendo, jamais poderá ser dado como provado de forma objetiva a pratica dos factos pelo arguido. 18º - A pena em que foi condenado foi completamente desproporcional e excessiva, sendo que deveria o mesmo Arguido aqui recorrente ser ABSOLVIDO IN TOTUN dos crimes de que veio acusado, Contudo, 19º - O entendimento do Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal “a quo” não foi o mesmo, fundamentando a sua decisão com base na sua livre convicção. Ora vejamos, 20º - Diz a lei criminal que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do juiz. A livre apreciação da prova, que estrutura a formulação da convicção do julgador, o seu juízo crítico e rigoroso sobre toda a prova produzida em julgamento, não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e imotivável. A valoração da prova para a convicção de condenação ou de absolvição tem de ser racional, objetiva e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos. Só assim permite ao julgador objetivar a apreciação dos factos para efeitos de garantir uma efetiva motivação da decisão. 21º - O juízo crítico e rigoroso sobre a prova e a sua ligação a cada facto a provar, sendo a tarefa mais difícil do julgador, é o momento determinante para termos uma decisão de qualidade. A fundamentação da matéria de facto, (provada ou não provada) e o grau de certeza e de convicção na motivação são os ingredientes indispensáveis de qualquer sentença. O que custa é arrumar os factos e valorar o grau de credibilidade da prova. Se assim agir qualquer juiz cumpre a sua missão, o que não foi o caso. 22º - O princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, sofre limitações que decorrem do grau de convicção exigido para a decisão, da proibição dos meios de prova, da observância da presunção de inocência e da salvaguarda do princípio in dubio pro reo, o que in casu, não se verificou. 23º - A defesa considera que não deverá ser a condenação a pena efetiva de prisão, é demasiado gravosa, ainda mais quando não ficou provada a prática dos crimes pelo arguido, só podendo a ABSOLVIÇÃO ser a douta decisão. 24º - Na determinação da medida da pena, (artigo 71º do CP), e para alem da inexistência dos antecedentes criminais por crimes semelhantes, o Tribunal deveria ter levado em consideração o tipo de crimes, sendo que, o arguido nunca esteve anteriormente acusado de qualquer crime da mesma natureza. 25º - O recorrente deve por tudo isto ser absolvido. 26º- O recorrente encontra-se inserido socialmente, profissionalmente e familiarmente, pelo que; Tendo em consideração todo o exposto, sem prescindir do douto suprimento de Vossas. Exas. deve o presente recurso ser apreciado em conformidade, merecer provimento. Revogar-se a douta sentença em crise na parte ao ora recorrente, apreciar a prova efetivamente produzida em julgamento e pela verificação de dúvida razoável da participação do arguido nestes crimes, afastando a violação dos Princípios do In dubio pro Reo, presunção de inocência e oralidade, absolvendo o arguido, Ou, Ordenar-se o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art.º 426º do CPP a fim de serem supridos os vícios. Se não for a absolvição a decisão dos DOUTOS, VENERANDOS DESEMBARGADORES; Que possa ser aplicada ao aqui recorrente uma pena dentro dos limites mínimos, mas sempre suspensa na sua execução. Termos pelos quais deve ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará, JUSTIÇA! O recurso foi admitido. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1 - O arguido A. vinha acusado da prática, em autoria material e concurso real, de Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, al. b) e 2 do Código Penal; Um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º da Lei nº 109/2000 de 15 de Setembro; Um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artº 192º, nº1, al. d) do Código Penal; Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº1, al. d), por referência ao artº 2º, nº1, al. a), artº 3º, nº2, al. h) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril. 2 - Após produção da prova e feitas as alegações, foi comunicada uma alteração da qualificação jurídica, passando a ser imputado ao arguido, um crime de ofensa à integridade física, ao invés do que lhe fora imputado na acusação, de violência doméstica, mantendo-se a imputação e condenação quanto aos demais. 3 - O arguido entende que o acórdão em causa padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; erro notório na apreciação e valoração da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – als. a), b) e c) do artº 410º do CPP e ainda insuficiência da prova para a decisão; Devia ter sido aplicado o princípio “in dubio pro reo”; A pena foi injusta e exagerada, pecando por excesso, já que o arguido não tem antecedentes criminais e está integrado social, profissional e familiarmente 4 - O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então, o inverso e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127º do CPP. 5- O recorrente para impugnar a matéria de facto em sede de erro de julgamento, deveria ter especificado os concretos pontos de facto que considere deficientemente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412, nºs 1 e 2, als. a) e b) do Código de Processo Penal. 6 - Sendo o Tribunal Colectivo soberano na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, 2, do CPP, os vícios ali referidos, só podem servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resultem do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. 7 - Ressalta da matéria fáctica elencada no acórdão que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos dos crimes de ofensa à integridade física, falsidade informática, devassa da vida privada e detenção de arma proibida, por mor dos quais veio a ser condenado. Não há, pois, violação do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP. 8 - o arguido desferiu duas bofetadas à assistente e criou, via internet, no sítio próprio da plataforma da rede social facebook, uma conta de perfil, como se da assistente se tratasse, e, através daquela conta, fingindo ser tal pessoa, divulgou fotos e vídeos de conteúdo íntimo/sexual, provocando dessa forma engano nas pessoas que acediam àquela, com intenção de expor, humilhar e vexar a assistente, causando prejuízo à honra e imagem da mesma e atingindo a integridade física da mesma, como visou e logrou conseguir. Quis ainda deter um aerossol, cuja detenção sabia ser proibida e punida por lei, agindo sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo serem proibidas e punidas todas aquelas condutas. 9 - “In casu”, o tribunal “a quo”, fundamentou a sua decisão quanto aos factos provados, na prova referida, de forma exaustiva, no acórdão – declarações do arguido, da assistente e das testemunhas RC, MP e AF, auto de notícia, de fls. 2 a 7, autos de apreensão de fls.152 a 154, fotografias de fls. 106, 107, 156 a 159, exame forense de fls. 195 a 219, relatórios periciais de fls. 22 a 24, 227 a 228, do relatório social do arguido, a fls.296 a 302, bem como do seu crc a fls.294/95, prova apreciada de acordo com as regras de experiência comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. 10 - Razão porque ao Coletivo não lhe surgiram dúvidas na apreciação da prova e qualificação jurídica, sendo o arguido condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; Um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º da Lei nº 109/2000 de 15 de Setembro, na pena de 3 (três) anos de prisão; Um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artº 192º, nº1, al.d) do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº1, al.d), por referência ao artº 2º, nº1, al.a), artº 3º, nº2, al.h) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), no total de €840,00 (oitocentos e quarenta euros). Veio o arguido a ser condenado na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), no total de €840,00 (oitocentos e quarenta euros). 11 - Nas medidas das penas foi tido em conta o grau de ilicitude elevadíssimo, já que o arguido, para se vingar da assistente, pelo facto de esta ter dado causa ao rompimento do relacionamento amoroso que mantinham, encetou uma vingança através de meios informáticos com efeitos devastadores para aquela, nomeadamente baixa autoestima, depressão e até desmotivação para conviver e levar uma vida normal. 12 - O dolo foi intenso, já que o arguido atuou sempre com prévio planeamento da sua atividade ilícita, tudo a revelar um dolo direto muito significativo. 13 - Por outro lado, são fortes as exigências de prevenção geral, sendo de aplicar a este caso e semelhantes, penas concretas bem acima dos níveis médios da penalidade, a fim de se restaurar, na medida do possível, a confiança da sociedade na justiça e segurança nas redes sociais e informáticas. 14 - Quanto às razões de prevenção especial, também me parecem elevadas, uma vez que o arguido não denotou arrependimento pela prática dos factos, demonstrando uma postura distante e fria, uma personalidade violenta, praticando sempre os factos com ideias persecutórias e de vingança e não revelando autocritica nem interiorização do desvalor das suas condutas. 15 - Em contraponto das circunstâncias que depõem contra o arguido, temos apenas o facto de o arguido ter antecedentes criminais apenas quanto a crime contra o património e estar inserido familiar e profissionalmente. 16 - Por todo o exposto, entende-se que o Exmº Colectivo andou bem ao condenar o arguido pela prática dos crimes supra referidos, sendo justas e adequadas as penas unitárias, bem como a pena única, aplicadas ao mesmo. 17 – Não se verificam “in casu”, quaisquer violações de normas jurídicas. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o acórdão do Tribunal Colectivo. Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando, em geral, com o entendimento referido naquela resposta, contudo, preconizando que a pena única deva ser fixada não acima dos três anos de prisão efectiva. Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995). Reconduz-se, então, a apreciar: A) - dos vícios da decisão; B) - da redução da medida das penas de prisão e sua suspensão na execução. Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido: Factos provados: 1. O arguido manteve relacionamento amoroso de coabitação com a assistente B, desde o ano de 2012 a 16 de setembro de 2014, vivendo o casal na pendência da coabitação na Estrada dos Ciprestes..., em Setúbal. 2. No dia 16/09/2014 o arguido procurou a assistente, por volta das 7h00, quando a mesma dormia no quarto de casal de ambos e, acordando-a com um tom de voz forte, mandou-a levantar e sair da cama. 3. De seguida, enfurecido pelo teor de sms que havia lido no telemóvel da companheira e que o transtornou, perguntou-lhe se ela não tinha nada para lhe dizer, desferindo-lhe duas fortes chapadas na face esquerda, após o que a agarrou pelo braço esquerdo, com força, abanando-a e gritando-lhe que tinha até à meia-noite para sair de casa. 4. No mesmo momento, o arguido agarrou no telemóvel da ofendida de marca Samsung, modelo Galaxy Note2 e IMEI ----- e disse-lhe que não lho devolveria, apropriando-se dele. 5. De seguida o arguido disse à ofendida que iria publicar na internet as fotos e os vídeos de cariz erótico e sexual que ambos haviam realizado, de modo consensual, durante o relacionamento conjugal. 6. Em data não concretamente apurada mas não posterior a 20 de setembro de 2014 o arguido publicou no facebook e em sítios na rede de natureza pornográfica, 2 fotos onde a assistente aparece nua e 1 foto em bikini e dois vídeos onde, no primeiro, visualiza-se a assistente a lamber e chupar o pénis do arguido e, no segundo, a arguida a ser penetrada na vagina pelo arguido. 7. Em 21 de novembro de 2014, os vídeos a que se alude em 6 estavam disponíveis para visualização irrestrita consultáveis, além do mais, pelo motor de busca Google em 21 links de sítios de cariz pornográfico, todos com a identificação “B” “Hotel ----” e “Setúbal”, designadamente nos seguintes: a. www.redtube.com (3 links) b. www.redtubexxx.xxx c. www.tube8.com (2 links) d. ballsdeepxxx.com e. sxfuck.com f. www.hornytube.xxx g. mrstiff.com h. spankhotel.com i. ngemprut.net j. ---- – static.reverse.softlayer.com k. amateur xxx l. ohmyporn.net m. www.afreeporntube.com n. sxhut.com o. www.porndex.com p. pinkclips.mobi q. pornmobile.in r. www.m.yourtube.xxx 8. O arguido, único detentor de tais fotos e vídeos, criou uma página no Facebook, em nome da assistente, onde publicou os referidos elementos, identificando o contacto telefónico (-----) e o local de trabalho da mesma – Hotel ---, em Setúbal – e, 9. Fazendo crer aos cibernautas que acedessem ao perfil tratar-se da própria assistente, marcou encontros com homens, dando a entender que seriam de cariz sexual. 10. O que levou a que diversos homens em número não concretamente apurado, mas não inferior a 5, tivessem tentado contactá-la no seu local de trabalho perante os colegas e clientes e através do telemóvel. 11. Em data não concretamente apurada, mas entre o dia 16 de setembro de 2014 e 28 de novembro de 2014, o arguido vendeu a AF o telemóvel sua propriedade, marca Huawei de cor branca, contendo armazenado na memória os vídeos e fotos a que se alude em 6 e que AF visualizou. 12. No dia 15 de janeiro de 2015 o arguido tinha armazenado numa pen drive um cartão de memória marca Dane-Elec, ambos guardados no seu quarto, além do mais, 12 fotografias da assistente, entre as quais se encontravam as que foram expostas no perfil de facebook em bikini e nua. 13. No mesmo dia, o arguido tinha guardado no interior do veículo sua propriedade, marca BMW, série 1 e matricula xxxx, uma embalagem de aerossol de defesa que continha no seu interior 2-clorobenzalmalononitrilo, a qual assume características de substância lacrimogénea. 14. O arguido ao desferir duas bofetadas na assistente e ao agarrar o braço esquerdo, agiu com o propósito de a molestar no seu corpo e saúde. 15. Ao expor na internet sem o consentimento e contra a vontade da assistente fotografias do corpo desta e vídeos de coito oral e vaginal, identificando o número de telemóvel e local de trabalho da assistente, agiu com o propósito de o maior número de pessoas conhecidas da arguida visualizar as imagens e vídeos, querendo com isso expor para devassar a vida privada e intimidade sexual da ofendida, o que conseguiu. 16. Ao criar um perfil de Facebook em nome da assistente, apondo a fotografia desta, identificando número de telemóvel e local de trabalho, e publicando as fotografias e vídeos a que se alude em 6, agiu consciente de que criava uma página disponível ao público cibernauta, sem autorização da visada e onde introduzia dados não genuínos que seriam considerados como verdadeiros, por quem acedesse àquele perfil, designadamente que a assistente procurava encontros com homens com vista a manter com os mesmos relações sexuais, o que sabia não corresponder à verdade. 17. Encontros esses que o arguido, fazendo-se passar pela assistente, marcou no local de trabalho desta. 18. Tudo com o fito de expondo, humilhando, vexando e inferiorizando a assistente entre os amigos, familiares, conhecidos e colegas de trabalho, perturbar-lhe a paz, a tranquilidade e a vida privada, causando-lhe grande ansiedade e sofrimento, o que quis e conseguiu. 19. Bem como perturbá-la no local de trabalho, afetando o seu desempenho, o que também logrou. 20. O arguido conhecia as características do aerossol que detinha e que a sua posse era proibida. 21. Agiu sempre de forma livre voluntária e consciente, sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, podia determinar-se em sentido contrário e, ainda assim, não se absteve de as praticar. Mais se apurou 22. Em consequência da factualidade descrita em 3, a assistente ficou com equimose vermelha ligeira envolvendo região malar esquerda e estendendo-se até à região supraciliar esquerda, resultante de traumatismo de natureza contundente curável no período de 7 dias sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional. 23. Os vídeos a que se alude em 6 continuam disponíveis para visualização nos sítios na internet a que se alude em 7, bastando para tal pesquisar no Google “B. Hotel…”, sendo que o vídeo onde a assistente aparece a praticar sexo oral, tem na presente data, só num dos sítios, designadamente o www.redtube.com (B. Hotel … Setubal Portugal Porn Videos & Sex Movies| Redtube.com) 37.183 (trinta e sete mil cento e oitenta e três) visualizações e o vídeo em que retrata coito vaginal tem 22.915 (vinte e dois mil novecentos e quinze) visualizações, num total de 60.098 (sessenta mil e noventa e oito) visualizações em apenas um dos sítios da rede em que os vídeos se encontram disponíveis. 24. A assistente à data dos factos trabalhava para a empresa de trabalho temporário Milénium 21 RH, Empresa de Trabalho Temporário Lda. e estava colocada no estabelecimento hoteleiro Hotéis…, mais conhecido por Hotel …, sendo que, por causa da factualidade a que se alude em 6, 7, 8, 9 e 10, a assistente foi forçada a cessar o seu vínculo com o Hotel…, o que lhe causou sofrimento, angústia e ansiedade. 25. Passou a viver com obsessão, verificando diariamente em que sítios na rede se encontravam os vídeos e fotos. 26. Tentou sem sucesso que todos os vídeos e fotos fossem removidos da rede. 27. Os vídeos e fotos são conhecidos e comentados na comunidade de Setúbal, sentindo a assistente, por causa disso, uma forte estigmatização que a perturba diariamente. 28. O que por sua vez lhe retirou alegria que antes demonstrava. Relatório social 29. O arguido é filho único do casamento dos pais tendo vivido a infância num contexto económico favorável por via do desempenho profissional dos pais, sendo o pai sócio-gerente de uma sociedade de transportes e a mãe funcionária de uma agência de viagens que lhe estava associada. 30. Completou o 3.º ciclo, abandonando a escola aos 17 anos, para integrar o mercado de trabalho, inicialmente como ajudante de mecânico e, após ter-se certificado com licença de condução de pesados de passageiros, como motorista da empresa de transportes “M.” pertença da família. 31. Trabalhou como motorista na empresa …., a que se seguiu um curto período como empregado de mesa no Hotel… 32. À data dos factos o arguido trabalhava como empregado de mesa no Hotel… em Troia, situação que se prolongou até novembro desse mesmo ano, ficando no desemprego até junho de 2015, data em que voltou a trabalhar a motorista na empresa “E…” onde se mantém à data de hoje. 33. O arguido manteve relação afetiva com coabitação entre 2008 e 2011 com anterior companheira. 34. Iniciou relação com a assistente em 2012, mais nova que o arguido 16 anos. 35. Vive atualmente com o pai e a mãe, mantendo relação com uma companheira desde 2015, mas sem coabitação. 36. Do relatório social constante a fls. 296 a 302, consta além do mais o seguinte, com relevância sobre a personalidade do arguido: “(…) A. é um indivíduo que, no contacto interpessoal se revelou afável, com competências de comunicação, tendendo estas para um estilo algo manipulador e para as atribuições causais externas, evidenciando atitudes que atenuam a gravidade da problemática da violência conjugal, tendo procurado passar uma imagem positiva do seu comportamento social, quer no seu contexto familiar, quer no profissional, ainda que não nos tenha permitido o acesso a fontes destes meios (…) Segundo a alegada vítima, que avalia como muito possessiva e controladora a relação conjugal que manteve com o arguido, a persistente circulação em sites pornográficos de vídeos e fotos suas, cuja responsabilidade atribui ao arguido e que não tem conseguido travar, tem-se revelado devastadora para a sua autoestima e imagem social, considerando tratar-se de um comportamento vingativo, receando a reação do arguido na eventualidade de condenação. (…) A. reagiu com indignação à instauração do presente processo, apresentando um discurso de vitimização, considerando que o mesmo resultou de uma “vingança da vítima” (sic) contra si, que desta forma terá alegadamente tentado prejudicá-lo, sendo persistente o seu sentimento de injustiça. Face às circunstâncias de que está acusado, o arguido apresentou uma postura de distanciamento em relação às mesmas, negando liminarmente os comportamentos violentos e de devassa da vida privada que lhe são atribuídos. Numa reflexão abstrata sobre os factos de que está acusado neste processo, o arguido não identificou qualquer dano ou prejuízo para a alegada vítima, pois não reconhece qualquer ilicitude no seu comportamento, tendendo a desvalorizar o eventual impacto negativo dos mesmos” 37. Por acórdão proferido no dia 26 de janeiro de 2011 no processo ---/07.8PBSTB, transitado em julgado no dia 25 de maio de 2013, foi o arguido condenado pela prática em 02 de maio de 2006 de um crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito previsto e punível pelo artigo 225.º n.º 1 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagar à empresa ofendida a quantia de 6.749,75€, mediante entregas mensais mínimas de 224,99€. Factos não provados: a. Que o arguido tenha deixado intencionalmente os vídeos e fotos a que se alude em 6 no telemóvel marca Huawei de cor branca que vendeu a AF. Convicção do Tribunal: O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente nas declarações do arguido e assistente, no depoimento das testemunhas RC, MP e AF, bem assim como na documentação junta aos autos, designadamente, a. auto de noticia a fls. 2 a 7, b. aditamento a fls. 11, c. informação a fls. 26 a 30, 90 a 105, 119 a 120, 174 a 177. d. impressões de fls. 50 a 69, e. suporte digital de fls. 70, f. fotos de fls. 106, 107, 156 a 159, g. informação do registo automóvel de fls. 112, h. auto de busca e apreensão de fls. 152 a 154, i. termo de entrega de fls. 160, j. exames forenses de fls. 195 a 219, k. auto de visionamento de fls. 229 a 235. l. relatório pericial a fls. 22 a 24 m. relatório pericial a fls. 227 e 228. O tribunal teve ainda em consideração o relatório social constante a fls. 296 a 302 e certificado de registo criminal do arguido constante a fls. 294 e 295. Concretizando. O arguido prestou declarações apresentando uma versão de negação dos factos. Assumiu ter mantido relacionamento amoroso com a assistente com a coabitação conforme descrito na acusação, bem como o facto de ter descoberto fotografias no telemóvel da assistente que o levou a suspeitar de que estaria a ser traído, tendo convidado a assistente a sair de casa até à meia-noite e se apropriado do telemóvel. Resulta por isso consensual a factualidade julgada provada e descrita nos pontos 1, 2, parte final do ponto 3 e ponto 4. Negou ter agredido a assistente com chapadas. Negou igualmente ter publicado nas redes sociais e sites de pornografia as fotografias e vídeos que constam nos autos. Assumiu uma postura de vitimização afirmando que os presentes autos tiveram origem num ato de vingança da própria assistente contra a sua pessoa “para me querer tramar” por o arguido a ter convidado a sair de casa. Fez questão de afirmar não ser o próprio o interveniente nos filmes e ter sido a própria assistente a publicar os vídeos com o fito de o incriminar. A versão não logrou convencer o tribunal. Para além de totalmente inverosímil existem elementos nos autos que permitem concluir em sentido contrário e toda a prova testemunhal produzida, para além de credível, contrariou a versão apresentada pelo arguido e foi coerente com a prova documental existente. Vejamos antes de mais a factualidade atinente às chapadas e agarro no braço – ponto 3 dos factos provados. A assistente no próprio dia apresentou queixa dos factos, estava chorosa, conforme atestou a testemunha MP e marcada. Marcas documentadas pelas fotografias constantes a fls. 106 e 107, compatíveis com as chapadas e verificadas em sede de relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal a fls. 22 a 24. É credível que o arguido depois de suspeitar que poderia estar a ser traído, tivesse reagido conforme descrito, por ser uma reação, não raras vezes comum, nestes casos de suspeita de traição em relação amorosa. Por fim, a própria assistente em audiência atestou ter sido o arguido a desferir as chapadas conforme descrito, prestando um depoimento espontâneo, sofrido e credível, não levantando quaisquer dúvidas ao tribunal sobre a autenticidade do mesmo. Não faria sentido a arguida faltar à verdade nesta matéria, designadamente porque efetivamente sofreu o traumatismo na data dos factos, não se vislumbrando qualquer outro contexto em que o mesmo possa ter ocorrido, nem motivo para não identificar o verdadeiro autor. Assim, suportado nas declarações da assistente, depoimento de MP, fotografias de fls. 106 e 107 e relatório pericial a fls. 22 a 24, o tribunal julgou provada a factualidade descrita em 3 e 22. O facto descrito em 14, relativo à intenção do arguido resulta óbvio da dinâmica da ação alheada a regras básicas de experiência comum e normalidade da vida. O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita em 5 com base nas declarações da arguida (lapso manifesto, devendo ler-se assistente) em julgamento que o afirmou da forma sincera, espontânea, genuinamente muito sofrida. Acresce, quanto a este ponto 5 dos factos provados que no próprio dia 16 em que a arguida (lapso manifesto, devendo ler-se assistente) apresentou queixa, referiu que o arguido tinha ameaçado divulgar vídeos íntimos que ambos tinham realizado, conforme se constata a fls. 5, o que reforça a credibilidade das declarações da assistente. Credibilidade que caracterizou a integralidade das declarações da assistente e que motivou que o tribunal julgasse a factualidade de acordo com as mesmas. Desta forma, não teve o tribunal quaisquer dúvidas de que efetivamente os vídeos retratam a assistente e o arguido conforme descrito no ponto 6 dos factos provados. O arguido não é reconhecível em nenhum dos vídeos, porque não aparece a face do mesmo, mas tal não é necessário, pois que não se oferecem dúvidas sobre o cabal conhecimento da arguida sobre quem foi a pessoa que com ela se relacionou sexualmente e filmou. O Coletivo deste tribunal, em deliberação visualizou a prova documental - vídeos constantes no CD a fls. 70 - e percebe-se que quem filma é o próprio interveniente, de cima para baixo e com recurso a telemóvel, razão pela qual não aparece a face do autor. Ora, do depoimento da testemunha AF, resulta que o arguido ter-lhe-á vendido um telemóvel e que na memória do mesmo se encontravam os vídeos e fotografias que a própria testemunha visualizou e fotografou. Depoimento que levou também à formação da convicção do tribunal na prova do facto descrito em 11, por não oferecer dúvidas de credibilidade e se encontrar reforçado pela impressão de conversa em rede social constante a fls. 119 e 120. Não se vislumbra possível, não ser o arguido o interveniente nos filmes, nem o autor dos mesmos, e os vídeos encontrarem-se gravados no seu telemóvel pessoal. Tanto mais que o arguido demonstrou ser uma pessoa ciumenta e impulsiva que terminou o relacionamento com a assistente por, nas suas palavras ter descoberto no telemóvel da assistente, fotografias da mesma abraçada a outro homem, estando ambos vestidos. Não se afigura possível ter mantido o relacionamento com conhecimento da existência dos vídeos se não fosse o próprio o interveniente. Também não se afigura possível que os vídeos estivessem gravados no seu telemóvel sem o seu conhecimento, já que, ainda que a arguida usasse o telemóvel do arguido, como o próprio afirmou, jamais o utilizaria para filmar ato sexual com terceiro. Regras básicas de experiência comum exigem que assim se conclua. O arguido negou ter publicado os vídeos e fotos, bem como ter criado o perfil falso na conta facebook e marcado em nome da assistente encontros com homens no local de trabalho daquela, conforme descrito em 6, 8, 9 e 17 e da forma e com a intenção descrita nos factos 15, 16, 18 e 19 dos factos provados. Ninguém o viu o fazer. Ainda assim, o tribunal não teve dúvidas em julgar a factualidade como provada. A prova de factos instrumentais foi abundante e não só permite, como obriga a concluir pela prova da factualidade essencial, mediante recurso a presunções judiciais – artigos 349 e 351.º do Código Civil. Só o arguido e a assistente tinham conhecimento dos vídeos e só ambos tinham acesso aos mesmos. Não é possível ter sido a própria assistente a publicá-los porque a ação visou necessariamente prejudicar a imagem, a dignidade, e a própria vida profissional e vivência na comunidade de setúbal, da assistente. Razão pela qual foram colocadas fotografias reais da mesma, o telemóvel real e indicado o real local de trabalho. Toda a ação é praticada num contexto próprio de vingança e em conformidade com um fenómeno que se está a generalizar, já apelidado de porn revenge, estrangeirismo para qualificar a divulgação de imagens ou vídeos íntimos por vingança após o término de uma relação amorosa. Se não foi a assistente, necessariamente só poderá ter sido o arguido. Conclusão óbvia mas reforçada com a apreensão feita no quarto do arguido de material informático onde consta, além do mais, 3 fotografias utilizadas para criar o perfil em conta no facebook – veja-se as fotos utilizadas na criação do perfil no aditamento constante a fls. 26 a 30 e as mesmas fotos no auto de visionamento do material apreendido a fls. 233 a 235. A prova do conteúdo dos vídeos resulta do visionamento dos mesmos a fls. 70, bem como da reprodução de imagem a fls. 30, 67 e 69. O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita em 7 com base na impressão do resultado do motor de busca Google, datado de 21 de novembro de 2014 e constante a fls. 102 a 104, sendo que o facto descrito em 23 é público e resultou da pesquisa on line efetuada pelo coletivo, tendo sido possível, sem necessidade de abrir os ficheiros, constatar a indicação do número de visualizações que cada um dos vídeos tinha. Não será despiciendo referir que numa primeira busca no dia 18 de julho de 2016 o primeiro vídeo apresentava 37.143 visualizações e o segundo 22.910 visualizações e que em nova pesquisa no dia 19 de julho de 2016, se constataram os números que constam no ponto 23 dos factos provados, mais 40 visualizações no primeiro vídeo e mais 5 visualizações no segundo, o que significa que os vídeos continuam a ser visualizados diariamente pelos cibernautas. O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita em 10, 24, 25 e 26 nas declarações da assistente, corroboradas pelo depoimento de MP, amiga e colega de trabalho da assistente que o atestou, designadamente a preocupação da assistente em confirmar de forma quase obcecada na internet, por vezes impulsionada por chamadas telefónicas que recebia, a existência de conteúdos de teor pornográfico que a envolvessem, o que configurou uma perturbação grave no seu desempenho laboral que culminou com a cessação do vínculo. Nas palavras da testemunha, a assistente foi “convidada a sair”. A documentação junta a fls. 97 a 100, comprova os pedidos efetuados pela assistente de remoção dos vídeos dos sites pornográficos. A mera pesquisa em qualquer motor de busca por “B. Hotel …”, comprova o insucesso da assistente na tentativa de remoção da rede dos conteúdos pornográficos que a envolvam. Os recibos de vencimento constantes a fls. 45 a 47 comprovam a entidade patronal da assistente à data e o local de trabalho em que estava colocada, como sendo o Hotel vulgarmente designado por Hotel …. O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita no ponto 27 da conjugação das declarações da assistente, do depoimento de todas as testemunhas que referiram conhecer os vídeos e fotos e saber que todo o círculo de amigos e conhecidos dos próprios e da assistente também conhecem e, da prova do facto descrito em 23 de onde resulta que num só site, foram efetuadas sessenta mil e noventa e oito visualizações. Veja-se que a testemunha AF que descobriu os vídeos e fotos na memória do telemóvel que lhe foi vendido pelo arguido, afirmou que quando fez a descoberta já conhecia os conteúdos da internet, o que é revelador da rápida propagação dos mesmos. A factualidade descrita em 28 resultou essencialmente da imediação que o Coletivo teve da pessoa da assistente aliado a regras de experiência comum, já que a exposição pública, descontrolada e não consentida de algo tão íntimo como seja a própria nudez e o relacionamento sexual com outra pessoa é apto a transtornar e envergonhar a pessoa visada, dificultando o seu relacionamento com os outros, o que, invariavelmente diminui a alegria da pessoa visada e, de forma percetível, a sua exteriorização. O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita no ponto 12 com base no auto de apreensão e visionamento constantes a fls. 152, 153 e 229 a 235. O arguido afirmou não ser seu o material informático apreendido. Não logrou convencer o tribunal. Por um lado, não faria sentido que a assistente não o levasse consigo conforme fez com os restantes pertences pessoais. Por outro lado, o material apreendido estava no quarto onde o arguido dorme. O arguido literalmente expulsou a assistente de casa em contexto de grande animosidade, não sendo credível que guardasse objetos pessoais da mesma no seu quarto. A prova da factualidade descrita em 13 e 20, resultou do auto de busca e apreensão constante a fls. 153 a 159 e relatório de exame pericial a fls. 227 e das próprias declarações do arguido que admitiu ter adquirido o aerossol em Andorra, para intuito defensivo, após ter sido assaltado há uns anos. Sendo o arguido uma pessoa integrada na sociedade sem padecer de qualquer défice cognitivo ou limitação quer física, quer psicológica, a factualidade descrita em 21 resultou da conjugação de toda a prova produzida com regras de básicas de experiência comum e de normalidade da vida. Os factos julgados provados e descritos de 29 a 36 resultam das declarações do arguido e do relatório social junto aos autos. A prova dos antecedentes criminais – facto 37 - foi feita com base no certificado de registo criminal atualizado e junto aos autos a fls. 294 e 295. No que concerne ao facto não provado, o tribunal baseou-se no depoimento de AF que atestou que o arguido nada mencionou sobre a existência dos vídeos e que os mesmos estariam ainda na memória do telemóvel mas que teria sido realizado procedimento destinado a apagar os conteúdos. Em suma, o arguido tentou apagar os conteúdos antes de vender o telemóvel, mas não conseguiu. Neste contexto, o tribunal julgou não provada a intenção do arguido divulgar os conteúdos a AF. Apreciando: A - dos vícios da decisão: O recorrente invoca que o acórdão padece de todos os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP. Desde logo, refere que a douta decisão está inquinada por deficiente valoração do material probatório sujeito à apreciação do tribunal e a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não suporta o acervo fático dado como demonstrado pelo tribunal “a quo”. Transparece, assim, que esquece os parâmetros de análise de qualquer desses vícios, ou seja, que tem de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, como ali se prevê, unicamente, pois, por apelo aos seus elementos intrínsecos e às máximas da experiência que o homem de formação média reconhece. Não obstante, também a ausência de concretização desses alegados vícios, que se colhe da sua motivação, contribui para alicerçar essa sua incorrecta perspectiva de sentido, afinal, de que tudo se equipará a vício decisório, sendo certo que não procedeu, de modo algum, a impugnação da matéria de facto pela diferente via de reapreciação da prova, por referência ao disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP. Ao invés, o que a motivação reflecte mais não é do que um conjunto de observações que vai fazendo, ainda que por reporte aos factos provados que vai transcrevendo, subjacente à sua posição de negação da sua prática, que ficou retratada pelas suas declarações em audiência, que o tribunal criticamente valorou. Sobre isso, far-se-ão as necessárias considerações, sem prejuízo de que as mesmas acabem por ter de responder à vertente de comentário a que a motivação se reconduz. No tocante à definição desses vícios, salienta-se: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (alínea a) do n.º 2 do art. 410.º) ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito, não se confundindo, todavia, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida (entre outros, o acórdão do STJ 13.02.1991, citado em anotação ao preceito in “Código de Processo Penal Anotado”, de Maia Gonçalves, Almedina, 1998, pág. 724, e o acórdão do STJ de 01.06.2006, no proc. n.º 06P1614, in www.dgsi.pt). Reside na circunstância de que a decisão de facto apurada não é suficiente para a decisão de direito encontrada ou, como salienta Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, ou seja, quando o tribunal deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Ou, como se assinalou no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363 (www.dgsi.pt), significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (alínea b) do n.º 2 do art. 410.º) supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação. Segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 325, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso (…) a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto. Como se salientou no acórdão do STJ de 10.12.1996, in www.dgsi.pt, verifica-se quando segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto. Ainda, conforme acórdão do STJ de 13.10.1999, in CJ Acs. STJ, ano XXIV, tomo III, pág. 184, quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal. Por seu lado, o erro notório na apreciação da prova consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7.ª edição, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido). É interpretado, à semelhança do facto notório em processo civil, como aquele de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185). Deste modo, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt). Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência». Percorrendo, então, a fundamentação apresentada pelo recorrente, decorre que pretende pôr em crise a sua participação nos factos, aludindo a que: - no tocante aos factos provados em 2 e 3 - tinha sérias suspeitas que a assistente com quem vivia em união de facto, há dois anos, o traia e cometia o adultério, tendo em conta que viviam em situação análoga à de cônjuges, bem como pelo facto da assistente trabalhar em bares noturnos, conforme a mesma declarou, e insistindo em ter determinados comportamentos que dizia ser obrigada para manter o posto de trabalho, e qua passa por adotar um estilo de postura de cariz sexualmente provocatória, desfilando em cima dos balcões, dando de beber bebidas alcoólicas diretamente na boca de clientes, usando vestuário pouco ortodoxo, tal como vestuário de latex; - quanto ao facto provado em 4 - unicamente “motu próprio” o mesmo verificou no telemóvel da assistente a existência de vídeos de cariz pornográfico que nem tão pouco fora realizado com o arguido mas sim com um terceiro parceiro, confirmando todas as suas suspeitas de prática de adultério por parte da assistente; - acerca do facto provado em 5 - quem fazia parte dos vídeos com a assistente era o individuo, colega de trabalho da assistente, e que mantinha um relacionamento estável com outra rapariga e tudo passou por um esquema elaborado de forma maquiavélica entre esse individuo e a assistente com o único intuito de extorquir dinheiro ao arguido: - sobre o facto provado em 6 - Vários objetos foram apreendidos ao arguido, e em qualquer um deles NÃO foi detetada qualquer prova de que os factos terão sido praticados a partir dos mesmos equipamentos, nem tão pouco foi possível apurar a data concreta da publicação dos vídeos e fotos in casu e Os supra referidos vídeos e fotos da assistente NÃO se encontravam em qualquer equipamento pertença do arguido, mas sim da assistente; - quanto ao facto provado em 7 - Pode igualmente verificar-se que o homem interveniente nos mesmos vídeos NÃO é o arguido, podendo aferir-se por motivos que se prendem com pormenores na pele e demais características físicas; - sobre os factos provados em 8 e 9 - NÃO HAVENDO PROVAS DE QUE FOI O MESMO A CRIAR TAL PAGINA DO FACEBOOK; - relativamente aos factos provados em 10 e 11 - não tinha em seu poder os ditos vídeos e fotos de cariz sexual, encontrando-se apenas na posse da assistente, Nem tão pouco foi feita prova em audiência de julgamento que o telemóvel tenha sido vendido com os referidos vídeos e imagens, quer os mesmos conteúdos tenham sido descarregados (download) pelo comprador AF e em que data; - no que tange ao facto provado em 12 - tudo não passa de um estratagema ficcionado pela assistente e pelo individuo que participou no vídeo e fotos com a mesma, unicamente com o intuito de extorquir dinheiro ao arguido, pensando que o mesmo possui meios económicos avultados: - quanto ao facto provado em 13 - A referida embalagem de aerossol, cf. o Meritíssimo Juiz a quo refere, é de defesa e nem tão pouco alguma fez foi utilizado: - acerca do facto provado em 14 - o Meritíssimo Juiz Presidente a quo, desvalorizou por completo que o arguido foi em primeiro, lesado na sua honra e consideração, enquanto homem, falseado, traído e vitima de adultério, bem como de todo o esquema montado pela assistente para lhe extorquir dinheiro. Em jeito de crítica, afirma, ainda, que É NOTORIO QUE O MERITISSIMO JUIZ PRESIDENTE “A QUO” FOI CLARAMENTE TENDENCIOSO MAS FICOU COM SERIAS DUVIDAS SOBRE O QUE REALMENTE SE PASSOU A DATA DOS FACTOS, SENDO QUE NA DUVIDA PREVALECE O PRINCIPIO IN DUBIO PRO REO. Já se vê, tal como ficou salientado, que o recorrente não mais faz do que criticar a valoração da prova e apresentar supostas justificações para o que admite ter efectuado ou para suportar o seu alheamento quanto aos factos. Nada, porém, que se reconduza aos pretendidos vícios da decisão. Vejamos. Sem preocupação de menção expressa a esses vícios porque não merecida, ficam as seguintes considerações quanto ao alegado pelo recorrente, tidas por suficientes para demonstrar a sua cabal improcedência. Tendo admitido, em parte, o apurado nos factos provados em 2 e 3, as invocadas reservas acerca de comportamentos que atribuiria à assistente não serve minimamente para contrariar a fundamentação que presidiu à avaliação probatória operada pelo tribunal, nem para supostamente justificar a sua conduta violenta, sendo que o alegado trabalho da assistente em bares nocturnos não constitui elemento que tivesse sido mencionado nesses factos e não se vislumbra qual o interesse para implicar incoerência alguma no decidido. Aliás, o tribunal não deixou de apreciar as declarações do aqui recorrente, tendo consignado, e bem, “É credível que o arguido depois de suspeitar que poderia estar a ser traído, tivesse reagido conforme descrito, por ser uma reação, não raras vezes comum, nestes casos de suspeita de traição em relação amorosa. Por fim, a própria assistente em audiência atestou ter sido o arguido a desferir as chapadas conforme descrito, prestando um depoimento espontâneo, sofrido e credível, não levantando quaisquer dúvidas ao tribunal sobre a autenticidade do mesmo. Não faria sentido a arguida faltar à verdade nesta matéria, designadamente porque efetivamente sofreu o traumatismo na data dos factos, não se vislumbrando qualquer outro contexto em que o mesmo possa ter ocorrido, nem motivo para não identificar o verdadeiro autor. Assim, suportado nas declarações da assistente, depoimento de MP, fotografias de fls. 106 e 107 e relatório pericial a fls. 22 a 24” Acerca da circunstância de que, no tocante ao provado em 4, o recorrente teria visto no telemóvel da assistente vídeos de cariz pornográfico, com intervenção de uma outra pessoa, tal contende, abertamente, com a prova produzida e examinada. No que concerne ao provado em 5, o tribunal foi esclarecedor na fundamentação da convicção, mormente, referindo que “no próprio dia 16 em que a assistente apresentou queixa, referiu que o arguido tinha ameaçado divulgar vídeos íntimos que ambos tinham realizado, conforme se constata a fls. 5, o que reforça a credibilidade das declarações da assistente”, decorrendo, assim, segundo a experiência, que o alegado esquema maquiavélico para tramar o recorrente nada relevaria para a existência de fotos e vídeos em que participara consensualmente, sendo que surpreendente seria, sim, que a assistente tivesse, desde logo, se existisse esse esquema, manifestado esse propósito daquele. Em sede de objectos apreendidos na posse do recorrente, a que se reporta o auto de fls. 152 a 154, mencionado pelo tribunal, designadamente por referência ao telemóvel aí aludido e ao constante do facto provado em 6, cabe notar que, conforme provado em 11, outro telemóvel, que não o apreendido, nem aquele que que pertencia à assistente (facto provado em 4), contendo na memória os vídeos e as fotos em causa, foi por si vendido a AF, que prestou depoimento e como consta da fundamentação do acórdão, além de que na pen drive apreendida tinha, como decorre também dessa fundamentação “fotografias utilizadas para criar o perfil em conta no facebook – veja-se as fotos utilizadas na criação do perfil no aditamento constante a fls. 26 a 30 e as mesmas fotos no auto de visionamento do material apreendido a fls. 233 a 235”. Por seu lado, essa busca verificou-se em 15.01.2015 e, assim, já bem posteriormente à data da prática dos factos, sendo que, esta, contrariamente ao aduzido, está suficientemente reflectida. Relativamente ao facto provado em 7, os alegados pormenores físicos a que o recorrente se refere, cuja dificuldade de percepção, nas circunstâncias, sempre seria assinalável, não surgem, de modo algum, como susceptíveis de infirmar o que ficou retratado no acórdão e, mormente, para dissipar dúvidas, ou seja, “O arguido não é reconhecível em nenhum dos vídeos, porque não aparece a face do mesmo, mas tal não é necessário, pois que não se oferecem dúvidas sobre o cabal conhecimento da arguida sobre quem foi a pessoa que com ela se relacionou sexualmente e filmou. O Coletivo deste tribunal, em deliberação visualizou a prova documental - vídeos constantes no CD a fls. 70 - e percebe-se que quem filma é o próprio interveniente, de cima para baixo e com recurso a telemóvel, razão pela qual não aparece a face do autor”, bem como “Não se vislumbra possível, não ser o arguido o interveniente nos filmes, nem o autor dos mesmos, e os vídeos encontrarem-se gravados no seu telemóvel pessoal”. Quanto ao provado em 8 e 9, se o aqui recorrente, como consta, era “único detentor de tais fotos e vídeos” e porque, como resulta da fundamentação, “Não é possível ter sido a própria assistente a publicá-los porque a ação visou necessariamente prejudicar a imagem, a dignidade, e a própria vida profissional e vivência na comunidade de setúbal, da assistente. Razão pela qual foram colocadas fotografias reais da mesma, o telemóvel real e indicado o real local de trabalho”, o apelo legítimo às presunções só podia conduzir ao aí descrito, uma vez que “Só o arguido e a assistente tinham conhecimento dos vídeos e só ambos tinham acesso aos mesmos”. Não se compreende como o recorrente, no tocante ao provado em 10 e 11, consegue aduzir argumentos manifestamente contrariados, segundo o acórdão, pela prova que foi analisada. Sobre o provado em 12, nada decorreu no sentido do alegado ficcionado e nem mesmo as regras da experiência consentiriam, sem mais, estabelecer um tal estratagema, que mais não passa do que mera versão trazida pelo recorrente sem qualquer apoio e, tal como resulta do fundamentado, “O arguido afirmou não ser seu o material informático apreendido. Não logrou convencer o tribunal. Por um lado, não faria sentido que a assistente não o levasse consigo conforme fez com os restantes pertences pessoais. Por outro lado, o material apreendido estava no quarto onde o arguido dorme. O arguido literalmente expulsou a assistente de casa em contexto de grande animosidade, não sendo credível que guardasse objetos pessoais da mesma no seu quarto”. Acerca do provado em 13, nada consta quanto a esse aerossol ter sido, ou não, utilizado, sendo sim, relevante, que o tivesse em seu poder, como, aliás, em audiência, o recorrente, como consta da fundamentação, admitiu. No que se reporta ao provado em 14, as considerações do recorrente, em nada retiram à normal ilação que decorre da acção objectiva que levou a cabo, sendo que importa realçar, por um lado, que suposta justificação por se sentir traído não serve para infirmar a intenção que presidiu à sua conduta e, por outro, que não se vê como o alegado esquema já seria, então, para si perceptível. A atribuição, ao tribunal, de juízos tendenciosos não é aceitável e roça mesmo os limites do tolerável, revelando-se, perante a exaustiva fundamentação da convicção, como afirmação sem apoio e, até, sem a devida lealdade para poder sustentar a presença dos alegados vícios. Não basta, ao recorrente, ter outra visão da prova para criticar a livre convicção do tribunal, quando esta, como no caso sucede, se compadece, manifestamente, com os legais limites. Pese embora as considerações gerais doutrinárias que explicita e, até, com algum desenvolvimento, não cuidou de as aplicar em concreto e, ao invés, optou, assim, por reconduzi-las a suporte sem sentido para a preconizada alegação de ausência de prova. O mesmo se diga quanto às supostas dúvidas que, afinal, o tribunal não teve, e bem, quanto à sua participação nos factos, pelo que, respeitadas as exigências de fundamentação e analisada, esta, na sua globalidade, a prevalência do princípio in dubio pro reo não se impunha. Como tal, dispensando acrescido desenvolvimento, a decisão não padece de qualquer vício e, inevitavelmente, a absolvição do recorrente revela-se afastada. A) - da redução da medida das penas de prisão e sua suspensão na execução: Ao nível da medida das penas de prisão, não distinguindo propriamente entre as parcelares e a única aplicadas, o recorrente invoca que é exagerada e desajustada e apela, em seu favor, à ausência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza e à sua inserção social, familiar e profissional, bem como à circunstância de que a sua postura de revolta não o devesse ter prejudicado. O tribunal fundamentou no âmbito em análise: As necessidades de prevenção geral são muito altas. No crime de ofensa à integridade física simples pelo número elevado de crimes da mesma natureza que se verifica nesta comarca gerando sentimento de insegurança e impunidade se o tribunal não reprimir eficazmente a conduta delituosa. Nos crimes de falsidade informática e devassa da vida privada no contexto de “porn revenge” por ser uma conduta que começa a generalizar-se com consequências devastadoras para a vítima e por, na prática, a imagem da vítima ficar a final mal considerada, aos olhos da comunidade como se do verdadeiro delinquente se tratasse. Importa pois inverter uma prática perigosa, transmitindo à comunidade a mensagem clara de que toda e qualquer conduta semelhante trará consequências penais nefastas para a esfera jurídica do infrator. As necessidades de prevenção especial são em igual medida muito elevadas. O arguido não mostrou qualquer arrependimento, réstia de interiorização do desvalor da conduta, assumindo uma postura em julgamento de vitimização da sua pessoa, em detrimento da assistente cuja imagem, uma vez mais, se esforçou por denegrir. Uma pena não privativa da liberdade pela prática dos crimes de ofensa à integridade física, falsidade informática e devassa da vida privada é ineficaz para alcançar os almejados fins das penas e satisfazer necessidades de prevenção geral e especial. Termos em que o tribunal condenará o arguido pela prática destes três crimes em penas de prisão. (…) Vejamos quais as penas de prisão a aplicar em concreto pela prática dos (…) crimes, apreciando os critérios plasmados no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal. O crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de prisão até 3 (três) anos. O crime de falsidade informática é punido com pena de prisão até 5 (cinco anos) anos. O crime de devassa da vida privada é punido com pena de prisão até 1 (um) ano. Uma vez que nenhum dos tipos de crime estabelece limite mínimo da pena de prisão em sede de moldura penal, aplica-se a regra geral ínsita no artigo 41.º n.º 1 do Código Penal, concretizando-se para os três tipos de crime um limite mínimo de 1 (um) mês de prisão. No crime de ofensa à integridade física simples, o grau de ilicitude foi médio. Não foi reduzida porque o arguido, pese embora convicto de que tivesse sido traído (não se tendo provado que o tenha sido) atacou a assistente no quarto em que ambos dormiam e que era, nessa data, o local de maior intimidade da assistente, onde a mesma se deveria sentir, a todos os níveis, segura, ao invés de ser atacada. Não foi elevada porque a lesão não assumiu grau elevado de gravidade. A intensidade do dolo, direto, foi intensa. Os sentimentos manifestados na prática do crime não abonam a favor do arguido. Verifica-se alguma dificuldade no controlo dos impulsos em contexto passional, mas era-lhe exigível que os controlasse. A conduta anterior ao facto é benéfica, sendo que a posterior é negativa. Com efeito, depois dos factos ocorridos, o arguido praticou mais dois crimes contra a arguida (lapso manifesto, deve ler-se assistente), pelos quais será condenado e que, não se traduzindo em violência física, traduziu-se em violência psicológica. No que concerne ao crime de falsidade informática a ilicitude é muito elevada. Veja-se que o arguido não se limitou a produzir dados não genuínos. Conciliou a falsidade com a verdade de modo perverso e cruel, pois que identificou a assistente pelo seu nome correto, identificou o número de telemóvel da mesma e marcou encontros no seu local de trabalho para potenciar ao máximo os efeitos do prejuízo imaterial que quis provocar na assistente. O dolo é direto e intenso. Os sentimentos manifestados na prática do crime militam totalmente contra o arguido que revelou uma personalidade toldada por um sentimento de vingança que assumiu foros de frieza e crueldade, violando a confiança que a assistente lhe depositou, desconsiderando a dignidade da sua pessoa e o seu direito fundamental à reserva da vida íntima e privada. A conduta anterior é prejudicial pois, dias antes agrediu a assistente, facto que lhe proporcionará nestes autos condenação pela prática de crime e a posterior não assume relevância negativa, desconhecendo-se a prática de novos factos ilícitos típicos. No que concerne ao crime de devassa privada, a ilicitude, considerando o tipo de condutas abrangidas pelo tipo legal, é muito elevada. Este é o tipo de crime, até pela moldura penal que apresenta em que é mais difícil conceber conduta mais gravosa do que a praticada pelo arguido. Veja-se que, tal como no crime de falsidade informática, o arguido não se limitou a publicar fotos e vídeos do corpo da assistente em práticas sexuais, fê-lo de forma que a assistente fosse reconhecível pelas feições e, como se não bastasse, identificou o nome da mesma e o seu local de trabalho como local da suposta prática sexual. Sendo o Hotel… um lugar conhecido na comunidade de Setúbal, esta identificação, falsa, é apta a estimular a curiosidade dos cibernautas ligados a Setúbal e assim potenciar o número de visualizações por parte de pessoas que, não reconhecendo a assistente pelo nome, poderão reconhecê-la pelas feições, dilatando uma vez mais de forma perversa o prejuízo imaterial que representou provocar na assistente. O dolo é direto e muito intenso, fundado em culpa grave e nada mitigada pelos sentimentos manifestados na prática do crime, em tudo idênticos ao já referido para o crime de falsidade informática. As condições pessoais do arguido, a analisar por igual quanto à prática de todos os tipos de crime, militam a seu favor, pois o mesmo encontra-se empregado, está familiarmente inserido junto do agregado familiar dos progenitores onde assume um papel relevante no tratamento do pai que terá sofrido um AVC e foi considerado pela DGRSP, apesar das ressalvas, como uma pessoa afável. Neste contexto, ponderando ainda favoravelmente a ausência, à data, de antecedentes criminais, sendo muito desfavorável tudo o resto a ponderar, com exceção do grau de ilicitude no crime de ofensa à integridade física simples, afigura-se que, quanto a este deverá o arguido ser condenado em pena inferior ao primeiro terço da moldura, sendo que nos crimes de falsidade informática de devassa da vida privada deverá ser condenado em pena superior a metade da moldura penal. Entre ambos há a distinguir o crime de devassa da vida privada, que abrange em abstrato condutas menos graves e que, como tal, deverá ser considerada esta conduta em concreto especialmente gravosa e ser o arguido condenado em pena próxima do limite máximo da moldura penal. Concretizando, este Coletivo de Juízes considera justo, porque adequado à personalidade do arguido e proporcional à gravidade dos factos, a condenação do arguido nas seguintes penas parcelares: Pela prática do crime de ofensa à integridade física simples a pena de 09 (nove) meses de prisão. Pela prática do crime de falsidade informática a pena de 3 (três) anos de prisão. Pela prática do crime de devassa da vida privada a pena de 10 (dez) meses de prisão. V – CÚMULO JURÍDICO O artigo 77.º n.º 1 do Código Penal, dispõe que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles é condenado numa única pena, sendo de considerar em conjunto, os factos e a personalidade do agente. O n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal estabelece que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa. Já como limite mínimo, impõe a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Desta forma, no presente caso, teremos como limite máximo para o arguido uma pena de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão, fixando-se o limite mínimo em 3 (três) anos de prisão (…). Nos presentes autos há pouco a ponderar em benefício do arguido. As duas penas mais altas reportam-se a factos de ilicitude muito elevada e revelam frieza, premeditação e crueldade na personalidade do arguido, aliada a uma total desconsideração da dignidade da pessoa da assistente e do seu legítimo direito à privacidade e à reserva da vítima íntima privada. Direitos com tutela constitucional que o arguido de forma ponderada vilipendiou. Neste contexto a pena única a aplicar em cúmulo jurídico não deverá situar-se distante da metade da moldura penal, permitindo-se ainda utilizar este fator de compressão, por se considerar que a pena encontrada satisfaz cabalmente os fins das penas respondendo com eficácia às exigências de prevenção geral e especial. Concretizando, este Coletivo de Juízes considera justa porque adequada à personalidade do arguido e proporcional à gravidade dos factos no seu conjunto a condenação do arguido numa pena única em cúmulo jurídico de 3 (três) e 9 (nove) meses de prisão. Analisando: Já se vê, pois, que a ausência de antecedentes criminais e a inserção social do recorrente foram ponderadas pelo tribunal, ainda que, aparentemente, aquele lhes confira relevo considerável, o que, perante as outras condicionantes explicitadas, no balanceamento entre todas, não se descortina de qualquer especial dimensão atenuativa. Por seu lado, quanto à sua referida postura em julgamento, que se mostra reflectida na fundamentação do acórdão, não se trata de que não pudesse clamar por inocência, mas sim que, provando-se a sua culpabilidade, como aconteceu, a sua personalidade mereça a crítica aí operada. Atenta-se em que, conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 214, culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena e esta deve ser encontrada num quantum que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Por sua vez, a medida da culpa funciona como pressuposto axiológico-normativo de qualquer pena, nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CP, o que significa que não pode exceder, na sua medida, o grau de culpa que se apresente. Este, no essencial, reconduz-se a um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que a situação em análise, em todos os seus elementos - factuais, do agente, da vítima, da sociedade -, vale aos olhos da consciência e do que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética e do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168). Assim, será a finalidade de tutela e protecção dos bens jurídicos que, com a sua conduta, pôs em crise, que há-de constituir o motivo fundamento das penas, de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e dos valores afectados, afigurando-se que, no caso, efectivamente as exigências de prevenção são muito elevadas, merecendo, por isso, importante censura da comunidade e inevitável resposta consentânea. Nesta vertente, a elevada censurabilidade e a gravidade e intensidade lesiva dos seus actos ficaram, bem, assinaladas pelo tribunal, mais justificando, pois, essa resposta em medidas que sejam vistas como adequadas à respectiva relevância que inegavelmente denotam. Por seu lado, a reintegração do recorrente há-de ser prosseguida pela imposição de penas que, determinadas por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostrem adequadas e sejam exigidas pelas necessidades de ressocialização e pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. Ora, perante os limites legais aplicáveis a cada um dos ilícitos, não se encontra fundamento bastante para reduzir as penas parcelares fixadas pelo tribunal, por inteiro se aderindo à exaustiva ponderação de todos os factores que foram atendidos. No que concerne à pena única aplicada (3 anos e 9 meses de prisão), a conclusão é idêntica, atendendo a que os crimes incidiram em bens pessoais e assumiram importante desvalor, cuja ressonância ético-valorativa é assinalável. Acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 291/292, Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Deste modo, tendo o recorrente revelado personalidade bem censurável, inevitavelmente manifestada nos factos e, conforme ao acórdão, com “total desconsideração da dignidade da pessoa da assistente e do seu legítimo direito à privacidade e à reserva da vítima íntima privada. Direitos com tutela constitucional que o arguido de forma ponderada vilipendiou”, a pena fixada é proporcional e justa. Finalmente, no que tange à pretendida suspensão da execução da prisão, relativamente ao que, o recorrente, invoca idênticas razões, também não se aceita que o deva merecer. Nesta sede, o tribunal fundamentou: Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, que: “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O arguido não mostrou qualquer arrependimento. Conforme se encontra plasmado no relatório social, transcrito no ponto 36 dos factos provados e que reproduz com rigor o que resultou da imediação do tribunal da pessoa do arguido e da assistente em sede de audiência de julgamento “o arguido apresentou uma postura de distanciamento em relação às mesmas, negando liminarmente os comportamentos violentos e de devassa da vida privada que lhe são atribuídos. Numa reflexão abstrata sobre os factos de que está acusado neste processo, o arguido não identificou qualquer dano ou prejuízo para a alegada vítima, pois não reconhece qualquer ilicitude no seu comportamento, tendendo a desvalorizar o eventual impacto negativo dos mesmos. Num contexto em que, por causa da conduta do arguido, a assistente viu a sua intimidade devassada por dezenas de milhares de visualizações de vídeos onde a sua intimidade foi exposta ao mundo, a postura do arguido assume contornos preocupantes e agrava de forma irremediável qualquer juízo de prognose a efetuar para efeitos de uma suspensão da pena de prisão na sua execução. É preciso ter presente que num contexto de animosidade, comum no termo conflituoso de uma relação amorosa, uma pena de prisão suspensa na sua execução poderá representar sacrifício, não só suportável, mas compensador, em face da necessidade de saciar desejo de vingança onde, não raras vezes, como esta, atropelos a direitos fundamentais das vítimas sem o mínimo de preocupação pelas reais consequências na vida destas, são vistos como corriqueiros e toleráveis. Neste caso em concreto, é convicção deste Coletivo que uma pena de prisão suspensa na sua execução não atingirá minimamente o efeito pretendido com a pena, sendo totalmente incapaz de convencer o arguido da gravidade das suas condutas – interiorização do seu desvalor – e, mais importante, de evitar com segurança que, no futuro, o arguido não volte a reincidir. Em suma, só uma pena de prisão efetiva é apta a atingir os fins que se pretendem com a presente condenação. Termos em que não será suspensa na sua execução a pena de prisão a aplicar ao arguido. Cumpre, então, notar: A suspensão da execução da prisão, do ponto de vista dogmático como pena de substituição, reveste carácter autónomo e com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios. Por isso, a sua aplicação funda-se em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que, na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e não colidam com as necessidades preventivas que se deparem. Acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 343, A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. E (mesmo Autor, ob. cit., pág. 501) Ela (a prevenção geral) deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…) como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. Relevam, pois, considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não de culpa. Ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 20.02.2008, no proc. n.º 08P295, in www.dgsi.pt, refere que Para aplicação desta pena de substituição necessário se torna que o julgador se convença de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi caso acidental, esporádico, ocasional, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas, não olvidando que a pena de substituição não pode colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos. Assim, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando a essa suspensão se opuserem as finalidades da punição, nomeadamente as considerações de prevenção geral, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344). Tal prognose favorável consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito (Jescheck, in “Tratado de Direito Penal, Parte Geral”, 2.º vol., pág. 1154, edição em castelhano). Acresce que é dever do juiz assentar o incontornável «juízo de prognose», favorável ou desfavorável em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza, o que não quer dizer, obviamente, que tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do agente. Não obstante, pois, sempre e inevitavelmente, com algum risco fundado e calculado, mas ainda assim, assente em razões minimamente justificadas e sérias, que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, sob pena de frustração das finalidades punitivas e, mormente, de se colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos. No caso em análise, a premente protecção dos bens jurídicos violados e as inerentes exigências de prevenção geral associadas maiores cautelas requerem quanto à concessão dessa medida, a que se ligam os aspectos negativos revelados pela personalidade do recorrente. Ao apelar, em síntese, às necessidades de socialização, o recorrente pretenderá que, por essa via, se descortine o necessário juízo de prognose favorável. No entanto, assim não é. O tribunal atentou devidamente nas reservas que esse juízo, se concedido, comportaria, mesmo que o recorrente não tenha antecedentes criminais por delitos da mesma natureza. Acresce que, se os não tem, não é menos verdade que praticou os factos durante período de suspensão da execução de prisão em que foi anteriormente condenado. Por seu lado, não só a sua postura em audiência serviu para afastar o juízo de prognose favorável, mas inevitavelmente contribuiu para se perceber a forma como não atribuiu relevo aos seus actos, elemento indiciário do tipo de personalidade em presença. A ponderação conjugada de todos os aspectos pertinentes não conflui para afirmar, com a segurança exigível, que o ocorrido tivesse sido meramente esporádico e ocasional, no sentido de constituir realidade arredia à sua personalidade. Crê-se, enfim, que a protecção das exigências mínimas e irrenunciáveis de carácter geral não se compagina, de modo algum, com o risco injustificado que a suspensão da execução da prisão acarretaria, sendo certo que as condições pessoais do recorrente não se apresentam em sentido que imponha, em razão das exigências de prevenção especial, diversa perspectiva. 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se: - negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim, - manter integralmente o acórdão recorrido. Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça de 4 UC. Processado e revisto pelo relator. 7.Março.2017 _______________________ (Carlos Jorge Berguete) _______________________ (João Gomes de Sousa) |