Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTO BORGES | ||
Descritores: | RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO ADMOESTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/03/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A admoestação só será de aplicar às infrações qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente àquelas em que há atuação por negligência ou em que ocorram circunstâncias que atenuem a culpa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Portalegre (Instância Local de Portalegre, Secção Criminal, J1) correu termos o Proc. n.º 253/14.7T8PTG, no qual, por sentença de 11.12.2014 (fol.ªs 88 a 97), foi julgada parcialmente procedente a impugnação da arguida - PD, SA - e, consequentemente, condenar a mesma, pela prática das contra-ordenações que lhe vinham imputadas na decisão administrativa, na coima única de 3.500,00 euros (a autoridade administrativa – ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - havia sancionado a arguida, por decisão de 28.08.2014, e pela prática de duas contra-ordenações, p. e p. pelos art.ºs 6 al.ª a) e 16 n.º 1 al.ª b), ambos do DL 70/2007, de 26.03, e 4 n.º 2, por remissão do art.º 10 n.º 2, e 16 n.º 1 al.ª a) do mesmo diploma, na coima de 3.000,00 euros por cada uma e, em cúmulo, na coima única de 5.000,00 euros). --- 2. Recorreu a arguida dessa decisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - A recorrente conforma-se com a decisão acerca da não prescrição do procedimento administrativo, mas censura a atuação da ASAE, a qual, na qualidade de autoridade administrativa, procedeu a ação inspetiva ao estabelecimento comercial explorado pela recorrente no dia 08.07.2010, tendo-a notificado apenas em 30.04.2012, quase volvidos 22 meses, ou melhor, quase 600 dias. 2 – Na dita ação inspetiva, os senhores inspetores procederam à identificação do diretor de loja, JB, sem que nesse dia lhe tivessem deixado algum documento nas suas mãos, o que se revelou determinante para que, no dia 14.05.2012, em momento que a recorrente se pronunciou acerca da infração, tivesse respondido que não se recordava de nada. 3 – Nos quase 600 dias que mediaram entre a data da prática dos factos e a notificação da recorrente para se pronunciar acerca da infração fez a mesma, quase diariamente, promoções e, sendo certo que não é a atuação da ASAE que aqui está a ser julgada, esse lapso de tempo dificultou em grande medida a possibilidade da recorrente se poder ter defendido convenientemente. 4 - A nulidade da notificação de março de 2014 diz respeito à falta de fundamentação da decisão, no que diz respeito ao pagamento voluntário da coima pelo valor de 2.500,00 €, desconhecendo a recorrente se esse pagamento dizia respeito às duas infrações ou só a uma delas, e, mesmo que não se tratasse de uma decisão final, deveria a recorrente, no momento da notificação, compreender o que estava a pagar. 5 - Salvo melhor opinião, os produtos constantes de fls. 12, 13, 14 e 15 não se encontravam em promoção, uma vez que nas fotografias em causa aparece o produto com uma tabuleta por cima com a expressão “PROMOÇÕES”. Essas tabuletas encontram-se permanentemente penduradas a partir do teto da área comercial, sendo-lhe acrescentadas outras tabuletas com informações relativas a promoções em concreto, ali permanecendo apenas por uma questão prática, considerando a dificuldade logística da decisão de executar promoções e as informar convenientemente aos clientes. 6 – As promoções de fls. 6, 8, 11 e 14 contêm uma oferta específica, concretamente, respetivamente, de uma taça, de algo que não se percebe, de leite, colacau e de leite, bem essencial, Mimosa. 7 – Os produtos de jardinagem e outros de campismo encontravam-se no folheto que estava antes da entrada da área comercial propriamente dita, não tendo todavia a recorrente conseguido demonstrá-lo, atento ao lapso de tempo que mediou entre a data da prática dos factos, 08.07.2010, e a data em que foi notificada para se pronunciar acerca da infração, 30.04.2012. E considerando-se também a falta de informação que os senhores inspetores, no dia 08.07.2010, concretamente, de não terem informado o diretor de loja, JB, de que iria ser instaurado procedimento contra-ordenacional. Os produtos em causa, todos específicos de oferta sazonal (verão), são sempre acompanhados de folheto próprio quando inseridos em promoções. 8 – Reconhece pois a recorrente que os produtos das alíneas d), e) e f) do n.º 2 da matéria dada por provada não estavam a ser promovidos nos termos da legislação, confinando-se a estes, pois, a violação da mesma. 9 – Face ao exposto, considerando a atuação acima descrita da ASAE, o número limitado de produtos em promoção a violar a lei, a falta de correspondência entre as exigências de prevenção geral serem muito elevadas, atenta a quantidade de infrações que desta natureza são praticadas, assim como o bem jurídico protegido, o reduzido número de produtos, não ter sido provado o benefício económico da recorrente, tudo se conjugaria para que fosse aplicada uma pena de admoestação, a qual configura uma condenação, em lugar da coima aplicada, mesmo que reduzida ao valor de 3.500,00 €. 10 – Face ao exposto, deve substituir-se a douta decisão por outra que aplique à recorrente uma pena de admoestação. --- 3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - Estabelece o artigo 51 n.º 1 do RGCO que, “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”. 2 - Ao lermos o recurso da recorrente vemos que a mesma pretende é que lhe seja aplicada uma admoestação. 3 - A recorrente foi condenada pela contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 6 al.ª a) e 16 n.º 1 al.ª b), ambos do Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, e art.º 4 n.º 2, por remissão do art.º 10 n.º 2, e 16 n.º 1 al.ª b), ambos do Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março. 4 - Tal contra ordenação reveste caráter grave. 5 - Estando perante uma contra-ordenação grave é excluída a aplicação da admoestação. 6 - A culpa da recorrente também não é diminuta, uma vez que atuou com dolo eventual, o que exclui uma culpa diminuta. 7 - Quanto à gravidade da infração, a mesma também não pode ser considerada de gravidade reduzida, uma vez que a norma violada respeita a direitos dos consumidores. --- 4. Nesta instância não foi emitido parecer pelo Ministério Público, pelo que, colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP). --- 5. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 1. No dia 8 de julho de 2010, pelas 15h52, os inspetores da ASAE deslocaram-se ao estabelecimento supermercado CC, sito na Rua (…), (…), Portalegre, explorado pela arguida “PD, SA”. 2. No estabelecimento existiam para venda ao público os produtos abaixo identificados, expostos em prateleiras e topos em lugar de destaque, com venda em redução de preços sob a forma de promoção, de acordo com cartazes publicitários junto dos mesmos, e sem que se encontrassem afixadas em local algum do estabelecimento as informações relativas à data de início e o período de duração das promoções: a) Néstlé, cereais Chocapic, €7,38; b) Cuétara, cereais Flakes, €2,99; c) Kellogg´s, cereais Special K, €2,69; d) X-tra, detergente máquina roupa pó, €13,99; e) Fairy, detergente loiça manual, €3,79; f) Skip, detergente máquina roupa pó, lavanda 90 doses, €14,99; g) Material de jardim, espreguiçadeira, €24,90; h) Diversos acessórios de rega e sacos cama, €19,90; i) Colchões “duplo pequeno”, insufláveis, €32,90; j) Bomba de ar manual, €6,90; k) Roupa diversa, t’shirt, €12,00; l) T’shirt España, €5,00; m) T’shirt España, €9,90; n) T’shirt, €7; o) T’shirt, €7,5. 3. Nas etiquetas ou letreiros com os preços dos artigos em venda com redução de preços e afixados junto dos produtos ou na marcação dos próprios produtos não existia a informação do preço anteriormente praticado ou, em substituição deste último, a percentagem da redução, para que os consumidores pudessem avaliar a efetiva redução de preço. 4. A recorrente, nas pessoas dos seus funcionários/colaboradores, tinha conhecimento de que ao agir da forma descrita violava a lei e, ainda assim, conformou-se com o resultado dessa conduta. 5. A ora recorrente dedica-se à exploração apenas deste supermercado, tem uma faturação anual na ordem dos 10,5 milhões de euros e emprega 82 pessoas. --- 6. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se na fundamentação – “com base no teor do auto de notícia, cuja factualidade o legal representante da ora recorrente não pôs diretamente em causa, bem como no depoimento do inspector da ASAE, LA, e testemunha de defesa, AF, ouvida em audiência. Mais se valorou os documentos juntos aos autos. Tudo analisado criticamente e com recurso às regras da experiência comum. Assim, quanto ao descrito em 1 e 2, tal consta do auto de notícia e não foi impugnado pela recorrente, resultando ainda do depoimento do inspetor da ASAE ouvido. No que respeita ao descrito em 3, embora, relativamente aos produtos de jardim, tenha sido afirmado pelas testemunhas de defesa que as datas de início e fim da campanha estavam num folheto distribuído pela recorrente, a verdade é que, conforme foi relatado pelo inspetor da ASAE, no local onde era afixado o preço do produto não constava tal indicação nem lhe foi exibido qualquer folheto. Ora, resultou assim demonstrado que, no estabelecimento, não havia indicação do período dessa promoção. No que concerne ao descrito em 4, tal foi confirmado pelo inspetor da ASAE ouvido em audiência e bem assim resulta do teor das fotografias juntas aos autos (cfr. fls. 4, 12, 13, 14, 15 a 22). Em todos estes produtos existe um anúncio com a palavra “promoção”, mas não consta, no preço, a indicação da redução. O descrito em 5 resulta dos restantes factos conjugados com as regras da experiência comum. O legal representante da ora recorrente alega que são feitas promoções diárias e que pode existir algum erro, contudo não negou conhecer a obrigação legal, em matéria de promoções. Ora, não nos podemos esquecer que a atividade de distribuição, com a dimensão da ora recorrente, é feita por profissionais, sendo que as questões relativas às promoções são debatidas diariamente, atenta a necessidade de defesa do consumidor, pois é sabido que a simples expressão “promoção” cria no consumidor uma apetência para a aquisição dos produtos, pois incute-lhe a ideia de que está a adquirir algo abaixo do preço normal. Resulta das regras da experiência comum que os comerciantes, cientes desse facto, criam promoções diariamente, sendo que nos supermercados serão aos milhares, para desta forma levar o consumidor a comprar. Assim sendo, a falta de indicação do preço anterior não é muitas vezes apreendida pelo consumidor, desde que o produto esteja em “promoção”. A promoção é sempre uma baixa de preço. Se não é indicado o preço anterior, o consumidor fica sem saber que baixa de preço é essa, ou se, realmente estamos perante uma baixa de preço. Assim, não ficou o tribunal com quaisquer dúvidas, já que tal resulta com clareza das regras da experiência comum, que o legal representante da recorrente compreende, na sua plena extensão, a obrigação legal nesta matéria, tomando consciência de que o não cumprimento da mesma fazia incorrer em responsabilidade contra-ordenacional e, ainda assim, aceitou tal facto. Quanto ao descrito em 6 a 8, tal resultou das declarações do legal representante da recorrente”. --- 7. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, onde o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do CPP). Tais conclusões – porque delimitam o âmbito do recurso – devem ser claras e precisas, de modo a que não se suscitem dúvidas sobre a pretensão (ou pretensões) do recorrente e as razões que fundamentam a sua pretensão. Este tribunal funciona como tribunal de revista (art.º 75 n.º 1 do Dec.-Lei 433/82, de 27.10) e, por isso, apenas conhece da matéria de direito, sendo, consequentemente, irrelevantes as considerações expostas na motivação acerca da matéria de facto dada como provada. Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pela arguida, assim consideradas, delas se extraem duas questões colocadas pela recorrente à apreciação deste tribunal: 1.ª – A nulidade da notificação para pagar voluntariamente a coima pelo mínimo; 2.ª – Se, tal como é, aliás, pedido na última conclusão, em face da factualidade dada como provada, deve a sanção aplicada ser substituída pela sanção de admoestação. --- 7.1 – 1.ª questão Alega a recorrente que a notificação que lhe foi feita em março de 2014 para proceder ao pagamento da coima pelo mínimo é nula, em síntese, por desconhecer a qual das infrações dizia respeito. Sobre essa alegada nulidade – não fundamentada em termos de direito e, por isso, não percetível onde a recorrente baseia a sua existência - escreveu-se na decisão recorrida que tal notificação “não é a decisão final, razão pela qual não está sujeita às formalidades da decisão final. Não carece de fundamentação… constitui a possibilidade de efetuar o pagamento da coima pelo mínimo…” (art.º 50-A do RGCO). E assim é, sendo que a recorrente, parecendo esquecer a natureza do recurso, nada de novo alega que permita questionar a bondade da decisão recorrida e os fundamentos que a suportam, ou seja, que o tribunal errou na decisão que tomou. Acresce que a recorrente já antes havia sido notificada, em 30.04.2012, como consta dos autos, ao abrigo do art.º 50 do RGCO, e bem se evidencia da cópia da notificação junta: 1) dos factos que lhe eram imputados, o dia, hora e local onde ocorreram, as contra-ordenações que tais factos integram e as sanções aplicáveis; 2) da possibilidade: - de se pronunciar por escrito, em 10 dias, sobre as infrações referidas e sobre as sanções em que incorria, e enviar elementos sobre a sua situação económica; - de se fazer representar por advogado; - de requerer o pagamento voluntário da coima pelo mínimo (art.º 50-A do RGCO). E em face desta notificação – onde se identificavam as infrações e sanções aplicáveis e onde lhe era dada a possibilidade de efetuar o seu pagamento voluntário pelo mínimo, nos termos do art.º 50-A do RGCO – não faz qualquer sentido questionar, com o argumento que não compreendeu, o teor daquela 2.ª notificação, no âmbito do mesmo processo, em suma, uma segunda oportunidade que lhe era dada para pagar a coima, pelo mínimo, relativa a cada infração – lógica e necessariamente – que lhe havia sido dada a conhecer. Aliás, deve dizer-se que a arguida não suscitou tal questão quando para tal foi notificada, limitando-se a invocar a prescrição do “presente procedimento” e a manifestar que não pretendia proceder ao pagamento voluntário da coima, o que bem evidencia que compreendeu a notificação que lhe foi efetuada. Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada. --- 7.2. – 2.ª questão Esta questão foi suscitada na 1.ª instância, onde – a esse propósito se escreveu: “A amoestação prevista no artigo 51 do RGCO tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples. No caso em apreço as exigências de prevenção geral são muito elevadas, atenta a quantidade de infrações desta natureza que são praticadas. A contra-ordenação em causa é grave, atento o bem jurídico protegido, mas também a própria moldura da sanção” (deve notar-se que a coima mínima prevista para cada uma das contra-ordenações é de 2.500,00 euros). E não se vê como contornar tais argumentos. Por um lado, não se pode dizer que estejamos perante uma infração de reduzida gravidade - estamos perante duas infrações (e não uma), cuja severidade da sanção aplicável (entre 2.500,00 euros e 30.000,00 euros) bem evidencia a preocupação legislativa em prevenir tais condutas, trata-se de infrações que respeitam a produtos de diversa natureza e – não se provando, embora, que a arguida tenha retirado benefícios de tais condutas – dada a dimensão da arguida tais condutas eram, objetivamente, suscetíveis de iludir/confundir um número indeterminado de consumidores. Por outro lado, a arguida é uma sociedade com elevado volume de negócios, experiente neste tipo de atividade, e agiu com dolo (eventual), ou seja, com perfeito conhecimento de que desse modo violava a lei e, mesmo assim, atuou nos termos dados como provados, conformando-se com o resultado, pelo que não se pode dizer que estejamos perante uma situação em que a culpa do agente deva ser considerada diminuta. E, como assinala o Ministério Público na resposta à motivação do recurso, citando Sérgio Passos, in Contra-ordenações, Almedina, 2.ª edição, 2006, 365, “a admoestação só será de aplicar às infracções qualificadas como leves ou simples, em que o grau da culpa seja reduzido, designadamente, àquelas em que há atuação por negligência ou… em que hajam circunstâncias que atenuem a culpa…”, circunstâncias que – repete-se – não ocorrem no caso em apreço, entendida aquela como grau de censura objetiva que recai sobre a conduta do agente. Improcede, por isso, o recurso. 8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.ºs 513 n.º 1 e 514 n.º 1 do CPP e 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP) (Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
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