Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
825/09.0TTSTB.E1
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: NOTA DE CULPA
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS IMPUTADOS AO TRABALHADOR
PROCESSO DISCIPLINAR
NULIDADE
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELA RELAÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
APROPRIAÇÃO ILÍCITA
Data do Acordão: 06/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário: I- A nota de culpa irregular por não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, só determina a nulidade do processo disciplinar quando o trabalhador não consiga apreender os factos de que é acusado e quando, por via disso, fique impedido de exercer eficazmente o direito de defesa que a lei lhe confere.
II- A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
III- A apropriação ilícita de bens pelo trabalhador assume extrema gravidade no contexto da empresa na medida em que, independentemente do valor dos bens, tal comportamento é gerador de descrédito da entidade patronal na futura conduta do trabalhador, na sua lealdade para com o empregador.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I)
Relatório
P…, residente na Quinta…, intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, contra R…, S.A., com sede em Quinta….
1. O autor alegou, em síntese, que foi trabalhador da ré desde 24 de Junho de 2002 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções do interesse desta, mediante remuneração mensal.
Entretanto, na sequência de procedimento disciplinar, foi despedido. Afirma que nunca praticou os factos de que vem acusado, nunca se tendo conluiado com ninguém para furtar o que quer que seja da empresa, sendo ilícito o despedimento, por ausência de justa causa, com as consequências daí decorrentes.
Conclui pedindo que, com a procedência da acção, o procedimento disciplinar seja considerado nulo por violação do direito de defesa do autor ao não se localizar no tempo os seus comportamentos faltosos e se declare ilícito o despedimento operado pela ré e, por via disso, seja esta condenada a reintegrar o autor ou a pagar-lhe 5.122,60 euros a título de indemnização por antiguidade (opção que difere para final do julgamento em 1.ª instância), 931,02 euros a título de retribuições devidas desde 30 dias antes da propositura da acção, a pagar todas as retribuições desde a data do despedimento até data da sentença aí se incluindo as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que se forem vencendo e, ainda, a pagar ao autor juros de mora à taxa legal sobre as quantias em dívida até integral pagamento.
2. Realizada a audiência de partes, nos termos que estão documentados a fls. 44 e 45, não foi possível obter o acordo, pelo que o processo prosseguiu.
A ré contestou, refutando a existência de vícios no processo disciplinar e que determinem a sua nulidade, bem como a inexistência de justa causa de despedimento que determine a sua ilicitude.
Conclui sustentando que a presente acção deverá ser julgada improcedente e não provada, com a consequente absolvição do pedido.
3. Foi proferido despacho saneador, com fixação dos factos assentes e organização da base instrutória.
Em audiência de discussão e julgamento, o autor optou pela reintegração, caso se julgue ilícito o despedimento.
Concluído o julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto, sem que tenha havido reclamação, e proferiu sentença, onde julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.
4.1 O autor, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) O procedimento disciplinar ser considerado nulo por violação do direito de defesa do Autor pois a nota de culpa não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao Apelante, nomeadamente no que concerne ao momento em que foram praticados, a forma e o modo como foram praticados.
b) O Apelante não praticou os factos de foi acusado.
c) O ónus da prova dos factos integradores da justa causa de despedimento incumbem à Apelada.
d) A decisão sobre matéria de facto encontra-se inquinada uma vez que não foi efectuada qualquer prova testemunhal na audiência de julgamento.
e) O Apelante não confessou os factos de que vinha acusado.
f) Não existe justa causa de despedimento.
Requer “a reapreciação da prova gravada e neste particular a reapreciação da prova gravada no que concerne aos depoimentos prestados por J…, C… e F…”.
Termina afirmando que deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida com todas as legais consequências, condenando-se a ré nos precisos termos formulados na petição inicial.
4.2 A ré veio responder, concluindo nos seguintes termos:
a) A reapreciação da matéria de facto e do registo gravado da prova, só é referido de forma muito genérica e inconsequente, no penúltimo parágrafo do requerimento do Apelante.
b) Vez alguma se reporta a este ou aquele depoimento de uma testemunha e a uma qualquer passagem de uma gravação.
c) Limita-se a pedir reapreciação de toda a gravação de três testemunhas sem referência a qualquer ponto em concreto que entenda incorrectamente julgado, sem explicar os motivos por que considera ter havido erro em cada caso, lançando sobre o tribunal de recurso o ónus que afinal era dele Apelante.
d) O pedido de mera reapreciação de depoimentos, desacompanhado de qualquer especificada motivação crítica, sem apontar onde está o erro, é totalmente inábil a produzir qualquer efeito, mais, tem de ter-se por absolutamente inexistente.
e) O pedido de reapreciação de prova gravada que seja formulada tão vaga e genericamente, nos termos em que vem feito, deve ser tido por inexistente, consubstanciando ao menos objectivamente um expediente para ampliação indevida e inaceitável de beneficiar de dilatação por mais dez dias do prazo normal para recorrer e alegar.
f) Um recurso interposto também em simultâneo quanto à matéria de direito, mas com indevido uso objectivo do prazo especial de mais dez dias por haver um suposto recurso de matéria de facto, deve nesse caso ser julgado consequentemente extemporâneo e dele não deve tomar-se conhecimento.
g) Quando assim se não entenda, deverá de todo o modo julgar-se o presente recurso não provido, por total improcedência.
h) Deverá ser mantida inalterada a decisão apelada pelas razões e fundamentos que por si próprios se sustentam e que a Apelada totalmente subscreve.
Termina clamando por justiça.
4.3 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, emitiu parecer no sentido de ser indeferido o recurso.
Notificados recorrente e recorrida, não houve respostas.
5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A do Código de Processo Civil, e artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, este na versão introduzida pelo Decreto-lei n.º 480/99, de 9 de Novembro – sem prejuízo da apreciação por iniciativa própria de questões que sejam de conhecimento oficioso, o que no caso não se verifica.
Perante as conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso consubstancia-se, essencialmente, na apreciação das seguintes questões:
§ A alegada nulidade do procedimento disciplinar instaurado pela ré, por violação do direito de defesa do autor.
§ A pretendida reapreciação da prova gravada e alteração da matéria de facto.
§ A existência de justa causa de despedimento.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, devem ser considerados os factos que o tribunal de primeira instância julgou provados, em sede de sentença e que são os seguintes (transcrição integral):
1) O Autor foi trabalhador da Ré desde 24 de Junho de 2002. (alínea A) dos factos assentes)
2) Para sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer funções do interesse desta que evoluíram em termos de, actualmente, ocupar a função de categoria de “Operador de Máquinas de elevação e transporte 2ª”. (alíneas B) e C) dos factos assentes)
3) Em 2 de Outubro de 2008, a Ré mandou instaurar processo disciplinar ao Autor. (alínea E) dos factos assentes)
4) Nesta data foram comunicadas as acusações que impendiam sobre o Autor através da competente nota de culpa. (alínea F) dos factos assentes)
5) A esta nota de culpa respondeu o Autor em 17 de Outubro de 2008 refutando as acusações que lhe foram efectuadas. (alínea G) dos factos assentes)
6) O Autor não tem quaisquer antecedentes disciplinares. (alínea H) dos factos assentes)
7) No relatório final enviado em 17 de Novembro de 2008, consideraram-se provados os factos constantes da nota de culpa. (alínea I) dos factos assentes)
8) No processo disciplinar movido ao ora Autor, constava da nota de culpa o seguinte teor:
“NOTA DE CULPA
Deduzida contra P… (conhecido pelo B…), com a categoria profissional de Operador de Máquinas de Elevação e Transporte de 2ª, e com local de trabalho em Quinta da Salmoura, Cabanas.
1. O Trabalhador – Arguido foi admitido ao serviço da Arguente a 24/06/2002.
2. Desempenhando actualmente as funções de Operador de Máquinas de elevação de Transporte de 2ª.
3. A Arguente, em Setembro do corrente ano, tomou conhecimento que o Trabalhador – Arguido, desde há uns meses a esta parte, em conluio com alguns motoristas da empresa T… L.da, nomeadamente, J… e J…,
4. Tem vindo, de forma continuada, a desviar das instalações da Arguente, sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, paletes de madeira com produto (R...rantes) e paletes de madeira vazias pertencentes à Arguente.
5. Trata-se de uma actuação previamente concertada e combinada entre os intervenientes acima indicados.
6. O Trabalhador – Arguido, durante a noite, nas instalações da Arguente, quando carregava com o empilhador os camiões da Empresa de T…, L.da.
7. Aproveitava o escuro da noite e as condições em que é realizada e conferida a carga, nomeadamente o posicionamento dos camiões.
8. Para desviar, sem para tal estar autorizado,
9. Paletes de madeira com produto e paletes vazias pertencentes à Arguente.
10. Depois de efectuados nas instalações da Arguente os carregamentos normais e autorizados, e conferidas as respectivas cargas pelo conferente, o motorista responsável pelo camião onde a carga fora efectuada.
11. Não fechava intencionalmente a cortina de um dos lados do camião, normalmente a cortina situada do lado oposto ao das câmaras de vigilância sitas nas instalações da Arguente.
12. De seguida, Trabalhador – Arguido passava pelo lado do camião onde a cortina não tinha sido fechada, e,
13. Sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, carregava-o com paletes de produto (meias paletes ou paletes completas),
14. E também com paletes vazias, as quais tinham sido descarregadas e conferidas para permanecerem nas instalações da Arguente, que voltavam de novo a ser carregadas no camião.
15. Só depois dos carregamentos ilícitos descritos em 13º e 14º supra, é que o motorista do camião fechava a referida cortina, deixada aberta propositadamente para a actuação não autorizada e ilícita do Trabalhador – Arguido, e saía com o camião para fora das instalações da R....
16. Uma vez com o camião na via pública, o motorista encontrava-se com o Trabalhador – Arguido em local previamente definido,
17. Para partilharem entre si a mercadoria retirada ilicitamente das instalações da Arguente e pertencente a esta, da seguinte forma:
18. Quanto ao produto, este era descarregado no tal local previamente definido e, no momento, partilhado entre o motorista do camião e o trabalhador Arguido,
19. Para posterior venda ou consumo próprio.
20. Quanto às paletes vazias, estas permaneciam no camião, para serem posteriormente vendidas pelo motorista, em Aveiras e Porto Alto.
21. O Trabalhador Arguido recebia a sua parte, ou no próprio dia em que foi feito o carregamento,
22. Ou depois de efectuada a venda das paletes pelo o motorista.
23. Esta situação acontecia de forma reiterada, com qualquer dos motoristas acima indicados.
24. O motorista J… é peremptório nas suas declarações (anexo 2 e 3).
25. Refere que estabeleceu um acordo com o B…, o N…, o P… e o P… (Trabalhador – Arguido), sempre que o carregamento fosse feito de noite,
26. Depois de conferida a carga, o J… “esquecia-se” de fechar a cortina do lado contrário ao das câmaras.
27. E umas vezes o B… outras o P… e o P… (Trabalhador – Arguido) outras, completavam o carro com as paletes que podiam.
28. Depois disso o J… fechava a cortina e saía do parque.
29. À saída da fábrica, por detrás dela e já na via pública, procediam à descarga das paletes que haviam desviado, em local acordado previamente.
30. Eles (incluindo o Trabalhador – Arguido) iam ter com o J… ao local combinado.
31. Descarregavam as paletes que vinham a mais e o produto era entregue ao funcionário da R….
32. O J… identificou o B… (Trabalhador – Arguido) pela exibição de fotografias, incluídas num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
33. Também o motorista J… (Anexo 4 e 5) confirma ter um acordo com o Trabalhador – Arguido, para que, depois de conferida a carga,
34. O Trabalhador – Arguido procedesse à colocação de uma, duas ou mais paletes com produto no reboque conduzido pelo J….
35. O J… esquecia-se de fechar a cortina do reboque do lado oposto ao das câmaras, por forma a que o B…, o C…, o F… ou o B… (Trabalhador – Arguido), procedessem à carga das paletes a mais.
36. Essas paletes completas eram levadas pelo J… para fora do parque,
37. E já na via pública, em local situado perto da fábrica,
38. Local combinado com o referido funcionário da R…, o C…, o B…, o F… ou o B… (Trabalhador – Arguido),
39. Desmontavam as paletes que haviam desviado, e partilhavam-nas entre eles para depois venderem.
40. O J…. entregava o produto (R...rantes) ao Trabalhador – Arguido e recebia a contrapartida.
41. Esta situação ocorria sempre que o J… fazia cargas na R… durante o período da noite.
42. Esta situação dura desde Março de 2008.
43. Quanto às paletes vazias que o J… trazia do LIDL, depois de conferidas pelo funcionário da R…,
44. Eram de novo carregadas pelo C… ou pelo F… no reboque conduzido pelo motorista J...
45. O J… levava as paletes vazias e vendi-as em Aveiras e no Porto Alto.
46. As paletes eram vendidas pelo motorista J… a 3,00 € ou 4,00 € por unidade, sendo que era habitual serem mais de meia dúzia.
47. O J… identificou o B… (Trabalhador – Arguido) pela exibição de fotografias, incluídas num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
48. Um outro motorista da T… L.da, L… (Anexo 10 e 11), também presenciou ao longo dos últimos 6 meses,
49. Que os motoristas J…, J… e M…, quando carregavam durante a noite,
50. Aproveitavam o escuro para desviar juntamente com alguns funcionários da R…, paletes completas de Coca – Cola.
51. Os referidos motoristas, combinados com o C…, o B…, o P… ou o P… (Trabalhador – Arguido), faziam o seguinte:
52. Depois de conferida a carga pelo conferente da R..., os motoristas não fechavam de um lado a cortina do reboque, normalmente a cortina para o lado oposto ao das câmaras.
53. O homem da R… do empilhador, fosse o C…, o B…, o P… ou o P… (Trabalhador – Arguido), passavam pelo reboque e carregavam-no com uma ou normalmente duas paletes com produto (R...rantes) a mais.
54. De seguida o Trabalhador do T…, L.da, J…, J… ou M…, fechavam a cortina,
55. E saíam com os camiões carregados para fora do parque da R...,
56. Entrando na via pública.
57. Cá fora, encontravam-se com o B…, o C…, o P… ou o B… (Trabalhador – Arguido), aquele que tivesse carregado as paletes,
58. Para partilharem entre si o produto do desvio para depois venderem.
59. Ainda, de acordo com as declarações do motorista L…, os intervenientes acima identificados, desviavam paletes vazias da seguinte forma:
60. O Trabalhador – Arguido, depois de carregar com o empilhador a carga normal, e depois de ser conferida,
61. Punha para cima da carga ou atrás,
62. Paletes que já tinham sido entregues e recepcionadas pelo conferente.
63. Tais paletes eram vendidas pelos motoristas J…, J… e M… em Aveiras.
64. Sendo o dinheiro resultante da venda partilhado com o Trabalhador – Arguido,
65. O L…, lembra-se que há 3 ou 4 meses a esta parte,
66. O B… (Trabalhador – Arguido), perguntou-lhe qual era o valor das paletes de madeira no mercado,
67. O L… respondeu-lhe que eram cerca de 3,5 € a 3,6 € cada.
68. O Trabalhador – Arguido (o B…), respondeu ao L… que o L… (motorista da T…, L.da) andava a enganá-lo,
69. Porque pagava ao Trabalhador – Arguido um valor menor pelas paletes.
70. Ver declarações do L… (anexos 10 e 11).
71. O L…, identificou o B… (o Trabalhador – Arguido) perante exibição de fotografia do mesmo, incluído num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
72. Pratica que o Trabalhador – Arguido já vinha repetidamente adoptando, como acima se referiu.
73. Não fora a actuação da Arguente na descoberta da verdade, o Trabalhador – Arguido continuaria seguramente a sua actuação ilícita.
74. Sobre o acima descrito juntam-se depoimentos dos motoristas de T…, L.da, F…(anexo 1), J… (anexos 2 e 3), J… (anexos (4 e 5), J… (anexos 6 e 7), R… (anexos 8 e 9) e L… (anexos 10 e 11), cujo conteúdo se dá por reproduzido.
Com o comportamento atrás descrito, violou o Trabalhador – Arguido de forma consciente e culposa, os deveres prescritos nas alíneas a) “respeitar e tratar com urbanidade e probidade o empregador, … e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa”; do Nº 1 do Artº 121º do Código do Trabalho,
O que é fundamento para o seu despedimento com justa causa, nos termos dos nºs 1, 2 e alínea e) do nº 3 do artº 396º do Código do Trabalho,
Todos eles concorrem de forma grave e irreversível, para uma absoluta perda de confiança da Empresa e cadeia hierárquica em geral, no Trabalhador – Arguido, que lesou interesses patrimoniais sérios da empresa, tendo ficado definitiva e irremediavelmente comprometida a possibilidade de relação profissional do Trabalhador – Arguido com a empresa, o que torna praticamente impossível a subsistência da relação contratual de trabalho entre as partes,
Fica, assim, informado de que, é intenção da Arguente proceder a aplicação da sanção disciplinar prevista na alínea f) do artº 366º do Código do Trabalho, ou seja, o seu despedimento imediato sem qualquer indemnização ou compensação.
Carlos Adrião
Director de Recursos Humanos”. (alínea J) dos factos assentes)
9) Consta do processo disciplinar a seguinte decisão final:
“DECISÃO FINAL DE PROCESSO DISCIPLINAR
Efectuado o Processo prévio de Inquérito para apuramento dos factos, veio o Trabalhador – Arguido a ser acusado da prática dos factos constantes da Nota de Culpa que lhe foi remetida em 02/10/2008 e por ele recebida em 06/10/2008.
1. O Trabalhador – Arguido respondeu à Nota de Culpa, requerendo a junção aos autos do seu cadastro disciplinar.
2. Arrolou ainda três testemunhas, e requereu a sua audição sobre toda a matéria da Nota de Culta e da Resposta à Nota de Culpa.
3. Quanto à junção aos autos do cadastro disciplinar do Trabalhador – Arguido, não é possível dar cumprimento ao solicitado, uma vez que aquele não tem antecedentes disciplinares registados.
4. No que se refere às testemunhas, foi notificado o Trabalhador – Arguido por carta registada com aviso de recepção, remetida a 17/10/2008 e recebida a 22/10/2008, para assegurar a comparência das mesmas para audição, na data, hora e local indicados (Doc. 1).
5. A testemunha Dídio Silva, convocada para o dia 24/10/2008, não compareceu para audição, tendo-se elaborado o respectivo auto de não comparência (Doc. 2).
6. Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas L… e F… em nada abalaram a acusação proferida contra o Trabalhador – Arguido na Nota de Culpa (Docs.3 e 4). Efectivamente,
7. A testemunha F… refere, no seu depoimento, que só fazia cargas durante o dia, pelo que, entende a Arguente, o mesmo não pode saber o que acontecia à noite, período em que os factos fundamentadores do presente processo disciplinar aconteciam.
8. Aliás, esta testemunha afirmou nada saber em relação à quase totalidade da matéria da Nota de Culpa e à totalidade da matéria da Resposta à Nota de Culpa.
9. Pronunciam-se apenas sobre a matéria do artigo 11º da Nota de Culpa, e, mesmo a essa, de forma contraditória pois afirma que “quando vinha fazer carregamentos o conferente dava sempre indicações para fechar o camião” e por outro lado, diz que “nunca fechava as lonas do camião porque sabia que na Portaria a sua viatura iria ser conferida”. Fica a dúvida: fechava a lona como a conferente lhe indicava ou não?
10. A testemunha L…, quanto aos artigos 3º, 4º a 10º, 12º a 42º da Nota de Culpa, disse nada saber.
11. Sendo que estes são os artigos que contêm a descrição dos actos imputados ao Trabalhador Arguido, bem como as circunstâncias que os envolveram.
12. Não podendo, pois, estas suas declarações carrear para o processo qualquer esclarecimento.
13. No que respeita ao artigo 11º da mesma Nota de Culpa produziu a afirmação de que “enquanto esteve no sector do armazém a cortina do camião tinha que ficar aberta para o camião ser conferido na portaria, desconhecendo contudo que essa norma tinha sido revogada, e que os camiões já não eram conferidos na portaria, a partir do momento que deixou de estar ao serviço no armazém”.
14. Ora, como a própria testemunha afirma, já não trabalha no armazém desde 01 de Maio de dois mil e sete, tendo-se já desligado do mesmo, pelo que também neste aspecto não contraria o alegado no referido artigo 11º da Nota de Culpa, limitando-se a dizer que em períodos anteriores a 01/05/2007 a cortina do camião tinha que ficar aberta.
15. Considerando que esta matéria de conferência das cargas dos camiões pelas pessoas da Portaria é sumamente relevante no presente processo, por determinação oficiosa do instrutor do processo, foi requerida a audição,
16. Dos conferentes C…, P…, L… e N… os seus depoimentos, no entanto, não foram esclarecedores (Docs. 5 a 8).
17. Dos vigilantes L…, R… e R…, que também não esclareceram cabalmente o sistema de controlo de camiões (Docs.9 a 11).
18. Do encarregado de armazém, C… (Doc.12) que, este sim, afirma peremptoriamente que, no ano de 2008 – o dos factos em análise – só a partir de Setembro é que os camiões passaram a ser conferidos também pelo pessoal da Portaria, à saída das instalações da Arguente.
19. Sendo que, até essa altura, eram apenas conferidos pelos conferentes no próprio armazém de cargas.
20. O conhecimento desta situação por parte dos trabalhadores do armazém e também dos motoristas das empresas transportadoras externas, explica de alguma forma a facilidade com que o Arguido e, entre outros, os motoristas F… e J…, procediam à retirada ilícita dos produtos e materiais de dentro das instalações da Arguida.
21. Retomando a análise do depoimento prestado por uma das testemunhas indicadas pelo Trabalhador – Arguido, L…, ainda se dirá que:
22. A testemunha L… depondo sobre a Resposta à Nota de Culpa, declara nada saber sobre a matéria contida nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 9º, como já atrás ficou dito.
23. E no que respeita aos artigos 11º, 12º, 13º, 14º e 15º da Resposta à Nota de Culpa, “diz que sim” a todos.
24. No entanto o que a testemunha alega concordar é com as alegações do Trabalhador – Arguido de que sempre desempenhou as suas funções com zelo e diligência, respeitando os seus superiores hierárquicos e os seus colegas de trabalho, cumprindo as suas obrigações profissionais e sendo um trabalhador dedicado.
25. Ou seja, faz como que uma “abonação genérica de boa conduta”, não esclarecendo, por confirmação ou negação, nenhum facto concreto, com relevância no presente processo disciplinar.
26. Finalmente, resta apreciar o Parecer da Comissão de Trabalhadores (Doc 13),
27. Este parecer (apresentado em 3 documentos autónomos devidamente assinados), contem afirmações que se referem a um processo disciplinar em curso contra um outro trabalhador da empresa que não o Trabalhador – Arguido, pelo que tais afirmações não relevam neste processo, nem nele podem ser consideradas.
28. É o caso da “Linha 3” da 1ª parte do parecer; “Linha 1” da 2ª parte do parecer e “Linha 3” da 3ª parte do parecer.
29. Diz depois a Comissão de Trabalhadores que “à data dos factos mencionados os motoristas tinham de deixar um lado aberto e levar a folha de carga ao vigilante para este se certificar da quantidade de paletes no seu camião (“Linha 1” da 1ª parte do parecer).
30. Ora, como já ficou dito, o Encarregado de Armazém, pessoa com a máxima responsabilidade no mesmo, afirma peremptoriamente que, no ano de 2008, só a partir de Setembro é que os camiões passaram a ser conferidos na portaria.
31. E segue o parecer com profusa alegação de que o C… já não estava na empresa à data dos factos, pois dela tinha saído em Fevereiro de 2008.
32. Muito embora essa observação seja totalmente irrelevante para o presente processo disciplinar, pois o tal C… não é aqui Arguido, nem sequer trabalhador da Arguente, sempre se dirá que, certamente, a situação de furto sistemático de mercadorias e materiais do armazém da Arguente já se verificava há mais tempo do que esta conseguiu apurar.
33. Continuando, “Linha 10” da 1ª parte do parecer a Comissão de Trabalhadores diz esta Comissão, estranhamente, que o Trabalhador – Arguido sabia o valor das paletes no mercado.
A Arguente acredita que sim e a Comissão de Trabalhadores, pelos vistos, não tem dúvidas.
34. Aponta a Comissão de Trabalhadores depois, uma contradição no depoimento do motorista J… (“Linha 5” da 2ª parte do parecer), que reputa, aliás, de muito grave.
35. Mas não há qualquer contradição. De facto o motorista J… diz que o Trabalhador – Arguido “nunca o carregou” mas diz também que o mesmo se encontrava com ele, J…, fora da fábrica da Arguente, e que o mesmo, acompanhado de outros colegas, desmontavam as paletes e as partilhavam entre eles para depois as venderem. Ou seja participava activamente no furto.
36. E continua a Comissão de Trabalhadores, mais adiante, fazendo uma afirmação espantosa:
“sabemos que um motorista desta empresa J. A… vindo com uma carga de latas de Coca-Cola e a segundo fiada tinham sido furtados os tabuleiros dessa mesma carga” “sic” (“Linha 2” da 2ª parte do parecer da Comissão de Trabalhadores).
37. Então a Comissão de Trabalhadores soube que tinha havido um furto de latas de Coca-Cola, conhecia o autor do mesmo e nada fez para o impedir ou, ao menos, relatou esse facto aos representantes da Arguente? Não pode ser, deve tratar-se de uma confusão.
38. Como também sabia que o F… “já tinha um hábito de vender paletes!” (“Linha 9” da 3ª parte do parecer).
39. Como também confirma que manteve, no período em que decorre este processo disciplinar “conversas” com o motorista J…, pessoa que confessadamente furtou bens da R...! (“Linha 2” da 3ª parte do parecer).
40. O mesmo J… que, pelos vistos, em conversa com a Comissão de Trabalhadores, não negou que participava nos furtos, limitando-se a dizer à Comissão de Trabalhadores “que não deu quaisquer nomes” (sic), pois foi confrontado com as alcunhas que já estavam em cima da mesa, assim como as fotos dos empregados da Arguente, no Estaleiro de T…, L.da, Assafarge, Coimbra.
41. A Arguente desconhece onde se situa tal estaleiro e desconhecia, até receber o parecer da Comissão de Trabalhadores, que, foi ali que os motoristas alegam ter “alcunhas e fotos” em cima da mesa”.
42. O que, de qualquer modo, não pode ser verdade.
43. Poderiam então ter aproveitado o ensejo dessa conversa com o J... para lhe perguntar “onde iriam as outras paletes?”, pergunta que a Comissão de Trabalhadores “deixa no ar” (“Linha 5” da 3ª parte do parecer).
44. E também não se entende que conclusão pretende a Comissão de Trabalhadores tirar das afirmações de J..., pessoa que a própria Comissão de Trabalhadores considera que “não deve saber o que diz”, “que é mentiroso”, “que é leviano”, “que faz declarações falsas”…
45. A Comissão de Trabalhadores termina o seu parecer, aliás, afirmando, genericamente, que os motoristas denunciantes, J..., L..., J..., F..., J... e R..., ou “não sabem o que dizem”, ou “são mentirosos” ou “são levianos”.
46. Ou seja, na opinião da Comissão de Trabalhadores, todos mentiram quando relataram, de forma convicta e convincente, a intervenção do Trabalhador Arguido nos diversos furtos praticados da forma descrita no processo disciplinar.
47. E porque o fariam? Porque quereriam, todos, acusar um inocente? A Comissão de Trabalhadores não aventa qualquer hipótese, e o Trabalhador – Arguido, aliás, também não.
48. Com o devido respeito, entende a Arguente que a Comissão Trabalhadores não emitiu um parecer fundamentado como prevê o nº 3 do artigo 414º do Código de Trabalho e que o documento (tripartido) que produziu não contém quaisquer factos ou considerações que abalem, ainda que minimamente, a Nota de Culpa.
49. Por seu turno, a Resposta do Trabalhador – Arguido nada mais contém do que uma mera negação em bloco dos factos que lhe foram imputados na Nota de Culpa.
Senão vejamos:
50. No que respeita ao alegado pelo Trabalhador – Arguido nos artigos 2º, 7º e 8º deve dizer-se que se trata apenas de uma negação dos factos de que é acusado, desacompanhada de quaisquer elementos factuais ou circunstanciais que, minimamente, demonstrem que não praticou tais ilícitos.
51. No que se refere ao artigo 3º trata-se de uma mera declaração do Trabalhador Arguido, sem especificar em concreto o afirmado.
52. No que diz respeito aos artigos 4º, 5º e 6º, diz a Arguente que a Nota de Culpa é clara (artigos 42º, 48º e 65º) a localizar no tempo a altura em que o Trabalhador Arguido e seus coadjuvantes praticaram os carregamentos ilícitos, considerando tratar-se, como se tratou, de uma prática continuada.
53. Isto dito, resta concluir e decidir.
54. A primeira conclusão é que a Arguente cumpriu, neste processo disciplinar, todos os procedimentos exigidos pela lei aplicável, estando em condições de proferir decisão final.
55. A segunda conclusão é que os factos imputados ao Trabalhador Arguido na Nota de Culpa não foram destruídos e se mantêm, portanto,
56. Efectivamente, a acusação da Arguente baseia-se nas declarações de cinco trabalhadores da Empresa T…, L.da, que presenciaram os factos e alguns, neles participaram.
57. E não sendo empregados da Arguente não lhes é, sequer, imputável falta de objectividade por força de uma situação de dependência laboral que, no caso, não existe.
58. Nem se descortina qualquer motivo (nem o Trabalhador Arguido ou a Comissão de Trabalhadores o alegam) para não aceitar como verdadeiros os seus depoimentos.
59. Por outro lado o Trabalhador Arguido arrolou três testemunhas, das quais apenas duas se apresentaram na data e horas marcadas para prestar depoimento, depoimentos esses que já mereceram apreciação nos artigos 6º a 14º supra.
60. Não apresentou, pois, o Trabalhador Arguido uma contestação ou resposta à Nota de Culpa, devidamente construída, atacando a veracidade de cada um dos factos que lhe foram imputados.
61. A terceira conclusão é que os factos imputados ao trabalhador Arguido, pela sua extrema gravidade e reiteração, são fundamento para o seu despedimento com justa causa.
62. A conduta do Trabalhador Arguido, que consubstancia, também, um tipo legal de crime, abalou de forma inexorável a base de confiança e pôs em perigo o fim (prático – económico) do contrato de trabalho.
63. De facto, o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer “justa causa” à resolução, é constituído por violações do “princípio de leal colaboração” imposto pelos ditames de boa fé.
64. Além de que a empresa Arguente foi fortemente lesada pela actuação do Trabalhador Arguido e seus cúmplices, estando o valor exacto do dano ainda a ser apurado.
65. Embora não sendo tarefa fácil atendendo às circunstâncias com que a Arguente se viu confrontada, os factos (furto de bens) denunciados pelos cúmplices do Trabalhador Arguido, já se verificavam “há cerca de quatro ou cinco meses” que os mesmos ocorriam “com regularidade”, “era habitual o M... utilizar este esquema quando carregava à noite” (segundo o motorista J...) e “esta situação ocorria sempre que o J... fazia cargas à R...”, “esta situação dura há 6 (seis) meses” e “ eram cerca de 2 (duas) vezes por semana, havendo situações de várias paletes” (segundo o motorista J...) e “…viu com regularidade, sobretudo o L..., a desviar produto e assistia a esta situação pelo menos todas as semanas” (segundo o motorista L...), indicam claramente que o valor dos produtos desviados e consequentemente os danos para a R... foram de valor elevadíssimo.
66. Assim, considerando as acusações contidas na Nota de Culpa que aqui, seguidamente, se transcreve:
67. O Trabalhador – Arguido foi admitido ao serviço da Arguente a 24/06/2002.
68. Desempenhando actualmente as funções de Operador de Máquinas de Elevação de Transporte de 2ª.
69. A Arguente, em Setembro do corrente ano, tomou conhecimento que o Trabalhador – Arguido, desde há uns meses a esta parte, em conluio com alguns motoristas da empresa T… L.da, nomeadamente, J... e J...,
70. Tem vindo, de forma continuada, a desviar das instalações da Arguente, sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, paletes de madeira com produto (Refrigerantes) e paletes de madeira vazias pertencentes à Arguente.
71. Trata-se de uma actuação previamente concertada e combinada entre os intervenientes acima indicados.
72. O Trabalhador – Arguido, durante a noite, nas instalações da Arguente, quando carregava com o empilhador os camiões da Empresa de T…, L.da.
73. Aproveitava o escuro da noite e as condições em que é realizada e conferida a carga, nomeadamente o posicionamento dos camiões.
74. Para desviar, sem para tal estar autorizado,
75. Paletes de madeira com produto e paletes vazias pertencentes à Arguente.
76. Depois de efectuados nas instalações da Arguente os carregamentos normais e autorizados, e conferidas as respectivas cargas pelo conferente, o motorista responsável pelo camião onde a carga fora efectuada,
77. Não fechava intencionalmente a cortina de um dos lados do camião, normalmente a cortina situada do lado oposto ao das câmaras de vigilância sitas nas instalações da Arguente.
78. De seguida, Trabalhador – Arguido passava pelo lado do camião onde a cortina não tinha sido fechada, e,
79. Sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, carregava-o com paletes de produto (meias paletes ou paletes completas),
80. E também com paletes vazias, as quais tinham sido descarregadas e conferidas para permanecerem nas instalações da Arguente, que voltavam de novo a ser carregadas no camião.
81. Só depois dos carregamentos ilícitos descritos em 13º e 14º da Nota de Culpa, é que o motorista do camião fechava a referida cortina, deixada aberta propositadamente para a actuação não autorizada e ilícita do Trabalhador – Arguido, e saía com o camião para fora das instalações da R....
82. Uma vez com o camião na via pública, o motorista encontrava–se com o Trabalhador – Arguido em local previamente definido,
83. Para partilharem entre si a mercadoria retirada ilicitamente das instalações da Arguente e pertencente a esta, da seguinte forma:
84. Quanto ao produto, este era descarregado no tal local previamente definido e, no momento, partilhado entre o motorista do camião e o trabalhador Arguido,
85. Para posterior venda ou consumo próprio.
86. Quanto às paletes vazias, estas permaneciam no camião, para serem posteriormente vendidas pelo motorista, em Aveiras e Porto Alto.
87. O Trabalhador Arguido recebia a sua parte, ou no próprio dia em que foi feito o carregamento,
88. Ou depois de efectuada a venda das paletes pelo o motorista.
89. Esta situação acontecia de forma reiterada, com qualquer dos motoristas acima indicados.
90. O motorista J... é peremptório nas suas declarações (Anexos 2 e 3 da Nota de Culpa).
91. Refere que estabeleceu um acordo com o B..., o N..., o P... e o P... (Trabalhador – Arguido), sempre que o carregamento fosse feito de noite,
92. Depois de conferida a carga, o J... “esquecia-se” de fechar a cortina do lado contrário ao das câmaras.
93. E umas vezes o B... outras o P... e o P... (Trabalhador – Arguido) outras, completavam o carro com as paletes que podiam.
94. Depois disso o J... fechava a cortina e saía do parque.
95. À saída da fábrica, por detrás dela e já na via pública, procediam à descarga das paletes que haviam desviado, em local acordado previamente.
96. Eles (incluindo o Trabalhador – Arguido) iam ter com o J... ao local combinado.
97. Descarregavam as paletes que vinham a mais e o produto era entregue ao funcionário da R....
98. O J... identificou o P… (Trabalhador – Arguido) pela exibição de fotografias, incluídas num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
99. Também o motorista J... (Anexos 4 e 5 da Nota de Culpa) confirma ter um acordo com o Trabalhador – Arguido, para que, depois de conferida a carga,
100. O Trabalhador -Arguido procedesse à colocação de uma, duas ou mais paletes com produto no reboque conduzido pelo J....
101. O J... esquecia-se de fechar a cortina do reboque do lado oposto ao das câmaras, por forma a que o B..., o C…, o F… ou o P... (Trabalhador – Arguido), procedessem à carga das paletes a mais.
102. Essas paletes completas eram levadas pelo J... para fora do parque,
103. E já na via pública, em local situado perto da fábrica,
104. Local combinado com o referido funcionário da R..., o C…, o B..., o F… ou o P... (Trabalhador – Arguido),
105. Desmontavam as paletes que haviam desviado, e partilhavam-nas entre eles para depois venderem.
106. O J... entregava o produto (Refrigerantes) ao Trabalhador – Arguido e recebia a contrapartida.
107. Esta situação ocorria sempre que o J... fazia cargas na R... durante o período da noite.
108. Esta situação dura desde Março de 2008.
109. Quanto às paletes vazias que o J... trazia do LIDL, depois de conferidas pelo funcionário da R...,
110. Eram de novo carregadas pelo C... ou pelo F... no reboque conduzido pelo motorista J....
111. O J... levava as paletes vazias e vendi-as em Aveiras e no Porto Alto
112. As paletes eram vendidas pelo motorista J... a 3,00 € ou 4,00 € por unidade, sendo que era habitual serem mais de meia dúzia.
113. O J... identificou o P... (Trabalhador – Arguido) pela exibição de fotografias, incluídas num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
114. Um outro motorista da T… L.da, L... (Anexos 10 e 11 da Nota de Culpa), também presenciou ao longo dos últimos 6 meses,
115. Que os motoristas J..., J... e M..., quando carregavam durante a noite,
116. Aproveitavam o escuro para desviar juntamente com alguns funcionários da R..., paletes completas de Coca - Cola.
117. Os referidos motoristas, combinados com o C..., o B..., o P... ou o P... (Trabalhador – Arguido), faziam o seguinte:
118. Depois de conferida a carga pelo conferente da R..., os motoristas não fechavam de um lado a cortina do reboque, normalmente a cortina para o lado oposto ao das câmaras.
119. O homem da R... do empilhador, fosse o C..., o B..., o P… ou o P… (Trabalhador – Arguido), passavam pelo reboque e carregavam-no com uma ou normalmente duas paletes com produto (Refrigerantes) a mais.
120. De seguida o Trabalhador do T…, L.da, J..., J... ou M..., fechavam a cortina,
121. E saíam com os camiões carregados para fora do parque da R...,
122. Entrando na via pública.
123. Cá fora, encontravam-se com o B..., o C..., o P… ou o P... (Trabalhador – Arguido), aquele que tivesse carregado as paletes,
124. Para partilharem entre si o produto do desvio para depois venderem.
125. Ainda, de acordo com as declarações do motorista L..., os intervenientes acima identificados, desviavam paletes vazias da seguinte forma:
126. O Trabalhador – Arguido, depois de carregar com o empilhador a carga normal, e depois de ser conferida,
127. Punha para cima da carga ou atrás,
128. Paletes que já tinham sido entregues e recepcionadas pelo conferente.
129. Tais paletes eram vendidas pelos motoristas J..., J... e M... em Aveiras.
130. Sendo o dinheiro resultante da venda partilhado com o Trabalhador – Arguido,
131. O L…, lembra-se que há 3 ou 4 meses a esta parte,
132. O P... (Trabalhador – Arguido), perguntou-lhe qual era o valor das paletes de madeira no mercado,
133. O L… respondeu-lhe que eram cerca de 3,5 € a 3,6 € cada.
134. O Trabalhador – Arguido (o P...), respondeu ao L… que o L... (J... – motorista da T…, L.da) andava a enganá-lo,
135. Porque pagava ao Trabalhador – Arguido um valor menor pelas paletes.
136. Ver declarações do L... (Anexos 10 e 11 da Nota de Culpa).
137. O L..., identificou o P... (o Trabalhador – Arguido) perante exibição de fotografia do mesmo, incluído num conjunto de fotografias dos empregados de armazém da Arguente.
138. A prática atrás descrita já vinha sendo repetidamente adoptada pelo Trabalhador – Arguido, como acima se referiu.
139. Não fora a actuação da Arguente na descoberta da verdade, o Trabalhador – Arguido continuaria seguramente a sua actuação ilícita.
Com o comportamento atrás descrito, violou o Trabalhador – Arguido de forma consciente e culposa, os deveres prescritos nas alíneas a), d), e), f) e g) do nº 1 do Artº 121º do Código do Trabalho,
O que é fundamento para o seu despedimento com justa causa, nos termos dos nºs 1, 2 e alínea e) do nº 3 do artº 396º do Código do Trabalho.
Pelo exposto, decide-se pela aplicação da sanção disciplinar cominada na Nota de Culpa, ou seja, o seu despedimento imediato com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.
C…
Director de Recursos Humanos”. (alínea L) dos factos assentes)
10) A R., em Setembro de 2008, tomou conhecimento que o A., desde há uns meses, em conluio com alguns motoristas da empresa T… L.da, nomeadamente, J... e J..., tinha vindo, de forma continuada, a desviar das instalações da R., paletes de madeira com produto (Refrigerantes) e paletes de madeira vazias a esta pertencentes. (art. 1.º da base instrutória)
11) Sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar. (art. 2.º da base instrutória)
12) Para o efeito, o Autor aproveitava a noite, nas instalações da R., quando carregava com o empilhador os camiões da empresa de T…, L.da. (art. 3.º da base instrutória)
13) Depois de efectuados nas instalações da R. os carregamentos normais e autorizados, e conferidas as respectivas cargas pelo conferente, o motorista responsável pelo camião onde a carga fora efectuada, não fechava intencionalmente a cortina de um dos lados do camião. (art. 4.º da base instrutória)
14) Normalmente a cortina situada do lado oposto ao das câmaras de vigilância sitas nas instalações da R. (art. 5.º da base instrutória)
15) De seguida, o A. passava pelo lado do camião onde a cortina não tinha sido fechada. (art. 6.º da base instrutória)
16) Sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, carregava-o com paletes de produto (meias paletes ou paletes completas). (art. 7.º da base instrutória)
17) E também com paletes vazias. (art. 8.º da base instrutória)
18) Só depois dos carregamentos descritos supra, é que o motorista do camião fechava a referida cortina e saía com o camião para fora das instalações da R.... (art. 9.º da base instrutória)
19) Uma vez com o camião na via pública, o motorista encontrava-se com o A. em local previamente definido. (art. 10.º da base instrutória)
20) Para partilharem entre si a mercadoria retirada das instalações da R. e pertencente a esta. (art. 11.º da base instrutória)
21) O produto era descarregado no tal local previamente definido e, no momento, partilhado entre o motorista do camião e o trabalhador Arguido. (art. 12.º da base instrutória)
22) As paletes vazias, permaneciam no camião, para serem posteriormente vendidas pelo motorista, em Aveiras ou Porto Alto. (art. 14.º da base instrutória)
23) O A. recebia a sua parte depois de efectuada a venda das paletes pelo motorista. (arts. 15.º e 16.º da base instrutória)
24) Esta situação acontecia de forma reiterada, com qualquer dos motoristas acima indicados, J... e J..., ambos empregados da Empresa de T…, L.da. (art. 17.º da base instrutória)
25) E umas vezes o B... outras o P... e o P... (o Autor) outras, completavam o carro com as paletes que podiam. (art. 18.º da base instrutória)
26) Depois disso o J... fechava a cortina e saía do parque. (art. 19.º da base instrutória)
27) À saída da fábrica, por detrás dela e já na via pública, procediam à descarga das paletes que haviam desviado, em local acordado previamente. (art. 20.º da base instrutória)
28) Eles (incluindo o A.) iam ter com o J... ao local combinado. (art. 21.º da base instrutória)
29) Descarregavam as paletes que vinham a mais e o produto era entregue ao funcionário da R.... (art. 22.º da base instrutória)
30) Esta situação durou desde Março de 2008. (art. 23.º da base instrutória)
31) As paletes eram vendidas pelo motorista J... a € 3 ou € 4 por unidade, sendo que era habitual serem mais de meia dúzia. (art. 24.º da base instrutória)
32) Sendo o dinheiro resultante da venda partilhado com o A., que os auxiliava nessa manobra. (art. 25.º da base instrutória)
33) O valor de mercado das paletes era cerca de € 3,5 a € 3,6 cada. (art. 26.º da base instrutória)
34) No mês de Novembro de 2007, o A. auferiu o vencimento base de € 675, o subsídio de turno de € 47,39 e o subsídio de refeição de quantitativo diário de € 5,58 (4 dias).
No mês de Dezembro de 2007, o A. auferiu o vencimento base de € 675 e o subsídio de turno de € 47,39.
No mês de Janeiro de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 675 e o subsídio de turno de € 47,39.
No mês de Fevereiro de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 675 e o subsídio de turno de € 47,39.
No mês de Março de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 47,39.
No mês de Abril de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 48,91.
No mês de Maio de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 48,91.
No mês de Junho de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 48,91.
No mês de Julho de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 48,91.
No mês de Agosto de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80, o subsídio de turno de € 48,91 e o subsídio de refeição de quantitativo diário de € 5,76 (10 dias).
No mês de Setembro de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80, o subsídio de turno de € 48,91 e o subsídio de refeição de quantitativo diário de € 5,76 (7 dias).
No mês de Outubro de 2008, o A. auferiu o vencimento base de € 731,80 e o subsídio de turno de € 48,91, conforme documentos de fls. 252 a 263 cujo teor se dá por reproduzido. (arts. 27.º da 31.º da base instrutória)
2. A alegada nulidade do procedimento disciplinar instaurado pela ré, por violação do direito de defesa do autor.
A este propósito, o recorrente afirma que ocorre violação do respectivo direito de defesa dado que a nota de culpa não contém a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, nomeadamente no que concerne ao momento em que foram praticados, a forma e o modo como foram praticados.
Os presentes autos reportam-se a factos ocorridos entre Março e Setembro de 2008; redigida nota de culpa, foi notificada ao autor em 6 de Outubro de 2008; proferida decisão final, com a aplicação da sanção disciplinar de despedimento imediato com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação, foi notificada ao autor em 18 de Novembro de 2008. Nestas circunstâncias, face à sucessão de regimes e ao disposto nos artigos 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, relevam aqui as regras do Código do Trabalho que foi aprovado pela aludida Lei n.º 99/2003 e subsequentes alterações, nomeadamente, as que resultam da Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, diploma a que se reportarão ulteriores referências ao Código do Trabalho sem outra menção.
2.1 É pacífico que o autor e a ré, desde 2002, estavam vinculados por contrato de trabalho, daí resultando direitos e deveres recíprocos, nomeadamente, na parte que aqui interessa e em relação ao autor/trabalhador, o dever de lealdade – cf. artigos 119.º e seguintes do Código do Trabalho.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 384.º, alínea c), e 396.º e seguintes do mesmo diploma legal, para além de outras modalidades legalmente previstas e na parte que aqui interessa, o contrato de trabalho pode cessar por despedimento por iniciativa do empregador, no exercício do poder disciplinar que a lei lhe confere (cf. artigos 365.º e seguintes do mesmo diploma), por facto imputável ao trabalhador.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a existência de justa causa, constituindo-se como tal o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que se pode consubstanciar com a violação do dever de lealdade e a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa – artigo 396.º do Código do Trabalho.
A concretização do despedimento pressupõe, por sua vez, a existência de um procedimento disciplinar no qual sobressai a imposição de se lavrar nota de culpa e o facto de se considerar aquilo que o trabalhador arguido alegue em sua defesa, caso entenda fazê-lo, culminando na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, no pressuposto da verificação (total ou parcial) dos factos que levaram a instaurar o procedimento, suficientemente graves para justificar a aplicação da sanção disciplinar mais severa – cf. artigos 411.º e seguintes do Código do Trabalho.
Assim, no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, o que se consubstancia, em princípio, particularizando o lugar, o tempo e o modo dos comportamentos que são imputados ao trabalhador e passíveis de configurar infracção disciplinar – artigo 411.º do Código do Trabalho.
Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade (artigo 415.º do Código do Trabalho).
O quadro legal que se deixou sumariamente enunciado evidencia que os factos a considerar na acção de impugnação de despedimento, para se confirmar a existência de justa causa, para além da necessária gravidade, têm de reunir os seguintes requisitos formais: constarem da nota de culpa e, portanto, terem sido por essa via comunicados ao trabalhador (ou serem referidos na defesa escrita por este apresentada, salvo se atenuarem ou dirimirem a sua responsabilidade); constarem da decisão final que aplicou a sanção; provarem-se na aludida acção de impugnação de despedimento.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se, além de outras razões, o respectivo procedimento for inválido, o que se verifica, nomeadamente, se faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador ou se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito – artigos 429.º e 430.º do Código do Trabalho.
A nota de culpa consubstancia-se como peça fundamental do processo disciplinar, na medida em que se mostra necessário que o trabalhador saiba do que é acusado de modo a poder organizar a respectiva defesa.
Importa no entanto salientar que a nota de culpa irregular, isto é, que não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, só determina a nulidade do processo disciplinar quando o trabalhador não consiga apreender os factos de que é acusado e quando, por via disso, fique impedido de exercer eficazmente o direito de defesa que a lei lhe confere.
“Assim, tem-se entendido (e bem) que uma nota de culpa elaborada em termos genéricos, conclusivos, vagos, imprecisos e obscuros não preenche a exigência legal, uma vez que o trabalhador fica impedido de exercer o seu direito de defesa ou, pelo menos, de exercê-lo eficazmente por não ficar a conhecer os factos de que é acusado.
Mas também se tem entendido (e bem) que não há nulidade do processo disciplinar, quando a nota de culpa, não sendo embora um modelo de perfeição, permite apreender o sentido da acusação e os factos em que a mesma se fundamenta.
Naturalmente que uma nota de culpa modelo deve descrever circunstanciadamente os factos imputados ao trabalhador, concretizando-os e indicando as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram, mas, se tal não acontecer, isso não implica necessariamente a nulidade do processo disciplinar. Será necessário averiguar, caso a caso, se a nota de culpa satisfez, ou não, a sua função, apesar das eventuais irregularidades (imperfeições) de que padecia, recorrendo para o efeito ao entendimento de um bom pai de família e levando em conta o teor da resposta à nota de culpa que o trabalhador eventualmente tenha apresentado” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Janeiro de 2007, processo 06S3854, disponível na base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt).
2.2 No caso dos autos, analisados os termos da nota de culpa remetida ao autor e que sustentou o processo disciplinar que lhe foi instaurado, não se vê que ocorra vício relevante, especificamente, que o autor tenha ficado impossibilitado de compreender os concretos factos que lhe eram imputados e, por essa via, de se defender em relação aos mesmos.
Está em causa o desvio das instalações da autora, sem autorização desta, de paletes de madeira com produto (Refrigerantes) e paletes de madeira vazias, a ela pertencentes.
Reportam-se tais factos ao período temporal entre Março e Setembro de 2008, numa actuação continuada.
É afirmado o envolvimento do autor, em conluio com motoristas de uma das empresas de transportes (T…, L.da), explicitando-se como intervenientes os motoristas J... e J....
É indicado o local dos factos e caracterizado o modo de proceder, daí resultando a ocorrência dos factos no período normal de trabalho do autor: este (denominado na nota de culpa “trabalhador – arguido”), durante a noite, nas instalações da ré (aí denominada “arguente”), quando carregava com o empilhador os camiões da Empresa de T…, L.da, aproveitava o escuro da noite e as condições em que era realizada e conferida a carga, nomeadamente o posicionamento dos camiões, para desviar, sem para tal estar autorizado, paletes de madeira com produto e paletes vazias pertencentes à ré. Depois de efectuados os carregamentos normais e autorizados, e conferidas as respectivas cargas pelo conferente, o motorista responsável pelo camião onde a carga fora efectuada não fechava intencionalmente a cortina de um dos lados do camião, normalmente a cortina situada do lado oposto ao das câmaras de vigilância sitas nas instalações da ré; o autor passava então pelo lado do camião onde a cortina não tinha sido fechada, e, sem para tal estar autorizado e com intenção de delas se apropriar, carregava-o com paletes de produto (meias paletes ou paletes completas) e também com paletes vazias; só depois destes carregamentos é que o motorista do camião fechava a referida cortina e saía com o camião para fora das instalações da ré.
Na nota de culpa, remetida ao autor, sumaria-se o relato dos motoristas envolvidos, descrevendo o modo de actuação; a nota de culpa foi acompanhada dos depoimentos das pessoas inquiridas, incluindo os aludidos motoristas.
É certo que, mencionado o período temporal antes mencionado (Março a Setembro de 2008, sendo este o momento em que a ré tomou conhecimento da situação que desencadeou o procedimento disciplinar), não se pormenorizam concretos dias e horas em que terão ocorrido os factos imputados ao autor. Ponderados os concretos factos em questão, o modo continuado e as circunstâncias em que terão ocorrido, compreende-se a dificuldade relativa a tal pormenorização. Por outro lado, não se vê que perante o teor da nota de culpa, o autor tenha ficado impedido alcançar os exactos termos da imputação que aí lhe era feita e de se defender adequadamente.
Não se vê por isso razão consistente para contrariar o entendimento afirmado na sentença recorrida, quando se afirma:
“Assim, o A., quando recebeu a nota de culpa, teve completo conhecimento dos factos de que foi acusado, da intenção de a entidade patronal proceder ao seu despedimento, de quais os deveres violados, qual a sua integração jurídica, quais os prejuízos e consequência advenientes dessa violação, da perda de confiança e da insustentabilidade da relação laboral.
Entende-se, deste modo, que a descrição dos factos imputados tal como plasmada na nota de culpa é bastante para permitir ao trabalhador exercer o seu direito de defesa, aliás como sucedeu, já que aquele apresentou resposta à nota de culpa negando a prática dos factos”.
Daí que improceda nesta parte o recurso.
3. A pretendida reapreciação da prova gravada e alteração da matéria de facto.
3.1 Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.
Importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 655.º do Código de Processo Civil e que tem inteira aplicação no âmbito do processo de trabalho, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto controvertido; não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Por isso, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
“A efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt, processo 06S3540).
Assim, as disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente assinala.
A este propósito, importa considerar o disposto no artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, relativamente ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: nos termos desta norma, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [n.º 1, alínea a)] e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)]; neste último caso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3.2 No caso em apreciação, conforme se vê das actas da audiência de julgamento, a prova foi gravada em sistema digital, pelo que, fundando-se nela o recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, impunha-se ao recorrente que explicitasse os momentos da gravação correspondentes aos excertos dos depoimentos que, na sua leitura, impõem a demonstração de outros factos, sendo tal exigência viável quando é certo que é visível na reprodução do registo a indicação do momento, pormenorizado até ao segundo.
Analisada a motivação de recurso e respectivas conclusões, verifica-se que o recorrente, questionando em termos gerais a matéria de facto que o tribunal recorrido julgou provada, não explicita os concretos factos que pretende terem sido incorrectamente julgados, com referência, nomeadamente, à numeração enunciada na própria sentença. Em termos genéricos, percebe-se que o autor refuta a globalidade dos factos e, especificamente, ter-se conluiado com motoristas de empresas de transportes que iam carregar, às instalações da ré, onde trabalhava o autor como operador de máquinas, para retirar as aludidas paletes, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo aí descritas.
Mas mesmo considerando a formulação genérica no que diz respeito aos factos impugnados pelo recorrente, não são por este explicitados os concretos meios de prova que impõem uma decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal recorrido, quanto à matéria de facto. Na verdade, ao restringir a impugnação à pretendida “reapreciação da prova gravada e neste particular a reapreciação da prova gravada no que concerne aos depoimentos prestados por J..., C… e F…”, o recorrente tem em vista a concretização de um segundo julgamento, com a reapreciação global e genérica de toda a prova, o que manifestamente contraria o disposto nos artigos 655.º e 685.º-B do Código de Processo Civil, determinando a rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
O recorrente insurge-se com o facto de se ter dado credibilidade ao depoimento da testemunha J..., a única testemunha presencial e que no seu depoimento invoca ter efectuado carga de produto em conluio com o autor, uma única vez, quando não localiza os factos e, nos termos afirmados na própria decisão recorrida, prestou um depoimento hesitante e revelando nervosismo.
No despacho de resposta à matéria de facto esclarece-se que “a convicção do tribunal assentou no teor dos documentos juntos aos autos, designadamente do processo disciplinar (fls. 77 a 203), das decisões de despedimento com justa causa de P… e P… (funcionários da R..., por factos da mesma natureza – fls. 204 a 247), do pedido de demissão de J… (também funcionário da R..., após confrontação com factos da mesma natureza dos imputados ao A. – fls. 248 e 249) e das fotografias de fls. 407, conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas”.
Na mesma peça processual e a propósito da testemunha mencionada pelo autor, afirma-se que “a testemunha J..., motorista de pesados, ex-funcionário da T…, L.da, prestou um depoimento algo hesitante e revelando nervosismo, que se atribuiu à circunstância de estar a assumir, ele próprio, a prática de actos que conduziram à cessação do seu contrato de trabalho com aquela empresa e que, inclusive, o fazem incorrer na prática de crimes, mas que depôs de forma credível e convincente, esclarecendo detalhadamente a forma como ocorria o desvio das paletes vazias e do produto, confirmando as declarações prestadas em sede de processo disciplinar e a identificação dos funcionários da R... envolvidos e o modo como era efectuada a venda das paletes. Afirmou ter desviado paletes vazias em conjunto com o A. pelo menos numa ocasião, ter-lhe efectuado o pagamento devido após a venda daquelas e que tal pagamento foi efectuado em numerário. Face ao modo como efectuou tais afirmações não pode deixar de se crer na respectiva veracidade, nada havendo que demonstrasse que a testemunha pretendia de alguma forma prejudicar o A. com o depoimento prestado.
Perante a exibição das fotografias juntas aos autos apontou rapidamente e sem hesitação a pessoa do A., bem como de outros envolvidos como P…, J… e P… (o que é consentâneo com o teor dos documentos de fls. 204 a 249)“.
Conclui o tribunal recorrido que, “do confronto dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, ficou o tribunal convencido da actuação do A. nos moldes em que lhe foi imputada na nota de culpa e confirmada na decisão final do processo disciplinar. Na realidade, não se vislumbra qualquer motivo para que houvesse o A. sido apontado como interveniente nos factos em questão se não tivesse efectivamente neles participado, já que da prova não resultou que a R. tivesse qualquer opinião negativa em relação ao A., nem que houvesse qualquer animosidade contra aquele por parte das testemunhas que depuseram em audiência”.
Perante estes elementos, é inequívoco que, apesar do nervosismo e das hesitações evidenciadas pela testemunha L..., o seu depoimento mereceu credibilidade, não se vislumbrando razões válidas para contrariar as conclusões afirmadas pelo tribunal recorrido e não se explicitando tais razões em sede de recurso.
Importa também salientar que os factos que aqui relevam no que concerne à determinação de responsabilidade do autor e provados em audiência de julgamento são os que se encontram vertidos nos parágrafos 1) a 7) e 10) a 33) dos factos provados. Nos (extensos) parágrafos 8) e 9) expressa-se apenas, no primeiro, o teor da nota de culpa remetida ao autor e, no segundo, o teor da decisão final do processo disciplinar. Em face disso, fica prejudicada a argumentação do autor/recorrente quando pretende que não se provaram alguns factos, evidenciando-se que se reporta a factos aí vertidos (é o que ocorre, nomeadamente, quando afirma que não resultou provado “que o J... trazia paletes vazias do LIDL”).
Também aqui se conclui que improcede o recurso.
4. A existência de justa causa de despedimento
O recorrente afirma a inexistência de justa causa de despedimento.
Nos termos anteriormente enunciados, o despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a existência de justa causa, constituindo-se como tal o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que se pode consubstanciar com a violação do dever de lealdade e a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa – artigo 396.º do Código do Trabalho.
Na sentença recorrida pondera-se que os factos provados “assumem extrema gravidade no contexto da empresa, pois que, independentemente do valor dos bens de que o A. se apropriou, o seu comportamento é gerador de descrédito da entidade patronal na futura conduta do A., na sua lealdade para com o empregador, já que a R. confiava legitimamente que o A. procedesse apenas aos carregamentos autorizados e não se apropriasse de bens que não lhe pertenciam no âmbito do exercício das funções que lhe foram atribuídas. E é de tal modo grave que põe em causa a subsistência da relação laboral”.
Acolhe-se este entendimento, não se vendo razões para censurar a decisão recorrida.
5. Vencido no recurso, o recorrente suportará o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, do Código de Processo Civil).
IV)
Decisão:
1. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo autor, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
2. Custas a cargo do autor.
Évora, 28 de Junho de 2012.
(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto)
(João Luís Nunes)
(António Manuel Ribeiro Cardoso)