Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1111/09.2-D
Relator: MÁRIO JOÃO CANELAS BRÁS
Descritores: ALTERAÇÃO DE NOME PRÓPRIO
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 10/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
Numa pretendida alteração do nome ou apelidos do menor, na sequência de perfilhação (posterior, portanto, à sua fixação no assento de nascimento), não haverá que fazer intervir o Tribunal, mas os Serviços do Registo Civil – de mais a mais, sem se invocar a existência de conflito ou desacordo dos progenitores sobre a matéria, conforme estabelecido no artigo 104.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código do Registo Civil.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes nesta Relação:
O apelante G…, com residência na Rua…, vem interpor recurso do douto despacho que foi proferido no Tribunal de Família e Menores da comarca de Portimão, no incidente que aí suscitou para alteração do nome e apelidos do menor R…, nascido em…, que é seu filho e de L…, residente na Rua… (a quem está entregue) – despacho que considerou o Tribunal incompetente para conhecer de tal matéria e competente o sr. Conservador dos Registos Centrais –, intentando ver agora revogada essa decisão da 1.ª instância e que se considere, então, aquele Tribunal competente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado, alegando, para tanto e em síntese, que não pode aceitar a conclusão do M.º Juiz a quo, no douto despacho recorrido, de que tem que recorrer ao sr. Conservador dos Registos Centrais para poder ver alterado o nome do seu filho menor, “ao abrigo do n.º 2 do artigo 1875.º do Código Civil e da alínea l) do artigo 146.º da Organização Tutelar de Menores”. Com efeito, ao contrário do que vem decidido se, por um lado, “o caso concreto preenche a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 104.º do CRCivil, em que se exceptua a necessidade de intervenção do Conservador dos Registos Centrais”, por outro, “o Conservador dos Registos Centrais, ou qualquer outro Conservador, não se pode substituir à vontade de um dos progenitores, impondo-lhe coercivamente uma alteração do nome do seu filho”. Por isso que, aduz, “o Conservador só é competente para decidir da matéria em apreciação nos casos em que há acordo entre os progenitores, o que não se verifica, pelo que o artigo 104.º do CRC não se aplica”, remata. Termos em que “deve ser declarado competente o Tribunal recorrido e revogado o despacho em crise, substituindo-se por outro que aprecie a pretensão do recorrente”, dessa maneira se dando provimento ao recurso.

O Digno Magistrado do Ministério Público vem contra-alegar, para dizer, também em síntese, que não assistirá razão ao recorrente – “julgamos que (…) a competência não pertence, pelo menos num primeiro momento, ao Tribunal de Família e Menores” –, pois que “a competência para a fase inicial da resolução dos litígios em matéria de alteração dos apelidos, nos casos em que ele se venha a verificar posteriormente, pertence, em todos os casos, à Conservatória do Registo Civil (uma vez que a matéria que ora nos ocupa foi, por via do artigo 2.º, alínea a), subtraída à competência do Conservador dos Registos Centrais)”. Ao que acresceria sempre o facto de haver aqui um erro na forma do processo (utiliza-se o pedido de alteração das responsabilidades parentais para vir a pedir também a alteração dos apelidos do menor), uma ilegal cumulação de pedidos e uma ineptidão do requerimento (ao não serem indicados factos suficientes para se conhecer desse pedido, afinal, justificativos da necessidade ou interesse na alteração do nome). São termos em que, conclui, “a decisão recorrida deve ser mantida na íntegra, negando-se, assim, provimento ao recurso”.

Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:
1) No dia nasceu R…, filho de L… e, posteriormente, perfilhado por G…, ora recorrente (documento de fls. 17 e averbamentos de fls 18 dos autos).
2) Em 13 de Novembro de 2009 o pai do menor solicitou, no Tribunal de Família e Menores de Portimão, a alteração da regulação do exercício do poder paternal e, a um tempo, a alteração do nome do menor para R…, “sendo R…, A… e de J… o apelido do pai” (vide o documento de fls. 3 dos autos).
3) Mas o Tribunal declarou-se incompetente para conhecer dessa matéria, por douto despacho proferido a 11 de Janeiro de 2011 (agora a fls. 6 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
4) Entretanto, já por carta remetida em 23 de Novembro de 2010, havia o pai do menor formulado idêntico pedido à Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa (vide o documento de fls. 15 e o registo postal de fls. 14 dos autos).
5) Que lhe respondeu pela forma que consta do ofício n.º 21271, de 29 de Novembro de 2010 (documento de fls. 20 dos autos, aqui também reproduzido).

Constatada tal realidade fáctica, ao Tribunal se impõe, neste momento, o dever de criteriosamente escolher, no universo legal disponível, os normativos potenciadores da solução que, do ponto de vista do Direito, melhor se adeque às realidades da vida que aqui pulsam, pacificando-as e intentando, ao mesmo tempo, a realização da Justiça.
E a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber quem é que, afinal, é competente para conhecer de um pedido de alteração do nome e apelidos de um menor, se o próprio Tribunal onde corre a regulação das responsabilidades parentais, se a Conservatória dos Registos Centrais, situação por que se optou no douto despacho recorrido. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado.
Vejamos, pois.

Antes de mais, diga-se que depois de pesquisa à jurisprudência constante da base de dados do ITIJ (dos Tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça), nada se encontrou que tenha que ver com esta matéria – nem a decisão recorrida, ou as alegações e contra-alegações de recurso a invocam. E daí que se considere haver até alguma novidade no assunto. Porém, com novidade ou sem ela, o que importa é decidi-lo, procurando uma boa solução. Aos interessados, aparentemente, tanto lhes fará que seja uma entidade ou outra a apreciar/decidir a pretensão: conquanto alguém o faça.

É o seguinte o teor o douto despacho recorrido (a fls. 6 dos autos):

Nos termos da LOTJ, cabe ao Tribunal de Família e Menores decidir, em caso de desacordo dos pais, sobre o nome e apelidos do menor. Porém, tal só sucede previamente à efectivação do registo do nascimento da criança e quando os pais não estão de acordo sobre o nome e apelidos a dar ao filho.
Contudo, quando o nome já está fixado no assento de nascimento (o que acontece no caso dos autos) só pode ser modificado mediante autorização do Conservador dos Registos Centrais (artigo 104.º do CRC).
Em consequência, é o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado.

Como ponto de partida, diremos que os Tribunais servem essencialmente para dirimir conflitos, pelo que lhes não competirá apreciar questões onde tal conflito ainda se não tenha manifestado (vide artigo 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). E o requerente nem sequer veio dizer que havia um conflito entre os progenitores do menor no modo como haveria que ser alterado o nome deste, na sequência da perfilhação (fê-lo só nas alegações de recurso, mas deslocadamente, pois em processo jurisdicional não é na 2.ª instância que se vai invocar a factualidade que haveria de servir de fundamento a um pedido formulado na 1.ª). Mas eles até podem estar de acordo nos termos da alteração.

E, ademais, nem o requerente vai fora disso, pois que, ainda antes de o Tribunal a quo se ter pronunciado sobre a questão, colocou-a ele directamente à Conservatória dos Registos Centrais, para que lha decidissem – e não tendo, na resposta que lhe deu, essa entidade declinado a competência para tal decisão (ao requerente poderá é não ter agradado a solicitação para que viesse previamente a efectuar o depósito da “quantia de € 200, a qual se destina ao pagamento do emolumento devido pela instrução do supra referenciado processo”, conforme o ofício de fls. 20 dos autos, enquanto que no Tribunal litiga de forma gratuita).

Temos, assim, que o interessado G… já solicitou a duas entidades – uma de natureza jurisdicional e outra administrativa – a resolução do seu caso, tendo o Tribunal de Família e Menores de Portimão declinado a competência e a Conservatória dos Registos Centrais ainda não.

Ora, nos termos que vêm previstos do artigo 104.º, n.º 1, do Código do Registo Civil, o nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do conservador dos Registos Centrais.
Assim não será, porém, se a modificação for fundada em estabelecimento da filiação, conforme alínea a), ab initio, do seu n.º 2 – como parece ser o caso que agora nos ocupa, e segundo os elementos de que dispomos.
E, se bem virmos todas as demais excepções àquela regra da necessidade da autorização do conservador dos Registos Centrais – estabelecidas no n.º 2 do preceito legal citado –, o que têm de comum é que se verificam em situações de grande simplicidade ou certeza do direito a registar (alterações a efectivar num nome fixado antes). Na verdade, essas pretendidas alterações ao nome decorrem quase automaticamente de situações jurídicas que já se mostram anteriormente declaradas (perfilhação, adopção, rectificação do registo, renúncia aos apelidos adoptados por virtude do casamento e outras dessa natureza ali enumeradas). E, daí, a dispensa da autorização daquele conservador dos Registos Centrais.

Mas o que se não pode concluir, como conclui o recorrente, é que nesses casos em que a lei dispensa a autorização do conservador dos Registos Centrais para modificar o nome que consta do assento de nascimento, se mostra, então, necessária a intervenção do tribunal.
Isso não teria nem traria qualquer racionalidade ou lógica ao sistema, isto é, ser necessário fazer intervir um tribunal precisamente quando as situações já estão definidas e dispensam mesmo a intervenção do conservador dos Registos Centrais.

Quer dizer: não é por dispensarem essa intervenção do conservador dos Registos Centrais que se vai chamar o tribunal a intervir. Não. O que quer dizer é que nem sequer é necessária a intervenção daquele conservador dos Registos Centrais, bastando a de um outro serviço administrativo dentro da orgânica dos registos e notariado.
Não há, assim, que fazer intervir o tribunal para a pretendida alteração do nome e apelidos do menor R… – de mais, a mais, sem se invocar sequer a existência de um conflito ou desacordo dos seus progenitores sobre a matéria [sendo certo que a alteração de nome tem que ser averbada ao assento de nascimento respectivo, conforme ao artigo 69.º, n.º 1, alínea m), do Código do Registo Civil; isso não se discute].

Razões pelas quais, num tal enquadramento fáctico e jurídico, se terá que manter agora, intacta na ordem jurídica, a douta decisão da 1ª instância, assim improcedendo o presente recurso de apelação.

Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e notifique.
Évora, 06 de Outubro de 2011
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Maria Rosa Barroso